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Acidentes por Animais Peçonhentos – Aracnídeos

Autor:

Lucas Santos Zambon

Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.

Última revisão: 14/02/2009

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EPIDEMIOLOGIA

No Brasil, anualmente, temos uma estimativa de 5 mil casos de acidentes com aranhas e 8 mil com escorpiões. É possível que a notificação seja menor que o real número de casos, visto as diferenças de acesso à saúde pública que encontramos em nosso país, dificultando a notificação. A mortalidade desses acidentes é de 0,12% para aranhas e 0,54% para escorpiões.

Na Tabela 1 apresentamos os dados de detalhes de prevalência dos acidentes.

 

Tabela 1: Dados epidemiológicos de acidentes aracnídeos

Acidentes por aracnídeos

aranhas

Maior incidência de 20 a 49 anos; predomínio no sexo masculino; Phoneutria: mais acidentes de abril a maio, relacionados a manipulação de lenha, entulhos, picadas em mãos e pés; Loxosceles: mais em outubro a março, picada quando comprimidas contra o corpo por se esconderem em roupas; Latrodectus: acidentes mais frequentes no Nordeste, picada quando comprimidas contra o corpo por se esconderem em roupas.

escorpiões

Predomínio de acidentes em crianças; maior incidência no sexo masculino e em meses quentes e chuvosos.

 

ETIOLOGIA

No Brasil, 3 espécies de escorpiões do gênero Tityus têm sido responsabilizadas por acidentes humanos: T. serrulatus (escorpião amarelo), T. bahiensis (escorpião marrom), e T. stigmurus, sendo o T. serrulatus responsável pela maioria dos casos mais graves, seguido do T. bahiensis (Figura 1).

 

Figura 1: Principais escorpiões de interesse clínico.

 escorpião amarelo

 escorpião marrom

 

Quanto às aranhas, no Brasil, existem três gêneros de importância médica: Phoneutria (aranha armadeira), Loxosceles (aranha marrom) e Latrodectus (viúva negra), sendo os dois primeiros os que têm mais casos descritos (Figura 2). Os acidentes causados por Lycosa (aranha-da-grama), bastante frequentes, e pelas Megalomorphae (caranguejeiras), não têm grande importância em termos de gravidade.

 

Figura 2: Principais aranhas de interesse clínico.

 aranha armadeira

 aranha marrom

 viúva negra

 

DIAGNÓSTICO

Se a captura do animal for possível, seja aranha ou escorpião, esta deve ser realizada, pois pode ajudar no diagnóstico e no tratamento. Por sorte, a maior parte dos casos não é grave, com acometimento apenas local. Nos casos mais graves, o quadro clínico e as circunstâncias do acidente ajudam na identificação do possível animal causador.

 

Tabela 2: Mecanismos de ação dos principais venenos de aracnídeos

Veneno

Ações

Phoneutria

Despolarizam as fibras musculares e terminações nervosas sensitivas, motoras e do sistema nervoso autônomo, favorecendo a liberação de neurotransmissores, principalmente acetilcolina e catecolaminas.

Loxosceles

Ativam as cascatas do sistema complemento, da coagulação e das plaquetas, desencadeando intenso processo inflamatório no local da picada, acompanhado de obstrução de pequenos vasos, edema, hemorragia e necrose focal.

Latrodectus

Atua sobre terminações nervosas sensitivas provocando quadro doloroso no local da picada. Sua ação sobre o sistema nervoso autônomo leva à liberação de neurotransmissores adrenérgicos e colinérgicos e, na junção neuromuscular pré-sináptica, altera a permeabilidade aos íons sódio e potássio.

Titus

Causa dor local e efeitos complexos nos canais de sódio, produzindo despolarização das terminações nervosas pós-ganglionares, com liberação de catecolaminas e acetilcolina.

