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Envelhecimento Cardiovascular e Doenças Cardiovasculares em Idosos

Autores:

Mateus Silva de Oliveira

Médico Especialista em Geriatria e Gerontologia e Medicina de Família e Comunidade.

Paulo Cury Rezende

Residente de Cardiologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (INCOR - HC-FMUSP)

Ricardo Casalino Sanches de Moraes

Especialista em Cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
Médico Colaborador do Grupo de Válvula do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 03/05/2010

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INTRODUÇÃO

A distinção entre os conceitos de senescência (alterações funcionais e estruturais relacionadas ao envelhecimento normal) e senilidade (alterações causadas por doenças) representa um grande desafio na análise do envelhecimento por cauda da forte correlação existente entre os dois fenômenos.

O Brasil, como boa parte dos países em desenvolvimento, sofre um gradual processo de envelhecimento populacional. Estima-se que a população com mais de 60 anos, que representava 4% em 1940 e 8% em 2000, atinja 12% em 2020, totalizando mais de 25 milhões de pessoas.

Com a evolução dos processos diagnósticos e o aumento da sobrevida da população mundial, muito do que se relacionava ao envelhecimento normal adquire status patológico, e quando a abordagem precoce e adequada se faz presente, tanto a longevidade quanto a qualidade de vida sofrem alterações.

O envelhecimento atualmente consiste em um complexo processo biológico relacionado a fatores intrínsecos, como apoptose (morte celular programada), e extrínsecos, como doenças e estilo de vida. Estudos epidemiológicos têm demonstrado que alterações genômicas, metabolismo lipídico, diabetes melito e sedentarismo são os principais fatores de risco para patologias coronarianas. Já hipertensão arterial, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral são consideradas as doenças cardiovasculares mais prevalentes. No entanto, a idade é o principal fator de risco cardiovascular global.

Esses fatores de risco se tornam mais prevalentes e mais graves com o aumento da idade, além maior tempo de exposição. Muitas vezes, processos patológicos não são visíveis, mas alterações funcionais e anatômicas atuam modificando a estrutura cardiovascular, proporcionando maior fragilidade a mecanismos fisiopatológicos.

 

TEORIAS DO ENVELHECIMENTO CARDIOVASCULAR

Alterações na matriz proteica extracelular, especialmente no colágeno do coração e vasos do idoso, justificam um aumento progressivo da rigidez pericárdica, valvular, miocárdica e vascular. Os vasos sanguíneos e o coração sofrem alterações morfoteciduais mesmo com o envelhecimento normal, relacionadas à senilidade não patológica ou “presbicárdia”.

Fato é que o complexo cardiovascular sofre redução global de capacidade funcional e tolerabilidade ao esforço com o envelhecimento. Entretanto, em repouso, o coração idoso não apresenta redução importante no débito cardíaco. Já em situações de maior demanda, fisiológicas ou patológicas, os mecanismos compensatórios podem falhar, resultando em alterações funcionais clinicamente mais importantes e em eventos isquêmicos.

Diversos fatores são implicados nas modificações sofridas pelo coração senil, por exemplo:

 

      dano celular oxidativo direto relacionado a radicais livres;

      erros no mecanismo de reparo cromossômico e perda de informação genética em razão do encurtamento telomérico resultando em acúmulo de mutações somáticas e alterações na síntese proteica;

      falhas na regulação apoptótica resultando na substituição fibrosa dos miócitos e tecido de condução;

      hipertrofia dos miócitos restantes;

      acúmulo de agressões ambientais resultando em déficit funcional progressivo;

      aterosclerose e enrijecimento vascular global;

      substituição fibrosa e calcificação valvar mais evidente em mitral e aórtica.

