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Endocardite infecciosa – Patrick T OGara

Última revisão: 11/06/2013

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Patrick T. O'Gara, MD, FACC, FAHA, FACP

Director, Clinical Cardiology, Brigham and Women's Hospital, Professor of Medicine, Harvard Medical School, Boston, MA

 

 

Artigo original: O'Gara PT. Infective endocarditis. ACP Medicine. 2011;1-20.

[The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2011 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.]

Agradecimentos: O autor e o editor agradecem as contribuições dos autores anteriores, David T. Durack, MB, DPhil, FACP, e Adolf W. Karchmer, MD, FACP, para o desenvolvimento e redação deste capítulo.

Figuras 2 e 3 – Carol Donner.

Tradução: Soraya Imon de Oliveira

Revisão técnica: Dr. Euclides Furtado de Albuquerque Cavalcanti

 

 

         A endocardite infecciosa é uma doença relativamente rara, porém importante, que apresenta uma ampla variedade de formas e manifestações, todas associadas a uma morbidade e mortalidade significativas. O diagnóstico e o tratamento da endocardite infecciosa envolvem numerosas especialidades clínicas, tais como medicina interna, cardiologia, doenças infecciosas, microbiologia, radiologia, cirurgia cardiovascular, neurologia, nefrologia e odontologia.

 

Definições e terminologia

         A endocardite infecciosa é uma infecção microbiana de uma das valvas cardíacas ou do endocárdio mural causada por bactérias ou fungos. A lesão primária é uma vegetação, que consiste em um trombo de plaquetas e fibrina infectado, localizado dentro do coração. A infecção valvar nativa consiste em uma infecção de valvas cardíacas naturais normais ou anormais. A endocardite de valva protética (EVP) envolve valvas artificiais implantadas. A endocardite nosocomial ocorre como complicação do tratamento médico. Com base em seu curso clínico, a endocardite pode ser classificada como aguda ou subaguda. A forma aguda, frequentemente denominada endocardite bacteriana aguda (EBA), é causada por patógenos invasivos e tende a apresentar progressão rápida, em geral levando à internação do paciente em menos de 1 semana após a manifestação clínica e causando sua morte em menos de 4 semanas, exceto quando tratada com sucesso. A forma subaguda, muitas vezes chamada endocardite bacteriana subaguda (EBS), é geralmente causada por patógenos de baixo grau ou organismos comensais, com sintomas que costumam persistir durante semanas a meses até serem diagnosticados. A endocardite trombótica não bacteriana (ETNB) e a endocardite marântica referem-se a vegetações estéreis presentes no coração, que podem se desenvolver nos mesmos locais onde as vegetações da endocardite infecciosa se desenvolvem. A endocardite de Libman-Sacks refere-se a pequenas vegetações não infectadas, que afetam particularmente os folhetos da valva mitral e são observadas em alguns pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES). A endoaortite infecciosa e a endarterite infecciosa são condições análogas, cujas localizações são, respectivamente, a superfície endotelial da aorta ou das grandes artérias.

 

Epidemiologia

         A incidência geral da endocardite infecciosa varia de 1,7 a 6,2 casos:100.000 indivíduos/ano.1 Embora a incidência geral tenha permanecido relativamente estável nas últimas 5 décadas, houve variação da frequência relativa da doença em determinados subgrupos particulares, assim como de muitos aspectos distintos de sua epidemiologia. A média da idade dos pacientes que sofrem de endocardite aumentou. Em um estudo envolvendo 2.781 pacientes e com duração de 5 anos, a média da idade foi de 57,9 anos.2

         Entre as principais condições predisponentes, a doença cardíaca reumática crônica tornou-se relativamente incomum nos países desenvolvidos, enquanto as doenças valvares degenerativas (p. ex., estenose aórtica calcificada, ânulo da valva mitral calcificado e prolapso da valva mitral) ganharam importância.3 Os casos de endocardite associada ao uso abusivo de fármacos por via parenteral e à presença de valvas cardíacas protéticas tornaram-se mais comuns, assim como a endocardite infecciosa nosocomial. Também está havendo um aumento da frequência das infecções com envolvimento de dispositivos intravasculares implantados, referidas como endocardites infecciosas associadas a dispositivos cardíacos (EIADC), diferentes do envolvimento valvar.

 

Etiologia

         Os cocos gram-positivos, que abrangem diversas espécies de estreptococos e enterococos, além do Staphylococcus aureus, constituem a principal causa de endocardite infecciosa2 [Tabela 1]. No relatório mais recente do International Collaboration on Endocarditis-Prospective Cohort Study (PCS-ICE), S. aureus foi descrito como sendo o patógeno mais frequente.2 A EBS em geral é causada por bactérias relativamente  pouco virulentas e as espécies mais comuns são os estreptococos presentes na flora gastrintestinal (GI) ou oral normal. Estes organismos carecem de uma invasividade que seja suficiente para infectar as valvas cardíacas ou o endocárdio normais, mas conseguem infectar valvas cardíacas deformadas e algumas lesões cardíacas congênitas. Os principais exemplos são os estreptococos beta-hemolíticos, que compõem uma coleção heterogênea de espécies vagamente agrupadas sob a denominação “estreptococos viridans”, por produzirem uma hemólise incompleta e esverdeada quando cultivados em meio ágar sangue.

 

Tabela 1. Causas de endocardite de valva nativa3,12,40,94

Micro-organismo

Percentual representativo de casos

Adquirida na comunidade

Nosocomial

Usuários de drogas IV

Staphylococcus aureus

25

55

55

Estafilococos coagulase-negativos

3

5

2

Estreptococos

35

5

10

Enterococos

10

20

15

Bacilos gram-negativos

3

5

8

HACEK

3

Rara

Rara

Pneumococos

1

Rara

Rara

Leveduras e fungos

1

5

4

Polimicrobiana e de etiologia diversa

5

3

4

Cultura negativa

15

2

2

Os percentuais de casos relatados variam amplamente entre as numerosas séries publicadas.

HACEK = espécies de Haemophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, espécies de Eikenella e espécies de Kingella; IV = intravenoso.

 

         Muitos dos estreptococos causadores de endocardite podem ser classificados de acordo com agrupamento sorológico de Lancefield. Cerca de 20% dos estreptococos pertencem ao grupo D (principalmente, os enterococos e Streptococcus bovis); cerca de 15% são classificados no grupo H (Streptococcus sanguis e outros); e em torno de 15% integram outros grupos sorológicos, incluindo B, C, G e K. Cerca de 5% são estreptococos anaeróbicos, enquanto os 40 a 45% restantes são estreptococos viridans não agrupáveis.

         Enterococcus faecalis, Enterococcus faecium e o estreptococos do grupo D não enterocócico (S. bovis), todos originários dos tratos GI e geniturinário (GU), são importantes como causas de EBS. A porta de entrada para S. bovis frequentemente é uma lesão maligna ou pré-maligna junto ao cólon.4 Em consequência, a avaliação para detecção de possíveis lesões colônicas é obrigatória para pacientes que desenvolvem EBS causada por S. bovis.

         Os estafilococos coagulase-negativos (muitos dos quais são espécies diferentes de Staphylococcus epidermidis) e os organismos HACEK gram-negativos fastidiosos (Haemophilus, Actinobacil­lus, actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella, Kingella) constituem outras causas importantes de endocardite infecciosa. As espécies que menos comumente causam endocardite infecciosa são Brucella, Legionella, Coxiella burnetii, Chlamydia psittaci e Corynebacterium.5,6 Bartonella foi reconhecida como causa de endocardite infecciosa somente na metade da década de 1990, e, desde então, o número de espécies de Bartonella identificadas aumentou de 1 para 24, das quais 10 estão associadas à doença humana.7 A endocardite causada por Bartonella quintana é mais frequente entre indivíduos sem teto, enquanto a endocardite causada por Bartonella henselae pode estar associada ao contato com gatos.8,9 As corinebactérias (difterioides) geralmente causam envolvimento de valvas cardíacas protéticas. A endocardite produzida por C. burnetti, uma infecção notavelmente indolente, ocorre no contexto de uma doença valvar preexistente.10

         A EBA comumente é causada por patógenos primários, que são micro-organismos mais invasivos do que a maioria das espécies causadoras de EBS. Estes organismos invasivos podem infectar valvas cardíacas normais e anormais, bem como o endocárdio mural; são capazes de destruir rapidamente as valvas cardíacas; conseguem invadir os tecidos perivasculares com maior rapidez e formar abscessos; e podem estabelecer focos supurativos metastáticos em localizações corporais distantes (p. ex., cérebro ou baço). S. aureus é a espécie mais frequente e a causa mais significativa de EBA. Outro organismos incluem: Streptococcus pneumoniae, estreptococos do grupo A, Neisseria gonorrhoeae, Salmonella, outros membros da família Enterobacteriaceae e Pseudomonas aeruginosa. Salmonella é a causa mais frequente de aortite infecciosa em idosos. Estes pacientes podem apresentar uma contínua bacteremia por Salmonella na ausência de murmúrio cardíaco.

         A endocardite nosocomial é uma complicação das bacteremias ou fungemias nosocomiais, com frequência associadas ao uso de dispositivos intravasculares ou outros dispositivos internos, manipulação do trato GU ou infecções de feridas.11,12 Os patógenos primários são S. aureus, enterococos e estafilococos coagulase-negativos, a maioria dos quais são S. epidermidis resistentes à meticilina. Entre os indivíduos que fazem uso abusivo de drogas endovenosas, S. aureus (muitas vezes resistente à meticilina) causa pelo menos 50% dos casos de endocardite infecciosa [Tabela 1].13

         A endocardite fúngica pode ser causada por leveduras ou bolores.14,15 Os principais agentes causadores são as leveduras dos gêneros Candida e Torulopsis. A endocardite produzida por estas leveduras surge como uma complicação do uso abusivo de drogas endovenosas, valvas protéticas ou dispositivos intravasculares (p. ex., marca-passo). A endocardite causada por fungos miceliais ou dimórficos é relativamente rara, mas pode ocorrer em indivíduos que fazem uso abusivo de drogas endovenosas, pacientes com valvas protéticas ou pacientes imunocomprometidos. As espécies de Aspergillus são responsáveis pela maioria dos casos. O restante é causado por Histoplasma, Penicillium e uma ampla variedade de outros fungos.

 

Patogênese

Fatores do hospedeiro

         Existem dois fatores inerentes ao hospedeiro que conferem forte predisposição ao desenvolvimento de endocardite infecciosa: (1) uma superfície endocárdica danificada ou anormal; e (2) um fluxo sanguíneo de alta velocidade e turbulento atravessando uma valva defeituosa ou um defeito congênito. Estes dois fatores favorecem a deposição de plaquetas. Quando o sangue segue de uma área de alta pressão para dentro de um escoadouro de baixa pressão, a dinâmica dos gradientes de pressão e o fluxo turbulento favorecem a deposição de plaquetas no endotélio adjacente, especialmente se este endotélio já apresentar anormalidades decorrentes de uma doença prévia, como febre reumática, anomalias congênitas, condições degenerativas ou endocardite infecciosa. Subsequentemente, pode haver desenvolvimento de uma forma localizada de trombose, resultando na formação de um agregado de plaquetas-fibrina estéril, em uma condição conhecida como endocardite trombótica não bacteriana.16 Durante as bacteremias transitórias, os micro-organismos que passam podem aderir a este foco, que lhes fornece nutrição e proteção contra as defesas do hospedeiro, especialmente os leucócitos. As camadas de plaqueta-fibrina formam uma barreira física efetiva entre as bactérias incrustadas e os leucócitos oriundos do sangue. Esta situação possibilita um crescimento bacteriano exuberante. O número de organismos frequentemente se torna amplo, e os organismos formam colônias densas junto ao agregado de plaquetas e fibrina. As próprias bactérias podem promover mais trombose elaborando produtos extracelulares que causam agregação plaquetária ou deflagrando a liberação de fator tecidual pró-coagulante a partir do substrato endotelial e dos monócitos locais.17,18 Desta forma, uma lesão trombótica infectada recém-formada desenvolve-se e forma uma vegetação macroscópica. Estas vegetações constituem o protótipo de lesão patológica da endocardite infecciosa.16

         As defesas locais do hospedeiro que poderiam inibir ou destruir as bactérias da vegetação incluem os leucócitos, anticorpos e complemento, além das proteínas derivadas de plaquetas (trombocidinas).19 Estas defesas antimicrobianas do hospedeiro podem ser bem-sucedidas na cura de alguns casos de infecção endocárdica em estágio inicial, mas aparentemente são raríssimos os casos em que conseguem erradicar os organismos de uma vegetação totalmente estabelecida.

