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Drogas antimaníacas na mania aguda

Autor:

André Russowsky Brunoni

Médico Clínico e Psiquiatra pela FMUSP. Pós-graduando em Neurociências e Comportamento pelo IP-USP. Pesquisador Colaborador do HU-USP.

Última revisão: 10/02/2012

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Drogas antimaníacas na mania aguda: uma metanálise comparativa de múltiplos tratamentos

 

Área de atuação: Medicina Ambulatorial, Emergências Clínicas, Psiquiatria, Neurologia.

 

Especialidade: Medicina Interna, Psiquiatria, Neurologia, Emergências Clínicas.

 

Resumo

Metanálise de ensaios clínicos mostrou que, em geral, os antipsicóticos são mais eficazes que os estabilizadores de humor para o tratamento da mania aguda, com destaque para haloperidol, risperidona e olanzapina, drogas que apresentaram o melhor perfil de manejo, tolerabilidade e tratamento.

 

Contexto clínico

O transtorno afetivo bipolar é uma condição psiquiátrica que afeta cerca de 5% da população, atingindo especialmente a faixa etária mais produtiva da população e, portanto, representando um importante custo social2. Estima-se que cerca de 1% da população apresenta o espectro mais grave do distúrbio, caracterizado por episódios de mania aguda, quando os pacientes apresentam agitação psicomotora, distúrbios de pensamento (delírios), alucinações sensoperceptivas e auto e heteroagressividade. Dessa maneira, justificam-se estudos que abordem o tratamento da mania aguda.

 

O estudo

Trata-se de uma metanálise comparativa que revisou 68 ensaios clínicos randomizados (16.073 participantes) de 1980 a 2010, comparando praticamente todos os antipsicóticos e estabilizadores de humor atualmente disponíveis, tendo como desfechos tanto a eficácia quanto a tolerabilidade1. O objetivo dessa metanálise foi apresentar uma comparação entre as drogas atualmente disponíveis para o tratamento da mania aguda, procurando classificá-las de acordo com um ranqueamento de tolerabilidade e eficácia. Desse modo, os autores realizaram uma revisão sistemática procurando nos bancos de dados do Medline, Embase, PsycINFO, CINAHL, Cochrane e banco de dados de agências regulatórias, sendo realizada uma revisão de estudos bastante detalhada para incluir todos os ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos que compararam uma droga antimaníaca contra outra droga ou contra placebo. Também foram incluídos estudos que usavam estratégias combinadas (ou seja, um grupo recebendo duas drogas). Os desfechos primários foram definidos como mudança de escore nas escalas de mania ao fim de 3 semanas (desfecho de eficácia) e a taxa de abandono de tratamento no período (desfecho de tolerabilidade).

Dentre as medidas para diminuir vieses, os autores utilizaram uma metodologia sugerida pela Cochrane para incluir apenas estudos livres de vieses3. Além disso, análises de sensibilidade (para verificar se uma determinada característica de alguns estudos modificava o resultado final) foram realizadas para os estudos que adotavam desenhos de terapias combinadas e para a análise conjunta risperidona + paliperidona, uma vez que a paliperidona é um metabólito ativo da risperidona e, na análise principal do estudo, elas foram consideradas a mesma droga. Também foi realizada uma metarregressão para verificar se o patrocínio da indústria farmacêutica influenciaria os resultados.

A descrição da metodologia desta metanálise por ser vista no Glossário. A comparação das drogas entre si e em relação ao placebo pode ser vista na Figura 1.