 

ENVELHECIMENTO CARDIOVASCULAR FISIOLÓGICO

O envelhecimento cardiovascular fisiológico é caracterizado por uma série de alterações:

 

      aumento progressivo na pressão sanguínea sistólica e, consequentemente, na pressão de pulso;

      aumento da velocidade de onda de pulso;

      aumento da massa ventricular esquerda;

      redução do preenchimento diastólico inicial do ventrículo esquerdo;

      redução da frequência e do débito cardíacos máximos;

      redução da capacidade aeróbica máxima ou consumo máximo de O2 (VO2 max);

      redução do aumento da fração de ejeção induzida pelo exercício;

      redução das respostas reflexas da frequência cardíaca e da variabilidade da frequência cardíaca;

      menor vasodilatação em resposta a estímulos beta-adrenérgicos ou vasodilatadores mediados pelo endotélio;

      incidência aumentada de doença arterial coronariana e fibrilação atrial.

 

Com o envelhecimento, ocorre migração de células musculares lisas vasculares ativadas para dentro da camada íntima dos vasos arteriais, o que aumenta a produção de matriz extracelular. Estimulada pela angiotensina II, ocorre uma alteração na atividade de metaloproteinases de matriz, resultando em maior produção de colágeno e perda de fibras elásticas. Tais alterações resultam em dilatação e calcificação arterial e aumento da espessura da camada íntima, levando à rigidez vascular aumentada.

Há também redução da produção de óxido nítrico pelo endotélio com o avançar da idade, resultando em resposta vasodilatadora reduzida em vasos coronarianos e periféricos. As respostas vasodilatadoras a compostos não derivados do endotélio, como aos nitratos, estão preservadas.

Em relação ao miocárdio, o envelhecimento leva a mudanças em sua matriz extracelular, com aumento do colágeno e do entrecruzamento de suas moléculas, aumento no diâmetro das fibrilas musculares, maior proporção de colágeno tipo I em relação ao tipo III, redução do conteúdo de elastina e aumento da fibronectina. O equilíbrio entre a produção e a degradação da matriz extracelular pelas metaloproteinases e pelos inibidores das metaloproteinases é alterado, favorecendo a ação dos inibidores e, dessa forma, levando a maior produção de matriz. Além disso, fatores teciduais de crescimento, como a angiotensina, o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa) e o fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), favorecem a proliferação de fibroblastos.

Todas essas alterações resultam em perda celular e alteração da função celular no miocárdio. Nos átrios, por exemplo, tais alterações predispõem a disfunção do nó sinusal e a fibrilação atrial, com suas respectivas consequências adversas. Quando compromete outras porções do sistema de condução cardíaco, como o nó atrioventricular ou os ramos, podem levar a anormalidades como os bloqueios atrioventriculares e os bloqueios de ramo; quando envolvem o anel valvar, podem ocasionar calcificações e estenoses valvares.

O ambiente intravascular também sofre alterações. Há aumento das concentrações de fibrinogênio, dos fatores de coagulação V, VIII e IX e outros, sem aumentos concomitantes em proteínas anticoagulantes. Há maior atividade plaquetária em virtude da maior ligação de PDGF à parede arterial. Há aumento dos níveis do inibidor do ativador de plasminogênio (PAI-1), resultando em fibrinólise prejudicada. Há aumento de citocinas protrombóticas, como a interleucina-6, podendo esta ter papel na patogênese das síndromes coronarianas agudas.

O sistema nervoso autônomo também sofre alterações com a idade, como:

 

      redução do número de receptores beta-adrenérgicos;

      sinalização alterada da via da proteína G;

      redução de receptores alfa-adrenérgicos plaquetários;

      redução da resposta contrátil cardíaca a estímulo dopaminérgico;

      redução da sensibilidade e da resposta a estímulo parassimpático nos tecidos cardíaco e vascular;

      redução da função barorreflexa a fatores de estresse fisiológico.

 

Tabela 1: Diferenciação entre mudanças relacionadas à idade e DCV em idosos

Alterações

Mudanças relacionadas à idade

Doença cardiovascular

Vasculatura

Espessamento intimal, enrijecimento arterial, pressão de pulso aumentada, velocidade de onda de pulso aumentada, vasodilatação mediada pelo endotélio diminuída.

