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Como reduzir a prescrição de antibióticos para infecções respiratórias?

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 25/05/2009

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Como reduzir a prescrição de antibióticos para infecções respiratórias?

 

Efeito da proteína C reativa e de treinamento em comunicação sobre o uso de antibióticos nas infecções do trato respiratório inferior1.

Effect of point of care testing for C reactive protein and training in communication skills on antibiotic use in lower respiratory tract infections: Cluster randomised trial. BMJ 2009; 338:b1374-84 [Link para Artigo Completo].

 

Fator de impacto da revista (BMJ): 9,723

 

Contexto Clínico

            As infecções do trato respiratório inferior são uma das causas mais comuns de consultas médicas, totalizando cerca de 17 milhões de consultas na União Européia e 11 milhões de consultas nos EUA. A traqueobronquite aguda é responsável por cerca de 80% das infecções respiratórias baixas e, a despeito das evidências mostrarem que não há benefícios com antibióticos, 80% dos casos de traqueobronquite aguda recebe antibiótico. No Brasil este cenário não é diferente. Várias abordagens têm sido utilizadas no sentido de melhorar o manejo clínico em saúde. A abordagem focada na doença (“disease focused”) objetiva melhorar o diagnóstico, enquanto uma abordagem focada no sofrimento, no paciente (“illness focused”) enfatiza a compreensão do paciente como um todo, além de compartilhar decisões, o que pode ser mais dependente de informações claras sobre evolução e prognóstico do que de um diagnóstico correto. Assim, os autores realizaram um ensaio clínico para avaliar o efeito de duas intervenções sobre a prescrição de antibióticos para infecções do trato respiratório inferior.

 

O Estudo

            Foi um ensaio clínico por agrupamento (“cluster randomized trial”) pragmático, 2x2 fatorial, realizado em 20 centros de saúde na Holanda, com 40 clínicos gerais, que recrutaram 431 pacientes com infecção respiratória baixa. O objetivo foi avaliar se a realização de proteína C reativa (abordagem centrada na doença) e/ou o recebimento de treinamento para melhorar as habilidades comunicativas (abordagem centrada no usuário) tinham algum efeito sobre a prescrição de antibióticos para infecções respiratórias baixas. Os centros de saúde foram randomizados para receber um kit para realização de PCR em três minutos com apenas uma gota de sangue, um treinamento em comunicação dos clínicos com a equipe do estudo, as duas intervenções ou então nenhuma intervenção O desfecho primário avaliado foi a prescrição de antibiótico na consulta índice (consulta em que os participantes foram recrutados). Os desfechos secundários foram prescrição de antibiótico nos 28 dias de seguimento após a consulta índice, reconsulta, recuperação clínica e satisfação do paciente.

 

Resultados

            Os clínicos gerais no grupo da PCR prescreveram antibióticos para 31% dos pacientes comparado com 53% no grupo sem PCR (p=0,02). Os clínicos gerais no grupo das habilidades comunicativas prescreveram antibióticos para 27% dos pacientes comparado com 54% no grupo sem o treinamento em comunicação (p<0,01). Ambas as intervenções mostraram efeitos estatisticamente significativos sobre a prescrição de antibiótico em qualquer ponto dos 28 dias de seguimento. Os clínicos no grupo das duas intervenções prescreveram antibióticos para 23% dos pacientes (sem diferença significativa em relação aos outros dois grupos de intervenções isoladas). A recuperação e a satisfação dos pacientes foram semelhantes em todos os grupos. Foi realizada uma análise de custo-efetividade, que será relatada em outro artigo.

 

Aplicações para a Prática Clínica

            Estudo interessante mostrando que treinamento em habilidades de comunicação do médico com o paciente (abordagem denominada de “illness focused” pelos autores) resultou em redução da prescrição de antibióticos para quadros de infecção respiratória baixa auto-limitados. Foi um estudo com desenho fatorial e randomizado por grupos (ver Dicas de Epidemiologia e Medicina baseada em Evidências). O desenho fatorial (2x2) é eficiente para avaliar duas intervenções quando elas agem de forma independente. Os resultados do estudo não mostraram interação entre os efeitos das duas abordagens (solicitação de PCR e treinamento de habilidades comunicativas). Ambas se mostraram eficazes em reduzir a prescrição de antibióticos, mas sua associação não apresentou nenhum efeito sinérgico nem antagônico. É interessante notar, que uma abordagem que leve em conta a preferência do paciente e uma comunicação adequada em termos de evolução e prognóstico da infecção respiratória reduz a prescrição excessiva de antibióticos. É possível que esta abordagem tenha efeitos não somente na redução de prescrições desnecessárias, mas também tenha impacto na redução da resistência local a antibióticos, bem como na redução da emergência global de cepas bacterianas resistentes. Embora o presente artigo não tenha relatado os resultados da análise de custo-efetividade, é muito provável que a abordagem comunicativa tenha uma relação de custo-efetividade melhor que a solicitação de PCR, por motivos óbvios. Assim, uma abordagem eficaz que não utilize exames complementares e não medicalize ainda mais os usuários deve ser preferida. Além disso, a utilização de PCR, embora tenha alcançado objetivos semelhantes à abordagem centrada no paciente, é inespecífica e me parece muito mais salutar solicitar uma radiografia de tórax para aqueles pacientes nos quais uma suspeita de pneumonia exista. Desta forma, este editor acredita que uma avaliação clínica bem feita, seguida de comunicação e informação adequadas, e utilização de radiografia de tórax em casos selecionados, é a melhor abordagem nos casos de infecção respiratória baixa, tanto do ponto de vista de resultados clínicos (menor prescrição de antibióticos desnecessários, com resolução dos sintomas e satisfação do paciente) como do ponto de vista do custo, sem contar os benefícios indiretos que treinamentos em habilidades comunicativas podem ter na prática clínica em geral.

 

Dicas de Epidemiologia e Medicina baseada em Evidências

Cluster randomized trials (ensaio clínico randomizado por grupos)

            Estudo randomizado por agrupamento (cluster randomized trial)2 é um tipo de desenho em que a randomização não é feita individualmente, mas é realizada por grupos de indivíduos. É uma ferramenta importante na avaliação de intervenções não farmacológicas como modificações de estilo de vida ou programas educacionais. No presente estudo os centros de saúde, com seus respectivos clínicos gerais, é que foram randomizados para um dos quatro grupos de intervenção, e não os pacientes incluídos no estudo individualmente. Um viés comum de ocorrer neste tipo de desenho é o viés de recrutamento (um tipo de viés de seleção) após a randomização, uma vez que tipos e número de pacientes podem ser recrutados de forma diferencial após a intervenção ter sido alocada, entretanto no caso deste estudo específico é provável que este viés não tenha sido importante uma vez que as características de base dos pacientes foram semelhantes em todos os grupos. Embora a randomização individual seja uma forma de evitar tal viés ela nem sempre é possível quando se quer avaliar programas educacionais do tipo avaliado neste estudo.

 

Bibliografia

1. Cals JWL, Butler CC, Hopstaken RM, Hood K, Dinant GJ. Effect of point of care testing for C reactive protein and training in communication skills on antibiotic use in lower respiratory tract infections: Cluster randomised trial. BMJ 2009; 338:b1374-84.

2. Donner A, Neil Klar N. Pitfalls of and Controversies in Cluster Randomization Trials. Am J Public Health. 2004;94:416–422)

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