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Paracetamol profilático na vacinação

Autores:

Flávia J. Almeida

Médica Assistente do Serviço de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. Mestre em Pediatria pela FCMSCSP.

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 08/11/2009

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Uso de paracetamol profilático no momento da vacinação

 

Efeito do uso do paracetamol profilático no momento da vacinação em reações febris e resposta de anticorpos em crianças: dois estudos abertos, randomizados controlados1

[Link para Abstract].

 

Fator de impacto da revista (Lancet): 28,409

 

Contexto Clínico

            A febre é parte da resposta inflamatória normal e frequentemente ocorre em resposta à infecção. Este é um mecanismo de defesa benéfico em muitas infecções e pode aumentar a sobrevida.

A febre também é um evento bem descrito após vacinação. Ela é produzida pelos pirógenos endógenos, principalmente interleucina-1 e fator de necrose tumoral a, e é associada com melhora da atividade das células T, do reconhecimento de antígenos e da resposta imune. A febre pós-vacinação, apesar de geralmente benigna e auto-limitada, é motivo de preocupação dos pais e até mesmo dos profissionais de saúde, especialmente pelo medo das convulsões febris; chegando até a impedir ou atrasar doses subseqüentes. Com isto, o uso profilático de anti-térmicos tornou-se uma prática comum, sendo até recomendado em alguns países antes da vacina contra difteria, tétano e coqueluche de células inteiras (DPTw), de vacinas combinadas ou para crianças com história de convulsão febril.

Desta forma, os autores objetivaram avaliar o efeito do uso do paracetamol profilático no momento da vacinação e dentro das 24 horas subseqüentes na taxa de reações febris e resposta vacinal em lactentes após a vacinação primária com a vacina pneumocócica 10-valente conjugada à proteína D do Haemophilus influenzae não tipável (PHiD-CV) co-administrada com a vacina hexavalente difteria-tétano-coqueluche acelular - hepatite B - poliomielite inativada - H. influenzae tipo b (DTPa-HBV-IPV/Hib) e vacina oral contra rotavírus (HRV), seguida pela dose de reforço de PHiD-CV mais DTPa-HBV-IPV/Hib.

 

O Estudo

            Trata-se de dois estudos consecutivos (vacinação primária e reforço), randomizados, controlados, abertos, que avaliaram 459 lactentes saudáveis, em 10 centros da República Tcheca. Os lactentes foram randomizados para receber 3 doses de paracetamol profilático, a cada 6 a 8 horas dentro das primeiras 24 horas da vacinação com PHiD-CV co-administrada com DTPa-HBVIPV/Hib e HRV (n=226) ou não receber paracetamol profilático (n=233). O tratamento não foi cegado, uma vez que o grupo controle não recebeu placebo. A randomização foi feita em blocos e houve ocultação da sequência de randomização bem como do tamanho dos blocos.

O objetivo primário dos estudos foi a redução de reações febris = 38°C na coorte total de vacinados. O objetivo secundário foi a avaliação da imunogenicidade. Este desfecho foi avaliado de acordo com o tratamento recebido (per protocol analysis) (vide Dicas de Epidemiologia e Medicina baseada em Evidências), em oposição à avaliação por intenção de tratar, realizada na avaliação do desfecho primário.

 

Resultados

Febre = 39·5°C foi incomum nos dois grupos (após imunização primária: um de 226 participantes [<1%] no grupo paracetamol profilático versus três de 233 [1%] no grupo não paracetamol profilático; após imunização de reforço: três de 178 [2%] versus dois de 172 [1%]). A porcentagem de crianças com temperatura = 38°C após pelo menos uma dose foi significantemente menor no grupo paracetamol profilático (94/226 [42%] após imunização primária e 64/178 [36%] após imunização de reforço) do que no grupo não paracetamol profilático (154/233 [66%] após imunização primária e 100/172 [58%] após imunização de reforço).