 

Fatores relacionados ao patógeno

         Os estreptococos que causam EBS com mais frequência – os estreptococos viridans (incluindo Streptococcus mutans, Streptococcus mitior e S. sanguis [grupo H]) e S. bovis (grupo D) – aderem prontamente aos trombos de plaqueta-fibrina, devido à presença de dextrana e outras moléculas “pegajosas” (adesinas) em suas superfícies.20 As espécies de estreptococos que não produzem dextrana também podem causar endocardite, porém menos frequentemente. Os organismos virulentos, como aqueles associados à EBA, podem aderir a superfícies endocárdicas normais ou anormais. Os receptores de fibronectina e o fator de aglutinação, que são encontrados na superfície de S. aureus, parecem facilitar a adesão destes organismos às valvas cardíacas.20-22 As espécies bacterianas resistentes às proteínas microbicidas derivadas de plaquetas tendem mais a causar endocardite do que as cepas resistentes.

 

Manifestações clínicas

Endocardite bacteriana subaguda (EBS)

         É comum os sintomas constitutivos de EBS surgirem de maneira insidiosa e com frequência persistem por várias semanas a meses, antes de serem reconhecidos. As febres, suores, enfraquecimento, mialgias, artralgias, mal-estar, anorexia e fadiga são proeminentes. Menos de 5% dos pacientes são afebris, sendo que estes pacientes em geral são idosos, acentuadamente desnutridos ou urêmicos. Os calafrios e as sensações de frio são comuns, porém a bacteremia franca é incomum.

         Graças à maior consciência acerca desta doença e ao uso mais frequente de culturas hematológicas na avaliação de doenças febris, o diagnóstico da EBS agora é estabelecido mais precocemente do que era no passado. Em consequência, muitos dos aspectos clássicos da EBS de longa duração (p. ex., esplenomegalia, baqueteamento e nodos de Osler) raramente são encontrados. A febre e outros sintomas inespecíficos diante da existência de uma lesão cardíaca predisponente podem ser as únicas manifestações clínicas da EBS detectadas em alguns pacientes. As queixas apresentadas podem ser oriundas de outros órgãos ou sítios que não o coração, e este aspecto pode confundir o diagnóstico. Exemplificando, se o paciente tem meningite, êmbolos cerebrais ou glomerulonefrite, a atenção do médico pode ser voltar para o sistema nervoso central (SNC) ou para os rins como sítios primários de doença. Existem diferenças significativas entre os aspectos clínicos apresentados por pacientes idosos e jovens. O diabetes melito, a vegetação valvar mitral, a embolia e comorbidades são mais comuns entre os pacientes idosos. Por sua vez, o sexo masculino, o uso de drogas endovenosas, a endocardite por S. aureus e a vegetação valvar tricúspide são mais comuns em pacientes mais jovens.23

         O aparecimento da EBA costuma ser abrupto, e é comum haver bacteremia franca.24,25 As febres chegam a 39,4 a 40,6°C e com frequência são remitentes. As manifestações cutâneas, em particular as petéquias e pequenos infartos periféricos, podem ser proeminentes, sobretudo na EBA causada por S. aureus. Ocasionalmente, os aspectos clínicos exibidos por pacientes com endocardite aguda por S. aureus mimetizam os aspectos associados à meningocococemia aguda, com aparecimento de lesões cutâneas semelhantes (incluindo petéquias, púrpura e gangrena focal), alterações hematológicas semelhantes (entre as quais a coagulação intravascular disseminada) e achados neurológicos de rigidez nucal e pleiocitose do líquido cerebrospinal (LCE). As petéquias pustulares ou a púrpura purulenta são fortemente sugestivas de endocardite por S. aureus, em vez de meningocococemia [Figura 1]. Uma coloração de Gram e a cultura de material oriundo da lesão cutânea às vezes podem revelar o agente etiológico e, assim, direcionar a terapia antibiótica.

 

 

Figura 1. Achados fornecidos pelo exame físico de pacientes com endocardite. (a) Lesão eritematosa, palpável e insensível na base do 1º dedo da mão, consistente com uma lesão de Janeway. (b) Petéquias conjuntivais. (c) Lesões embólicas sépticas pustulares necróticas na base da unha do dedão do pé do direito e no aspecto medial do dedão do pé esquerdo, ao nível da articulação interfalângica distal.

 

         Os êmbolos são comuns na EBA. As infecções metastáticas no baço, ossos (particularmente as vértebras), articulações, rins, cérebro, olhos (endoftalmite) e pulmões podem surgir de uma embolização séptica ou de uma bacteremia contínua. Estas infecções metastáticas podem causar sintomas órgão-específicos ou febre persistente, mesmo com a terapia antibiótica, podendo requerer drenagem ou intervenção cirúrgica. Os nodos de Osler podem estar presentes, contudo menos frequentemente do que na EBS. As lesões de Janeway são encontradas em 5 a 10% dos pacientes com endocardite por S. aureus [ver Manifestações cutâneas, adiante].

         O aparecimento de um novo sopro cardíaco, particularmente de um sopro característico de insuficiência valvar, é fortemente sugestivo de destruição valvar e, por este motivo, ajuda a confirmar um diagnóstico de EBA. O dano valvar pode levar ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca severa e requerer uma cirurgia de substituição de valva. Alguns pacientes com EBA não apresentam sopro cardíaco detectável.

 

Achados cardíacos

         As manifestações cardíacas de endocardite infecciosa refletem a existência de quaisquer lesões congênitas ou valvares subjacentes, com achados sobrepostos da própria endocardite em si. Os sopros estão presentes em mais de 90% dos pacientes. As alterações na intensidade de um murmúrio sistólico podem estar associadas ao desenvolvimento de anemia, febre alta ou taquicardia e frequentemente são pouco significativas. Entretanto, o aparecimento de um novo sopro indicando a ocorrência de regurgitação valvar constitui um evento diagnóstico decisivo, que também pode ter implicações para a intervenção cirúrgica. Um novo sopro diastólico aórtico sugere a destruição ou dilatação do ânulo aórtico, ou, ainda, a eversão, ruptura ou fenestração de um folheto aórtico. O aparecimento repentino de um sopro alto de regurgitação mitral sugere a ruptura de cordoalha tendínea ou a fenestração de um folheto da valva mitral.

         A insuficiência cardíaca resultante de disfunção valvar pode ser progressiva, tornando-se severa em alguns pacientes. A extensão da infecção para dentro do ânulo pode resultar em perturbações do ritmo cardíaco, particularmente se a infecção evoluir através das porções de folheto não coronariano e coronariano direito do ânulo aórtico para dentro do septo membranoso e da área do nó atrioventricular.26 Ocasionalmente, a infecção anular estende-se para o pericárdio e causa pericardite [ver Aspectos diagnósticos das complicações cardíacas, adiante].

 

Manifestações cutâneas

         As petéquias geralmente ocorrem nas conjuntivas [Figura 1], orofaringe e pele. São particularmente comuns nos membros inferiores. As petéquias podem continuar a aparecer durante algum tempo, mesmo após a instituição de um tratamento antibiótico adequado. As hemorragias subungueais lineares, localizadas na base ou no meio do leito ungueal, são características da EBS. As hemorragias subungueais localizadas na porção distal do leito ungueal são mais frequentemente resultantes de traumatismo. Os nodos de Osler – nódulos subcutâneos sensíveis e de cor púrpura que se desenvolvem na polpa dos dedos da mão e desaparecem dentro de alguns dias – são encontrados em cerca de 5% dos pacientes com endocardite. Os nodos de Osler podem ser causados por pequenos êmbolos ou podem resultar de uma vasculite de pequenos vasos imunomediada. O aparecimento de áreas hemorrágicas ou eritematosas indolores, achatadas e pequenas nas palmas das mãos ou solas dos pés, denominadas lesões de Janeway, é um fenômeno comumente observado na EBA, que também pode ocorrer na EBS [Figura 1].

 

Aspectos musculoesqueléticos

         As mialgias, artralgias, artrites ou lombalgias afetam 40 a 50% dos pacientes com EBS. Em cerca de metade destes pacientes, tais sintomas representam as manifestações iniciais ou proeminentes da doença. É possível observar articulações doloridas, quentes, avermelhadas e sensíveis, porém derrames articulares são raros. Os mecanismos imunológicos causam inflamação sinovial, sintomas articulares e resultados anormais de exames laboratoriais. O fator reumatoide está presente em até 50% dos pacientes com endocardite com duração superior a 6 semanas. Anticorpos antinúcleo são encontrados em alguns pacientes, enquanto os imunocomplexos circulantes estão presentes em 75 a 90% dos pacientes. O baqueteamento dos dedos da mão atualmente é observado em menos de 15% dos pacientes.

 

Achados oculares

         As hemorragias petequiais, hemorragias em forma de chama, manchas de Roth e exsudatos com aspecto de algodão podem ser observados na retina dos pacientes com endocardite. As manchas de Roth, que são áreas brancas ovais circundadas por uma zona hemorrágica vermelha reluzente, são notadas em 3 a 5% dos pacientes afetados. Estes achados oculares não são patognomônicos de endocardite e também podem ser observados em pacientes com outros distúrbios, como leucemia, anemia severa e doenças vasculares colágenas.

 

Fenômenos embólicos

         Uma embolia arterial significativa ocorre em 30 a 50% dos pacientes com endocardite.27,28 Os sinais e sintomas incluem acidente vascular cerebral (AVC); cegueira monocular com obstrução da artéria central da retina; dor abdominal aguda, íleo paralítico e melena decorrentes da oclusão da artéria mesentérica; e dor e gangrena nos membros. A formação de êmbolos que seguem para o SNC é comum e especialmente importante, pois estes êmbolos produzem efeitos adversos sobre as taxas de sobrevida e muitas vezes resultam em incapacitação permanente.28 Os êmbolos coronários, encontrados em até 50% dos pacientes com endocardite durante a autópsia, frequentemente são assintomáticos, embora às vezes resultem em um franco infarto do miocárdio (IM) ou abscesso.

         Os fatores associados ao risco aumentado de embolização incluem o tamanho da vegetação = 10 mm demonstrado por ecocardiografia; a presença de vegetações na valva mitral, em particular no folheto anterior; vegetações que aumentam de tamanho mesmo após a instituição de uma terapia antibiótica adequada; e infecção por S. aureus.27-29 A incidência dos êmbolos arteriais diminui cerca de 10 vezes no decorrer das 2 semanas iniciais da terapia antimicrobiana.27 Mesmo assim, os êmbolos às vezes aparecem tardiamente, depois de a cura microbiológica ter sido alcançada, e não necessariamente apontam a falha do tratamento antimicrobiano.

 

Anormalidades esplênicas

         A esplenomegalia ocorre em 15 a 30% dos pacientes com endocardite. Os infartos esplênicos ocorrem em até 40% dos pacientes e podem ser ou não acompanhados de esplenomegalia. Os infartos esplênicos podem causar dor aguda junto ao quadrante superior esquerdo, mas com frequência são assintomáticos. Os abscessos esplênicos, que se desenvolvem em cerca de 5% dos pacientes, podem manifestar-se como uma dor localizada no quadrante superior do ombro esquerdo ou como uma dor torácica esquerda pleurítica, bem como febre que persiste durante a terapia antibiótica, ou também recidiva de bacteremia. As lesões esplênicas são mais bem-visualizadas por tomografia computadorizada (TC), técnicas de ressonância magnética e, em menor grau, ultrassonografia. Entretanto, é difícil diferenciar entre abscessos e infartos por meio de exames de imagem.

 

Manifestações renais

         A hematúria microscópica é observada em cerca de 50% dos pacientes com endocardite infecciosa. O infarto renal embólico pode causar hematúria e dor no flanco, mas raramente causa insuficiência renal. Até 1/3 dos pacientes apresenta certo grau de insuficiência renal aguda que, por sua vez, está associada a um prognóstico ruim30 e, todavia, costuma ser totalmente resolvida quando a terapia para endocardite é bem-sucedida. A glomerulonefrite membranoproliferativa difusa resulta da glomerulonefrite produzida por imunocomplexos, com deposição de IgG, IgM e complemento seguindo um padrão granular ou nodular junto à membrana basal glomerular ou na membrana basal de localizações subepiteliais ou subendoteliais. O antígeno bacteriano pode ser identificado nestes depósitos glomerulares. Nestes pacientes, os níveis séricos de complemento geralmente estão reduzidos. A glomerulonefrite membranoproliferativa difusa pode acarretar insuficiência renal, e esta, por sua vez, geralmente é resolvida após o tratamento da infecção. A glomerulonefrite embólica focal, originalmente tida como resultante de pequenos êmbolos bacterianos, agora é considerada uma variação anatômica da doença por imunocomplexo e ocasionalmente causa insuficiência renal.

 

Aneurismas micóticos

         Os aneurismas micóticos são aneurismas arteriais que se desenvolvem associados a infecções, especialmente a endocardite infecciosa. A denominação “aneurisma microbiano” é provavelmente um termo mais adequado do que “aneurisma micótico” ou “aneurisma infeccioso”, pois uma ampla variedade de bactérias, fungos, micobactérias e vírus podem causar aneurismas.31 Os aneurismas micóticos ocorrem em 2 a 8% dos pacientes com endocardite infecciosa e podem formar-se em qualquer artéria (com mais frequência nos ramos distais das artérias cerebrais médias), tornando-se particularmente importantes quando envolvem as artérias cerebrais32,33 [ver Manifestações neurológicas, adiante]. Estes aneurismas podem tornar-se sintomáticos logo no início, durante a fase ativa da endocardite, ou mais tardiamente, após a erradicação da infecção valvar.34 As manifestações clínicas, que surgem da ampliação ou ruptura dos aneurismas, incluem cefaleia, dor, massa pulsátil, febre persistente (mesmo após a instituição de um tratamento antibiótico apropriado), sinais focais decorrentes da pressão sobre estruturas adjacentes, desenvolvimento repentino de um hematoma em expansão ou sinais de perda de sangue significativa. Os aneurismas pequenos (tamanho < 5 mm) podem ser resolvidos durante a terapia antibiótica. No caso dos aneurismas maiores, para prevenir uma possível ruptura, a terapia com embolização, clipagem ou excisão costuma ser indicada quando tais intervenções são viáveis e isentas de riscos excessivos.

