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Antibioticos em Endocardite

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 13/05/2019

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Contexto Clínico

 

A endocardite infecciosa (EI) está associada a importante morbimortalidade, com mais da metade dos pacientes necessitando de cirurgia cardíaca e mortalidade intra-hospitalar de 15 a 45%. O tratamento recomendado para EI é a antibioticoterapia venosa com duração de, pelo menos, 6 semanas. A maior parte das complicações dessa patologia ocorre na fase inicial da doença. Dessa forma, após a fase inicial de estabilização clínica, o principal motivo para manter o paciente internado é completar a antibioticoterapia venosa.

A necessidade de terapia por via intravenosa e a internação hospitalar prolongadas estão associadas a maior risco de complicações em decorrência do tratamento. Por isso, o uso de antibioticoterapia venosa em regime de hospital-dia ou home care é recomendado como uma forma de reduzir a incidência de complicações associadas à internação hospitalar. Essa estratégia de tratamento é particularmente desafiadora do ponto de vista logístico, demandando uma grande estrutura de suporte ao paciente. Além disso, ela não reduz as complicações associadas ao uso de cateteres venosos.

A terapia antibiótica por via oral se apresenta nesse cenário como alternativa viável para contornar essas dificuldades, tendo o potencial de acelerar a desospitalização. Contudo, não há evidência que apoie essa conduta, sendo incerto se a terapia oral é eficaz e segura. Assim, o objetivo do estudo POET foi avaliar se a eficácia e a segurança da terapia antibiótica por via oral seriam semelhantes para o tratamento de pacientes clinicamente estáveis com EI de câmaras esquerdas.

 

O Estudo

 

O estudo POET foi um ensaio clínico de não inferioridade, randomizado, aberto (open label) e multicêntrico. Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos, clinicamente estáveis, que estivessem recebendo antibioticoterapia venosa para o tratamento de EI de câmaras esquerdas em válvulas nativas ou protéticas, definida conforme os critérios de Duke modificados, com hemoculturas positivas para Streptococcus, Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus ou coagulase negativo.

A estabilidade clínica foi definida como boa resposta à antibioticoterapia venosa inicial (afebril há mais de 2 dias, queda de 25% nos níveis séricos de proteína C-reativa ou valor absoluto menor que 20mg/dL e leucócitos totais menores que 15.000) por, pelo menos, 10 ou 7 dias após a cirurgia valvar. Era necessário também ter ecocardiograma transesofágico (ECOTE) recente (<2 dias) negativo para abcesso ou anormalidades valvares que necessitassem de correção cirúrgica e perspectiva de uso de antibiótico por, pelo menos, 10 dias adicionais. Foram excluídos pacientes com IMC maior que 40, infecção concomitante com necessidade de antibioticoterapia venosa, incapacidade de fornecer consentimento ou suspeita clínica de absorção gastrintestinal reduzida.

Os pacientes incluídos foram randomizados (1:1) para continuar a antibioticoterapia por via venosa ou trocar para via oral até o término do tratamento. O grupo da terapia venosa permaneceu internado até o término do tratamento. Pacientes do grupo oral recebiam alta com seguimento ambulatorial duas a três vezes por semana sempre que possível. Próximo ao término do período de antibioticoterapia, todos os pacientes foram submetidos a novo ECOTE para avaliar se a resposta ao tratamento havia sido adequada. Após o término do tratamento, todos os pacientes foram seguidos ambulatorialmente por 6 meses.

A seleção de esquema antibiótico era feita pelo médico assistente, tendo como base características farmacocinéticas das medicações e perfil de sensibilidade conforme reportado pelo European Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing (EUCAST). Os esquemas terapêuticos consistiam de duas medicações com mecanismos de ação e vias de metabolização diferentes, estando de acordo com as recomendações da European Society of Cardiology. A seleção do esquema também levou em conta o perfil de sensibilidade da bactéria isolada no paciente. A dose das medicações poderia ser ajustada de acordo com seu nível sérico caso necessário.

O desfecho primário foi um composto de mortalidade por todas as causas, cirurgia cardíaca não planejada, eventos tromboembólicos clinicamente manifestos e recorrência de bacteremia pelo patógeno inicialmente isolado (informação proveniente de hemoculturas solicitadas em caso de suspeita clínica de recorrência), que ocorressem até 6 meses após o término do tratamento. Os eventos suspeitos foram avaliados por um comitê, cego para a alocação, que definia se o desfecho ocorreria ou não.

