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Ecocardiograma em pré-operatório de cirurgia de grande porte não cardíaca

Autor:

Antonio Paulo Nassar Junior

Especialista em Terapia Intensiva pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Médico Intensivista do Hospital São Camilo. Médico Pesquisador do HC-FMUSP.

Última revisão: 03/11/2011

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Área de atuação: Medicina Ambulatorial, Medicina Hospitalar

 

Especialidade: Clínica Médica, Cardiologia, Anestesiologia, Cirurgia Geral, Cirurgia Vascular, Urologia e Ortopedia

 

Contexto clínico

As complicações cardiovasculares pós-operatórias são comuns e, portanto, uma estratificação de risco pré-operatória é recomendada. Alguns escores clínicos são descritos para realizar esta estratificação, mas a solicitação de exames complementares é comum. Dentre estes exames, o ecocardiograma é o mais comumente pedido. O objetivo deste estudo foi avaliar, em uma coorte canadense, o impacto da solicitação do ecocardiograma na sobrevida e no tempo de internação de pacientes submetidos a cirurgias de médio e alto risco.

 

O estudo

Foi realizada uma análise retrospectiva de um banco de dados administrativo da província de Ontário, no Canadá. Foram incluídos todos os pacientes com mais de 40 anos de idade que tivessem realizado as seguintes cirurgias: correção de aneurisma de aorta abdominal, endarterectomia de carótida, enxertos vasculares periféricos, artroplastia de quadril, artroplastia de joelho, ressecção de cólon, ressecção hepática parcial, cirurgia de Whipple, pneumectomia, lobectomia pulmonar, gastrectomia, esofagectomia, nefrectomia ou cistectomia.

O principal fator de exposição foi a realização ambulatorial de ecocardiograma (transtorácico ou transesofágico) 180 dias antes da cirurgia. Os pacientes foram seguidos até um ano após a cirurgia para a avaliação dos dois desfechos de interesse: mortalidade e tempo de internação hospitalar. Também foram pesquisados os seguintes fatores de exposição: realização de testes de estresse cardíacos (cintilografia, ecocardiograma de estresse), consultas anestésicas pré-operatórias, monitoração invasiva intraoperatória, prescrições de bloqueadores, estatinas, inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) em pacientes com mais de 65 anos de idade.

Foi realizada uma análise a partir de um escore de propensão para formar um grupo de pacientes com características similares às dos que realizaram um ecocardiograma pré-operatório. Foi realizada uma subanálise de acordo com o risco cardíaco medido pelo escore de Lee (Tabela 1). Para testar a validade dos dados e avaliar se os achados não ocorreram simplesmente pela maior gravidade dos pacientes, foi medida a associação entre a realização do ecocardiograma e a ocorrência de infecção do sítio cirúrgico.

 

Tabela 1. Escore de risco cardíaco de Lee

Variáveis

Cirurgia de alto risco

Doença arterial coronariana

Insuficiência cardíaca

Doença cerebrovascular

Diabetes com insulinoterapia

Creatinina pré-operatória > 2 mg/dL

 

A coorte analisada foi de 264.823 pacientes, dos quais 40.084 realizaram um ecocardiograma 180 dias antes da cirurgia. Estes pacientes, obviamente, eram mais idosos, tinham mais comorbidades, passaram mais por consultas especializadas e realizaram mais testes de estresse.

Foram selecionados 35.498 pacientes que realizaram um ecocardiograma e comparados a 35.498 com características bastante similares. Nesta comparação, a realização de ecocardiograma associou-se a um aumento da mortalidade pós-operatória em 30 dias (RR 1,14; IC 95% 1,02-1,27; NNH: 423) e em um ano (RR 1,07; IC 95% 1,01-1,12; NNH: 222). Associou-se também a um maior tempo de internação (0,31 dias; IC95% 0,17-0,44 dias), mas não a uma maior incidência de infecções do sítio cirúrgico.

Os pacientes que realizaram um ecocardiograma tiveram uma maior probabilidade de receber betabloqueadores (10,3% vs. 7,4%), estatinas (5,8% vs. 4,8%), IECA (7,3% vs. 4,9%) e BRA (2,5% vs. 1,9%). No entanto, as taxas pré-operatórias de testes de estresse (32,4% vs. 31,6%), cateterismo (3,6% vs. 3,4%) e cirurgia cardíaca (0,2% vs. 0,2%) foram similares.

Na análise de subgrupos, houve uma associação entre a realização de ecocardiograma e mortalidade quanto ao risco pré-operatório: pacientes de maior risco não tiveram uma maior mortalidade quando realizaram um ecocardiograma. Quando houve a realização concomitante de um teste de esforço, os pacientes com escores mais baixos tiveram maior mortalidade (0 pontos: RR 1,44, NNH: 163; 1 a 2 pontos: RR 1,10, NNH: 116). Houve, ainda, uma associação entre mortalidade e prescrição de betabloqueador nos grupos de menor risco pelo escore de Lee (0 pontos: RR 1,72 e 1 a 2 pontos: RR 1,57).

