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Efeitos da Ablação por Cateter Versus Drogas Antiarrítmicas

Última revisão: 15/07/2019

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Autor: Vitor Maia Teles Ruffini

 

A fibrilação atrial (FA) é a taquiarritmia mais comum, estando associada a maior mortalidade e morbidade. Pacientes com essa arritmia têm maior incidência de acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca (IC) e déficit cognitivo. O efeito da restauração do ritmo sinusal no prognóstico de longo prazo dos pacientes com FA ainda é pouco claro.

A estratégia de controle de ritmo é obtida primariamente pela prescrição de medicações antiarrítmicas. A eficácia limitada e o perfil de segurança desfavorável dessas medicações levaram ao desenvolvimento de outras estratégias para restaurar e manter o ritmo sinusal. As evidências atuais, provenientes de estudos observacionais e pequenos ensaios clínicos, sugerem que a ablação seria mais efetiva em reduzir as recorrências de FA paroxística, podendo estar associada também ao aumento de sobrevida em pacientes portadores de IC com fração de ejeção baixa com classe funcional (CF) II ou superior. Contudo, ainda não há evidência clara proveniente de grandes ensaios clínicos randomizados que associe a terapia de ablativa a melhores desfechos clínicos.

Nesse contexto, o CABANA Trial foi desenhado para testar a hipótese de que a terapia ablativa seria mais eficaz que a terapia medicamentosa com antiarrítmicos na redução de desfechos clínicos em uma população de pacientes com FA assintomática e inadequadamente tratada.

 

O Estudo

 

O CABANA Trial foi um ensaio clínico randomizado, aberto (open-label), prospectivo e multicêntrico que comparou ablação por cateter à terapia medicamentosa com medicações para controle de ritmo e/ou frequência. Foram incluídos pacientes com um ou mais fatores de risco para AVC (hipertensão arterial, IC, história de AVC, diabetes melito ou outras cardiopatias), com história de dois ou mais episódios de FA paroxística ou um de FA persistente nos últimos 6 meses e elegíveis para realização de ablação por cateter ou terapia farmacológica com medicações para controle de ritmo e/ou frequência. Foram excluídos pacientes com história prévia de ablação ou que tivessem falha em manter o ritmo sinusal com uso de dois ou mais antiarrítmicos.

Após a inclusão, os pacientes foram randomizados para receber ablação ou terapia medicamentosa. O procedimento de ablação por cateter foi realizado por um profissional com experiência prévia de, pelo menos, 100 casos, e incluía necessariamente isolamento das veias pulmonares, que poderia ser complementado ou não com outras técnicas. A terapia medicamentosa deveria ser iniciada com medicamentos para o controle de frequência. Em caso de falha dessa estratégia, as medicações para controle de ritmo seriam iniciadas em uma abordagem semelhante à recomendada pelos principais guidelines atuais.

Após o início da intervenção, seguia-se um período de 3 meses (blanking period) no qual a recorrência de FA não seria contada para avaliação do desfecho secundário de recorrência dessa arritmia. Nesse período, o paciente submetido à ablação poderia fazer uso de antiarrítmicos e ser submetido a novo procedimento de ablação caso necessário. Já o paciente do grupo de terapia medicamentosa poderia testar várias medicações para encontrar o esquema mais efetivo e bem tolerado.

Todos os pacientes receberam anticoagulação conforme recomendado pelos principais guidelines atuais, indicada para todos os pacientes com escore CHA2DS2-VASc igual ou maior que dois. Pacientes submetidos à ablação receberam anticoagulação por, pelo menos, 3 meses independentemente do CHA2DS2-VASc, após os quais a indicação de manutenção ou suspenção seria guiada por esse escore.

Os investigadores, originalmente, planejaram a inclusão de 3.000 pacientes que seriam seguidos por, pelo menos, 3 anos para avaliação do desfecho primário de mortalidade por todas as causas. Porém, a velocidade com que novos participantes foram incluídos e a taxa de eventos foram menores que as esperadas. Os autores decidiram modificar o desenho do estudo com transformação do desfecho primário em um composto, transformando mortalidade por todas as causas em um desfecho secundário e aumentando o tempo de segmento para 4 anos. Tais medidas permitiram a redução da amostra para 2.200 pacientes com manutenção do poder de 90% inicialmente planejado.

