Autores:
Rodrigo Díaz Olmos
Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.
Leonardo Vieira da Rosa
Médico Cardiologista pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Doutorando em Cardiologia do InCor-HC-FMUSP. Médico Cardiologista da Unidade Coronariana do Hospital Sírio Libanês.
Última revisão: 29/04/2010
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Controle de ritmo vs controle da freqüência para fibrilação atrial e insuficiência cardíaca
Rhythm control versus rate control for atrial fibrillation and heart failure. N Engl J Med 2008 Jun 19; 358:2667-77. [Link para o abstract].
Tem sido uma prática comum restabelecer e manter o ritmo sinusal em pacientes com fibrilação atrial (FA) e insuficiência cardíaca. Esta abordagem é, em parte, baseada em dados que indicam que a FA é um preditor de mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca e que sua supressão poderia afetar favoravelmente o prognóstico. Entretanto os reais riscos e benefícios desta abordagem não foram adequadamente estudados. Este estudo teve como objetivo comparar os efeitos das duas abordagens (manutenção da FA com controle da freqüência e reversão da FA para ritmo sinusal) sobre desfechos cardiovasculares, particularmente mortalidade por causas cardiovasculares.
Um total de 1376 pacientes, em 123 centros em diversos países, foram randomizados para controle do ritmo (n=682) ou para controle da freqüência (n=694), sendo acompanhados por uma média de 37 meses. Vale mencionar que 453 pacientes (33% do total de participantes) foram randomizados no Brasil e na Argentina. Os critérios de inclusão (vide Dicas de Epidemiologia e Medicina Baseada em Evidências) foram: fração de ejeção (FE) = 35% nos últimos 6 meses antes da inclusão, história de insuficiência cardíaca (IC) classe funcional II a IV nos últimos 6 meses antes da inclusão, história de fibrilação atrial (FA) com documentação eletrocardiográfica, definida como episódio durando pelo menos 6 horas ou necessidade de cardioversão nos últimos 6 meses ou episódio durando pelo menos 10 minutos nos últimos 6 meses e história de cardioversão elétrica para FA. Os critérios de exclusão (vide Dicas de Epidemiologia e Medicina Baseada em Evidências) foram: FA persistente por mais de 12 meses, causa reversível de FA ou IC, IC descompensada 48h antes da intenção de randomização, uso de anti-arrítmicos para outras arritmias, bloqueio átrio-ventricular de segundo ou terceiro grau, bradicardia < 50 bpm, história de síndrome do QT longo, ablação do nó AV prévia, previsão de transplante cardíaco nos próximos 6 meses, insuficiência renal requerendo diálise, falta de anticoncepção em mulheres em idade fértil, expectativa de vida menor que 1 ano, idade menor que 18 anos. A randomização foi realizada em blocos de vários tamanhos e foi estratificada por centros de estudo. No grupo de controle de ritmo, terapia agressiva para prevenir FA era recomendada. Amiodarona era a droga de escolha, mas sotalol ou dofetilida eram usados se necessário. Cardioversão elétrica era recomendada se os pacientes ainda estivessem em FA após 6 semanas de drogas anti-arrítmicas, e cardioversões adicionais eram recomendadas se houvesse recidiva da FA. No grupo de controle da freqüência, beta bloqueadores e digital eram usados para controlar a resposta ventricular (FC < 80 em repouso, ou < 110 durante o teste de caminhada de 6 minutos). Ablação do nó atrioventricular ou marcapasso eram indicados se os objetivos de controle de freqüência não fossem atingidos. Terapia para IC foi recomendada igualmente para os dois grupos e incluía doses máximas toleradas de inibidores da ECA ou antagonistas de receptor de angiotensina e beta-bloqueadores. Anticoagulação foi recomendada para todos os pacientes e terapia de ressincronização e desfibrilador implantável foram recomendadas conforme indicação clínica. O desfecho primário foi morte por causas cardiovasculares. Os desfechos secundários foram: mortalidade geral, AVC, piora da IC, hospitalizações, qualidade de vida, custo da terapia, e um desfecho composto de morte por causas cardiovasculares, AVC ou piora da IC. Os eventos clínicos foram avaliados por um comitê de desfechos, mascarado para a randomização.
As análises foram realizadas pelo princípio da intenção de tratar. O desfecho primário (morte por causas cardiovasculares) ocorreu em 27% dos participantes no grupo do controle de ritmo e 25% no grupo de controle da freqüência (HR ajustado: 1,05 IC 95% 0,85 – 1,29; p=0,67). Em relação aos desfechos secundários, a sobrevida, o risco de AVC, piora da IC e o desfecho composto (morte cardiovascular, AVC ou piora da IC) foram semelhantes nos dois grupos. Hospitalizações foram mais freqüentes no grupo do controle do ritmo (64% vs 59%, p=0,06), particularmente durante o primeiro ano de seguimento (46% vs 39%, p=0,001).
Dois grandes trials (AFFIRM2 e RACE3) com mais de 5000 mil pacientes, compararam as 2 estratégias: controle de freqüência versus controle de ritmo. Nesses estudos, os pacientes arrolados não apresentavam disfunção ventricular tipo sistólica. Em ambos, a estratégia de controle da freqüência com anticoagulação não se associou com aumento de morte ou AVC. Então, a dúvida persistia: Será que podemos extrapolar seus resultados para pacientes com disfunção ventricular? De acordo com os resultados apresentados nesse trabalho, talvez a resposta seja sim.
Os dados deste estudo são importantes e consistentes com estudos prévios em pacientes sem insuficiência cardíaca que não demonstraram benefício da reversão da FA comparada ao controle da freqüência. É importante notar que estes resultados se aplicam a pacientes com IC por disfunção sistólica. Pacientes com IC por disfunção diastólica (função sistólica preservada) têm alta prevalência de FA, entretanto o manejo da FA nestes pacientes ainda precisa ser mais bem estudado. Sabemos que a contração atrial pode ser importante no enchimento ventricular de pacientes com redução da complacência ventricular, mas esta observação fisiopatológica não é suficiente para se recomendar a reversão da FA em pacientes com IC por disfunção diastólica. Assim recomendamos que a abordagem primária de pacientes com IC por disfunção sistólica e fibrilação atrial seja o controle da freqüência ventricular associado a tratamento otimizado da IC e anticoagulação.
Os critérios de inclusão e exclusão são necessários por uma série de motivos como excluir pacientes que tenham contra-indicação à intervenção em estudo ou pacientes que possam apresentar efeitos colaterais graves com a intervenção
1. Rhythm control versus rate control for atrial fibrillation and heart failure. N Engl J Med 2008 Jun 19; 358(25):2667-77. [Link para o abstract]
2. A Comparison of Rate Control and Rhythm Control in Patients with Atrial Fibrillation. The Atrial Fibrillation Follow-up Investigation of Rhythm Management (AFFIRM) Investigators. N Engl J Med 2002; 347:1825-1833 [link livre para o artigo original]
3. Van Gelder IC, hagens VE. A Comparison of Rate Control and Rhythm Control in Patients with Recurrent Persistent Atrial Fibrillation; N Engl J Med 2002; 347:1834-1840 [link livre para o artigo original]
4. Olmos, RD. “Ensaios Clínicos – princípios gerais”. In ‘Epidemiologia Básica”, Sarvier, 1ª Edição, 2005.
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