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Mometasona ou Tiotrópio para o Tratamento de Asma Leve com Baixo Nível de Eosinófilos no Escarro

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 09/01/2020

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Contexto Clínico

 

A inflamação eosinofílica das viasaéreas não está presente em todos os pacientes portadores de asma. Evidênciasrecentes sugerem que a asma poderia ser classificada em diferentes fenótiposcom base nos níveis de eosinófilos no escarro, os quais poderiam ter diferentesrespostas ao tratamento com corticoide inalatório (CI). Pacientes queapresentam escarro com 2% ou mais de eosinófilos tendem a apresentar melhora dovolume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) após uso de CI. Jáaqueles que apresentam menos de 2% de eosinófilos no escarro podem nãoresponder ao CI.

As atuais diretrizes para o tratamentoda asma recomendam o uso de CI de manutenção para todos os pacientes comsintomas persistentes. Aproximadamente, metade dos pacientes com asmapersistente leve não responde ao uso de CI. Isso poderia estar associado àpresença de baixo nível de eosinófilos no escarro. Assim, essa ausência deresposta poderia estar relacionada à seleção de pacientes com um fenótipo desfavorável,que não se beneficiariam com o uso de CI de manutenção, mas poderiam sebeneficiar com outras estratégias de tratamento.

O SIENA Trial teve como objetivocomparar a eficácia de CI ou tiotrópio (Lama) em comparação ao placebo para o controleda asma leve em pacientes com sintomas persistentes (presença de sintomasdiurnos mais de 2x/semana, mas não diariamente; despertar noturno 3 a 4x/mês;uso de ß-2 agonista de curta duração de resgate mais de 2x/semana, mas nãodiariamente e não mais de 1x/dia; pouca limitação das atividades diárias porsintomas de asma; VEF1 maior que 80% com relação a VEF1/CVF normal; e duas oumais exacerbações requerendo uso de corticoide sistêmico por ano).

Como o número de pacientes com baixo percentualde eosinófilos foi maior que o esperado (76%), esse objetivo foi revisto para sefocar primariamente na comparação da eficácia de CI ou tiotrópio com placebopara o controle da asma persistente leve em pacientes com contagem deeosinófilos no escarro inferior a 2%.

 

O Estudo

 

O SIENA Trial foi um ensaio clínicorandomizado, multicêntrico, duplo-cego, placebo controlado e com desenho de crossover.Foram incluídos pacientes com idade igual ou superior a 12 anos, que tivessemdiagnóstico clínico de asma de acordo com os critérios da National AsthmaEducation and Prevention Program (NAEPP), com indicação de tratamentocom step 2 (CI em baixas doses e ß-2 agonista de curta duração deresgate) e confirmação espirométrica do diagnóstico da asma por aumento de,pelo menos, 200mL e 12% no VEF1 após o uso de albuterol ou por redução de 20%ou mais no VEF1 após broncoprovocação com metacolina.

Foram excluídos pacientes que fizeramuso de CI nas últimas 3 semanas, corticoide oral nas últimas 6 semanas ou omalizumabnos últimos 3 meses; que tivessem história de infecção respiratória nas últimas4 semanas; história de tabagismo nos últimos 12 meses ou carga-tabágicasuperior a 10 maços-ano; história de exacerbação que ameaçasse a vida; ou VEF1menor que 70% do valor predito.

Os pacientes que preenchiam oscritérios de elegibilidade foram submetidos a um período de run-in de 6 semanas,no qual todos os pacientes receberiam placebo. Nesse período, seriacaracterizado o controle da asma, seriam coletadas amostras de escarro, bemcomo realizada espirometria e avaliado se o paciente teria uma aderênciasuperior a 75% à medicação do estudo e preencheria corretamente um diário desintomas eletrônico.