 

ACHADOS CLÍNICOS

Nas Tabelas 3 a 6, podem-se verificar aspectos clínicos dos acidentes. São descritos os efeitos locais, os efeitos sistêmicos e as alterações laboratoriais pertinentes a cada uma das espécies de aranhas e de escorpiões.

 

Tabela 3: Acidente por Phoneutria

Efeitos locais

Casos leves: 91% dos casos – dor local

Efeitos sistêmicos

Casos moderados: 7,5% dos casos – taquicardia, hipertensão arterial, sudorese discreta, agitação psicomotora, visão turva e vômitos ocasionais.

Casos graves: 0,5% dos casos – sudorese profusa, sialorreia, vômitos frequentes, diarreia, priapismo, hipertonia muscular, hipotensão arterial, choque e edema pulmonar agudo.

Alterações de exames

Leucocitose com neutrofilia, hiperglicemia, acidose metabólica e taquicardia sinusal.

 

Tabela 4: Acidente por Loxosceles

Efeitos locais

Casos leves: lesão local de padrão incaracterístico.

Forma cutânea: de 87 a 98% dos casos ocorrem dor e edema local, evoluindo com bolhas, equimose e necrose com 24 a 72 horas, que pode evoluir com escara após 1 semana de difícil cicatrização.

Efeitos sistêmicos

Astenia, febre alta nas primeiras 24 horas, cefaleia, exantema morbiliforme, prurido generalizado, petéquias, mialgia, náusea, vômito, visão turva, diarreia, sonolência, obnubilação, irritabilidade.

Casos moderados: lesão local característica e sintomas sistêmicos leves.

Forma hemolítica: anemia, icterícia e hemoglobinúria que se instalam geralmente nas primeiras 24 horas, podendo evoluir com petéquias, equimoses e CIVD. A principal causa de mortalidade é IRA.

Casos graves: presença de anemia hemolítica.

Alterações de exames

Leucocitose com neutrofilia, anemia, reticulocitose, plaquetopenia, hipercalemia, aumento de ureia e creatinina, elevação de bilirrubina indireta.

 

Tabela 5: Acidente por Latrodectus

Efeitos locais

Dor local em 60% dos casos, sensação de queimadura, eritema e sudoreses localizados.

Efeitos sistêmicos

Gerais: aparecem nas primeiras horas após o acidente, referindo-se tremores (26%), ansiedade (12%), excitabilidade (11%), insônia, cefaleia, prurido, eritema de face e pescoço.

Motoras: dor irradiada para os membros inferiores aparecem em 32%, acompanhada de contraturas musculares periódicas (26%), movimentação incessante, atitude de flexão no leito; hiper-reflexia osteomusculotendínea constante. É frequente o aparecimento de tremores e contrações espasmódicas dos membros (26%). Dor abdominal intensa (18%), acompanhada de rigidez e desaparecimento do reflexo cutâneo-abdominal, pode simular um quadro de abdome agudo. Contratura facial e trismo dos masseteres caracterizam a fácies latrodectísmica, observada em 5% dos casos.

Cardiovasculares: opressão precordial, com sensação de morte iminente, taquicardia inicial e hipertensão seguidas de bradicardia.

Alterações de exames

Leucocitose com linfopenia e eosinopenia, hiperglicemia, hiperfosfatemia, albuminúria, hematúria, leucocitúria, cilindrúria, taquiarritmias, alterações de ST.

 

Tabela 6: Acidente por escorpião

Efeitos locais

Intensa dor local

Efeitos sistêmicos

Gerais: hipo ou hipertermia e sudorese profusa.

Gastrintestinais: náuseas, vômitos, sialorreia e, mais raramente, dor abdominal e diarreia.

Cardiovasculares: arritmias cardíacas, hiper ou hipotensão arterial, insuficiência cardíaca congestiva e choque.

Respiratórios: taquipneia, dispneia e edema pulmonar agudo.

Neurológicos: agitação, sonolência, confusão mental, hipertonia e tremores.