As concentrações geométricas médias (GMCs) de anticorpos foram significantemente menores no grupo paracetamol profilático do que no grupo não paracetamol após a imunização primária para todos os 10 sorotipos vacinais do pneumococo, proteína D, anti-poliribosol-ribitol fosfato, anti-difteria, anti-tétano, e anti-pertactina. Após imunização de reforço, menores GMCs de anticorpos persistiram no grupo paracetamol profilático para anti-tétano, proteína D, e todos os sorotipos de pneumococo, exceto o 19F.

 

Aplicações para a Prática Clínica

Este estudo mostra que o uso profilático de paracetamol diminui as reações febris, após imunização primária e de reforço. Quando o valor considerado da temperatura é de 38 ºC observa-se 40 a 50% de redução de febre. Entretanto quando este valor é = 39,5 ºC, os episódios são raros nos dois grupos.

Sabemos que no Brasil o uso de anti-térmico profilático durante a vacinação é uma prática muito comum, recomendada, inclusive, por pediatras. Isto é observado, especialmente, em clínicas privadas de imunização. Entretanto, é fundamental destacarmos que não existem evidências que apóiem esta prática, incluindo o impacto nas convulsões febris 2-4, que sabidamente não estão relacionadas com o valor da temperatura, mas, sim, com a predisposição do indivíduo. Neste estudo, não foi possível avaliar o impacto do uso profilático do paracetamol na prevenção das convulsões febris.

O estudo nos trouxe um dado inédito e de grande importância: redução substancial na resposta primária de anticorpos aos 10 sorotipos de pneumococo contidos na vacina, ao polissacarídeo do Hib, difteria, tétano, coqueluche. Dois estudos foram realizados com vacina DPT de células inteiras mostraram que a resposta de anticorpos não sofreu alteração: em um deles quando uma dose única de paracetamol profilático foi administrada 4 horas após a vacina5; e no outro6 quando o paracetamol foi administrado terapeuticamente dentro de 48 horas da vacinação. 

Os autores questionam se a interferência do paracetamol na resposta de anticorpos pode ser decorrente da prevenção da febre, uma vez que a resposta imune celular é altamente dependente da temperatura. Entretanto, concluem que este efeito indireto é improvável, já que a resposta imune foi semelhante em crianças com ou sem febre. A interferência ocorre quando o paracetamol é usado profilaticamente, tanto em crianças que não apresentaram febre, como naquelas que apresentaram. Foi realizada uma análise post-hoc (vide Dicas de Epidemiologia e Medicina baseada em Evidências) para avaliar se este efeito do paracetamol no grupo profilático era um efeito direto ou indireto devido a redução da febre. Nos dois grupos (profilático e não profilático), a imunogenicidade foi avaliada de acordo com a ocorrência ou não de febre. Concluiu-se que a febre teve pouco efeito na resposta vacinal.

Assim, o efeito do paracetamol parece ser direto na resposta imune celular. Na opinião dos autores, a melhor explicação para esta interferência é a de que o paracetamol profilático agiria nas interações precoces entre as células dendríticas, linfócitos B e T, reduzindo os sinais inflamatórios.

As análises post-hoc realizadas em estudos clínicos prévios mostraram que o paracetamol interfere, de forma máxima, na resposta vacinal, se administrado precocemente, ou seja, antes ou durante a vacinação. Quando utilizado terapeuticamente para ocorrência de febre, seu efeito não parece ser importante, uma vez que a resposta inflamatória inicial já foi estabelecida.

Apesar destes resultados, não se sabe qual a relevância clínica destes achados imunológicos. Estudos futuros poderão esclarecer melhor estes dados. De qualquer forma, não há motivos para se indicar anti-térmicos profiláticos, na melhor das hipóteses eles não produzem nenhum benefício e na pior das hipóteses eles podem comprometer a resposta imunológica à vacinação. Sendo assim, na opinião dos editores o uso de anti-térmico profilático no momento ou antes da vacinação não deve ser recomendado rotineiramente.