Após esse período, foram incluídos noestudo pacientes que permanecessem com critérios para tratamento com step2, não tivessem apresentado dois ou mais episódios de falha do tratamento ouuma exacerbação, tivessem coletado, pelo menos, duas amostras adequadas de escarro,aderência adequada a medicação do estudo e preenchimento do diário de sintomas.

Os pacientes incluídos foram estratificadoscom base no percentual de eosinófilos no escarro como tendo alto (=>2%) ou baixo(<2%) nível, sendo posteriormente randomizados para uma das diferentesordens possíveis em que receberiam os tratamentos. No período total de 36semanas, cada paciente receberia um dos três tratamentos do estudo - mometasona,200mcg (ou equivalente), 2x/dia, e placebo, tiotrópio, 5mcg, 1x/dia, e placeboou duplo placebo, 2x/dia - por 12 semanas, com troca de estratégia detratamento após o término desse período. Por exemplo, um paciente randomizado,para iniciar o tratamento com mometasona, faria uso dessa medicação por 12semanas, que seria seguida por um período de tiotrópio de 12 semanas e,posteriormente, um período de placebo por mais 12 semanas.

O seguimento foi feito por meio dopreenchimento de um diário eletrônico de sintomas que registrava informaçõessobre sintomas diurnos, uso de medicação de resgate, despertares noturnos porsintomas de asma e peak flow da tarde. Também foram utilizadosquestionários padronizados para avaliação do controle dos sintomas de asma, impactonas atividades diárias e controle de sintomas nasais, utilizados em análisesexploratórias do estudo.

O desfecho primário foi controle daasma, um composto de falha do tratamento, número anualizado de dias de controleda asma (número de dias sem uso de albuterol de resgate, outras medicações parao tratamento de asma, sintomas, visitas não programadas ao serviço médico ouqueda do peak flow para valor inferior a 80% do basal) e melhora noVEF1.

Para a análise do desfecho primário,foi avaliada a existência de diferença de resposta - definida como nenhumafalha de tratamento em um período de tratamento, com, pelo menos, uma falha emum dos demais; pelo menos, 31 dias de controle de asma anualizados a mais em umperíodo de tratamento que nos demais; ou VEF1 no final de um período, pelomenos, 5% maior que no final dos demais - entre os grupos na comparação entremometasona e placebo ou tiotrópio e placebo.

A análise do desfecho primário foifeita pela estratégia de intenção de tratar e de forma hierarquizada, com osegundo e terceiros componentes sendo considerados na análise apenas se oprimeiro componente não apresentasse diferença de reposta entre os períodos. Aanálise estatística do desfecho primário foi ajustada para múltiplascomparações por meio da estratégia de Bonferroni, com nível crítico designificância bicaudado de 0,025 (significante se menor que 0,025).

Os desfechos secundários foram oscomponentes do desfecho primário. Análises secundárias também foram realizadaspara avaliar o desfecho primário no estrato de pacientes com alto percentual deeosinófilos no escarro, o desfecho primário apenas em adultos e se houvediferença de resposta entre os grupos mometasona e tiotrópio. Análises desensibilidade foram realizadas para avaliar se poderia haver interferência doperíodo de inclusão do paciente no estudo, sazonalidade ou tipo de dispositivoinalatório utilizado no resultado da análise principal. Os valores perdidosforam imputados como não existir diferença de resposta entre os grupos.

No SIENA Trial, foram incluídos 295pacientes, com predominância do sexo feminino e idade mediana de 31 anos. Amaioria dos pacientes tinha asma de longa data, com um quarto dos pacientes tendohistória de visita não programada a um serviço de atendimento médico em virtudeda asma no último ano. Todos os pacientes tinham asma persistente leve, comVEF1 variando entre 90 e 93% do predito. Dentre os pacientes incluídos, 221(76%) tinham níveis baixos de eosinófilos no escarro e 74 (24%) tinham níveiselevados.