 

Manifestações neurológicas

         As complicações neurológicas frequentemente se desenvolvem em pacientes com endocardite, acarretando morbidade significativa e mortalidade aumentada.35,36 A condição mental alterada no momento da manifestação da condição está associada a uma maior mortalidade em 6 meses.37 A embolia cerebral pode ser uma manifestação inicial da endocardite. Os AVC causados por êmbolos cerebrais, que geralmente seguem para a artéria cerebral média ou um de seus ramos, constituem a complicação neurológica significativa mais frequente, ocorrendo em cerca de 15% dos pacientes. Alguns pacientes sofrem múltiplos infartos embólicos pequenos, que podem se manifestar como alteração do nível de consciência, convulsões, sinais neurológicos focais flutuantes ou uma combinação destes sintomas. O AVC pode atuar independentemente como fator preditor de morte.35 Alguns pacientes desenvolvem múltiplos aneurismas. Entre os pacientes com aneurismas intracranianos sintomáticos, a mortalidade geral é alta – acima de 50%. Os pacientes com aneurismas micóticos podem apresentar cefaleia, sinais focais ou, diante da ruptura do aneurisma, manifestações de hemorragia subaracnóidea ou intracerebral aguda. Um aneurisma com vazamento lento pode causar irritação meníngea leve. Nestes casos, o LCE, ainda que estéril, pode conter eritrócitos, leucócitos e uma concentração aumentada de proteínas.

         Na busca por um aneurisma intracerebral, a TC com contraste pode fornecer informações sobre a localização, detectando o foco de sangramento intracerebral. A angiografia por ressonância magnética não possui sensibilidade suficiente para detectar com segurança aneurismas com tamanho = 5 mm. A angiografia com subtração digital é considerada o padrão-ouro na avaliação de estruturas cerebrovasculares.38 A angiografia cerebral para detecção de aneurismas tem sido recomendada para pacientes que apresentam sinais neurológicos focais, em especial no contexto da EBA, e para pacientes com cefaleia inexplicável persistente ou irritação meníngea, particularmente quando há planos de se instituir uma terapia de anticoagulação.

O tratamento de um aneurisma micótico detectado por angiografia depende de sua localização e da acessibilidade cirúrgica, presença ou ausência de hemorragia e alterações de tamanho que possam ocorrer durante a terapia antimicrobiana. Entretanto, um aneurisma com vazamento, um aneurisma amplo ou que sofra aumento de tamanho progressivo, ou, ainda, um aneurisma persistente mesmo após a terapia antibiótica deve ser removido cirurgicamente se for acessível. Estes casos complexos devem ser abordados com a contribuição de especialistas em doenças infecciosas, neurologia, radiologia e neurocirurgia.

         Na EBS, os abscessos cerebrais são incomuns. Em pacientes com endocardite por S. aureus, a embolia séptica pode originar múltiplos focos inflamatórios intracerebrais ou abscessos pequenos.

         A encefalopatia tóxica e as convulsões, que geralmente são deflagradas por êmbolos ou AVC, também podem complicar a endocardite ativa. Uma pleiocitose de LCE com predominância de leucócitos polimorfonucleares é observada em alguns pacientes com EBA causada por organismos piogênicos, especialmente S. aureus. Os pacientes com EBS podem apresentar achados de inflamação asséptica no LCE.

 

Endocardite associada ao uso de drogas injetáveis

         A incidência anual da endocardite entre usuários de drogas injetáveis (UDI) é de 0,2 a 2%. No momento do ataque inicial de endocardite, 70 a 80% dos UDI não possuem história nem achados de doença cardíaca valvar preexistente. Nos UDI, a valva tricúspide é mais frequentemente infectada (55%) do que a valva da aorta (35%) ou a valva mitral (30%). Múltiplos episódios de endocardite são comuns entre estes indivíduos.

         S. aureus é responsável por cerca de 55% dos casos de endocardite em UDI [Tabela 1].39 Embora a endocardite polimicrobiana (p. ex., infecção simultânea por P. aeruginosa e S. aureus) seja extremamente rara entre os não UDI com endocardite valvar natural, em até 5% dos casos envolvendo UDI há participação de múltiplos organismos. Na endocardite associada ao UDI, os enterococos, estreptococos e Candida infectam primariamente as valvas da aorta e mitral. S. aureus e P. aeruginosa promovem infecção valvar em ambos os lados, direito e esquerdo, do coração. Entretanto, S. aureus contribui para quase 80% dos casos de endocardite de lado direito em UDI. O Staphylococcus aureus resistente à meticilina (SARM) é encontrado com frequência nestes casos, possivelmente associado à autoadministração repetida de antibióticos. As culturas hematológicas geralmente revelam o organismo causal. A avaliação microbiológica de êmbolos arteriais removidos cirurgicamente pode ser necessária para fins de identificação da causa em certos casos, como naqueles causados por fungos.

         Embora muitas das manifestações de endocardite em UDI sejam similares àquelas observadas na EBA em não UDI, existem algumas diferenças que se devem à alta frequência de envolvimento da valva tricúspide, ao espectro de organismos infecciosos e à infecção ocasional da valva do tronco pulmonar. Febre alta, calafrio, rigidez, mal-estar, tosse e, em especial, dor torácica pleurítica são queixas comumente apresentadas por UDI com endocardite de lado direito. Os êmbolos pulmonares sépticos são encontrados em cerca de 75% dos casos, particularmente em pacientes infectados por S. aureus. Estes êmbolos induzem produção de expectoração, hemoptise e achados radiológicos iniciais que podem sugerir pneumonia. A cavitação das lesões pulmonares embólicas é bastante comum. Sopros cardíacos significativos são ouvidos na maioria dos pacientes em algum momento no curso da doença, mas podem estar ausentes no início. Pode ser difícil detectar o sopro da regurgitação tricúspide – um murmúrio sistólico inicial que é mais alto durante a inspiração. Em termos de hemodinâmica, uma insuficiência tricúspide significativa manifesta-se como ondas V na veia jugular e fígado pulsátil.

         Como S. aureus e outras espécies de bactérias piogênicas constituem as causas predominantes de endocardite infecciosa em UDI, as infecções metastáticas são uma complicação frequente. As manifestações neurológicas e os êmbolos periféricos são comuns. Os êmbolos periféricos obstruem vasos importantes e requerem tratamento cirúrgico.

 

Endocardite valvar protética (EVP)

         A incidência de EVP é de 1 a 2% no 1º ano. Subsequentemente, passa a girar em torno de 0,5% ao ano, resultando em uma incidência cumulativa de 4 a 5% durante os primeiros 5 anos após o implante da valva.40-43 A infecção pode ser introduzida no momento da colocação da valva ou a partir da bacteremia, a qualquer momento, subsequentemente. Os riscos de infecção são similares para as valvas bioprotéticas de porco e mecânicas, e também para as próteses de valva mitral e aórtica.40-42 A principal causa de EVP durante o 1º ano após a cirurgia são os estafilococos coagulase-negativos resistentes à meticilina, de modo predominante o S. epidermidis [Tabela 2]. Os estafilococos coagulase-negativos continuam sendo responsáveis pela ocorrência de casos de EVP em 1 ano ou mais após a cirurgia. Entretanto, estes estafilococos frequentemente são espécies distintas de S. epidermidis, e apenas 20 a 30% são resistentes à meticilina. S. aureus, estreptococos, enterococos e cocobacilos gram-negativos fastidiosos, que são os principais organismos associados à endocardite valvar natural, causam cerca de 3/4 dos casos de EVP que ocorrem após 1 ano da substituição da valva.40-42 Os estafilococos coagulase-negativos são responsáveis por pelo menos 35% dos casos de EVP e, portanto, não devem ser descartados como agentes contaminantes (que de fato costumam ser em outros contextos), se forem isolados do sangue de um paciente que tenha valva protética.

 

Tabela 2. Etiologia da EVP40,82,95,96

Organismo

Momento da manifestação após o implante da valva e percentual de casos

= 2 meses

2 a 12 meses

> 12 meses

Estafilococos coagulase-negativos

54

56

15

Staphylococcus aureus

8

9

13

Bacilos gram-negativos

12

3

1

Estreptococos

Rara

3

34

Enterococos

Rara

6

11

Corynebacteria

8

Rara

1

HACEK

Rara

3

14

Fungos

6

6

3

Diversos

6

6

1

Cultura negativa

5

9

5

EVP = endocardite de valva protética; HACEK = espécies de Haemophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, espécies de Eikenella e espécies de Kingella; IV = intravenoso.

 

         A infecção de valvas protéticas está associada, frequentemente, à invasão de tecidos perivalvares – resultando na formação de abscessos anelares valvares e em disfunção valvar – e, em alguns casos, ao desenvolvimento de abscessos miocárdicos.40,44,45 A necrose do ânulo a partir de uma infecção invasiva pode causar a deiscência parcial da prótese, resultando em regurgitação paravalvar hemodinamicamente significativa. Estas alterações patológicas podem ocorrer com o uso de próteses mecânicas ou de porco, em particular quando as valvas estão em posição aórtica ou quando há infecção durante o 1º ano pós-operatório.42,46 Ocasionalmente, as vegetações podem obstruir parcialmente o orifício valvar ou restringir a movimentação da valva, acarretando estenose funcional. Estas alterações são mais prováveis com as próteses em posição mitral. Quando a infecção é restrita aos folhetos de uma valva bioprotética de porco, a destruição do folheto, as vegetações obstrutoras e a manifestação tardia de rigidez do folheto podem promover uma disfunção valvar clinicamente significativa.46

         O aspecto clínico dominante da EVP que ocorre durante os primeiros 60 dias subsequentes à cirurgia (EVP inicial) é a febre, independentemente de haver ou não um sopro regurgitante associado à valva protética. Alguns pacientes apresentam disfunção valvar protética com consequente insuficiência cardíaca. As petéquias ocorrem em cerca de metade dos pacientes com EVP em estágio inicial. Entretanto, as manchas de Roth, nodos de Osler e lesões de Janeway são incomuns. Os êmbolos são comuns no início da EVP. A existência de êmbolos ocluindo artérias periféricas amplas é sugestiva de endocardite fúngica. Como as culturas hematológicas com frequência resultam negativas em casos de pacientes com endocardite fúngica, este diagnóstico frequentemente deve ser estabelecido com base nos exames histológicos, cultura e, às vezes, testes moleculares de amostras cirúrgicas, de autópsia ou de vegetação recuperada por embolectomia.

         Os aspectos clínicos da EVP que ocorre após um período de 60 dias subsequentemente à cirurgia (EVP tardia) são similares àqueles associados à EBA ou EBS envolvendo valvas naturais, dependendo do organismo infeccioso.

 

Diagnóstico

Critérios de Duke

         Embora o diagnóstico de endocardite possa ser prontamente evidente em casos de pacientes com síndrome clássica de febre, sopro associado à disfunção valvar, sinais periféricos típicos e bacteremia, o diagnóstico é menos evidente na maioria dos pacientes.47 Uma abordagem diagnóstica conhecida como critérios de Duke foi projetada pelo Duke Endocarditis Service [Tabelas 3 e 4].48 Com base nestes critérios, o diagnóstico de endocardite pode ser estabelecido de forma definitiva, seja por meio de critérios patológicos ou de critérios clínicos. Os critérios patológicos incluem evidências diretas fornecidas pela cirurgia ou autópsia, enquanto os critérios clínicos derivam de dados microbiológicos (cultura, testes sorológicos ou moleculares), ecocardiografia, exame físico e outros achados laboratoriais [Tabela 4]. Nas avaliações retrospectivas de casos patologicamente comprovados de endocardite valvar natural e EVP, foi constatado que estes dois critérios clínicos são sensíveis48-50 e apresentam alta especificidade.49,51,52 Os erros diagnósticos foram raros quando estes critérios clínicos foram utilizados na reavaliação de casos que haviam sido confirmados pela patologia. A especificidade e os valores preditivos negativos destes critérios foram descritos como sendo, respectivamente, 99% e 92%.51,52 Somente em casos bastante raros, o uso destes critérios clínicos resulta na rejeição dos casos considerados como sendo de endocardite em avaliações especializadas independentes.53 Também foi proposto um novo sistema de escores inicial, que emprega sinais clínicos inespecíficos e resultados biológicos para identificar pacientes com alta probabilidade de endocardite infecciosa.54

 

Tabela 3. Critérios de Duke para o diagnóstico de endocardite infecciosa44,65,97,98

Diagnosticada

Critérios patológicos

1. Micro-organismos: demonstrados por cultura, coloração de Gram, histologia ou teste molecular validado, junto a uma vegetação que tenha sido embolizada ou em amostra de abscesso intracardíaco OU

2. Lesões patológicas: vegetação ou abscesso intracardíaco confirmado por exame histológico que mostre a endocardite ativa

Critérios clínicos*

1. Dois critérios maiores OU

2. Um critério maior E 3 critérios menores OU

3. Cinco critérios menores

Possível

Achados consistentes com endocardite infecciosa que se aproxima de “definida” e não é “rejeitada”

Rejeitada

1. Firmar o diagnóstico alternativo para manifestações de endocardite infecciosa OU

2. Resolução da síndrome de endocardite com terapia antibiótica de duração = 4 dias OU

3. Ausência de evidências patológicas de endocardite infecciosa na cirurgia ou autópsia, com terapia antibiótica de duração = 4 dias

*Ver na Tabela 4 as definições de critérios maiores e menores.

