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Níveis de PCR e diagnóstico de tuberculose

Autores:

Flávia J. Almeida

Médica Assistente do Serviço de Infectologia Pediátrica da Santa Casa de São Paulo. Mestre em Pediatria pela FCMSCSP.

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 30/10/2011

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Área de atuação: Medicina Ambulatorial, Atenção Primária

 

Especialidade: Medicina de Família e Comunidade, Infectologia, Clínica Médica

 

Contexto clínico

O atraso no diagnóstico tem contribuído para a alta mortalidade de casos de tuberculose (TB) com pesquisa negativa de bacilo álcool-ácido-resistente (BAAR) no escarro (TBEN) em populações com alta prevalência de infecção pelo HIV. A epidemia de HIV aumentou substancialmente a incidência de TB, sobretudo a TBEN, em locais de alta prevalência e poucos recursos. A TB é uma infecção curável, mas permanece como a principal causa de morte na África Subsaariana, tendo grande importância também no Brasil, em parte por conta de atraso no diagnóstico. Atualmente, a pesquisa de BAAR no escarro é o único teste diagnóstico amplamente disponível para o diagnóstico de TB, mas novas estratégias diagnósticas para TBEN são urgentemente necessárias. A proteína C reativa (PCR) é uma proteína inflamatória inespecífica (proteína de fase aguda) que geralmente está elevada em pacientes com tuberculose, entretanto o seu papel no diagnóstico da TB ainda é incerto. O teste de PCR tem mostrado alguma utilidade na avaliação de infecções respiratórias em adultos e na avaliação de febre em crianças. Desta forma, os autores do presente estudo objetivaram avaliar o desempenho diagnóstico da PCR como um teste de rastreamento para TBEN em pacientes ambulatoriais sintomáticos com suspeita de TB.

 

O estudo

Trata-se de um estudo prospectivo de avaliação diagnóstica, realizado com pacientes ambulatoriais sintomáticos (com suspeita de TB, mas com pesquisa de BAAR no escarro negativa) no distrito de Umgungundlovu, KwaZulu-Natal, África do Sul. O seguimento foi de oito semanas. Tuberculose confirmada foi definida como cultura positiva ou BAAR com granulomas na histologia, e tuberculose possível foi definida como resposta à terapia antituberculosa. O quociente de PCR foi definido como um múltiplo do limite superior de normalidade do resultado de PCR sérica.

Os critérios de inclusão foram: suspeita de TB em investigação na atenção primária com um ou mais sintomas compatíveis com TB por mais de duas semanas (tosse, perda de peso, perda de apetite, hemoptise, febre, calafrios, sudorese noturna, fadiga, dor torácica, dispneia, linfonodomegalia e aumento do volume abdominal) + duas ou mais amostras de escarro negativas para BAAR ou incapacidade para produzir catarro. Foram excluídos os participantes que não tinham uma PCR de base, não completaram oito semanas de seguimento, tinham um escore de Karnofsky menor que 40, meningite tuberculosa, pneumonia por Pneumocystis jirovecii, mais de uma semana de tratamento com drogas tuberculostáticas, menos de 3 meses de terapia antirretroviral ou uso de fluoroquinolona nos últimos seis meses. Preencheram os critérios de inclusão 364 participantes: 135 (37%) com TB confirmada, 114 (31%) com TB possível e 115 (32%) sem TB. O quociente de PCR mediano foi 15,4 (IC95% 7,2 – 23,3) no grupo da TB confirmada, 5,8 (IC95% 1,4 – 16,0) no grupo da TB possível e 0,7 (IC95% 0,2 – 2,2) no grupo sem TB (p<0,0001). O quociente de PCR acima do limite superior da normalidade apresentou uma sensibilidade de 0,98 (IC95% 0,94 – 0,99), uma especificidade de 0,59 (IC95% 0,50 – 0,68), um valor preditivo positivo de 0,74 (IC95% 0,67 – 0,80), um valor preditivo negativo de 0,96 (IC95% 0,88 – 0,99) e um diagnóstico Odds ratio (diagnostic odds ratio – DORvide Glossário) de 63,7 (IC95% 19,1 – 212,0) no grupo de TB confirmada comparado ao grupo sem TB.

