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Infecção do trato urinário e profilaxia antibiótica

Última revisão: 29/11/2009

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Infecção do trato urinário e profilaxia antibiótica

 

Profilaxia antibiótica e infecção do trato urinário recorrente em crianças1 [Link para Abstract].

 

Fator de impacto da revista (NEJM): 50,017

 

Contexto Clínico

            A infecção do trato urinário (ITU) é muito comum em crianças, acometendo 2% dos meninos e 8% das meninas até os 7 anos de idade. Sua principal complicação é a possibilidade de levar à lesão renal permanente, que pode ocorrer em até 5% das crianças.

Muitas vezes a ITU recorrente é associada a refluxo vésico-ureteral (RVU). Esta associação leva à utilização diária de antibiótico em dose baixa por muitos anos para prevenir a recorrência da ITU, e mais do que isto, a lesão renal.

Algumas crianças sem RVU também apresentam ITU recorrente e suas seqüelas, e acabam recebendo profilaxia antibiótica da mesma forma.

Entretanto faltam estudos controlados bem desenhados para confirmar o benefício desta prática. Desta forma, este estudo, chamado “Prevenção da ITU Recorrente em Crianças com RVU e com Trato Urinário Normal (PRIVENT)” avaliou se o uso de baixa dose de antibiótico, por longo tempo, previne a ITU recorrente.       

 

O Estudo

            Foram avaliadas crianças, de 4 centros australianos, desde o nascimento até 18 anos de idade com história de um ou mais episódios de ITU com comprovação microbiológica, para receber sulfametoxazol-trimetoprim (SMX-TMP), na dose de 2 mg de TMP com 10 mg de SMX/kg ou placebo por 12 meses. O desfecho primário foi ITU sintomática com comprovação microbiológica. Foi realizada análise por intenção de tratar utilizando-se os dados de tempo até o evento.

 

Resultados

De dezembro de 1998 a março de 2007, 576 crianças (de 780 planejadas) foram randomizadas. Destas, o seguimento completo foi realizado em 564 crianças (98%).

A mediana da idade, na entrada, foi de 14 meses; 64% dos pacientes eram meninas; 42% tinham RVU (pelo menos grau III em 53% destes pacientes); e 71% foram incluídos após o primeiro diagnóstico de ITU. Metade das crianças foi randomizada para cada grupo: 288 para o grupo antibiótico e 288 para o placebo. Nos 2 grupos, 87% das ITUs iniciais foram causadas por Escherichia coli, com 15% de resistência à SMX-TMP.

Um total de 14 crianças (4 no grupo antibiótico e 10 no grupo placebo) descontinuou o uso da profilaxia durante o estudo, devido reações adversas leves. Não houve diferença na freqüência de não aderência entre os grupos. Durante o estudo, ITU ocorreu em 36 dos 288 pacientes (13%) do grupo que estava recebendo profilaxia com SMX-TMP (grupo antibiótico) e em 55 de 288 pacientes (19%) no grupo placebo (risco relativo: 0,61 IC95% 0,40 – 0,93; p=0,02), o que resultou numa diferença absoluta de 6% (IC95% 1 – 13%). Setenta e cinco por cento das infecções no grupo placebo ocorreu nos primeiros 6 meses após a randomização.

Escherichia coli foi identificada em 83% das infecções no grupo antibiótico e 84% no grupo placebo.

No grupo antibiótico, a redução do risco absoluto de ITU (6%) pareceu ser consistente em todos os subgrupos de pacientes, independente da idade, sexo, presença ou não de RVU, número de ITUs, suscetibilidade do agente à SMX-TMP.

 

Aplicações para a Prática Clínica

            O uso da profilaxia antibiótica para prevenção de ITU recorrente é controverso. A profilaxia baseia-se na observação de que doses sub-inibitórias de alguns antimicrobianos habitualmente utilizados no tratamento da ITU poderiam atingir concentrações urinárias suficientes para inibir a multiplicação de bactérias uropatogênicas no trato urinário. O objetivo seria diminuir o número de surtos de ITU em indivíduos que apresentam infecções de repetição e, conseqüentemente, o risco de dano renal. Não deve ser utilizada em pacientes colonizados (bacteriúria assintomática), pelo risco de induzir resistência antimicrobiana .