O desfecho primário final foi um composto de mortalidade por todas as causas, AVC incapacitante (AVC isquêmico ou hemorrágico com limitação física irreversível com Rankin Stoke Scale de dois ou mais), sangramento maior (instabilidade hemodinâmica com necessidade de intervenção cirúrgica ou transfusão de três ou mais unidades de concentrado de hemácias) e parada cardíaca. Esse estudo também avaliou a incidência de 13 desfechos secundários, dentre os quais estão a mortalidade geral, a mortalidade ou hospitalização por causas cardiovasculares e recorrência de FA. Também foram avaliados desfechos relativos à qualidade de vida, descritos em outro artigo também publicado no JAMA.2

A análise estatística principal foi feita pela estratégia de intenção de tratar, sem ajuste para múltiplas comparações. Análise de sensibilidade também foi feita por meio da estratégia por protocolo ajustada para covariáveis consideradas importantes para o prognóstico que foram pré-especificadas. Foram incluídos 2.204 pacientes com idade mediana de 68 anos e predominância do sexo masculino (62,8%). A maioria dos pacientes tinha FA paroxística (42,9%) ou persistente (47,3%), com 82,1%, tendo um CHA2DS2-VASc igual ou maior que dois.

Todos os pacientes tinham história prévia ou estavam em uso de medicações para controle do ritmo no momento da inclusão no estudo, com 18,1% estando em uso de duas ou mais drogas. A amostra estudada também tinha uma alta prevalência de comorbidades, destacando-se: hipertensão arterial (80,6%); hipertrofia ventricular esquerda ? HVE (40,3%); diabetes melito (25,5%); apneia do sono (23,1%); doença arterial coronariana ? DAC (19,2%); IC (15,3%); AVC ou ataque isquêmico transitório (AIT) prévios (10%); e outros eventos tromboembólicos (4,1%), sendo observado um índice de massa corporal (IMC) mediano de 30.

Dentre os pacientes randomizados para o grupo ablação, 90,8% foram submetidos ao procedimento de fato, em um tempo mediano de 29 dias após a randomização. Dentre estes, 19,4% necessitaram de um segundo procedimento de ablação e 44,6% fizeram uso de medicações antiarrítmicas em algum momento após o período de blanking. No grupo de terapia medicamentosa, 99,6% dos pacientes estavam em uso da terapia randomizada, dos quais 88,4% estavam em estratégia de controle de ritmo, com 38,8% dos pacientes utilizando duas ou mais medicações antiarrítmicas. Um total de 27,5% dos pacientes desse grupo foi submetido à ablação durante o período de seguimento (crossover).

O desfecho primário ocorreu em 8% dos pacientes do grupo ablação e 9,2% dos pacientes do grupo de terapia medicamentosa (HR: 0,86/IC 95%, 0,65 a 1,15/p = 0,30), sem diferença significativa entre os grupos. Não houve diferença significativa entre os grupos na análise do desfecho secundário de mortalidade por todas as causas (5,2% versus 6,1%/HR 0,85/IC 95%, 0,6 a 1,21/p = 0,38). Observou-se uma redução significativa nos desfechos secundários de mortalidade ou hospitalização por causas cardiovasculares (51,7% versus 58,1%/HR 0,83/IC 0,73 a 0,93/p = 0,001) e recorrência da FA (HR 0,52/IC 95%, 0,45 a 0,60/p <0,001), sendo este último avaliado no subgrupo de pacientes que tinham informações de monitorização de ritmo disponíveis (n = 1.240).

Na análise de sensibilidade por protocolo que incluiu pacientes submetidos à ablação até 12 meses após a randomização, observou-se surgimento de significância estatística para o desfecho primário (HR 0,73/IC 95%, 0,54 a 0,99) e secundário de mortalidade por todas as causas (HR 0,68/IC 95%, 0,47 a 0,99). O mesmo foi observado na análise de sensibilidade por tratamento recebido. Os efeitos adversos do tratamento mais comuns no grupo ablação foram tamponamento cardíaco (0,8%), hematomas menores (2,3%) e pseudoaneurismas (1,1%). Já no grupo de tratamento medicamentoso, foram tireoidopatias (1,6%) e pró-arritmia (0,8%).

