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Efeito da nesiritida em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada

Autores:

Leonardo Vieira da Rosa

Médico Cardiologista pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Doutorando em Cardiologia do InCor-HC-FMUSP. Médico Cardiologista da Unidade Coronariana do Hospital Sírio Libanês.

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 01/09/2011

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Área de atuação: Medicina de urgência

 

Especialidade: Emergências, Cardiologia, Clínica Médica

 

Contexto clínico

A nesiritida é um peptídeo natriurético tipo B recombinante que promove vasodilatação, natriurese e diurese. Os peptídeos natriuréticos são sintetizados principalmente pelas células miocárdicas dos ventrículos em resposta ao aumento do volume intravascular. Exercem efeito vasodilatador direto, e secundário à inibição do sistema renina-angiotensina-aldosterona. A nesiritidafoi aprovada pelo FDA na última década para uso clínico nos Estados Unidos para o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca (IC) descompensada, mas estudos e meta-análises recentes2,3 questionaram a sua segurança (toxicidade renal e mortalidade geral) e eficácia. O estudo Acute Study of Clinical Effectiveness of Nesiritide in Decompensated Heart Failure  (ASCEND-HF) foi apresentado em novembro de 2010 no congresso norte-americano de cardiologia da American Heart Association e agora é publicado na edição de julho da revista New England Journal of Medicine.

 

O estudo

Trata-se de um estudo multicêntrico randomizado, duplo-cego, placebo controlado, em que 7.141 pacientes hospitalizados com sinais e sintomas de insuficiência cardíaca descompensada foram aleatorizados para receber nesiritida ou placebo por 24 a 168 horas, além de tratamento padrão. O estudo iniciou-se em maio de 2007 e terminou em março de 2011. Seu objetivo principal foi avaliar a eficácia da nesiritida administrada continuamente por um tempo mínimo de 24 horas até um máximo de sete dias. A hipótese do estudo foi que a nesiritida seria superior ao placebo, quando adicionada ao tratamento padrão.

Os desfechos primários foram mudança no autorrelato de dispneia seis e 24 horas após o início da administração do fármaco, avaliada por uma escala Likert de sete pontos e o desfecho combinado de readmissão hospitalar por IC ou morte em 30 dias.

Os desfechos secundários foram relato de bem-estar geral avaliado por escala Likert seis e 24 horas após o início do fármaco, desfecho composto de IC persistente ou morte por qualquer causa durante o período desde a randomização até a alta (na hospitalização índice), dias de sobrevida fora do hospital da randomização até o 30º dia do estudo e o desfecho composto de morte por causas cardiovasculares ou re-hospitalizações por causas cardiovasculares da randomização até o 30º dia do estudo.

Houve uma tendência não significativa de melhora da dispneia nos pacientes randomizados para nesiritida comparados com os que receberam placebo às seis horas (44,5% vs. 42,1%; p=0,03) e às 24 horas (68,2% vs. 66,1%; p = 0,007) – não atingiram o nível de significância pré-especificado (p = 0,005 para ambas as avaliações ou p = 0,0025 para qualquer uma delas). Também não houve diferenças nas taxas de re-hospitalização por insuficiência cardíaca ou morte por qualquer causa em 30 dias [9,4% no grupo nesiritida e 10,1% no grupo placebo (diferença absoluta = - 0,7%; IC 95% -2,1% a 0,7%; p = 0,31)]. Não houve diferenças significativas nas taxas de morte por qualquer causa em 30 dias (3,6% vs. 4%; diferença absoluta = - 0,4% IC95% -1,3 a 0,5) nem nas taxas de piora da função renal (diminuição de 25% na taxa de filtração glomerular estimada) (31,4% vs. 29,5%; OR:1,09; IC95% 0,98 -1,21; p = 0,11). A Tabela 1 resume os resultados.

 

Tabela 1. Resumo dos resultados.

Desfechos

Placebo = 3511 (%)

Nesiritida N = 3.496 (%)

Pp

Mortalidade em 30 dias ou internação

10,1

9,4

0NS

Mortalidade geral em 30 dias

4,0

3,6

NNS

Autoavaliação da dispneia (6h)

42,1

44,5

0NS

Autoavaliação da dispneia (24h)

66,1

68,2

0NS

Piora da função renal

29,5

31,4

NNS

 

Aplicações para a prática clínica

Neste ensaio clínico, o uso da nesiritida em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada não apresentou nenhum benefício no que se refere à mortalidade ou à reinternação em 30 dias. A autoavaliação da dispneia em seis e 24 horas foi marginalmente melhor quando a nesiritida foi adicionada à terapêutica convencional, embora este achado não tenha sido estatisticamente significativo.