 

Tabela 4. Definições dos termos empregados nos critérios de Duke para diagnóstico de endocardite infecciosa48

Critérios maiores

1. Culturas hematológicas positivas para os seguintes patógenos:

Micro-organismos típicos, consistentes com o diagnóstico fornecido por 2 culturas hematológicas separadas

a. Estreptococos viridans, Streptococcus bovis ou organismos HACEK

OU

b. Staphylococcus aureus ou enterococos adquiridos na comunidade, na ausência de foco primário

OU

Culturas hematológicas persistentemente positivas, definidas como sendo de micro-organismos consistentes com os seguintes diagnósticos:

a. Pelo menos 2 amostras de sangue coletadas com um intervalo > 12 horas

OU

b. 3 de um total de 3 ou a maioria, quando mais de 3 culturas hematológicas são coletadas, sendo a 1ª e a última amostras coletadas com um intervalo de pelo menos 1 hora

2. Evidência de envolvimento endocárdico

Ecocardiograma positivo para EI:

a. Massa intracardíaca oscilante em uma valva ou estruturas de suporte, no caminho dos jatos de regurgitação ou no material implantado, na ausência de uma explicação anatômica alternativa

OU

b. Abscesso

OU

c. Uma nova deiscência parcial da valva protética

OU

Uma nova regurgitação valvar (a alteração de um sopro preexistente é insuficiente)

Critérios menores

1. Predisposição: condição cardíaca predisponente ou uso de substância IV

2. Febre: temperatura = 38°C

3. Fenômenos vasculares: êmbolos arteriais significativos, infartos pulmonares sépticos, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragias conjuntivais, lesões de Janeway

4. Fenômenos imunológicos: glomerulonefrite, nodos de Osler, manchas de Roth, fator reumatoide

5. Evidências microbiológicas: cultura hematológica positiva, todavia que não atenda a um critério maior (ver anteriormente)*, ou evidência sorológica de infecção ativa por organismo consistente com EI

6. Ecocardiograma consistente com EI, todavia que não atenda a um critério maior (ver anteriormente)

*Exclui culturas positivas únicas para estafilococos coagulase-negativos, difterioides e organismos que não costumam causar endocardite.

EI = endocardite infecciosa; HACEK = espécies de Haemophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, espécies de Eikenella e espécies de Kingella; IV = intravenoso.

 

Ecocardiografia

         Os critérios de Duke utilizam a ecocardiografia para definir os aspectos anatômicos da endocardite. Tanto a sensibilidade como a especificidade da ecocardiografia são altas quando um operador de ecocardiografia experiente aplica critérios específicos. Embora vários estudos tenham demonstrado que a ecocardiografia transtorácica (ETT) é menos sensível do que a ecocardiografia transesofágica (ETE) para detecção de endocardite valvar natural, os recentes avanços tecnológicos, especialmente a introdução de imagens harmônicas e o processamento e armazenamento digital, melhoraram a qualidade da imagem fornecida pela ETT.55 A especificidade de ambas as técnicas é alta. A TC em múltiplos cortes também se mostrou promissora nos estudos em que foi empregada na avaliação de anormalidades valvares.56 A ecocardiografia é a técnica preferida para identificação da infecção perivalvar e de outras complicações intracardíacas da endocardite. Para a detecção de abscessos, o exame transesofágico é significativamente mais sensível (76 a 87%) do que o exame de imagem transtorácico (18 a 28%), com a mesma especificidade.

         Todos os pacientes com forte suspeita de endocardite devem ser submetidos à ecocardiografia. Entretanto, a ecocardiografia não deve ser considerada um teste de avaliação geral para pacientes que com baixa probabilidade de endocardite (p. ex., a maioria dos pacientes com doenças febris agudas). Por sua alta sensibilidade, um resultado negativo de ETE constitui boa evidência contra a existência de endocardite em pacientes com risco baixo ou intermediário de desenvolvimento desta infecção. Contudo, havendo alta probabilidade de endocardite, um ecocardiograma negativo não exclui totalmente o diagnóstico. A taxa de resultados falso-negativos para ETE é de 6 a 13%.59 Uma repetição do exame transesofágico de pacientes com endocardite diminui a incidência de resultados falso-negativos para aproximadamente 5%.59 Ademais, uma ecocardiografia não é capaz de distinguir com segurança uma vegetação infectada de uma vegetação estéril, vegetações trombóticas não bacterianas de endocardite marântica ou trombos intracardíacos, como aqueles observados na síndrome do anticorpo antifosfolipídio.

         A ETT tem utilidade limitada no diagnóstico da EVP, porque a própria prótese por si só gera ecos que frequentemente obscurecem as vegetações e os abscessos. A ETE avalia mais efetivamente as valvas protéticas e os tecidos perivalvares, em especial quando o paciente possui uma prótese de valva mitral.60,61 Na EVP, a técnica transesofágica identificou vegetações em 82% dos pacientes, enquanto a taxa de identificação de vegetações por TTE foi de 36%.45 De modo semelhante, a detecção de abscessos paravalvares em pacientes com EVP é acentuadamente aumentada pelo uso da ETE, em vez da ETT.60

 

Cultura hematológica

         Em casos de pacientes com suspeita de endocardite, a identificação do agente etiológico microbiano e a determinação de sua suscetibilidade antimicrobiana são essencialmente importantes para o diagnóstico e o tratamento. Na maioria dos pacientes com EBS, as hemoculturas realizadas antes da iniciação da terapia antibiótica resultam positivas, refletindo a contínua bacteremia associada à superfície endotelial contaminada. Para otimizar o valor das culturas hematológicas, as melhores diretrizes de prática recomendam uma preparação antisséptica da pele, a fim de minimizar a contaminação da amostra pela flora cutânea: limpeza, seguida da aplicação de álcool isopropílico a 70% e, após a secagem, aplicação de iodofor ou clorexidina que é deixada secar.62 A amostra de sangue deve ser coletada em 3 punções venosas realizadas em 3 sítios diferentes. Este procedimento deve ser feito com intervalo de horas, quando o paciente apresenta síndrome subaguda, ou poucos minutos, se houver suspeita de endocardite aguda. O volume ideal de cada amostra é 12 a 20 mL e deve ser igualmente distribuído em 2 balões de cultura, de modo a render um total de 6 balões. A obtenção de um grande volume de sangue para realização da cultura maximiza o rendimento,62 porém volumes menores devem ser aceitos para bebês ou crianças pequenas. Usar caldos aeróbicos e anaeróbicos como meio de cultura também ajuda a maximizar o rendimento. Se o paciente recentemente recebeu qualquer tipo de tratamento antibiótico, o uso de um meio contendo dispositivo de remoção de antibióticos (p. ex., resina) aumentará o rendimento em 5 a 15%.62 As culturas hematológicas devem ser incubadas durante 5 dias, porque os modernos meios de cultura aprimorados permitem o crescimento da vasta maioria de micro-organismos relevantes dentro deste período. Isto é válido até mesmo para a maioria das bactérias denominadas fastidiosas ou de crescimento lento, como as bactérias HACEK e os estreptococos nutricionalmente variáveis (espécies de Abiotrophia).

 

Endocardite com cultura negativa

         As culturas hematológicas resultam negativas em 5 a 20% dos pacientes com endocardite infecciosa.6,63 [Tabelas 1 e 2]. Em cerca de metade destes casos, as culturas hematológicas resultam negativas em consequência de uma terapia antimicrobiana prévia, ainda que a vegetação continue infectada. A recuperação do organismo causal a partir do sangue destes pacientes previamente tratados muitas vezes pode ser acompanhada da repetição das culturas, decorridos vários dias da interrupção do uso dos antibióticos, ou pelo uso de ferramentas diagnosticas adicionais (p. ex., reação em cadeia da polimerase).64 As culturas hematológicas também podem resultar negativas em certos casos de endocardite de lado direito causada por organismos relativamente não invasivos. Atualmente, porém, a maioria dos casos de endocardite de lado direito ocorre em UDI e é causada por bactérias piogênicas, como S. aureus e P. aeruginosa, que são prontamente isoladas a partir do sangue. A cultura de medula óssea ou sangue arterial não fornece mais informações do que é possível obter com uma cultura de sangue venoso.

         Vários fatores adicionais podem atrapalhar o isolamento do agente infeccioso a partir do sangue de pacientes com endocardite infecciosa. O isolamento das espécies de Bartonella pode requerer mais de 5 dias. Também é difícil isolar alguns fungos miceliais, como Histoplasma capsulatum e as espécies de Aspergillus, mesmo empregando técnicas especiais (p. ex., lise por centrifugação). Por fim, o isolamento de C. burnetti e C. psittaci requer o uso de técnicas que ultrapassam a capacidade da maioria dos laboratórios.10,65,66 O provável diagnóstico da endocardite causada por espécies de Bartonella, Legionella, Brucella, C. psittaci e C. burnetii pode ser obtido com exames sorológicos. Estes exames devem ser realizados na avaliação de casos de endocardite que aparentemente apresentam cultura negativa, em particular quando as culturas negativas não podem ser atribuídas a uma terapia antimicrobiana prévia.66 As culturas diretas em meios especiais, o exame histopatológico com colorações especiais e as técnicas moleculares de recuperação de DNA ou RNA ribossômico 16S podem ser usadas para determinar a etiologia a partir do exame das vegetações removidas de valvas ou (quando embolizadas) das artérias periféricas.66,67

 

Bacteremia em pacientes com valvas cardíacas protéticas

         Assim como na endocardite de valva natural, o diagnóstico de EVP geralmente é estabelecido com base na história, exame físico, ecocardiografia e detecção de bacteremia. Entretanto, apenas um subgrupo de pacientes com valva protética que apresentam bacteremia subsequentemente desenvolvem EVP. Dentre os pacientes bacterêmicos com valva protética cuja cultura hematológica inicial positiva não constitui uma evidência-sentinela de EVP ativa propriamente dita, apenas 15 a 20% desenvolvem EVP causada pelo organismo isolado na cultura hematológica.68

         A bacteremia transiente com bacilos gram-negativos oriundos de fontes extracardíacas geralmente não resulta em colonização de valvas protéticas. Contudo, a EVP é sugerida por uma bacteremia recrudescente ou contínua, que se desenvolve após a erradicação do foco extracardíaco de infecção, assim como por uma bacteremia bacilar gram-negativa persistente sem fonte extracardíaca identificável, mesmo na ausência de um novo sopro regurgitante ou de outros sinais de endocardite. Uma bacteremia por estafilococos coagulase-negativos persistente ou de alto grau em um paciente com valva protética é fortemente sugestiva de EVP. De modo similar, a probabilidade de EVP existe quando as técnicas moleculares demonstram que os estafilococos coagulase-negativos esporadicamente isolados em múltiplas culturas hematológicas pertencem a clone único. As culturas hematológicas resultam negativas em cerca de 6% dos casos de EVP. As culturas negativas geralmente resultam de uma terapia antibiótica prévia ou refletem características exclusivas dos organismos infecciosos.

 

Exames laboratoriais auxiliares

         Os resultados de muitos exames laboratoriais tendem a ser anormais em casos de pacientes com endocardite, devido ao impacto sistêmico da infecção e em decorrência da lesão a vários órgãos. Entre estes exames estão o hemograma completo, urinálise, níveis de ureia no sangue, concentração de creatinina, fator reumatoide, quantitativo de imunoglobulinas, níveis de complemento, velocidade de hemossedimentação (VHS) e níveis de proteína C reativa. Estes exames auxiliares podem fornecer indícios do diagnóstico e podem ser úteis para fins de monitoramento do progresso do tratamento da endocardite. Contudo, estes exames em geral são inespecíficos e não são decisivos para o estabelecimento do diagnóstico. Por este motivo, tais exames laboratoriais não estão incluídos entre os critérios de Duke.