Alterações de exames

ECG: bom para acompanhamento, pois as alterações somem em média após 3 dias – taquicardia ou bradicardia sinusal, extrassístoles ventriculares, distúrbios da repolarização ventricular, ondas U proeminentes, ondas Q, bloqueios A-V, ESV.

Radiografia de tórax: congestão pulmonar, às vezes unilateral.

Hemograma: leucocitose com neutrofilia.

Bioquímica: glicemia elevada nas primeiras horas, amilase elevada, hipocalemia, hiponatramia, elevação de CPK e CKMB.

 

TRATAMENTO

A soroterapia deve ser a mais específica possível e deve ser administrada por via endovenosa. Dilui-se o soro em solução fisiológica ou glicosada a 5%, na proporção de 1:5 (a ampola tem 10 mL), em 30 a 60 minutos.

As reações precoces podem aparecer na infusão ou nas primeiras horas e são reações anafiláticas ou anafilactoides. Pode-se tentar a prevenção com administração de bloqueadores anti-histamínicos H1 e H2 associado a corticoide, 15 minutos antes da administração do soro. Se houver reação, suspender momentaneamente o soro e administrar adrenalina.

 

Tabela 7: Araneísmo Tratamento

Manifestações e tratamento

Gravidade

Leve

Moderada

Grave

Phoneutria

Observação por 6 horas; alívio da dor com dipirona, pomadas e infiltração local de lidocaína.

Internação hospitalar; soro antiaracnídico – 2 a 4 ampolas EV.

Internação em UTI; soro antiaracnídico – 5 a 10 ampolas EV.

Loxosceles

Observar por 72 horas; tratamento sintomático

Soro antiaracnídico – 5 ampolas EV E/OU prednisona 40 mg/dia por 5 dias.

Soro antiaracnídico – 10 ampolas EV E prednisona 40 mg/dia por 5 dias.

Latrodectus

Analgésicos; gluconato de cálcio

Analgésicos; benzodiazepínicos; soro antilatrodético – 1 ampola IM.

Analgésicos; benzodiazepínicos; soro antilatrodético – 1 a 2 ampolas IM.

Observações

Lavar com água corrente e colocar compressas mornas.

 

Tabela 8: Escorpionismo Tratamento

Manifestações

Gravidade

Leve

Moderada

Grave

Apresenta apenas dor no local da picada e, às vezes, parestesias.

Dor intensa no local da picada e manifestações sistêmicas: sudorese discreta, náuseas, vômitos ocasionais, taquicardia, taquipneia e hipertensão leve.

Apresentam uma ou mais manifestações como sudorese profusa, vômitos incoercíveis, salivação excessiva, alternância de agitação com prostração, bradicardia, insuficiência cardíaca, edema pulmonar, choque, convulsões e coma.

Soroterapia (SAEEs/SAAr)

-

2 a 3 ampolas EV.

4 a 6 ampolas EV.

Observações

Lavar com água corrente e colocar compressas mornas.

SAEEs = soro antiescorpiônico. SAAr = soro antiaracnídico.

 

BIBLIOGRAFIA

1.    Azevedo-Marques MM, Cupo P, Hering SE. Acidentes por animais peçonhentos: escorpiões e aranhas. Medicina, Ribeirão Preto. 2003;36:490-97.

2.    Bochner R, Struchiner CJ. Acidentes por animais peçonhentos e sistemas nacionais de informação. Cad Saúde Pública. 2002;18(3):735-46.

3.    Bochner R, Struchiner CJ. Epidemiologia dos acidentes ofídicos nos últimos 100 anos no Brasil: uma revisão. Cad Saúde Pública. 2003;19(1):7-16.

4.    Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. 2ª ed. Brasília: Funasa, 2001.

5.    Martins HS, Damasceno MCT, Awada SB. Pronto-Socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 2ª ed. Barueri: Manole, 2008.

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