Hipertensão sistólica, obstrução arterial coronariana, obstrução arterial periférica, obstrução arterial carotídea.

Átrios

Aumento do átrio esquerdo, complexos prematuros atriais.

Fibrilação atrial

Nó sinusal

Frequência cardíaca máxima diminuída, variabilidade dos batimentos cardíacos diminuída.

Disfunção do nó sinusal, doença do nó sinusal

Nó atrioventricular

Tempo de condução aumentado

Bloqueio tipo II, BAVT

Valvas

Esclerose, calcificação.

Estenose, regurgitação.

Ventrículo

Tensão de parede ventricular esquerda aumentada, contração miocárdica prolongada, taxa de enchimento diastólico precoce prolongada, débito cardíaco máximo diminuído, bloqueio de ramo direito, complexos ventriculares prematuros.

Hipertrofia ventricular esquerda, insuficiência cardíaca (com ou sem função sistólica preservada), taquicardia ventricular, fibrilação ventricular.

 

TRATAMENTO DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES E SUAS PARTICULARIDADES EM IDOSOS

Arritmias

Em idosos, o traçado eletrocardiográfico é de fundamental importância como método complementar para a avaliação cardiovascular. Entretanto, algumas particuliaridades devem ser consideradas para sua realização e interpretação eficazes. Fatores associados, como déficits cognitivos e parkinsonismo, demandam implicações técnicas específicas e muita paciência na execução do exame. Diferentemente do adulto jovem, muitas drogas podem alterar significativamente o traçado eletrocardiográfico do indivíduo idoso.

Idosos saudáveis podem apresentar traçados eletrocardiográficos compatíveis com a normalidade, mas a grande maioria apresenta alterações detectáveis relacionadas ao próprio processo de presbicárdia ou relacionadas a processos patológicos subjacentes.

Alterações relacionadas ao processo senil dos tecidos de condução elétrica também podem resultar em alterações detectáveis eletrocardiograficamente. Dentre tais alterações, citam-se como mais comuns:

 

      bradiarritmias e atrasos na condução atrioventricular (bloqueios atrioventriculares) parciais ou totais;

      hipertrofia ou sobrecarga ventricular esquerda;

      alterações de segmento ST e onda T;

      fibrilação atrial;

      extrassístoles supra e/ou ventriculares.

 

O achado isolado de distúrbios de condução e arritmias em idosos não significa necessariamente presença de doença de base concomitante.

A seguir, são feitas algumas considerações sobre as particuliaridades das assim chamadas arritmias nos pacientes idosos.

 

Arritmias Supraventriculares

Toda a gama de arritmias supraventriculares pode sem encontrada em indivíduos idosos e sua frequência aumenta progressivamente com a idade. Estima-se que até 33% dos indivíduos com mais de 75 anos de idade apresentem alguma forma de arritmia supraventricular. A frequência e a complexidade das arritmias supraventriculares nos idosos parecem estar relacionadas ao tamanho do átrio esquerdo e às alterações estruturais miocárdicas relacionadas ao envelhecimento cardíaco.

 

1.    Extrassístoles supraventriculares

É necessário eliminar alguns fatores desencadeantes de extrassístoles, como o uso excessivo de cafeína, o tabagismo, o etilismo, uso de drogas como os inibidores de apetite de ação central e o hipertireoidismo. A presença de extrassístoles supraventriculares em idosos é bastante comum, geralmente benigna e costuma manifestar-se no repouso, desaparecendo durante o exercício físico.

Não está indicado o tratamento de extrassístoles supraventriculares que não apresentam manifestações clínicas. Na presença de sintomas, a abordagem terapêutica deve ser individualizada, podendo-se optar por antiarrítmicos da classe II ou III, devendo-se evitar o uso dos da classe I.

