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Canaglifozina e Desfechos Renais em Nefropatia por Diabetes Tipo 2

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 08/07/2019

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Contexto Clínico

 

Com o aumento da prevalência de diabetes melito tipo 2 (DM 2) nas últimas décadas, ocorreu um acréscimo substancial dos casos de doença renal crônica (DRC) em estágio terminal. Atualmente, a única estratégia terapêutica aprovada para renoproteção em pacientes portadores de DM 2 é o bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) com o uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (Ieca) ou bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRAs).

Ensaios clínicos recentes que avaliaram o impacto de inibidores do cotransportador sódio-glicose 2 (SGLT2) nos desfechos cardiovasculares sugerem que essas medicações também poderiam estar associadas a menor incidência de desfechos renais. O CREDENCE Trial foi desenhado para avaliar os efeitos do inibidor da SGLT2 canaglifozina nos desfechos renais de pacientes portadores de DRC albuminúrica por DM 2.

 

O Estudo

 

O CREDENCE Trial foi um ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo-cego e placebo controlado. Foram incluídos pacientes com 30 anos ou mais, portadores de DM 2 com níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) entre 6,5 e 12%, que tivessem DRC com taxa de filtração glomerular (TFG) estimada entre 30 e 90mL/min/1,73m² e albuminúria significativa (relação albumina-creatinina na urina entre 300mg/g de Cr e 5.000mg/g de Cr).

Além disso, para ser incluído, o paciente precisaria estar em uso de IECA ou BRA em dose máxima ou na maior dose tolerada (não associada a efeitos colaterais limitantes). Dupla ou tripla inibição do SRAA não foi permitida. Foram excluídos pacientes com DM 1, outras causas de nefropatia ou com história de diálise ou transplante renal.

Os pacientes identificados como candidatos à inclusão passaram por um período de run-in de duas semanas com uso de placebo, com posterior inclusão daqueles que tivessem boa aderência nesse período. Após a inclusão, os pacientes foram randomizados para receber canaglifozina, 100mg/dia, ou placebo. O uso de outras medicações para controle glicêmico e redução de risco cardiovascular foi recomendado de acordo com as diretrizes vigentes em cada centro participante (open-label).

O desfecho primário foi um composto de doença renal em estágio terminal ? definida como manter uma TFG <15mL/min/1,73m² por, pelo menos, 30 dias; diálise por, pelo menos, 30 dias ou transplante renal ? aumento de duas vezes ou mais da creatinina em relação ao valor basal por, pelo menos, 30 dias ou morte por causas renais ou cardiovasculares.

Vários desfechos secundários também foram avaliados com emprego de uma estratégia de hierarquização para ajuste do nível crítico de significância para múltiplas comparações. Também foi feita uma análise exploratória dos componentes individuais dos desfechos primário e secundários, além dos diversos desfechos de segurança. A análise estatística foi feita pela estratégia de intenção de tratar. Uma análise interina foi planejada previamente à realização do estudo, com critérios definidos a priori para interrupção precoce do estudo em caso de observação de claro benefício com o uso de canaglifozina para o desfecho primário. Não foram utilizadas estratégias de ajuste para dados perdidos.

O CREDENCE Trial foi interrompido precocemente pelo comitê diretor por demonstração de claro benefício com a intervenção em julho de 2018 após a inclusão de 4.401 pacientes e uma mediana de seguimento de 2,62 anos. A média de idade dos participantes foi 63 anos, com predominância do sexo masculino (66,1%). A maioria dos pacientes tinha hipertensão arterial (96,8%) e história de doença cardiovascular (50,4%).

O IMC médio foi de 31,3. A média de HbA1c foi de 8,3%. A média de TFG no momento da inclusão foi de 56,2mL/min/1,73m², sendo que 60% dos pacientes tinham TFG <60mL/min/1,73m². O valor médio da relação albumina-creatinina na urina foi de 927mg/g de Cr. Dos pacientes, 84% aderiram ao esquema terapêutico alocado durante o seguimento.

Na análise do desfecho primário, foi observada uma redução significativa de doença renal terminal, aumento de duas vezes ou mais da creatinina ou morte por causas renais ou cardiovasculares no grupo canaglifozina em relação ao placebo (43,2 versus 61,2 eventos por 1.000 pacientes-ano/HR: 0,70/IC 95%: 0,59 ? 0,82/P = 0,00001). Com base nesse resultado, os autores estimaram que, para cada 1.000 pacientes tratados por 2,5 anos, seria necessário tratar 22 pacientes com canaglifozina para evitar a ocorrência de um evento do desfecho primário.