 

Aspectos diagnósticos das complicações cardíacas

         A insuficiência cardíaca constitui a complicação cardíaca mais frequente da endocardite infecciosa e pode resultar de uma variedade de fatores. A doença valvar preexistente pode ser agravada pelos efeitos da endocardite infecciosa, que incluem rupturas, perfurações e obstrução de valvas, bem como ruptura das cordas tendíneas. Estas complicações também podem afetar as valvas previamente normais. O dano à valva da aorta decorrente de infecção pode acarretar um comprometimento hemodinâmico severo e de progressão rápida, ainda mais grave do que um dano comparável à valva mitral. A embolia arterial coronariana pode causar IM evidente ou silencioso que, por sua vez, pode contribuir para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca. Um aneurisma micótico de um seio de Valsalva ou um abscesso de ânulo aórtico podem se romper através do septo membranoso para dentro do átrio ou ventrículo direito [Figura 2]. O fluxo através da fístula resultante acarreta elevação abrupta da pressão na veia jugular e origina um sopro contínuo ou do tipo vaivém, vibrando ao longo da borda esternal esquerda. Os pulmões permanecem relativamente limpos. O dano valvar e a disfunção subsequente, bem como a formação de fístula intracardíaca, podem ser definidos com acurácia por ecocardiografia.

 

 

Figura 2. As relações anatômicas entre a cúspide não coronariana e a cúspide esquerda da valva da aorta, septo interventricular, septo membranoso, valva tricúspide e valva mitral são esquematizadas ao nível da raiz aórtica.

 

         O desenvolvimento de novas anormalidades de condução podem sinalizar a extensão da infecção junto ao septo, afetando seus tecidos de condução.26,44 O prolongamento do intervalo PR e o bloqueio do ramo esquerdo ou bloqueio do ramo direito com hemibloqueio anterior esquerdo sugerem a extensão da infecção a partir da valva da aorta. A proximidade da área mais fraca do ânulo da valva da aorta em relação ao septo membranoso e ao sistema de condução contribuem para o desenvolvimento destas anormalidades de condução [Figura 3]. De modo similar, a extensão da infecção a partir do ânulo da valva mitral, que está próximo do feixe de His e do nó atrioventricular, também pode acarretar defeitos de condução. Todavia, esta extensão ocorre com menor frequência do que a extensão a partir da valva aórtica. Na ausência de toxicidade por digitálicos ou diante de um IM inferior recente, o desenvolvimento de taquicardia juncional não paroxística, bloqueio de Wenckebach ou bloqueio cardíaco total com um complexo QRS estreito serve de indício da disseminação da infecção a partir do ânulo mitral para dentro do nó atrioventricular e feixe de His proximal. Os batimentos ventriculares prematuros detectados em pacientes com endocardite que não possuem anormalidades eletrolíticas nem doença cardíaca estrutural antecedente podem refletir a existência de miocardite, abscessos miocárdicos ou êmbolos arteriais coronarianos.

 

 

Figura 3. A estreita relação existente entre as valvas cardíacas e o sistema de condução cardíaco, conforme mostra esta vista esquemática anterior, contribui para o aparecimento de defeitos de condução na endocardite.

AV = atrioventricular.

 

         A existência de um abscesso anular pode ser sugerida pelo aparecimento recente de regurgitação aórtica, febre persistente e deiscência de qualquer valva protética preexistente.69 A pericardite decorrente da extensão de um abscesso anelar valvar para dentro do epicárdio é mais frequentemente hemorrágica ou fibrinosa do que purulenta. Ocasionalmente, o desenvolvimento de pericardite durante o curso de endocardite infecciosa resulta da ocorrência de um IM transmural secundário aos êmbolos coronarianos. A ETT é o exame não invasivo mais sensível e preferido para detecção de abscessos anelares valvares, tanto na endocardite valvar natural como na EVP.

 

Diagnóstico diferencial

         A possibilidade de endocardite infecciosa deve ser considerada para qualquer paciente que apresente sopro cardíaco e febre. O médico deve estar particularmente alerta para os casos atípicos, cujos achados clínicos refletem as complicações da endocardite que afetam outros órgãos além do coração.

         A endocardite infecciosa pode causar febre de origem indeterminada (FOI), por isso o diagnóstico diferencial deve incluir as numerosas infecções em que pode haver FOI. Entre estas, estão a tuberculose, a salmonelose e diversas infecções intrabdominais e genito urinárias.

         Várias doenças não infecciosas podem mimetizar a endocardite infecciosa, incluindo as doenças imunomediadas e algumas condições reumatológicas (p. ex., artrite reumatoide juvenil e polimialgia reumática). A febre reumática aguda pode causar febre, sopros cardíacos e insuficiência cardíaca. Contudo, a febre reumática aguda pode ser distinguida da endocardite infecciosa com base em aspectos clínicos e pela obtenção de culturas hematológicas negativas, títulos de anticorpos antiestreptolisina O elevados e resposta aos salicilatos. A endocardite marântica, que pode acarretar múltiplos episódios embólicos e febre, geralmente está associada à existência de uma neoplasia subjacente ou doença conjuntiva crônica. Na poliarterite nodosa, a presença de febre, anemia e envolvimento renal pode sugerir a ocorrência de EBS, enquanto os achados do exame de uma biópsia de lesão de uma artéria calibrosa podem até ser semelhantes àqueles associados ao aneurisma micótico. Tanto no LES como na síndrome do anticorpo antifosfolípide, as manifestações de febre, vegetações trombóticas não bacterianas, êmbolos sistêmicos e eventos trombóticos espontâneos podem estimular a endocardite infecciosa.

         Um mixoma cardíaco, geralmente no átrio esquerdo, pode mimetizar a endocardite infecciosa em seus aspectos clínicos e laboratoriais, incluindo a febre baixa, perda de peso, artralgias, lesões cutâneas, baqueteamento dos dedos das mãos, êmbolos que seguem para artérias importantes e achados auscultatórios sugestivos de regurgitação e estenose mitral. Além disso, a síndrome do mixoma cardíaco pode simular a endocardite infecciosa, gerando aneurismas cerebrais nos sítios de êmbolos mixomatosos. Os resultados negativos de culturas hematológicas e ecocardiografia podem ajudar a estabelecer o diagnóstico correto.

         As neoplasias podem mimetizar a endocardite infecciosa ao induzirem a endocardite marântica ou produzirem seus efeitos hemodinâmicos. Por exemplo, os tumores ricamente vascularizados podem estar associados à febre, anemia e circulação hiperdinâmica com sopros de hiperfluxo. Uma massa tumoral no rim esquerdo pode ser confundida com esplenomegalia. Os tumores carcinoides ocasionalmente mimetizam a endocardite, ao produzirem uma fibrose endocárdica e valvar que leva ao desenvolvimento de insuficiência tricúspide, bem como de estenose e insuficiência pulmonar mista.

 

Tratamento

         As 2 modalidades principais empregadas no tratamento da endocardite são: (1) a terapia antibiótica; e (2) o desbridamento cirúrgico das vegetações e tecido perivalvar infectado, com reparo ou substituição valvar (conforme a necessidade).

 

Tratamento antimicrobiano

         O tratamento antimicrobiano efetivo requer identificação do agente etiológico e determinação de sua suscetibilidade antimicrobiana. Desta forma, na avaliação de um paciente com doença subaguda ou indolente, em geral é melhor adiar a terapia antibiótica até a disponibilização dos resultados das culturas hematológicas. Se a administração recente de antibióticos resultou na negativação das culturas iniciais, este adiamento proporciona uma oportunidade de obter culturas hematológicas adicionais após a dissipação dos antibióticos e de seus efeitos. Entretanto, caso a infecção seja fulminante ou diante de uma disfunção valvar que possa requerer intervenção cirúrgica urgente, a terapia antibiótica empírica deve ser prontamente iniciada, tão logo as amostras de sangue para cultura sejam obtidas. Altas doses de antibióticos bactericidas são administradas por via parenteral. Exceto na EVP causada por estafilococos, a terapia antimicrobiana para EVP causada por um dado organismo específico emprega os mesmos fármacos recomendados para o tratamento da endocardite de valva nativa. Contudo, costuma-se administrar a terapia por um período maior, tipicamente 6 semanas. Os pacientes devem ser avaliados com frequência quanto à eficácia da terapia antimicrobiana e o desenvolvimento de complicações associadas à terapia ou à infecção.

 

Estreptococos

         Os estreptococos viridans, que na maioria são sensíveis à penicilina, têm apresentado resistência crescente à penicilina e às cefalosporinas no decorrer dos últimos 20 anos.70 Logo, ao planejar o tratamento da endocardite, todos os estreptococos devem ser avaliados quanto à suscetibilidade à penicilina e, para tanto, determina-se a concentração inibitória mínima (CIM). Vários regimes fornecem tratamento efetivo para a endocardite causada por estreptococos totalmente sensíveis à penicilina (CIM < 0,2 mcg/mL) [Tabela 5].71,72 Existe um regime que emprega apenas altas doses de penicilina administrada por via parenteral, durante um período de 4 semanas. Outro regime usa o sinergismo contra a maioria das cepas de estreptococos não enterocócicos proporcionado pela combinação de penicilina com gentamicina. Este sinergismo proporciona um tratamento efetivo com apenas 2 semanas de terapia combinada.71-73 O regime de curta duração deve ser considerado somente para casos seletos de endocardite de valva nativa que apresentem características prognósticas favoráveis: infecções estreptocócicas não complicadas por hipotensão, insuficiência renal, trombocitopenia, aneurismas micóticos ou insuficiência cardíaca causada por disfunção valvar. As espécies etiológicas devem ser altamente suscetíveis à penicilina (CIM < 0,2 mcg/mL) e não podem ser uma cepa nutricionalmente variável – ou seja, dependente de piridoxal ou cisteína para crescer. A EVP não deve ser tratada com o regime de 2 semanas. A ceftriaxona, fornecida como uma única dose diária administrada por via endovenosa e durante um período de 4 semanas, atualmente é recomendada com frequência para o tratamento da endocardite causada por estreptococos sensíveis à penicilina, dada a facilidade com que este regime pode ser adaptado ao tratamento ambulatorial e por apresentar pouca toxicidade.40,71,72 Apesar do sucesso da terapia combinada de curta duração em casos de endocardite estreptocócica suscetível à penicilina, a experiência com  doses únicas diárias de ceftriaxona e um aminoglicosídeo é limitada, e esta terapia combinada não é recomendada para uso geral. O S. bovis é altamente sensível à penicilina e causa uma infecção que pode ser tratada com os regimes recomendados para o tratamento de infecções causadas por outros estreptococos sensíveis à penicilina. Quando a terapia combinada empregando penicilina e gentamicina é utilizada no tratamento da endocardite causada por estreptococos não enterocócicos, em particular quando uma terapia de curta duração é planejada, torna-se necessário avaliar os estreptococos quanto à resistência de alto nível à gentamicina. Ainda que rara nestes organismos, a resistência de alto nível impediria a sinergia bactericida e, assim, indicaria a necessidade de um regime alternativo.

 

Tabela 5. Terapia antimicrobiana para endocardite em adultos40,71,72,99

Agente infeccioso

Fármaco

Dosagem e via de administração

Duração da terapia* (semanas)

Estreptococos viridans suscetível à penicilina e outros estreptococos não enterocócicos (CIM < 0,2 mcg/mL)

Regime preferido: penicilina G ou

12 a 18 milhões de unidades/dia, IV (em doses divididas, a cada 4 horas)

4

Penicilina G +

12 a 18 milhões de unidades/dia, IV (em doses divididas, a cada 4 horas)

2

Gentamicina ou

3 mg/kg/dia, IM ou IV (em doses divididas, a cada 8 horas)†

2

Ceftriaxona

2 g /dia, IV(como dose única)

4

Regime alternativo:‡

vancomicina§

30 mg/kg/dia, IV (em doses divididas, a cada 12 horas)

4

Estreptococos relativamente resistentes à penicilina

CIM = 0,2 a 0,5 mcg/mL

Regime preferido: penicilina G +

20 a 30 milhões de unidades/dia, IV (em doses divididas, a cada 4 horas)

4

gentamicina§

3 mg/kg/dia, IM ou IV (em doses divididas, a cada 8 horas)†

2

CIM > 0,5 mcg/mL

Penicilina G + gentamicina

A mesma dosagem do regime anterior

4

Regime alternativo:‡

vancomicina§

30 mg/kg/dia, IV (em doses divididas, a cada 12 horas)

4

Enterococos¦

Regime preferido: penicilina G +

20 a 30 milhões de unidades/dia, IV (em doses divididas, a cada 4 horas)

4 a 6

Gentamicina ou

3 mg/kg/dia, IM ou IV (em doses divididas, a cada 8 horas)†

4 a 6

Ampicilina +

12 g/dia, IV (em doses divididas, a cada 4 horas)

4 a 6

gentamicina

3 mg/kg/dia, IM ou IV (em doses divididas, a cada 8 horas)†

4 a 6

Regime alternativo:‡

Vancomicina +

30 mg/kg/dia, IV (em doses divididas, a cada 12 horas)

4 a 6

gentamicina

3 a 5 mg/kg/dia, IM ou IV (em doses divididas, a cada 8 horas)†

4 a 6

Estafilococos (suscetíveis à meticilina) na ausência de material protético

Regime preferido:

Nafcilina ou oxacilina +

12 g/dia, IV (em doses divididas, a cada 4 horas)

4 a 6

Gentamicina (opcional; ver texto)

3 mg/kg/dia, IM ou IV (em doses divididas, a cada 8 horas)†

3 a 5 dias

Regimes alternativos:‡

cefapirina +

12 g/dia, IV (em doses divididas, a cada 4 horas)

4 a 6

gentamicina (opcional; ver texto) ou

3 mg/kg/dia, IM ou IV (em doses divididas, a cada 8 horas)†

3 a 5 dias

vancomicina

30 mg/kg /dia, IV (em doses divididas, a cada 12 horas)

4 a 6

Estafilococos (resistentes à meticilina) na ausência de material protético

Vancomicina

30 mg/kg/dia, IV (em doses divididas, a cada 12 horas)

4 a 6

Estafilococos (suscetíveis à meticilina) na presença de material protético

Nafcilina ou oxacilina +

12 g /dia, IV (em doses divididas, a cada 4 horas)

6 a 8

Rifampina +

300 mg, VO, a cada 8 horas

6 a 8

gentamicina#

3 mg/kg/dia, IM ou IV (em doses divididas, a cada 8 horas)

2

Estafilococos (resistentes à meticilina) na presença de material protético

Vancomicina +

30 mg/kg/dia, IV, em doses divididas, a cada 12 horas)

6 a 8

rifampina +

300 mg, VO, a cada 8 horas

6 a 8

gentamicina#

3 mg/kg/dia, IM ou IV (em doses divididas, a cada 8 horas)

2

Organismos HACEK

Ceftriaxona**

2 g/dia, IV (como dose única)

4

*Os programas de tratamento são mais prolongados para casos de EVP (6 a 8 semanas).