 

 

Figura 1. Rede de comparações entre as diversas drogas incluídas no estudo. A espessura de cada linha reflete o número de comparações estudadas; o tamanho de cada círculo indica o tamanho total da amostra. Vale notar que a maior parte das drogas foi comparada diretamente apenas com placebo e outras drogas (p. ex., topiramato foi comparado apenas com placebo e lítio), exceto lítio e haloperidol, que também são usados como “grupo controle ativos” em ensaios clínicos de mania. Não obstante o número reduzido de comparações diretas, este estudo utilizou uma série de técnicas metanalíticas para elaborar rankings de eficácia e tolerabilidade. Figura extraída de Cipriani et al.1

 

Os estudos tinham uma duração média de 3 semanas e 105 pacientes por grupo. A maior parte deles incluía pacientes com episódio maníaco de moderada ou grave intensidade e foi realizado em ambiente hospitalar. Após uma série de procedimentos metanalíticos cuidadosos, foi elaborado um ranking combinado de eficácia e tolerabilidade destas drogas (Figura 2), sendo que risperidona, olanzapina e haloperidol ocuparam as primeiras posições. Considerando apenas a tolerabilidade, olanzapina, risperidona e quetiapina foram as drogas mais bem colocadas, enquanto haloperidol, risperidona e olanzapina foram as drogas mais eficazes para a mania aguda.

 

 

Figura 2. Ranking combinado de eficácia (em azul) e tolerabilidade (em laranja) de cada droga, em um escore normalizado de 0 a 100, sendo 50 pontos atribuídos para cada aspecto. Como se pode observar, risperidona, olanzapina e haloperidol apresentaram os melhores escores, seguidos por quetiapina e carbamazepina. Estabilizadores de humor consagrados como lítio e divalproato de sódio tiveram eficácia apenas moderada, enquanto lamotrigina, topiramato e gabapentina foram inferiores ao placebo. Figura extraída de Cipriani et al.1

 

Essa metanálise apresenta algumas limitações, sendo uma delas o uso da frequência de drop-outs como medida de tolerabilidade da droga. Por outro lado, isto é mais adequado, em uma metanálise, do que considerar o número de efeitos colaterais de cada droga, que varia entre os estudos, sobretudo considerando-se drogas diferentes.

Outra limitação é que se observou discreta alteração nos resultados quando se controlavam as análises para patrocínio da indústria farmacêutica. Por outro lado, a direção dos resultados foi ambígua: de maneira geral, os ensaios de indústria farmacêutica mostravam tanto maior eficácia quanto menor tolerabilidade da droga estudada, portanto, efeitos que se anularam quando se considerou o ranking combinado. Este também foi interessante para permitir uma comparação entre diferentes doses das drogas, uma vez que o aumento de eficácia normalmente é “compensado” por um declínio de tolerabilidade (haloperidol é o exemplo mais importante). Outra limitação é que a maior parte das comparações foi feita com placebo ou com os “controles ativos” haloperidol ou lítio, sendo que estas drogas estiveram super-representadas na metanálise e tiveram, assim, tamanhos de efeito mais precisos do que outras que foram menos estudadas. No entanto, o objetivo deste estudo foi justamente utilizar técnicas metanalíticas que permitissem a realização destas comparações com os estudos atualmente disponíveis.

 

Aplicações para a prática clínica

O estudo tem implicações imediatas no manejo da mania aguda. Apesar de haver muitas recomendações e diretrizes para a mania aguda, tais recomendações baseavam-se principalmente em opiniões de especialistas para decidir a ordem da escolha terapêutica. Interessantemente, apenas a olanzapina é droga de monoterapia também para tratamento de manutenção do transtorno afetivo bipolar. Dessa maneira, o clínico deverá optar, caso deseje usar haloperidol ou risperidona, pela combinação de lítio ou divalproato na fase aguda para depois realizar a transição para tratamento de longo prazo com a retirada do antipsicótico. Vale notar também que as 3 drogas recomendadas pelo estudo apresentam formulações parenterais, que são alternativas medicamentosas no paciente agitado e/ou pouco colaborativo, como se observa na mania aguda. Finalmente, este estudo reafirma o uso do haloperidol, uma droga utilizada a mais de 50 anos na prática clínica, com a qual psiquiatras, clínicos e emergencistas possuem larga experiência, como uma excelente opção terapêutica no manejo da mania aguda. Drogas mais novas, como risperidona e olanzapina, também poderão ser usadas caso efeitos colaterais importantes (notadamente sintomas extrapiramidais) sejam observados.