 

Aplicações para a prática clínica

Neste grande estudo populacional, a realização de ecocardiograma pré-operatório associou-se a uma maior mortalidade em 30 dias e um ano, e a um maior tempo de internação hospitalar. Embora não se possa excluir que o ecocardiograma foi apenas um marcador de maior risco dos pacientes que o realizaram, as análises realizadas (estratificação por risco pré-operatório e a elegante busca de associação com infecções do sítio cirúrgico) sugerem que um ecocardiograma mal indicado, ou seja, em pacientes de baixo e médio risco cardiovascular, associa-se a maior mortalidade. O fato de que os pacientes que realizaram um ecocardiograma usaram mais betabloqueadores sugere uma possível causa para esse aumento da mortalidade, uma vez que estas medicações associam-se a uma maior mortalidade em pacientes de baixo risco2,3. Atualmente, as diretrizes da American Heart Association recomendam a realização de ecocardiograma pré-operatório apenas em pacientes com dispneia de causa indeterminada ou piora recente da insuficiência cardíaca4, o que parecem ser recomendações de bom senso. A avaliação pré-operatória cardiovascular deve ser feita por um médico com experiência em acompanhamento de pacientes cirúrgicos e deve levar em conta apenas fatores de risco clínicos (o uso do escore de Lee é uma excelente opção). Além disso, o uso de medicações, como betabloqueadores, deve levar em conta as comorbidades do pacientes (p. ex., em pacientes sabidamente coronarianos) e não ter sua prescrição indevida. Exames e medicações desnecessários associam-se a um pior prognóstico dos pacientes. Vale a pena ler outros comentários sobre a questão do sobrediagnóstico (diagnóstico de problemas clinicamente insignificantes que geralmente leva a iatrogenias) e da prevenção quaternária (evitar que pacientes sejam expostos a intervenções tanto diagnósticas como terapêuticas que possam lhe causar mais mal do que bem).

 

Glossário

Escore de propensão: é usado para ajustar o efeito de uma exposição (neste caso, o ecocardiograma) por meio de pareamento de indivíduos entre os grupos, o que faz as distribuições serem similares, tornando os grupos comparáveis, de forma que as associações estimadas podem ser atribuídas muito provavelmente ao fator de exposição.

Risco relativo (RR): é a relação da probabilidade do evento ocorrer no grupo exposto contra o grupo controle (não exposto). É calculado dividindo-se a incidência de eventos nos expostos pela incidência de eventos nos não expostos.

Intervalo de confiança (IC): é um intervalo estimado de um achado. Em vez de estimar o parâmetro por um único valor, é dado um intervalo de estimativas prováveis. Normalmente, nos estudos clínicos, este intervalo é de 95% e, assim, conclui-se que o valor “real” da estimativa está dentro deste intervalo em 95% das vezes. Assim, no presente estudo, o aumento da mortalidade em 30 dias associado ao ecocardiograma foi de 14%; o intervalo de confiança variou de 2 a 27%. Assim, o “real” aumento de mortalidade situa-se entre 2 e 27%. É uma forma de medir o erro aleatório (comumente se chama de margem de erro), uma vez que lidamos com amostras, e não com a população total.

 

Bibliografia

1.  Wijeysundera DN, Beattie WS, Karkouti K, Neuman MD, Austin PC, Laupacis A. Association of echocardiography before major elective non-cardiac surgery with postoperative survival and length of hospital stay: population based cohort study. BMJ. 2011 Jun 30;342:d3695. doi: 10.1136/bmj.d3695. [Link para Texto Completo] (Fator de impacto: 12.827).

2.  Devereaux PJ, Yang H, Yusuf S, Guyatt G, Leslie K, Villar JC, et al. Effects of extended-release metoprolol succinate in patients undergoing non-cardiac surgery (POISE trial): a randomised controlled trial. Lancet. 2008 May 31;371(9627):1839-47.

3.  Lindenauer PK, Pekow P, Wang K, Mamidi DK, Gutierrez B, Benjamin EM. Perioperative beta-blocker therapy and mortality after major noncardiac surgery. N Engl J Med. 2005 Jul 28;353(4):349-61.

4.  Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA, Calkins H, Chaikof E, Fleischmann KE, et al. ACC/AHA 2007 Guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery: executive summary. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (writing committee to revise the 2002 Guidelines on perioperative cardiovascular evaluation for noncardiac surgery). Developed in collaboration with the American Society of Echocardiography, American Society of Nuclear Cardiology, Heart Rhythm Society, Society of Cardiovascular Anesthesiologists, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society for Vascular Medicine and Biology, and Society for Vascular Surgery. Circulation 2007 Oct 23;116(17):1971-96.

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