†O pico da concentração sérica de gentamicina deve estar em torno de 3 mcg/mL, e as concentrações de vale devem ser < 1 mcg/mL. Algumas autoridades preferem uma dosagem de gentamicina de 1,5 mg/kg a cada 8 horas, que resulta em concentrações de pico de aproximadamente 5 mcg/mL.

‡O regime alternativo é destinado ao uso em casos de pacientes com história de hipersensibilidade à penicilina.

§Alguns pesquisadores recomendam omitir a gentamicina quando 0,2 mcg/mL < CIM < 0,5 mcg/mL; o papel da combinação gentamicina + vancomicina ainda não foi totalmente estabelecido.

¦Os enterococos estão se tornando cada vez mais resistentes aos antibióticos (ver o texto).

#Administrar durante as primeiras 2 semanas (ver o texto).

**Poderia ser utilizado cefotaxime ou outra cefalosporina de 3ª geração em dosagem comparável.

CIM = concentração inibitória mínima; EVP = endocardite valvar protética; HACEK = espécies de Haemophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, espécies de Eikenella e espécies de Kingella; IM = intramuscular; IV = intravenoso; VO = via oral.

 

         A endocardite causada por estreptococos viridans ou outros estreptococos não enterocócicos relativamente resistentes à penicilina (CIM = 0,2 a 0,5 mcg/mL) é tratada com uma dose maior de penicilina G combinada à gentamicina. Se a cepa for ainda mais resistente à penicilina (CIM > 0,5 mcg/mL), a infecção é tratada com um dos regimes-padrão para endocardite enterocócica [Tabela 5]. Os estreptococos variáveis do ponto de vista nutricional (antigamente denominados Streptococcus adjacens ou Streptococcus defectivus, e agora conhecidos como espécies de Abiotrophia) costumam ser relativamente resistentes à penicilina. Por isso, a endocardite causada por estes micro-organismos deve ser tratada com o regime-padrão para endocardite enterocócica.40,71,72,74 A endocardite causada por pneumococos ou estreptococos do grupo A é tratada com a administração de penicilina G por via endovenosa, a uma dosagem de 20 milhões de unidades/dia, durante 4 semanas.40,71,72 Os pneumococos identificados como causadores da endocardite devem ser testados quanto à suscetibilidade à penicilina. A vancomicina constitui o tratamento preferido para a endocardite causada por cepas penicilina-resistentes com CIM > 1 mcg/mL. Quando a endocardite pneumocócica é complicada por uma meningite concomitante, o regime de tratamento deve garantir a penetração adequada do antibiótico no LCE.75 Os estreptococos beta-hemolíticos pertencentes aos grupos B, C e G apresentam suscetibilidade levemente reduzida à penicilina. No caso da endocardite causada por estes patógenos, o tratamento é feito como se os organismos fossem relativamente resistentes à penicilina, com CIM entre 0,2 e 0,5 mcg/mL.71,72,76

 

Enterococos

         Os enterococos são relativamente resistentes à penicilina, ampicilina e vancomicina, além de serem totalmente resistentes às cefalosporinas. O sinergismo antibacteriano é essencial ao tratamento antimicrobiano ideal da endocardite enterocócica. Para tanto, o enterococos devem ser expostos simultaneamente a um antibiótico ativo contra a parede celular (p. ex., penicilina, ampicilina ou vancomicina) em concentração maior ou igual à CIM do organismo e também a um aminoglicosídeo, que, por sua vez, exercerá um efeito letal.40,71,72 A capacidade de alguns enterococos de crescer na presença de gentamicina a concentrações = 500 mcg/mL indica um alto nível de resistência aos aminoglicosídeos. Contra estes patógenos, a terapia combinada falha em produzir um efeito letal, a menos que seja utilizado um agente antimicrobiano ativo contra a parede celular. Um alto nível de resistência à gentamicina representa uma consequência da ação de enzimas modificadoras de aminoglicosídeos.

         No passado, a terapia sinergística bactericida podia ser prevista com segurança quando a gentamicina era combinada à penicilina, ampicilina ou vancomicina. Disto resultaram os regimes empregados no tratamento da endocardite enterocócica40,71,72 [Tabela 5].

         Atualmente, a resistência antimicrobiana apresentada pelos enterococos constitui um problema complexo, que deve ser considerado com cautela na seleção da terapia para casos de endocardite enterocócica. A cepa causal deve ser avaliada quanto à resistência de alto nível à gentamicina. O uso deste antibiótico na terapia combinada, em vista da resistência de alto nível, expõe o paciente a uma potencial toxicidade e não proporciona benefícios terapêuticos. Além disso, a resistência aos agentes ativos contra a parede celular tem-se tornado cada vez mais prevalente entre os enterococos. A resistência intrínseca à penicilina e à ampicilina (CIM = 32 mcg/mL) é prevalente em E. faecium. A resistência à penicilina e à ampicilina decorrente da produção de betalactamase, que não é detectável pelos testes de CIM e requer triagem com nitrocefina (uma cefalosporina) cromogênica, ocasionalmente é observada em E. faecalis. Por fim, a resistência à vancomicina (CIM = 16 mcg/mL) vem sendo cada vez mais encontrada em E. faecalis e E. faecium. Se um enterococos é resistente a um agente ativo contra a parede celular, ele não pode participar do killing sinergístico da cepa. A vancomicina é conveniente como agente ativo contra a parede celular para uso na terapia combinada, quando os organismos apresentam resistência intrínseca ou betalactamase-mediada à penicilina ou à ampicilina. A combinação ampicilina-sulbactama é adequada quando os enterococos apresentam resistência mediada pela betalactamase. Os enterococos resistentes à vancomicina podem ser suscetíveis à penicilina e à ampicilina, contudo também são mais frequentemente resistentes a estes antibióticos. Para alguns destes enterococos, os glicopeptídeos recém-desenvolvidos – telavancina, dalbavancina e oritavancina – apresentam atividade superior in vitro, capacidade bactericida aumentada e propriedades farmacocinéticas exclusivas, em comparação à vancomicina e teicoplanina. Embora estes novos compostos sejam promissores, ainda é preciso determinar se apresentam ou não eficácia clínica diante dos déficits terapêuticos verdadeiros criados pela resistência clínica e in vitro à vancomicina.77 A endocardite causada pelos enterococos resistentes à vancomicina e não suscetíveis à ampicilina requer a adoção de regimes individualizados especiais. Estes regimes são selecionados com auxílio de um consultor especializado em doenças infecciosas. Todos os enterococos causadores de endocardite devem ser testados quanto à suscetibilidade aos agentes antimicrobianos dotados de potencial terapêutico. De acordo com os resultados destes testes, pode ser selecionada uma combinação sinérgica de um agente ativo contra parede celular (p. ex., penicilina, ampicilina, vancomicina, ampicilina-sulbactama ou teicoplanina) mais a gentamicina. A dosagem única diária de gentamicina não é recomendada para o tratamento da endocardite enterocócica. Diante da impossibilidade de se usar uma combinação sinérgica em decorrência de um alto nível de resistência à gentamicina, deve-se iniciar uma terapia prolongada (8 a 12 semanas) com altas doses de um agente ativo contra a parede celular. Para se prevenir ou minimizar a possível toxicidade da gentamicina ou da vancomicina, é importante monitorar os níveis séricos, a função renal e os sintomas otológicos a cada 3 a 5 dias, no decorrer de todo o curso terapêutico.40,71,72

         A terapia sinérgica bactericida para endocardite enterocócica está associada a taxas de cura próximas de 85%. O tratamento apenas com um agente ativo contra a parede celular efetivo resulta em taxas de cura da ordem de 40 a 50%, na melhor das hipóteses.71,72,78 Se a terapia sinérgica bactericida estiver indisponível, os pacientes com endocardite enterocócica cujo tratamento apenas com um agente ativo contra a parede celular tenha falhado devem ser submetidos à excisão da valva infectada, ao mesmo tempo que a terapia antibiótica supressora é mantida.40,71,72,78

 

Estafilococos

         S. aureus. O tratamento de escolha para a endocardite valvar natural causada por S. aureus consiste na administração de penicilina resistente à penicilinase, como a nafcilina ou a oxacilina.40,71,72 [Tabela 5]. A vancomicina proporciona um tratamento alternativo para pacientes hipersensíveis à penicilina. A vancomicina, embora seja ativa contra Staphylococcus aureus sensível à meticilina (SASM) e SARM, não é adotada como tratamento de 1ª escolha, por ser um pouco menos efetiva do que as penicilinas resistentes à penicilinase.79 No entanto, a vancomicina inicialmente deve ser adicionada ao tratamento devido à frequência crescente de cepas de SARM, não só nas infecções nosocomiais, mas também nas infecções adquiridas na comunidade. Quando a cultura hematológica apresenta crescimento de SASM, o uso de vancomicina deve ser suspendido. Se houver crescimento de SARM, então o curso de vancomicina isolado é mantido71,72 [Tabela 5]. A penicilina G (20 a 30 milhões de unidades/dia) deve ser utilizada nos poucos casos em que se comprove a sensibilidade à penicilina, mas  esta constatação somente pode ser feita depois de a suscetibilidade ser confirmada pelo teste de diluição e após a demonstração de que o isolado não produz penicilinase. In vitro, a gentamicina atua contra o S. aureus em sinergia com as penicilinas resistentes à penicilinase, sendo que a terapia combinada pode diminuir a duração da bacteremia e da febre nos pacientes. Contudo, os benefícios alcançados in vivo são apenas marginais, e a terapia combinada não melhora as taxas de cura. Quando a opção de adicionar a gentamicina é escolhida, esta deve ter o uso suspendido após cerca de 3 dias, a fim de minimizar o risco de nefrotoxicidade.

         Raras cepas de S. aureus que são parcial ou totalmente resistentes aos glicopeptídeos (p. ex., vancomicina) foram identificadas. No evento improvável de uma endocardite causada por alguma destas cepas, torna-se necessário considerar o uso de alguns fármacos alternativos, entre os quais a linezolida, quinuprostina-dalfopristina ou teicoplanina e daptomicina.

         Os regimes recomendados para o tratamento da endocardite em UDI geralmente são os mesmos regimes empregados no tratamento dos demais pacientes. Entretanto, no caso dos UDI com endocardite por SASM restrita à valva tricúspide, na ausência de infecção metastática agravante, o sucesso terapêutico tem sido alcançado com a administração de uma penicilina resistente à penicilinase acrescida de um aminoglicosídeo (p. ex., nafcilina + gentamicina ou tobramicina), durante um período de 2 semanas.80 Os pacientes que não respondem de maneira imediata e integral a este regime de curta duração devem receber cursos terapêuticos mais prolongados.