Essa metanálise de Cipriani et al. é bastante semelhante a outra realizada pelo mesmo grupo4, em que se utilizou a mesma metodologia para identificar qual seria o melhor antidepressivo para a depressão maior. Na época, a metanálise, não obstante sua importante aceitação pela comunidade científica, foi muito criticada em relação a sua metodologia, críticas que também valem para a metanálise atual. Resumidamente, ambas são baseadas em comparações indiretas, por exemplo, se um estudo conclui que a droga A é superior a B, e outro que B é superior a C, pode-se afirmar que a droga A é superior a C, apesar de nunca ter havido uma comparação direta (head-to-head) entre A e C? Este problema pode ser ainda mais grave considerando-se que a maior parte das comparações são contra placebo, e o efeito placebo reflete sobretudo questões metodológicas de cada estudo, não podendo ser entendido como um “efeito de droga”. No entanto, espera-se que a polêmica para o estudo atual seja menor do que para o anterior por 2 motivos: primeiro, porque houve algumas correções metodológicas, de acordo com as críticas apresentadas; segundo, porque as conclusões do estudo atual, diferentemente do anterior, são bastante compatíveis com o que já é realizado na prática clínica, uma vez que o estudo atual reafirma, principalmente, a observação clínica de que antipsicóticos promovem efeito agudo mais importante do que os estabilizadores do humor, que são consagrados para o tratamento de longo prazo do transtorno afetivo bipolar.

 

Glossário

Metodologia da metanálise: a metanálise em si foi feita em duas etapas. Na primeira, calculou-se o tamanho de efeito de cada par de comparações (ou seja, droga vs. droga ou droga vs. placebo) utilizando como medida de efeito o g de Hedges para mudança de escores (variável contínua) e o odds ratio para resposta clínica (variável dicotômica). Na segunda etapa, realizou-se a metanálise de múltiplos tratamentos empregando-se um modelo bayesiano, e calculou-se o tamanho de efeito e o intervalo de credibilidade de cada droga. De acordo com o tamanho do efeito, ranqueou-se cada droga em termos de eficácia e tolerabilidade. Para estimar inconsistência, calculou-se, para cada comparação, o tamanho de efeito por estimativas diretas e indiretas; caso estas não concordassem, os estudos em questão eram reexaminados para investigar possíveis vieses de metodologia. No entanto, poucas inconsistências foram detectadas. Durante a revisão sistemática, os autores examinaram mais de 7.000 registros. Após excluir uma série deles, por diversas razões, chegaram aos 68 estudos que foram incluídos na metanálise, em um total de 155 comparações, pois muitos estudos tinham 3 ou 4 braços.

 

Bibliografia

1.   Cipriani A, Barbui C, Salanti G, Rendell J, Brown R, Stockton S et al. Comparative efficacy and acceptability of antimanic drugs in acute mania: a multiple-treatments meta-analysis. Lancet 2011; Aug 17. [Epub ahead of print] [Link para o Resumo] (Fator de impacto: 28.409)

2.   Yatham LN, Kennedy SH, Schaffer A, Parikh SV, Beaulieu S, O'Donovan C et al. Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) and International Society for Bipolar Disorders (ISBD) collaborative update of CANMAT guidelines for the management of patients with bipolar disorder: update 2009. Bipolar Disord 2009; 11:225-55.

3.   Higgins J, Green S. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions Version 5.0.2. (updated september 2009). The Cochrane Collaboration, 2008.

4.   Cipriani A, Furukawa TA, Salanti G, Geddes JR, Higgins JP, Churchill R et al. Comparative efficacy and acceptability of 12 new-generation antidepressants: a multiple-treatments meta-analysis. Lancet 2009; 373:746-58.

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