 

2.    Taquicardia supraventricular

A cardioversão elétrica é o tratamento de escolha para os episódios com repercussão hemodinâmica, hipotensão sintomática, insuficiência cardíaca ou angina persistente. Manobras vagais e uso de betabloqueadores também podem ser considerados caso o paciente não apresente contraindicações. Os antiarrítmicos das classes I, II e III podem ser utilizados com cautela, por seu efeito pró-arrítmico.

 

Arritmias Ventriculares

Com a idade, o tratamento das arritmias ventriculares torna-se complexo e com maus resultados. Extrassístoles ventriculares são de alta incidência e suas complicações costumam ser diretamente proporcionais à idade e à associação com patologia cardíaca subjacente.

O tratamento visa ao alívio dos sintomas e à prevenção da degeneração do ritmo cardíaco e morte súbita.

Comorbidades associadas que podem gerar sintomas durante os episódios de arritmias devem ser abordadas com terapêutica específica, assim como a insuficiência cardíaca e os distúrbios eletrolíticos. O risco-benefício da terapêutica medicamentosa deve sempre ser considerado em pacientes idosos.

 

1.    Extrassístoles ventriculares

Na ausência de sintomas, as extrassístoles isoladas, monomórficas ou não, frequentes ou não, sem associação com cardiopatia de base não devem ser tratadas. Se sintomáticas, mas sem cardiopatia associada, os betabloqueadores são a melhor opção. Já se houver associação com cardiopatia, pode-se escolher entre os betabloqueadores e a amiodarona, sendo contraindicados os antiarrítmicos da classe I.

 

2.    Taquicardia ventricular sustentada monomórfica

Se houver repercussão hemodinâmica, está indicada a cardioversão elétrica. Na ausência de repercussão hemodinâmica, procainamida ou amiodarona são as drogas mais indicadas. A amiodarona também está indicada profilaticamente para evitar a recorrência dos episódios.

 

Técnicas Invasivas

Implante de marca-passo, ablação por meio de radiofrequência e laser, ultrassom, micro-ondas e crioterapia são técnicas que têm evoluído muito em segurança e atualmente constituem terapêutica de primeira escolha em muitas circunstâncias entre idosos.

No Brasil, há muitos centros de referência para realização desses procedimentos, com baixo índice de complicações.

 

Fibrilação Atrial

A prevalência de fibrilação atrial aumenta progressivamente com a idade. Estima-se que cerca de 4% da população acima de 50 anos de idade e 9% acima de 80 anos apresentem evidências eletrocardiográficas de fibrilação atrial. Nos Estados Unidos, representa aproximadamente 34% das hospitalizações relacionadas a arritmias, estando relacionada a alta incidência de redução da função ventricular, intolerância ao exercício e prejuízo da qualidade de vida.

Como fatores de risco para o desenvolvimento da fibrilação atrial, podem-se citar a idade, o diabetes melito, a hipertensão arterial e as valvopatias. Com o envelhecimento da população, a prevalência de fibrilação atrial tende a aumentar proporcionalmente, assim como as cardiopatias estruturais, tornando-se um grande desafio ao médico assistente.

O risco de fenômenos embólicos em pacientes portadores dessa arritmia aumenta de 1,5% aos 50 anos de idade para 23% aos 80 anos. Tais fenômenos estão frequentemente relacionados a incapacidade física, déficits cognitivos, lesões neurológicas graves e morte. O aumento do risco de embolia em pacientes portadores de fibrilação atrial relaciona-se também a história de hipertensão arterial, insuficiência cardíaca recente, tromboembolismo prévio, tamanho do átrio esquerdo e disfunção ventricular. Com a anticoagulação nos pacientes idosos, aumenta também o risco de hemorragias, particularmente a intracraniana nos pacientes com mais de 75 anos de idade, em hipertensos e nos pacientes anticoagulados por período prolongado.