 

Aplicações para a prática clínica

No Brasil e em outros 21 países em desenvolvimento, a tuberculose é um importante problema de saúde pública. Nesses países encontram-se 80% dos casos mundiais da doença. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de um terço da população mundial está infectada com o Mycobacterium tuberculosis, com o risco de desenvolver a enfermidade. Todos os anos são estimados por volta de 9,2 milhões de casos novos e cerca de 1,7 milhões de mortes2.

Estima-se que cerca de 57 milhões de pessoas estejam infectadas pelo bacilo da tuberculose no Brasil. Anualmente são notificados cerca de 72 mil casos novos e 4,7 mil mortes em decorrência da doença. Com o surgimento da síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids) em 1981, observa-se, tanto em países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, um crescente número de casos notificados de tuberculose em pessoas infectadas pelo HIV. A associação dessas duas enfermidades constitui um sério problema de saúde pública, levando ao aumento da morbidade e da mortalidade pela TB em muitos países. Há mais de uma década, caem as taxas de incidência e mortalidade por tuberculose. Nos últimos 19 anos, a tuberculose apresentou uma queda de 26% na taxa de incidência e 32% na taxa de mortalidade2.

O diagnóstico precoce é fundamental para o controle da doença. Atualmente, a pesquisa de BAAR no escarro é o único teste diagnóstico amplamente disponível para o diagnóstico de TB. O uso da PCR pode representar um papel importante nos algoritmos de diagnóstico de TBEN em países que necessitam de novos testes diagnósticos, como a África Subsaariana, onde o estudo foi realizado, bem como no Brasil.

Este estudo mostrou que a PCR apresenta alta sensibilidade para o diagnóstico de TBEN, em pacientes infectados ou não pelo HIV, mostrando-se, inclusive, mais elevada nos pacientes coinfectados pelo HIV e TB. Quanto maior o valor da PCR, maior a especificidade e o VPN, porém menor a sensibilidade e o VPP. Desta forma, o alto VPN de uma PCR elevada sugere que uma PCR normal seria útil para excluir o diagnóstico de TB.

 

Glossário

Diagnóstico Odds Ratio (DOR – diagnostic odds ratio)3: é um indicador de desempenho de um teste diagnóstico. Numa época de medicina baseada em evidências, gestores públicos e profissionais de saúde necessitam de dados de alta qualidade para embasar decisões sobre utilizar ou não um teste diagnóstico em determinada situação clínica. Para tal decisão, existem inúmeros indicadores quantitativos de desempenho de um teste diagnóstico, tais como sensibilidade, especificidade, valores preditivos, razões de verossimilhança (likellihood ratios – LR), área sob a curva ROC, dentre outros. Todos são indicadores quantitativos da habilidade do teste de discriminar pacientes com a condição em questão (doença de interesse) de pacientes sem a doença. Entretanto, nenhum dos indicadores mencionados é capaz, por si , de representar individualmente o desempenho discriminatório de um teste. A sensibilidade é apenas parte do poder discriminatório, uma vez que alta sensibilidade pode se acompanhar de baixa especificidade. Desta forma, um indicador único que contemple todos os aspectos do desempenho de um teste, por exemplo, a acurácia diagnóstica, é necessário. A acurácia diagnóstica, além de seu significado global de concordância entre o teste em questão e a referência padrão, se refere especificamente à porcentagem de pacientes corretamente classificados pelo teste sob avaliação. Esta porcentagem depende da prevalência da doença no grupo de estudo e não diferencia os achados de falso-positivos e falso-negativos. Por outro lado, o diagnóstico odds ratio (DOR) não depende da prevalência e pode ser mais fácil de ser entendido, uma vez que os OR são medidas epidemiológicas familiares. O DOR de um teste é a razão entre a chance de positividade nos doentes e a chance de positividade nos não doentes. Há uma relação muito próxima do DOR com as razões de verossimilhança (LR):

 

DOR = LR(+)/LR(-)

 

Bibliografia

1.     Wilson D, Badri M, Maartens G. Performance of serum C-reactive protein as a screening test for smear-negative tuberculosis in an ambulatory high HIV prevalence population. PLoS One. 2011 Jan 10;6(1):e15248. [Link para Abstract] (Fator de impacto: 4.411).

2.     Situação Epidemiológica da Tuberculose. Ministério da Saúde – Brasil [Link para o texto].

3.     Glas AS, Lijmer JG, Prins MH, Bonsel GJ, Bossuyt PM. The diagnostic odds ratio: a single indicator of test performance. J Clin Epidemiol. 2003 Nov;56(11):1129-35. [Link para Texto Completo].

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