A margem de não inferioridade foi definida como uma diferença absoluta do risco de 10%, ou seja, para que o tratamento oral fosse não inferior ao venoso, o limite superior do intervalo de confiança (IC) de 95% não poderia ultrapassar 10. A análise primária do estudo foi feita pelo princípio de intenção de tratar. Também foi feita uma análise por protocolo e outra de sensibilidade. Foram incluídos 400 pacientes com média de idade de 67 anos e predominância do sexo masculino (77%). Desses, 35% tinham, pelo menos, uma comorbidade, sendo as mais comuns diabetes melito (15,4 ? 18,1%) e doença renal crônica (10,4 ? 12,6%), com 7% em programa de diálise.

O patógeno mais comumente isolado foi Streptococcus, seguido de S. aureus, E. faecalis e Staphylococcus coagulase negativo. Mais de 40% dos pacientes tinham alguma valvopatia. A valva aórtica foi a mais comumente acometida (54,2 ? 54,8%), seguida pela mitral (32,7 ? 35,8%). Mais de 26% dos pacientes tinham comprometimento de prótese valvar. Mais de 38% dos pacientes necessitaram de cirurgia valvar antes da randomização. O tempo mediano entre o diagnóstico e a randomização foi de 17 dias. Após a randomização, o tempo mediano de tratamento foi de 19 dias no grupo venoso e 17 dias no grupo oral. Dentre os pacientes do grupo oral, 80% foram tratados ambulatorialmente, com mediana de tempo de internação hospitalar de 3 dias. Já a mediana do grupo venoso foi de 19 dias.

O desfecho primário ocorreu em 12,1% dos pacientes do grupo venoso e 9,0% do grupo oral (OR 0,72/IC 95%, 0,37 a 1,36), com uma diferença absoluta de risco entre os grupos de 3,1 pontos percentuais (IC 95%, -3,4 a 9,6/P = 0,40). Como o limite superior do IC foi inferior à margem de não inferioridade, o tratamento oral foi não inferior ao tratamento por via venosa.

O resultado se manteve nas análises por protocolo e de sensitividade. Observou-se, ainda, uma menor incidência de morte por todas as causas não significante no grupo oral (3,5%) em comparação ao venoso (6,5%). Não se observaram heterogeneidade ou interações na análise de subgrupos. Não houve diferença significante entre os dois grupos na análise de segurança, com incidência de 6% de eventos adversos associados à antibioticoterapia na amostra estudada. Os efeitos adversos mais comuns foram alergia, supressão medular e efeitos gastrintestinais.

 

Aplicação Prática

 

O estudo POET concluiu que, em pacientes clinicamente estáveis com EI de câmaras esquerdas causada por Streptococcus, S. aureus, E. faecalis ou Staphylococcus coagulase negativo, a conversão para tratamento antibiótico oral é não inferior à manutenção da antibioticoterapia venosa. O resultado obtido reforça dados prévios da literatura que sugeriam que o tratamento oral parcial era seguro em pacientes selecionados com EI de câmaras direitas, além de estudos menores que sugeriam que a terapia também seria segura para pacientes com comprometimento de câmaras esquerdas.

A terapia oral parcial desponta como uma excelente alternativa para o tratamento dessa população de pacientes, tendo grande potencial de acelerar a desospitalização e a remoção de cateteres venosos, com consequente redução de eventos adversos associados a eles, além de dar maior comodidade ao paciente e reduzir custos. Assim, é muito provável que os resultados do estudo POET venham a modificar as recomendações atuais para o tratamento de EI.

Contudo, para aplicar seus resultados à prática clínica, deve-se atentar para uma de suas maiores limitações: a baixa generabilidade. O POET estudou uma população de pacientes clinicamente estáveis, com endocardite de câmaras esquerdas, sem complicações no ecocardiograma pré-tratamento e com infecção por agentes específicos. Assim, seus resultados não devem ser extrapolados para outras populações, sobretudo pacientes com infecções por germes resistentes (por exemplo, MRSA), obesos com IMC superior a 40 ou usuários de drogas injetáveis. Adicionalmente, a necessidade de seguimento ambulatorial intensivo durante o tratamento também poderia ser limitante, sobretudo em um ambiente de difícil acesso à atenção ambulatorial, como ocorre no sistema público de saúde.

 

Bibliografia

1.             Iversen, K. Partial Oral versus Intravenous Antibiotic Treatment of Endocarditis. N Engl J Med. 2019 Jan 31;380(5):415-424. doi: 10.1056/NEJMoa1808312

2.             Boucher, Helen W. Partial Oral Therapy for Osteomyelitis and Endocarditis — Is It Time? N Engl J Med. 2019 Jan 31;380(5):487-489. doi: 10.1056/NEJMe1817264

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