 

Dicas de Epidemiologia e Medicina baseada em Evidências

Análise Post-Hoc7,8

            A análise post-hoc se refere a procurar padrões ou associações nos dados - após o estudo ter sido concluído – que não tinham sido especificadas a priori, em outras palavras, realizar análises não pré-especificadas. Este tipo de análise é criticado pelo fato de poder ser fonte de viés, uma vez que quanto maior é o número de análises que se realizam maior a probabilidade de se encontrar algo por acaso, particularmente se as análises não foram pré-especificadas. Os resultados das análises post-hoc devem ser interpretados com muita cautela e tais resultados devem ser sempre explicitamente referidos como post-hoc para se evitar interpretações equivocadas. Geralmente as análises post-hoc têm como principal benefício lançar hipóteses sobre possíveis associações que deverão ser avaliadas de forma mais consistente em estudos especificamente desenhados para tal.

 

Análise pelo tratamento recebido (ou análise de eficácia, ou análise por protocolo)9,10

            Nos ensaios clínicos randomizados, geralmente a análise dos desfechos é feita pelo princípio da intenção de tratar, que se refere ao fato de que os desfechos devem ser avaliados de acordo com o tratamento alocado na randomização e não de acordo com o tratamento recebido. Esta forma de análise preserva o valor da randomização como forma de nos assegurarmos que os grupos são homogêneos quanto a fatores conhecidos e desconhecidos. Também é possível, entretanto, realizar um tipo de análise no qual se avalia o desfecho de acordo com o tratamento recebido (análise por protocolo ou por tratamento recebido ou análise de eficácia). Nesta análise, se um paciente foi randomizado para receber o tratamento X, mas por algum motivo não o utilizou, ele será excluído da análise do grupo do tratamento X. Este tipo de análise, embora tenha sua utilidade (explica o efeito da intervenção em si, a eficácia da intervenção em contraposição à sua efetividade), transforma um ensaio clínico randomizado num estudo de coorte, pois elimina ao efeito da alocação aleatória dos grupos. Assim, é importante que, na descrição dos resultados do estudo, seja especificado que tipo de análise foi realizada com ao dados: se por intenção de tratar ou se pelo protocolo.

 

Bibliografia

  1. Prymula R, Siegrist C, Chlibek R, Zemlickova H, Vackova M, Smetana J, Lommel P, Kaliskova E, Borys D, Schuerman L. Effect of prophylactic paracetamol administration at time of vaccination on febrile reactions and antibody responses in children: two open-label, randomized controlled trials. Lancet 2009; 374: 1339–50

2.     Fetveit A. Assessment of febrile seizures in children. Eur J Pediatr 2008; 167: 17–27.

3.     Waruiru C, Appleton R. Febrile seizures: an update. Arch Dis Child 2004; 89: 751–56.

4.     El-Radhi AS, Barry W. Do antipyretics prevent febrile convulsions? Arch Dis Child 2003; 88: 641–42. 2008; 167: 17–27.

5.     Uhari M, Hietala J, Viljanen MK. Effect of prophylactic acetaminophen administration on reaction to DTP vaccination. Acta Paediatr Scand 1988; 77: 747–51.

6.     Long SS, Deforest A, Smith DG, Lazaro C, Wassilak GF. Longitudinal study of adverse reactions following diphtheria-tetanus-pertussis vaccine in infancy. Pediatrics 1990; 85: 294–302.

7.     Elliott HL. Post hoc analysis: use and dangers in perspective. J Hypertens Suppl. 1996 Sep;14(2):S21-4 [Link para Abstract].

8.     Opal SM. Unintended bias, clinical trial results, and the heparin post hoc crossover fallacy. Crit Care Med. 2004 Mar;32(3):874-5 [Link para Abstract].

9.     Olmos RD, Martins HS. Ensaios clínicos – Princípios teóricos. In “Epidemiologia. Abordagem prática”. Isabela M Benseñor, Paulo A Lotufo. São Paulo. Sarvier, 2005.

10.  Greenhalgh T. Como ler artigos científicos. Porto Alegre. Artmed, 3ª Edição, 2008.

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