 

Aplicação Prática

 

Com base nas melhores evidências disponíveis até o momento, o American College of Physicians informa não haver evidência clara de que a estratégia de controle de ritmo seja superior à de frequência, recomendando que o controle de ritmo seja reservado para pacientes sintomáticos selecionados.3 Essa abordagem é concordante com a das Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial (SBC, 2012), que também recomenda a indicação da terapia ablativa para pacientes com FA sintomática como terapia primeira escolha (classe de recomendação IIa/IIb) ou em casos refratários a, pelo menos, uma medicação antiarrítmica (classe de recomendação I), quando a estratégia de controle de ritmo é desejada.4

O CABANA Trial concluiu que, em pacientes com FA, a estratégia de ablação por cateter não reduziu significativamente o desfecho primário de morte, AVC incapacitante, sangramento maior ou parada cardíaca. Essa estratégia foi, contudo, associada à redução significativa do desfecho combinado de morte ou internação por causas cardiovasculares e do desfecho de recorrência da FA.

Esse resultado corrobora as recomendações atuais para a FA paroxística, além de aumentar a robustez da evidência a favor da terapia ablativa em pacientes com FA persistente ou persistente de longa duração. Ele reforça a ideia de que a ablação seria uma boa alternativa à terapia medicamentosa para controle de ritmo, pois, apesar de não reduzir de forma significativa os desfechos clínicos mais significativos (desfecho primário composto), a ablação poderia reduzir hospitalização e recorrência de FA sintomática. Também é importante ressaltar que os resultados do CABANA sugerem que a ablação seja um procedimento tão seguro quanto a terapia medicamentosa, com uma baixa taxa de complicações em ambos os grupos.

Deve-se destacar também que a taxa de eventos menor que a esperada, motivadora de modificação no desenho do estudo, pode ter acarretado uma perda de poder importante. Esta tornaria o estudo mais suscetível a erro tipo II (não detectar uma diferença significativa entre os grupos na amostra que exista na população real). A alta taxa de crossover observada entre os grupos também poderia ter contribuído para uma diluição do real efeito da ablação. O resultado significativo observado na análise por protocolo corrobora essa hipótese. Contudo, essa estratégia de análise estatística favorece a detecção de diferenças entre os grupos e é menos rigorosa que a estratégia de intenção de tratar utilizada na análise principal, devendo ser vista apenas como uma geradora de hipóteses.

Outros dois pontos não são esclarecidos pelo estudo CABANA. Primeiramente, os resultados não permitem avaliar se haveria benefício prognóstico em manter o paciente em ritmo sinusal com terapia ablativa (controle de ritmo) em comparação ao controle de frequência exclusivo com terapia medicamentosa, pois menos de 12% dos pacientes no grupo de terapia medicamentosa estava em uso de estratégia de controle de frequência exclusiva. A outra questão é se seria seguro suspender a anticoagulação após a ablação com sucesso em reverter a FA e manter o ritmo sinusal, pois todos os pacientes com CHA2DS2-VASc maior ou igual a dois continuaram a utilizar anticoagulação após a ablação independentemente do ritmo.

O CABANA Trial foi um importante estudo que trouxe dados elucidativos sobre a segurança e a eficácia da terapia ablativa. Seus resultados devem ser utilizados para auxiliar na tomada de decisão compartilhada entre médicos e pacientes sintomáticos que sejam candidatos à terapia de controle de ritmo para definir a melhor estratégia de primeira linha, ablação ou terapia medicamentosa em nível individual.

 

Bibliografia

 

1.             Packer, DL et al. Effect of Catheter Ablation vs Antiarrhythmic Drug Therapy on Mortality, Stroke, Bleeding, and Cardiac Arrest Among Patients With Atrial Fibrillation. JAMA. 2019 Mar 15. doi: 10.1001/jama.2019.0693

2.             Mark, DB et al. Effect of Catheter Ablation vs Medical Therapy on Quality of Life Among Patients With Atrial Fibrillation. JAMA, Mar 15, 2019. doi:10.1001/jama.2019.0692

3.             Albert, CM et al. Catheter Ablation for Atrial Fibrillation: Lessons Learned From CABANA. JAMA, Mar 15, 2019. doi:10.1001/jama.2018.17478

4.             Zimetbaum, P. In the clinic: Atrial Fibrillation. Ann Intern Med. 2017;166(5):ITC33-ITC48.

5.             Magalhães, LP et al. II Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Arq Bras Cardiol 2016; 106(4Supl.2):1-22

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