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Tratamento Precoce de Ataques Isquêmicos Transitórios SOS-TIA

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 08/06/2009

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Uma clínica para avaliação de ataques isquêmicos transitórios funcionando 24h por dia (SOS-TIA): exeqüibilidade e efeitos

A transient ischaemic attack clinic with round-the-clock access (SOS-TIA): feasibility and effects [Link para PubMed].

 

Fator de Impacto da revista (Lancet Neurology): 10,169.

 

Contexto Clínico

Acidente vascular cerebral (AVC) afeta cerca de 15 milhões de pessoas anualmente em todo o mundo. É a segunda causa de morte (responsável por aproximadamente 10% das mortes) e a primeira causa de incapacidade adquirida, sendo uma das principais causas de utilização de recursos de saúde. Há inúmeras evidências mostrando que o risco de AVC em indivíduos de alto risco (tanto prevenção primária como secundária) pode ser minimizado por uma série de estratégias como controle pressórico, cessação do tabagismo, uso de estatinas, antiagregantes plaquetários, anticoagulantes e, em alguns casos, a endarterectomia. Cerca de 30 a 40% dos pacientes com AVC atual já tiveram um AIT ou um pequeno AVC. O risco de AVC é muito maior nos indivíduos que já apresentaram um ataque isquêmico transitório (AIT) ou um pequeno AVC, podendo chegar a mais de 10% nos primeiros 7 dias de acordo com uma metanálise1 recente, embora em média este risco seja de cerca de 5%. Há dúvidas sobre se uma abordagem realizada de forma urgente, nos mesmos moldes que as estratégias bem sucedidas utilizadas para reduzir o risco de AVC no longo prazo, reduziria o risco de AVC recorrente em indivíduos com AIT ou AVCs pequenos. Desta forma, esta semana discutiremos 3 artigos que abordam esta questão. Os dois primeiros (EXPRESS2 e SOS-TIA3) foram publicados em outubro de 2007 no Lancet e no Lancet Neurology respectivamente. O último4 foi publicado este mês no Lancet Neurology, e é uma avaliação de outros desfechos do estudo EXPRESS.

 

O Estudo

Foi um estudo observacional tipo série de casos, em que a taxa de AVCs recorrentes no grupo estudado foi comparada com a taxa esperada para a população geral com base em dados epidemiológicos. Os autores organizaram uma clínica, funcionando 24h por dia, para avaliação de AITs encaminhados por médicos de toda região metropolitana de Paris. Material explicativo foi enviado para cerca de 15.000 médicos (incluindo médicos de família, cardiologistas, neurologistas e oftalmologistas) da grande Paris, com informações sobre o estudo e a clínica. Na clínica os pacientes encaminhados com AIT (sintomas focais de disfunção neurológica ou retiniana, transitórios) eram avaliados em no máximo 4 h. A avaliação inicial padrão consistia de tomografia computadorizada de crânio ou ressonância nuclear magnética, ultrassom de carótidas e Doppler transcraniano e eletrocardiograma. Ecocardiograma transesofágico era realizado no seguimento se uma causa para o AIT ainda não tivesse sido diagnosticada. Perfil lipídico, glicemia de jejum e outros exames laboratoriais eram colhidos em jejum (na avaliação inicial se o paciente estivesse em jejum ou ambulatorialmente após a alta da clínica). Após a avaliação inicial na clínica o paciente tinha alta levando um resumo de alta com as recomendações para tratamento (objetivos pressóricos, nível ideal de LDL colesterol, cessação do tabagismo). Antiagregantes eram iniciados na clínica, mas antihipertensivos e estatinas ficavam a cargo do generalista do paciente. Alguns casos iniciavam anticoagulação já na clínica e outros eram internados para revascularização da carótida. Os desfechos avaliados foram o risco de AVC no 90º dia (desfecho primário) e risco de AVC, infarto do miocárdio e morte vascular em 1 ano (desfechos secundários).

 

Resultados

Entre janeiro de 2003 e dezembro de 2005, foram admitidos 1085 pacientes com suspeita de AIT; 574 (53%) foram avaliados nas primeiras 24h do início dos sintomas. Dos 643 pacientes com AIT confirmado (59%), 108 (17%) apresentaram lesão cerebral tecidual. A duração mediana dos sintomas foi de 15 minutos (variando de 5 a 75 minutos). Dos pacientes com AIT confirmado ou possível, todos iniciaram o programa de prevenção de AVC, 43 (5)% realizaram revascularização carotídea de urgência e 44 (5%) receberam anticoagulantes para fibrilação atrial. Quase três quartos (74%; 808 pacientes) dos pacientes vistos tiveram alta para casa no mesmo dia. A taxa de AVC no 90º dia foi de 1,24% (IC95% 0,72 – 2,12), enquanto que a taxa predita baseada no escore ABCD foi de 5,96%, uma redução estimada de cerca de 80% no risco de AVC no 90º dia. Os autores concluem que o uso de uma clínica para avaliação urgente de AITs com introdução imediata de tratamentos preventivos pode reduzir significativamente o tempo de internação hospitalar e o risco de AVC comparado com o risco esperado.