A etiologia da fibrilação atrial está relacionada a patologia cardíaca ou extracardíaca precipitante; dentre elas, podem ser citadas: miocardiopatia hipertensiva especialmente quando acompanhada de hipertrofia ventricular, coronariopatia, disfunção ventricular esquerda, cardiopatia hipertrófica, estenose aórtica, insuficiência mitral, patologias do sistema de condução, miocardite, pericardite, hipertireoidismo, distúrbios hidroeletrolíticos, anemia, infecção, tromboembolismo pulmonar, patologias pulmonares crônicas, apneia do sono, cirurgias e intoxicações. Em idosos, é necessária uma avaliação detalhada para tentar identificar causas de fibrilação atrial relacionadas às frequentes manifestações atípicas de algumas patologias nesses pacientes.

A fibrilação atrial classifica-se em:

 

      inicial ou novo diagnóstico: refereente à primeira vez em que é feito o diagnóstico ou ao diagnóstico de novos episódios;

      paroxística: episódios que terminam espontaneamente, sem ação de fármacos ou necessidade de cardioversão elétrica. Geralmente duram menos de 24 horas, por menos de 7 dias, podendo ou não apresentar recorrências;

      persistente: episódios que não se interrompem sem cardioversão elétrica ou com fármacos. Normalmente são episódios que duram mais de 7 dias e também podem ou não recorrer. Está incluída nesta categoria a fibrilação atrial com duração superior a 1 ano, chamada de FA persistente de longa duração;

      permanente: fibrilação atrial em que as tentativas de reversão falharam ou na qual se fez a opção por não tentar a reversão.

 

Essas formas são independentes, mas os pacientes podem sofrer migração de uma forma para outra.

As manifestações clínicas são multivariadas, desde casos totalmente assintomáticos até quadros de comprometimento hemodinâmico grave. Geralmente manifestações mais intensas são relacionadas à coexistência de patologias cardiovasculares com alterações diastólicas que exigem maior dependência da contração atrial.

Os sintomas relacionam-se muitas vezes com a elevação da frequência cardíaca, resultando em sensação de palpitação nos pacientes idosos.

 

Tratamento

O tratamento deve ser individualizado e visa à prevenção do tromboembolismo, ao controle da frequência cardíaca e à prevenção das recorrências.

Em pacientes com FA inicial ou em pacientes que apresentem instabilidade hemodinâmica, a terapêutica deve ter como alvo a restauração e a manutenção do ritmo sinusal. Cerca de 50% destes pacientes podem retomar o ritmo sinusal espontaneamente em até 48 horas e o sucesso da cardioversão depende do tempo de instalação da FA. Em pacientes idosos, por causa do impacto dos sintomas sobre a qualidade de vida, há maior interesse em se recuperar o ritmo sinusal.

A cardioversão pode ser elétrica ou farmacológica. Em pacientes com instabilidade hemodinâmica ou que apresentem pré-excitação ventricular, a cardioversão elétrica é o método de escolha. Pelo efeito pró-arrítmico das medicações, recomenda-se a hospitalização e monitoração cardíaca, especialmente nos pacientes com comprometimento da função ventricular. Com o objetivo de melhorar a sintomatologia, prevenir a taquicardiomiopatia e evitar efeitos pró-arrítmicos, deve-se controlar a frequência ventricular. Como alvo principal, recomenda-se uma frequência ventricular de 60 a 80 bpm em repouso e 90 a 115 bpm no exercício.

Quando a aplicação da terapêutica farmacológica é ineficaz ou interrompida por causa dos efeitos colaterais das drogas, pode-se tentar a ablação da junção atrioventricular por cateter, cuja desvantagem é a necessidade de implante de marca-passo permanente.

As principais drogas antiarrítmicas utilizadas para a cardioversão farmacológica da fibrilação atrial e de outras arritmias, assim como seus principais efeitos colaterais em idosos, são citadas na Tabela 2.

 

Tabela 2: Drogas antiarrítmicas

Classes

Indicações

Cuidados em idosos

I-A

Quinidina

Flutter atrial, fibrilação atrial, TV monomórfica e sustentada, taquicardia nodal.