O desenvolvimento da nesiritida levanta questões fundamentais sobre a maneira pela qual as terapias são desenvolvidas e avaliadas pela indústria farmacêutica. Por que a nesiritida não foi estudada adequadamente no início de seuciclo de vida”? Pacientes e médicos não tinham uma compreensão adequada do papel apropriado da droga na prática clínica. O editorial4 que acompanha a publicação do presente estudo, escrito pelo Dr. Eric Topol, enfatiza fortemente que se passou uma década inteira desde a aprovação da nesiritida pelo FDA até a publicação do ASCEND-HF, para se compreender a verdade sobre a falta de eficácia da nesiritida na insuficiência cardíaca aguda.

Neste período de 10 anos de imprecisão e ambiguidade, houve também incertezas sobre os efeitos colaterais potenciais de disfunção renal e um aumento da mortalidade, simplesmente porque um número tão limitado de pacientes havia sido avaliado em ensaios clínicos controlados. Questionado sobre se a nesiritida deveria estar no mercado, Topol escreveu: “Em minha opinião, nesiritide [sic] ainda não cumpriu os critérios mínimos para a segurança e eficácia”.

O ASCEND-HF é mais um exemplo em que medicações caríssimas são vendidas e utilizadas sem a comprovação científica adequada. Na mesma linha de raciocínio, podemos citar a utilização do levosimendam na insuficiência cardíaca aguda, medicação que ainda não comprovou benefício superior à dobutamina. Vale a pena lembrar que o frasco do levosimendam custa em torno de R$ 3.000,00 reais.

Desta forma, os editores acreditam que a nesiritida não deva ser utilizada no tratamento de pacientes com IC descompensada.

 

Glossário

Escala de Likert: é a soma das respostas dadas a cada item Likert. Como os itens são normalmente acompanhados por uma escala visual analógica (p. ex., uma linha horizontal na qual o sujeito pesquisado indica a sua resposta por meio de marcas), os itens, às vezes, são chamados de escalas. Um item Likert é apenas uma afirmação à qual o sujeito pesquisado responde por um critério que pode ser objetivo ou subjetivo. Normalmente, o que se deseja medir é o nível de concordância ou não concordância com a afirmação. Em geral, são usados cinco níveis de respostas, apesar de alguns pesquisadores preferirem usar sete ou mesmo nove níveis. O formato típico de um item Likert é:

 

1.     Não concordo totalmente.

2.     Não concordo parcialmente.

3.     Indiferente.

4.     Concordo parcialmente.

5.     Concordo totalmente.

 

Escalas de Likert podem estar sujeitas a distorções por diversas causas. Sujeitos perguntados podem evitar o uso de respostas extremas, concordar com afirmações apresentadas ou tentar mostrar, a si ou a seus médicos, de um modo mais favorável.

 

Bibliografia

1.     O'Connor CM, Starling RC, Hernandez AF, Armstrong PW, Dickstein K, Hasselblad V, et al. Effect of nesiritide in patients with acute decompensated heart failure. N Engl J Med. 2011 Jul 7;365(1):32-43. [Link para Abstract] (Fator de impacto: 50.017).

2.     Miller AH, Nazeer S, Pepe P, Estes B, Gorman A, Yancy CW. Acutely decompensated heart failure in a county emergency department: a double-blind randomized controlled comparison of nesiritide versus placebo treatment. Ann Emerg Med. 2008 May;51(5):571-8. Epub 2008 Mar 4.

3.     Sackner-Bernstein JD, Kowalski M, Fox M, Aaronson K. Short-term risk of death after treatment with nesiritide for decompensated heart failure: a pooled analysis of randomized controlled trials. JAMA. 2005 Apr 20;293(15):1900-5. [Link Livre para o Artigo Original].

4.     Topol EJ. The lost decade of nesiritide. N Engl J Med. 2011 Jul 7;365(1):81-2. [Link para Editorial].

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