         Estafilococos coagulase-negativos. A endocardite causada por estafilococos coagulase-negativos geralmente é ocasionada em uma valva protética. Mais de 80% dos estafilococos coagulase-negativos que causam EVP dentro de 1 ano após o implante da valva são resistentes à meticilina e a todos os antibióticos betalactâmicos, incluindo as cefalosporinas.40,71,72 Somente nos casos em que o aparecimento desta forma de EVP ocorre após 1 ano da cirurgia, a frequência de resistência aos betalactâmicos entre os estafilococos coagulase-negativos cai para menos de 30%.81,82 Além disso, a resistência aos betalactâmicos pode não ser detectada pelo teste-padrão de suscetibilidade antimicrobiana, em particular quando são utilizados microssistemas ou instrumentos automatizados. A maioria dos estafilococos coagulase-negativos é sensível à vancomicina e à rifampina, mas a resistência mediada por plasmídios à gentamicina é prevalente. No caso da EVP causada por organismos resistentes à meticilina e suscetíveis à rifampina e gentamicina, o tratamento mais efetivo consiste no uso combinado de vancomicina, rifampina e gentamicina [Tabela 5].40,71,72,82 Se a cepa infectante for resistente à gentamicina, esta deve ser substituída por uma fluoroquinolona ou outro aminoglicosídeo ao qual a cepa seja suscetível. Se os estafilococos forem suscetíveis à meticilina, deve ser usada uma penicilina resistente à penicilinase no lugar da vancomicina [Tabela 5]. A terapia antimicrobiana para EVP causada por S. aureus deve empregar os mesmos regimes utilizados no tratamento da EVP estafilocócica coagulase-negativa [Tabela 5].

         É necessário realizar um rigoroso teste de suscetibilidade, porém os estafilococos coagulase-negativos causadores de endocardite de valva nativa geralmente são sensíveis aos antibióticos betalactâmicos, exceto nos casos em que a infecção é adquirida de modo nosocomial. A endocardite de valva nativa causada por estafilococos coagulase-negativos pode ser tratada com os mesmos regimes empregados no tratamento da endocardite de valva nativa causada por S. aureus.40,71,72

 

Organismos HACEK

         Foi demonstrado que alguns organismos HACEK (HACEK = espécies de Haemophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, espécies de Eikenella e espécies de Kingella) causadores de endocardite produzem betalactamase, e esta enzima os torna resistentes à ampicilina. Logo, a endocardite causada por organismos HACEK deve ser tratada com cefalosporinas de 3ª geração durante 4 semanas [Tabela 5].40,71,72

 

Corynebacterium (difterioides)

         A combinação de penicilina com gentamicina atua de modo sinergístico in vitro na destruição de espécies de Corynebacterium (difterioides) suscetíveis à gentamicina (CIM = 4 mcg/mL). O sinergismo não é alcançado contra cepas resistentes à gentamicina. Para casos de EVP causada por cepas sensíveis à gentamicina, recomenda-se a terapia endovenosa com penicilina G (20 milhões de unidades/dia) mais gentamicina (1 mg/kg, intramuscular ou endovenosa, a cada 8 horas). A vancomicina, que tem ação bactericida contra os difterioides, é recomendada como tratamento inicial da EVP causada por difterioides. Neste caso, o tratamento subsequente é determinado com base nos resultados do teste de suscetibilidade antibiótica. A vancomicina também é o fármaco de escolha nos casos em que a cepa infectante é resistente à gentamicina ou quando o paciente é alérgico à penicilina.

 

Bacilos gram-negativos

         A endocardite causada por bacilos gram-negativos deve ser tratada com um antibiótico betalactâmico potente, como uma cefalosporina de 3ª geração, com ou sem aminoglicosídeo, dependendo da suscetibilidade e do grau de experiência no tratamento de infecções causadas especificamente pelo bacilo gram-negativo envolvido. O tratamento efetivo da endocardite causada por P. aeruginosa requer a combinação sinergística de ticarcilina ou piperacilina (qualquer uma em doses de 3 g, por via endovenosa, a cada 4 horas) e tobramicina (2,7 mg/kg, intramuscular ou endovenosa, a cada 8 horas) por um período mínimo de 6 semanas. Como é difícil curar a endocardite causada por Pseudomonas apenas com antibióticos, além das frequentes complicações por abscessos perivalvares, recomenda-se a realização de uma intervenção cirúrgica agressiva logo no início.83

 

Fungos

         Leveduras. A endocardite causada por leveduras é mais difícil de curar do que a maioria das infecções bacterianas. Os melhores resultados são alcançados com o uso combinado de quimioterapia antifúngica e desbridamento ou substituição cirúrgica valvar.15,84 A anfotericina B é o fármaco de escolha para tratamento inicial da maioria dos pacientes. O sinergismo in vitro entre a flucitosina e a anfotericina B foi descrito para algumas cepas de Candida, sendo que o uso combinado destes fármacos no tratamento desta infecção prejudicial à vida parecer ser justificável. Os níveis séricos de flucitosina devem ser monitorados para reduzir a toxicidade. O fármaco, que é depurado pelos rins, não deve ser administrado a pacientes com insuficiência renal, pois seu excesso no soro pode induzir uma severa depressão da medula óssea. A terapia supressora de longa duração (possivelmente vitalícia) com fluconazol oral pode ser efetiva para pacientes com endocardite por Candida, na ausência de complicações intracardíacas. De modo semelhante, a terapia supressora prolongada tem sido defendida para os casos de pacientes com endocardite por Candida responsivos ao tratamento antifúngico e cirúrgico combinado. Algumas infecções causadas por leveduras podem ser suprimidas (e até curadas) pelo tratamento com fluconazol ou itraconazol. Com a terapia ideal, a taxa de sobrevida geral para pacientes com endocardite por levedura é de aproximadamente 50%.

         Fungos dimórficos e miceliais. A endocardite causada por fungos dimórficos e miceliais geralmente é fatal, mesmo quando tratada, estando associada a uma sobrevida geral inferior a 10%.15 O tratamento agressivo com anfotericina B e cirurgia valvar salva poucos pacientes. Se o fungo for suscetível à flucitosina, pode-se tentar o tratamento combinado com este agente acrescido de anfotericina B.

 

Endocardite com culturas negativas

         Quando as culturas hematológicas resultam negativas ou diante da indisponibilidade dos resultados da cultura, a seleção de uma terapia empírica requer a consideração cuidadosa de quaisquer indícios clínicos que possam ser sugestivos da identidade do organismo causal. Culturas especiais apropriadas e exames sorológicos devem ser buscados em uma tentativa de identificar os micro-organismos difíceis de cultivar.62,63

         Na ausência de informação sugestiva de uma causa provável de EBS de valva nativa, recomenda-se instituir o mesmo tratamento utilizando em casos de endocardite enterocócica (isto é, ampicilina + gentamicina). Quando o curso é agudo e S. aureus é considerado o possível agente etiológico, recomenda-se adicionar vancomicina ao regime. Como as culturas hematológicas raramente permanecem negativas em casos de pacientes com EBA, este tipo de terapia empírica em geral pode ser revisado mais tarde, com base nos resultados fornecidos pela cultura. O espectro de micro-organismos causadores de EVP difere daquele implicado na endocardite da valva nativa, sendo que os casos de EVP com culturas negativas devem ser tratados com uma combinação de vancomicina, gentamicina e cefalosporina de 3ª geração. A cefalosporina de 3ª geração é dirigida contra os organismos HACEK, que são importantes como causa de EVP tardia e podem ser difíceis de isolar em culturas hematológicas. Antes de adotar a terapia da endocardite de cultura negativa, o médico deve considerar atentamente a possibilidade de o paciente não ter endocardite e, em vez disso, apresentar uma condição que mimetiza a endocardite.

 

Monitoramento da resposta clínica

         A diminuição da febre em geral é evidente decorridos 1 a 7 dias do início da terapia antibiótica.85 A febre que persiste durante a 2ª semana após a instituição de um tratamento antimicrobiano apropriado sugere a possibilidade de uma infecção incontrolável, que pode ser decorrente de resistência antibiótica, abscesso intracardíaco, focos metastáticos de infecção ou complicações nosocomiais da terapia. Nestes casos, indica-se a realização de uma avaliação completa.85 Petéquias e fenômenos embólicos podem ser observados no decorrer de várias semanas após o início do tratamento recomendado. Estes achados não necessariamente indicam que a terapia é inefetiva, em particular se outros sinais apontarem a melhora do paciente.

         Se o paciente não se tornar afebril dentro de alguns dias após o início da terapia antibiótica, é necessário repetir as culturas hematológicas. Contudo, quando o paciente se torna afebril e responde de maneira satisfatória, as culturas hematológicas de seguimento de rotina realizadas durante o tratamento geralmente resultam negativas e, assim, não são recomendadas. De modo semelhante, as culturas de seguimento realizadas após o término do tratamento antibiótico são desnecessárias na maioria dos casos, a menos que tenham sido utilizados regimes antimicrobianos não padronizados ou exista uma razão para se suspeitar de recidiva (p. ex., febre recorrente). Embora o VHS volte lentamente ao normal ao longo dos meses subsequentes ao tratamento efetivo, este teste não é útil para fins de monitoramento terapêutico nem como teste de cura. Os níveis de proteína C reativa diminuem após 1 a 2 semanas da instituição de uma terapia efetiva. Alguns clínicos empregam este teste para terem certeza de que o tratamento está funcionando (M. Heiro, comunicação pessoal, 2004). O teste sorológico bactericida, em que o soro do paciente em diferentes diluições é testado quanto à atividade bactericida contra o organismo causador de endocardite, não é mais recomendado para avaliação da terapia em casos de pacientes que receberam regimes antimicrobianos padrão.71,72

 

Intervenção cirúrgica

         A intervenção operatória para desbridamento de tecido perivalvar infeccionado ou substituição/reconstrução de valva com defeito funcional é um procedimento importante para o tratamento da endocardite infecciosa complicada com envolvimento de valva nativa ou protética.40,42,70,71,83 De forma geral, a cirurgia é indicada para 25 a 40% dos pacientes com endocardite infecciosa e até 45% dos pacientes são submetidos à cirurgia durante a fase aguda da doença. Várias observações têm levado à realização de uma intervenção cirúrgica mais precoce e frequente em casos de endocardite ativa: (1) a mortalidade dos pacientes submetidos à cirurgia valvar ainda no início da endocardite ativa não supera a mortalidade dos pacientes submetidos ao tratamento médico ou operados mais tardiamente (após a cura microbiana), sendo, inclusive, menor em muitas séries;86 (2) o risco de desenvolvimento de endocardite recorrente com o mesmo organismo infeccioso em uma prótese recém-implantada para tratamento da endocardite é muito baixo;86 (3) algumas complicações intracardíacas da endocardite podem ser corrigidas somente com cirurgia; e (4) os aprimoramentos introduzidos nas técnicas cirúrgicas, abordagem anestésica, proteção miocárdica e resultados operatórios. As indicações atualmente aceitas para o tratamento cirúrgico da endocardite ativa de valva nativa ou protética foram desenvolvidas mediante uma análise retrospectiva de numerosos casos. A insuficiência cardíaca severa a partir da disfunção valvar é a indicação mais amplamente aceita para cirurgia da valva e contribui para a maioria das decisões favoráveis à operação. Tem sido demonstrado de modo convincente que a cirurgia cardíaca para esta indicação resulta em melhora da sobrevida. As vegetações volumosas que obstruem o orifício valvar também podem produzir insuficiência cardíaca e constituem uma indicação para a cirurgia. A intervenção cirúrgica também é indicada diante da existência de evidências clínicas de invasão perivascular e formação de abscesso, bem como para os casos em que a infecção permanece descontrolada por mais de 1 a 3 semanas, mesmo com a instituição de uma terapia antimicrobiana máxima. A endocardite fúngica, sobretudo em pacientes com complicações intracardíacas, costuma ser tratada cirurgicamente.84 De modo semelhante, a EVP que ocorre dentro de 1 ano após o implante da valva e é causada por estafilococos coagulase-negativos resulta em invasão perivalvar. Seja qual for o agente causal, se houver evidências de extensão perivalvar da infecção e, em particular, se a valva apresentar instabilidade, então a EVP deve ser abordada cirurgicamente. Como a endocardite de valva nativa de lado esquerdo e, em particular, a EVP causada por S. aureus frequentemente são invasivas, a realização de uma cirurgia logo no início deve ser considerada para pacientes com este tipo de infecção que não apresentem melhora imediata e contínua durante a terapia antibiótica.42,83,86,87 O tratamento cirúrgico é indicado para casos de endocardite causada por P. aeruginosa ou outros bacilos gram-negativos que permaneça irresponsiva após 7 a 10 dias de terapia antibiótica máxima. Embora os pacientes com endocardite de valva nativa que tenham sofrido recidivas após serem devidamente tratados com antibióticos frequentemente poderem ser curados com a repetida instituição de cursos de antibióticos, o tratamento cirúrgico melhora a resposta dos pacientes com EVP que sofrem recidivas.