Hipotensão, tinitus, vertigens, distúrbios visuais e síncope. Aumenta a concentração plasmática da digoxina. Pode precipitar BAV total e torsade de pointes.

Procainamida

Fibrilação atrial, taquicardia supraventricular paroxística, taquicardia ventricular.

Pode precipitar alargamento do QRS e BAV total. Hipotensão.

Disopiramida

Taquicardia ventricular, extrassístoles ventriculares.

Retenção urinária, síncope.

I-B

Lidocaína

Taquicardia ventricular

Sonolência, hipotensão.

Mexiletina

Taquicardia ventricular

Tonturas, leucopenia.

Fenitoína

Arritmia atrial e ventricular por intoxicação digitálica, anestesia geral e cirurgia cardíaca.

Confusão mental, discinesias, aplasia medular.

I-C

Flecainida

Taquicardia ventricular, fibrilação atrial, flutter atrial.

Bradicardia, leucopenia.

Propafenona

Taquicardia ventricular, extrassístoles ventriculares.

Hipotensão, sonolência, bradicardia, broncoespasmo, cãibras.

II – Betabloqueadores

Propranolol, atenolol e metoprolol

Taquicardia reentrante sinusal, taquicardia sinusal, taquicardia atrial multifocal.

Depressão mental, bradicardia, broncoespasmo, tonturas, confusão mental.

III – Bloqueadores de canais de potássio

Amiodarona

Fibrilação atrial, flutter atrial, taquicardia funcional, taquicardia ventricular.

Bradicardia, tremores, ataxia, neurotoxicidade, hipo ou hipertireoidismo.

Sotalol

Taquicardia ventricular, fibrilação atrial, taquicardia atrial.

Dispneia, tonturas, bradicardia, hipotensão.

IV – Bloqueadores de canais de cálcio

Diltiazem

Controle de resposta ventricular em FA e flutter, taquicardia atrial, taquicardia ventricular.

Tonturas, hipotensão.

Verapamil

Taquicardia por reentrada nodal AV

Edema, bradicardia, hipotensão.

 

Deve-se realizar a terapia anticoagulante 3 semanas antes da cardioversão elétrica ou farmacológica em todos os pacientes com FA com mais de 48 horas de início; essa terapia deve ser mantida por 4 semanas após o procedimento. Nos casos em que se dispõe de ecocardiograma transesofágico evidenciando ausência de trombo atrial, pode-se realizar a cardioversão precoce com heparinização seguida de anticoagulação oral por 4 semanas após o procedimento. A anticoagulação visa ao RNI entre 2 e 3, o que é obtido com doses médias de 4 mg/semana de warfarina.

Em idosos, os anticoagulantes orais devem ser iniciados em doses baixas, em razão das alterações de farmacocinética nessa faixa etária.

 

Hipertensão Arterial em Idosos

Com o avanço da idade, ocorre um aumento significativo na prevalência da hipertensão arterial sistêmica (HAS), transformando esse diagnóstico em um dos principais fatores de risco cardiovascular dessa população. Estima-se uma prevalência de hipertensão, definida como pressão arterial sistólica = 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica = 90 mmHg, de 60% entre brancos e 71% entre negros com mais de 60 anos de idade, e que mais de 50% desses pacientes não recebem tratamento adequado.

A associação da HAS e outras patologias cardiovasculares relacionadas ao envelhecimento contribui ainda mais para o aumento do risco de complicações, exigindo medidas adequadas para prevenção, diagnóstico precoce, controle e prevenção de lesões em órgãos-alvo.

Muitos estudos epidemiológicos relacionam direta ou indiretamente a HAS com outras patologias, como o acidente vascular encefálico, a doença coronariana, a insuficiência cardíaca congestiva e a insuficiência renal crônica. Evidências sugerem que o tratamento da hipertensão no idoso reduz a incidência de déficit cognitivo e demência. No estudo de Framingham, o risco de desenvolvimento de insuficiência cardíaca foi de 2 a 4 vezes maior em indivíduos hipertensos que nos normotensos.