Na análise primária do desfechoprimário de controle da asma no grupo de pacientes com baixo nível deeosinófilos no escarro que tiveram diferença de resposta, não houve diferençasignificativa entre o percentual de pacientes que tiveram melhor resposta amometasona (57%) e o percentual de pacientes que tiveram melhor resposta aoplacebo (43%), com P = 0,14. Também não houve diferença significativa entre opercentual de pacientes que tiveram melhor resposta ao tiotrópio (60%) e opercentual de pacientes que tiveram melhor resposta ao placebo (40%), com P = 0,029.Tais resultados se mantiveram nas diferentes análises de sensibilidade realizadas.

Na análise secundária do desfechoprimário de controle da asma no grupo de pacientes com alto nível deeosinófilos no escarro que tiveram diferença de resposta, se observou umpercentual de pacientes que tiveram melhor resposta a mometasona (74%)expressivamente maior que o percentual de pacientes que tiveram melhor respostaao placebo (26%). O resultado da análise do tiotrópio foi consistente com aanálise primária. Esse resultado foi determinado predominantemente pela melhorado VEF1.

 

Aplicação Prática

 

O SIENA Trial concluiu que a maioriados pacientes com asma persistente leve e baixo nível de eosinófilos no escarronão apresenta diferenças significativas em sua resposta ao tratamento commometasona ou tiotrópio em relação àquela observada com uso de placebo. Esseresultado sugere que um grande percentual dos pacientes com asma leve não teminflamação eosinofílica das vias aéreas e não responderia bem ao uso decorticoide inalatório como terapia de manutenção. Assim, outras terapiaspoderiam ser mais adequadas para o tratamento inicial desses pacientes.

O resultado dialoga diretamente com oresultado dos estudos SYGMA 1 e 2, os quais demonstraram que o uso deformoterol-budesonida de demanda é tão efetivo quanto a terapia de manutençãocom budesonida para prevenção de exacerbações em pacientes com sintomaspersistentes de asma. Contudo, nesses estudos, o controle dos sintomas de asmafoi melhor com o uso de CI de manutenção. Esses resultados geraram uma mudançanas diretrizes da GINA para o tratamento da asma, que passou a recomendarformoterol-budesonida de demanda como primeira opção para o step 1 ecomo uma opção off-label para o step 2 de tratamento.

Frente aos resultados do SIENA Trial, épossível que as recomendações atuais sejam mais uma vez revisadas para incluir aavaliação do fenótipo da asma. Isso seria feito, preferencialmente, pelo uso dadosagem de eosinófilos no escarro como um marcador para diferenciar melhor ospacientes com asma persistente leve candidatos a tratamento com step 2 quese beneficiariam com o uso de CI de manutenção (alto percentual de eosinófilos)daqueles que provavelmente não responderiam (baixo percentual de eosinófilos) epoderiam ser poupados do uso diário do CI, sendo alocados em uma estratégia de Laba-CIde demanda. Além disso, são necessários novos estudos para avaliar alternativasviáveis ao uso de CI para o controle dos sintomas da asma persistente leve.

 

Bibliografia

 

1.            Lazarus, SCet.al. Mometasone or Tiotropium in Mild Asthma with a Low Sputum EosinophilLevel. N Engl J Med. 2019 May 23;380(21):2009-2019. doi:10.1056/NEJMoa1814917

2.            Wong GWK. HowShould We Treat Patients with Mild Asthma? N Engl J Med. 2019 May23;380(21):2064-2066. doi: 10.1056/NEJMe1905354

3.            NHLBI. Guidelinesfrom the National Asthma Education and Prevention Program - Expert Panel Report3. NationalAsthma Education and Prevention Program, 2007. Disponível em: https:/www.nhlbi.nih.gov/sites/default/files/media/docs/asthgdln_1.pdf

4.            GINA. Pocket guide for asthma management napreventio. 2019. Disponível em: https:/ginasthma.org/wp-content/uploads/2019/04/GINA-2019-main-Pocket-Guide-wms.pdf

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