O resultado observado na avaliação do desfecho primário se manteve na análise exploratória de seus componentes individuais o aumento de duas vezes ou mais da creatinina (HR: 0,60/IC 95%: 0,48 ? 0,76/p <0,001) e doença renal em estágio terminal (HR: 0,68/IC 95%: 0,54 ? 0,86/p <0,002), além do desfecho secundário composto de doença renal em estágio terminal, aumento de duas vezes ou mais da creatinina ou morte por causas renais (HR: 0,66/IC 95%: 0,53 ? 0,81/p <0,001).

Houve também redução significativa dos seguintes desfechos secundários no grupo canaglifozina em relação ao placebo: morte por causas cardiovasculares ou hospitalização por insuficiência cardíaca (HR: 0,69/IC 95%: 0,57 ? 0,83/p <0,001); morte cardiovascular, infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral (HR: 0,80/IC 95%: 0,67 ? 0,95/p = 0,01) e hospitalização por insuficiência cardíaca (HR: 0,61/IC 95%: 0,47 ? 0,80/p <0,001). Na análise exploratória dos desfechos de segurança, não foram detectadas diferenças significativas entre os grupos para os desfechos de amputação de membros inferiores ou fraturas. A incidência de cetoacidose diabética foi maior no grupo canaglifozina.

O uso de canaglifozina foi associado à redução modesta de hemoglobina glicada (diferença média entre os grupos de 0,25%), pressão arterial sistólica (diferença média de 3,3mmHg) e diastólica (diferença média de 0,95mmHg) e peso (diferença média de 0,8kg). O uso de canaglifozina também foi associado a uma queda inicial mais acentuada da TFG nas primeiras 3 semanas, que era seguida de declínio mais lento da mesma no seguimento de longo prazo. Também se observou uma redução mais intensa da relação albumina-creatinina na urina no grupo da canaglifozina.

 

Aplicação Prática

 

O presente estudo concluiu que, em pacientes portadores de nefropatia albuminúrica por DM 2, o uso de canaglifozina foi associado à redução do risco de insuficiência renal e a eventos cardiovasculares quando comparado ao placebo. Esse resultado confirma a hipótese gerada por estudos prévios de que os inibidores do SGLT2 poderiam ter efeito renoprotetor, sendo de grande importância para a prática clínica.

Os resultados consistentes de redução da ocorrência de desfechos renais com uso de canaglifozina observados no CREDENCE Trial adicionam robustas evidências de que essa classe de medicações é uma opção terapêutica para o tratamento de pacientes portadores de nefropatia diabética que mantêm proteinúria significativa a despeito do uso de Ieca ou BRA em dose máxima tolerada e adequado controle pressórico.

Contudo, seus resultados não devem ser extrapolados para outras populações, como nefropatia diabética sem proteinúria ou nefropatia diabética com proteinúria, mas ainda sem uso de Ieca ou BRA em doses otimizados. Assim, a canaglifozina não deve ser encarada como uma alternativa ao uso de Ieca ou BRA, mas, sim, como um adjuvante ao tratamento de pacientes que não respondem completamente ou não toleram essa medicação.

Já a possível redução de desfechos cardiovasculares observada no CREDENCE é amplamente consistente com vários outros ensaios clínicos recentes, como EMPA-REG OUTCOMES, CANVAS e DECLARE-TIMI 58, o que aumenta a confiabilidade nesse resultado, apesar de o poder do estudo não ser adequado para a sua avaliação. Assim, o presente estudo adiciona as evidências existentes e também reforça a indicação dos inibidores de SGLT2 para a redução de desfechos cardiovasculares em pacientes portadores de DM.

 

Bibliografia

 

1.              Perkovic V et al. Canagliflozin and Renal Outcomes in Type 2 Diabetes and Nephropathy. DOI: 10.1056/NEJMoa1811744

2.              Ingelfinger JR and Rosen CJ. Clinical Credence ? SGLT2 Inhibitors, Diabetes, and Chronic Kidney Disease. DOI: 10.1056/NEJMe1904740

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