            Diversos estudos recentes2-7 questionam a real contribuição da profilaxia no acompanhamento de crianças com ITU. Revisão sistemática de 2006 da Cochrane8, concluiu que não há evidências claras de que a profilaxia previna ITU sintomática nem tampouco de qual a “dose ótima” e duração adequada da profilaxia. Um estudo recente4 randomizado, controlado, aberto, de não inferioridade, comparou NÃO profilaxia com profilaxia (SMX-TMP ou amoxacilina-clavulanato) por 12 meses, em 338 crianças, com 1º episódio de ITU. Não houve diferença na taxa de recorrência: 9% para NÃO profilaxia x 7% para profilaxia. Nem mesmo para o subgrupo com RVU: 19% para NÃO profilaxia x 12% para profilaxia. Também não houve diferença na taxa de cicatriz renal: 1,9% para NÃO profilaxia x 1,1% para profilaxia. Além disso, existe a preocupação do aumento da resistência bacteriana com o uso da profilaxia antimicrobiana, que pode ocorrer em decorrência da má aderência e/ou colonização bacteriana do trato urinário durante o uso da profilaxia. Um estudo5 de 2007 que avaliou 611 crianças com o 1º episódio de ITU mostrou que a profilaxia antimicrobiana NÃO foi associada com diminuição do risco de ITU recorrente (RR: 1,01; IC 95% 0,50-2,02), mas foi fator de risco para resistência antimicrobiana em crianças com ITU recorrente (HR: 7,50; 95% IC 1,60 - 35,17).

            Este é o primeiro estudo recente, placebo controlado e com número grande de participantes, que mostra benefício da profilaxia antibiótica na recorrência da ITU em crianças, ainda que uma diminuição modesta no número de ITUs sintomáticas, com redução do risco absoluto de 6%. Este achado significa que 14 crianças precisam ser tratadas para prevenir 1 caso de ITU (Número Necessário para Tratar - NNT=14).

            Também é importante ressaltar que apesar deste benefício, os dados sugerem que o uso prolongado de SMX-TMP resultou em mudanças na sensibilidade das bactérias patogênicas, com maior risco de ITU causada por bactéria resistente à SMX-TMP.

            O benefício quanto à redução do risco de novas lesões renais continua especulativo, já que o estudo não teve poder para analisar este desfecho.

            Na opinião destes editores, até o momento, a indicação de profilaxia antibiótica na ITU deve ser individualizada e sua permanência deverá estar vinculada ao benefício efetivo para o paciente. Algumas questões ainda precisam ser respondidas: qual o real benefício da profilaxia antibiótica, qual a melhor droga e qual o tempo necessário de uso. Esperamos que estudos futuros, bem desenhados e com número grande de pacientes esclareçam estas dúvidas. Ainda é fundamental ressaltar que especial atenção deve ser dada a possibilidade de ITU por bactéria resistente em pacientes recebendo profilaxia antibiótica.

 

Bibliografia

1.     Craig JC, Simpson JM, Williams GJ, Lowe A, Reynolds GJ, McTaggart SJ, Hodson EM, Carapetis JR, Cranswick NE, Smith G, Irwig LM, Caldwell PH, Hamilton S, Roy LP; Prevention of Recurrent Urinary Tract Infection in Children with Vesicoureteric Reflux and Normal Renal Tracts (PRIVENT) Investigators.Antibiotic prophylaxis and recurrent urinary tract infection in children. N Engl J Med. 2009 Oct 29;361(18):1748-59.

  1. DeMuri GP, Wald ER. Imaging and Antimicrobial Prophylaxis Following the Diagnosis of Urinary Tract Infection in Children. Pediatr Infect Dis J 2008;27: 553–554.
  2. Garin EH, Olavarria F, Nieto VG, Valenciano B, Campos A, Young L. Clinical Significance of Primary Vesicoureteral Reflux and Urinary Antibiotic Prophylaxis After Acute Pyelonephritis: A Multicenter, Randomized, Controlled Study. Pediatrics 2006;117;626-632.
  3. Montini G, Rigon L, Zucchetta P, Fregonese F, Toffolo A, Gobber D, et al. Prophylaxis after first febrile urinary tract infection in children? A multicenter, randomized, controlled, noninferiority trial. Pediatrics. 2008 Nov;122(5):1064-71.
  4. Conway PH, Cnaan A, Zaoutis T. Recurrent Urinary Tract Infections in Children: Risk Factors and Association with Prophylactic Antimicrobials. JAMA. 2007;298(2):179-186.
  5. Pennesi M, Travan L, Peratoner L, et al. Is antibiotic prophylaxis in children with vesicoureteral reflux effective in preventing pyelonephritis and renal scars? A randomized, controlled trial. Pediatrics 2008;121(6):e1489-e1494.
  6. Roussey-Kesler G, Gadjos V, Idres N, et al. Antibiotic prophylaxis for the prevention of recurrent urinary tract infection in children with low grade vesicoureteral reflux: results from a prospective randomized study. J Urol 2008;179:674-9.
  7. Williams GJ, Wei L, Lee A, Craig JC. Long-term antibiotics for preventing recurrent urinary tract infection in children. Cochrane Database Syst Rev. 2006 Jul 19;3 [Link para abstract].

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