         A embolização arterial, em particular para o cérebro, constitui outro fator a ser considerado quando a decisão de operar o paciente é cogitada. Os êmbolos não constituem uma indicação absoluta para a cirurgia, porque a probabilidade de embolização recorrente em qualquer paciente individual é altamente imprevisível. Além disso, a incidência de embolia cai rapidamente após 1 semana de terapia antibiótica efetiva. A decisão de se realizar uma cirurgia, portanto, requer a consideração dos riscos relativos e benefícios à luz de múltiplas observações clínicas, ecocardiográficas e microbiológicas, entre as quais a embolização. Exemplificando, a formação de um êmbolo no início do curso, em presença de uma vegetação residual altamente móvel medindo mais de 10 mm de diâmetro, atuaria como indicação relativa para a realização de intervenção cirúrgica, mesmo na ausência de insuficiência cardíaca [ver Fenômeno embólico, em Manifestações clínicas, anteriormente].27,88 A cirurgia pode ser benéfica se as vegetações forem inusitadamente amplas e móveis.88 Entre os pacientes com endocardite tratados cirurgicamente, a mortalidade operatória é proporcional ao grau de comprometimento hemodinâmico pré-operatório. Havendo indicação para cirurgia, esta em geral deve ser realizada imediatamente. Atrasar a cirurgia para administrar uma terapia antibiótica adicional em presença de uma infecção descontrolada ou deterioração da condição hemodinâmica pode ter como consequência um resultado menos favorável.86 Contudo, o adiamento da cirurgia (quando a condição hemodinâmica permite) pode ser desejável em casos de pacientes que desenvolveram complicação neurológica.36,89 Em pacientes com infarto cerebral sustentado, a taxa de exacerbação das complicações cerebrais é reduzida em 10% quando a cirurgia é adiada por no mínimo 15 dias, sendo reduzida para menos de 3% quando é possível adiar a cirurgia por 28 dias. Caso tenha havido hemorragia cerebral, a cirurgia cardíaca idealmente deve ser adiada por no mínimo 14 dias – de preferência 28 dias ou mais.36 Neste contexto, deve ser considerada a exclusão da hipótese de um aneurisma micótico cerebral agravante [ver Manifestações neurológicas, em Manifestações clínicas, anteriormente].

         Embora o implante de uma valva protética em um paciente que faça uso abusivo de drogas endovenosas possa salvar-lhe a vida, é provável que a endocardite recorra se o abuso continuar. Neste caso, será mais difícil curar a EVP do que curar a endocardite de valva nativa. Para evitar estes problemas, realiza-se um procedimento de valvulectomia tricúspide ou pulmonar sem substituição para tratar os casos de endocardite de lado direito. Entretanto, em UDI com endocardite de lado direito causada por S. aureus, a cirurgia deve ser adiada, pois a maioria destes casos pode ser curada com tratamento médico.13

 

Terapia antitrombótica

         A terapia anticoagulante de um pacientes com endocardite está associada ao potencial risco de causar ou piorar hemorragias no cérebro ou em outros sítios. Contudo, os benefícios proporcionados pela anticoagulação provavelmente superam os riscos, desde que exista uma forte indicação de uso, como a existência de uma valva cardíaca mecânica, fibrilação atrial, miocardiopatia, trombo mural ou trombose venosa profunda. A terapia anticoagulante pode ser cuidadosamente administrada aos pacientes com endocardite, quando houver indicação.90 No caso dos pacientes com valva mecânica que necessitam de terapia prolongada com varfarina, este tipo de tratamento deve ser mantido durante o tratamento da endocardite, a menos que existam contraindicações específicas. O tempo de protrombina deve ser cuidadosamente mantido dentro da faixa terapêutica inferior, dependendo da posição, tipo e número de próteses. A anticoagulação deve ser revertida imediatamente diante do evento de complicações envolvendo o SNC, sobretudo em caso de hemorragia intracraniana. A anticoagulação deve ser interrompida durante 1 a 2 semanas após um AVC embólico agudo, com o intuito de diminuir o risco de transformação hemorrágica.

         Não há evidências demonstradas em seres humanos de que a terapia antitrombótica possa prevenir a embolização arterial de vegetações ou, de outro modo, melhorar a resposta da endocardite aos regimes de tratamento-padrão.

 

Profilaxia

         Os antibióticos podem prevenir a endocardite em modelos de experimentação animal, quando fornecidos antes das bacteremias experimentalmente induzidas. Os antibióticos atuam de modo semelhante em seres humanos, quando administrados antes da realização de procedimentos médicos, odontológicos e cirúrgicos que comprovadamente causem bacteremia. No entanto, esta possibilidade não foi comprovada por estudos randomizados. As revisões das diretrizes vigentes recomendam a administração de antibióticos profiláticos apenas aos pacientes que apresentam maior risco de desenvolver complicações adversas da endocardite, incluindo aqueles com história de endocardite infecciosa prévia ou que possuam prótese valvar, além de certos indivíduos com doença cardíaca congênita, em particular aqueles com cianose com ou sem desvios cirúrgicos construídos. Os pacientes que desenvolvem uma doença cardíaca valvar significativa após o transplante cardíaco também podem ser considerados para profilaxia [Tabelas 6 e 7].72 A seleção apropriada dos pacientes que devem receber esta intervenção continua sendo controversa, e as diretrizes, mesmo depois de revisadas, continuaram incertas tanto para os pacientes como para os médicos, especialmente no caso dos pacientes que recebem profilaxia há muitos anos para tratamento da doença cardíaca valvar de menor risco. A seleção de pacientes para recebimento da profilaxia antibiótica deve ser feita com base na avaliação integrada do risco combinado de infecção no contexto de uma condição cardíaca subjacente, na probabilidade (sempre baixa) de que o procedimento venha causar endocardite e na potencial morbidade e mortalidade [Tabelas 6, 7 e 8].91 A profilaxia é recomendada para alguns procedimentos odontológicos, mas não é recomendada de forma rotineira para procedimentos GI ou GU, incluindo a endoscopia ou cistoscopia, na ausência de infecção ativa [Tabela 8]. Os regimes antibióticos recomendados para profilaxia de pacientes de alto risco submetidos a procedimentos odontológicos foram planejados para cobrir os estreptococos [Tabela 9]. Diante da previsão de manipulação do trato urinário, o paciente deve ser avaliado quanto à existência de infecção no trato urinário. Se for confirmada a existência de uma infecção, esta deve ser tratada antes da manipulação. Se os procedimentos envolverem tecidos infectados, o tratamento é dirigido contra o provável patógeno causador da infecção. Este tipo de profilaxia incluiria o uso de uma penicilina antiestafilocócica ou de uma cefalosporina de 1ª geração, nos casos em que a infecção envolvesse a pele, tecidos moles adjacentes, articulações ou ossos.

 

Tabela 6. Lógica da revisão das diretrizes da American Heart Association para prevenção de endocardite infecciosa72

Revisão

Explicação

As bacteremias aleatórias causam a maioria dos casos de EI

A maioria dos casos de EI resulta da exposição diária a bacteremias aleatórias e não da exposição a bacteremias associadas aos tratos GI ou GU ou àquelas encontradas durante os procedimentos odontológicos

A profilaxia antibiótica apresenta pouca eficácia

A profilaxia antibiótica previne poucos (quando previne) casos de EI em indivíduos submetidos a procedimentos odontológicos ou no trato GU

O risco associado ao uso de antibióticos supera os benefícios alcançados

O risco de eventos adversos associados ao uso de antibióticos é maior do que qualquer benefício proporcionado pela profilaxia antibiótica

Os aspectos mais essenciais são a saúde e a higiene oral apropriadas

A manutenção da saúde e da higiene orais pode diminuir a incidência de bacteremia oriunda das atividades do dia a dia

EI = endocardite infecciosa; GI = gastrintestinal; GU = geniturinário.

 

Tabela 7. Recomendação da profilaxia antibiótica: condições cardíacas associadas ao risco aumentado de resultados adversos da endocardite infecciosa72

Valva cardíaca protética

EI prévia ou recorrente

Valvulopatia cardíaca subsequente ao transplante de coração

Formas* específicas de DCC, incluindo:

DCC cianótica não reparada (incluindo os canais e desvios paliativos)

Defeito cardíaco congênito totalmente reparado com material/dispositivo protético (implantado por cirurgia ou cateterismo) durante os primeiros 6 meses pós-procedimento

DCC reparada (dispositivo ou coxim protético) com defeitos residuais no ou adjacente ao local

*A profilaxia antibiótica não é recomendada para nenhuma outra forma de DCC.

DCC = doença cardíaca congênita; EI = endocardite congênita.

 

Tabela 8. Procedimentos realizados em pacientes de alto risco para os quais a profilaxia antibiótica é recomendada72

Procedimento

Recomendação

Odontológico

Usar apenas para procedimentos odontológicos que envolvam a manipulação de tecido gengival, a região periapical dos dentes ou perfuração da mucosa oral

Trato respiratório

Usar somente quando os procedimentos realizados no trato respiratório ou na mucosa do trato respiratório forem invasivos e envolverem uma incisão ou obtenção de biópsia (p. ex., tonsilectomia, adenoidectomia, broncoscopia)

Pele/sistema musculoesquelético

Usar somente para procedimentos cirúrgicos envolvendo pele infeccionada, estruturas cutâneas ou tecido musculoesquelético

GI/GU

Não é recomendável, exceto quando houver infecção ativa no momento da realização do procedimento

GI = gastrintestinal; GU = geniturinário.

 

Tabela 9. Profilaxia antibiótica para procedimentos odontológicos72

Circunstância

Antibiótico

Administração (dose única, 30 a 60 min antes do procedimento)

Pediátrica

Adulto

Oral

Amoxilina

50 mg/kg

2 g

Impossibilidade de tomar medicação oral

Ampicilina

50 mg/kg IM ou IV

2 g IM ou IV

ou

Cefazolina ou ceftriaxona

50 mg/kg IM ou IV

1 g IM ou IV

Alergia às penicilinas ou à ampicilina (oral)

Cefalexina*†

ou

50 mg/kg

2 g

Clindamicina

ou

20 mg/kg

600 mg

Azitromicina ou claritromicina

15 mg/kg

500 mg

Alergia às penicilinas ou à ampicilina e impossibilidade de tomar medicações orais

Cefazolina ou ceftriaxona† ou

50 mg/kg IM ou IV

1 g IM ou IV

Clindamicina

20 mg/kg IM ou IV

600 mg IM ou IV

*Ou outra cefalosporina de 1ª ou 2ª geração.

†Não fornecer cefalosporinas para indivíduos com história de anafilaxia, angioedema ou urticária associados ao uso de penicilinas ou ampicilinas.

IM = intramuscular; IV = intravenosa.

 

         Se um paciente que apresenta risco de desenvolvimento de endocardite estiver recebendo ou tiver recebido recentemente um dos agentes recomendados para profilaxia, é prudente escolher para a profilaxia um antibiótico de uma classe diferente, em vez de aumentar a dose do regime em curso. A dosagem de penicilina utilizada na prevenção das recidivas de febre reumática aguda é insuficiente para prevenir a endocardite bacteriana. Além disso, os pacientes que tomam penicilinas ou cefalosporinas por via oral podem abrigar cepas bacterianas relativamente resistentes à penicilina dentro da cavidade oral. A profilaxia com claritromicina ou clindamicina é sugerida quando há previsão de infecção por estreptococos relativamente resistentes à penicilina.

         A maioria dos casos de endocardite não está relacionada a eventos nem procedimentos definidos. É provável que estas infecções surjam a partir de bacteremias associadas a infecções sutis não detectadas ou atividade comuns (p. ex., mastigação vigorosa em pacientes com doença gengival, uso de jatos de irrigação). Em pacientes com lesões cardíacas vulneráveis, a manutenção de uma excelente saúde dental é fundamental para que o risco de endocardite seja minimizado. A avaliação e o tratamento odontológico, incluindo as extrações e trabalho de restauração necessário, devem ser realizados mediante a adoção de uma profilaxia antibiótica apropriada com antecedência de várias semanas em relação à inserção das valvas cardíacas protéticas.

 

Prognóstico

         A sobrevida geral para os pacientes com endocardite infecciosa é de cerca de 75 a 80%.37,92 Esta taxa de sobrevida é um pouco melhor que aquela vigente na década de 1950, mas ainda precisa melhorar.92 A perspectiva depende em grande parte da rapidez com que o diagnóstico é estabelecido e a terapia é iniciada, bem como da natureza do organismos infeccioso, da existência de comorbidades e do desenvolvimento de complicações cardíacas e neurológicas.37,41 A sobrevida sobe para mais de 90% quando o organismo infeccioso é um estreptococos do tipo viridans ou S. bovis, mas é de apenas 50% entre os indivíduos não UDI infectados por S. aureus. Embora os resultados sejam piores nos casos de EVP em fase inicial, as taxas de sobrevida para os pacientes com EVP em fase tardia parecem ser similares às taxas de sobrevida dos pacientes com infecção de valva nativa.3,81 Com a incorporação de uma intervenção cirúrgica mais precoce ao tratamento dos pacientes com endocardite, a insuficiência cardíaca passou a estar menos fortemente associada a uma mortalidade aumentada. No entanto, as complicações significativas envolvendo o SNC e a infecção descontrolada, sobretudo a formação de abscesso, continuam associadas a uma maior mortalidade.93 A perspectiva a curto prazo é relativamente boa para os UDI com endocardite de lado direito.13 A endocardite causada por bacilos gram-negativos (exceto os organismos HACEK) ou por leveduras é difícil de curar, mesmo com a adoção de uma terapia antimicrobiana ideal e de intervenção cirúrgica agressiva. A endocardite causada por fungos miceliais geralmente é fatal.21

 

         O autor não possui relações comerciais com os fabricantes de produtos ou prestadores de serviços mencionados neste capítulo.

 

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