 

Aplicações para a Prática Clínica

O estudo, como os próprios autores reconhecem, apresenta uma série de limitações, dentre as quais o fato de não ser um estudo de base populacional (utilizou-se uma amostra de conveniência - pacientes encaminhados por médicos que tinham recebido material explicativo do estudo), o que torna o estudo uma série de casos. Outra limitação refere-se ao fato de que pode ter havido seleção de pacientes menos graves (com risco menor de AVC), enviesando os achados. Além disso, não houve randomização dos pacientes para avaliação na clínica ou cuidados habituais, na verdade, não houve nem sequer comparação com controles históricos, e sim comparação com as taxas de AVC esperadas para uma população semelhante com base em escores de risco. Todas estas limitações diminuem o valor dos achados do estudo. Na verdade, poderíamos até mesmo criticar a necessidade de exames como Doppler transcraniano de urgência como parte de uma investigação imediata que teria impacto na conduta e consequentemente no prognóstico dos pacientes. Na maior parte dos hospitais de médio porte, particularmente nos hospitais universitários, mesmo que as investigações adicionais (ecocardiograma, doppler de carótidas, dosagem de colesterol)  não sejam feitas durante a internação breve destes pacientes (muitas vezes observação no pronto-socorro por 6 a 12h), terapêutica com antiagregantes (e eventualmente anticoagulante) e antihipertensivos já é iniciada no pronto-socorro. Do ponto de vista prático-assistencial, saber se o paciente que apresentou um déficit neurológico focal transitório com recuperação completa tem lesão de tecido cerebral através de um exame de alto custo e com pouca disponibilidade em nossa prática diária como uma ressonância magnética de encéfalo com difusão é irrelevante e contraproducente

Como conclusão e discussão geral, levando em conta os três artigos comentados esta semana, este editor acredita que uma interpretação equivocada dos resultados destes estudos e de algumas revisões sobre o tema5 tem levado a condutas (ou pelo menos tentativas de condutas) no AIT que podem comprometer ainda mais o já frágil “equilíbrio” dos pronto-socorros das grandes cidades brasileiras. Indicar internação hospitalar para todos os pacientes com AIT para realização imediata de Doppler de carótidas, ecocadiograma e dosagem de colesterol me parece uma conduta equivocada amparada numa má interpretação de estudos como o EXPRESS. Neste estudo, comparou-se a introdução tardia (mediana de 20 dias após o início dos sintomas) de intervenções que corriqueiramente introduzimos nas primeiras horas da avaliação de um AIT no pronto-socorro (aspirina, por exemplo) com a introdução precoce (dentro das primeiras 24h, até o terceiro dia). Para iniciarmos um antiagregante como a aspirina não há necessidade de realização de um Doppler de carótidas e muito menos de um ecocardiograma. Só precisamos, de uma forma geral, de uma tomografia de crânio, caso o déficit neurológico ainda persista, de uma avaliação clínica (história e exame físico) para avaliar disfunção cardíaca e pressão arterial, uma glicemia capilar e de um eletrocardiograma para avaliar principalmente a presença de fibrilação atrial (mas também a presença de áreas inativas e sobrecargas de câmaras) para indicar, neste caso, anticoagulação. Na opinião deste editor, com este reduzido número de exames realizados no pronto-socorro, podemos iniciar uma abordagem terapêutica preventiva (incluindo aspirina e antihipertensivos) em poucas horas, e a maioria dos pacientes poderá ter alta para acompanhamento ambulatorial precoce, dosagem de colesterol, Doppler de carótidas e ecocardiograma em casos muito bem selecionados. Por fim, a finalidade destes estudos foi, além de demonstrar que os pacientes com AIT precisam de uma abordagem terapêutica mais precoce, mostrar que a maioria destes pacientes não precisam de internação hospitalar, podendo ser abordados num regime ambulatorial, desde que precocemente.

 

Bibliografia

1.    Giles MF, Rothwell PM. Risk of stroke early after transient ischaemic attack: a systematic review and metanalysis. Lancet Neurol 2007; 6: 1063–72.

2.    Rothwell PM, Giles MF, Chandratheva A, et al. Eff ect of urgent treatment of transient ischaemic attack and minor stroke on early recurrent stroke (EXPRESS study): a prospective population-based sequential comparison. Lancet 2007; 370: 1432–42.

3.    Lavallée PC, Meseguer E, Abboud H, et al. A transient ischaemic attack clinic with round-the-clock access (SOS-TIA): feasibility and effects. Lancet Neurol 2007; 6: 953–60.

4.    Luengo-Fernandez R, Gray AM, Rothwell PM. Effect of urgent treatment for transient ischaemic attack and minor stroke on disability and hospital costs (EXPRESS study): a prospective population-based sequential comparison. Lancet Neurol Published Online February 5, 2009.

5.    Johnston SC. Transient ischemic attack. N Engl J Med 2002; 347(21):1687-1692.

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