A perda de distensibilidade e elasticidade dos vasos de grande capacitância explicam o aumento progressivo da pressão sistólica observado em indivíduos idosos. A pressão diastólica tende a permanecer em valores normais ou até mesmo baixos.

Na medida da pressão arterial do idoso, existem 3 aspectos importantes:

 

      maior frequência de hiato auscultatório, que consiste no desaparecimento dos sons na ausculta durante a deflação do manguito, geralmente entre o final da fase I e o início da fase II dos sons de Korotkoff. Tal achado pode subestimar a verdadeira pressão sistólica ou superestimar a pressão diastólica;

      pseudo-hipertensão, caracterizada por nível de pressão arterial superestimado em decorrência do enrijecimento da parede da artéria. Pode ser detectada pela manobra de Osler, que consiste na inflação do manguito no braço até o desaparecimento do pulso radial. Se a artéria for palpável após esse procedimento, sugerindo enrijecimento, o paciente é considerado Osler positivo;

      hipertensão do avental branco também é mais frequente no idoso.

 

A posição em decúbito dorsal é a mais apropriada. Deve-se obter idealmente 2 a 3 medidas com intervalo de 5 minutos entre elas, e a medida deve ser repetida em todas as consultas.

A obtenção da pressão arterial em mais de uma posição pode auxiliar no diagnóstico de hipotensão postural, que é a queda de 20 mmHg na pressão sistólica e/ou 10 mmHg na pressão diastólica.

A hipertensão arterial secundária em idosos não é frequente, mas causas endócrinas, especialmente as relacionadas com a suprarrenal, como o feocromocitoma, ou com a secreção de aldosterona e de glicocorticoides, devem ser consideradas. A estenose uni ou bilateral de artérias renais pode ser causa de hipertensão arterial secundária em idosos.

 

Tratamento

A decisão de se iniciar o tratamento anti-hipertensivo em pacientes idosos deve levar em consideração não somente os níveis pressóricos, mas também a presença de outros fatores de risco cardiovascular e a presença ou não de lesões em órgãos-alvo. A idade acima de 60 anos, sem distinção entre os sexos, por si só já é considerada um fator de risco. Outros fatores de risco que devem ser considerados são: tabagismo, diabetes, dislipidemia e história familiar de doença cardiovascular.

Como lesões em órgãos-alvo, consideram-se hipertrofia ventricular esquerda, angina ou infarto do miocárdio prévio, revascularização miocárdica prévia, insuficiência cardíaca, nefropatia, doença vascular arterial periférica, episódio isquêmico ou acidente vascular encefálico e retinopatia hipertensiva.

As medidas dietéticas com a redução na ingesta de sal e as mudanças de hábitos de vida devem sempre ser estimuladas em qualquer faixa etária. Tais medidas, em alguns indivíduos, podem ser a única estratégia terapêutica com bons resultados.

As indicações medicamentosas são as mesmas dos indivíduos adultos jovens, cabendo ressaltar a necessidade de titulação cuidadosa de doses para se evitar eventos hipotensivos com consequências graves, como quedas. Atenção especial deve ser dispensada à utilização de múltiplas medicações, potencializando o risco de interações medicamentosas em indivíduos idosos. Os pacientes devem receber orientações quanto aos efeitos colaterais e interações medicamentosas dos anti-hipertensivos. Também é preciso dar atenção à utilização de medicações ou alimentos potencialmente hipertensores, destacando-se anti-inflamatórios não esteroidais, anti-histamínicos e descongestionantes, antidepressivos tricíclicos, corticoides, hormônios tireoidianos, antiácidos ricos em sódio e cafeína.

Uma abordagem multiprofissional e a participação ativa da família aumentam as taxas de adesão e eficácia do tratamento. O alvo terapêutico deve ser atingido de forma gradual, observando-se a resposta individual e a manutenção da qualidade de vida.

Mesmo em idades avançadas, o tratamento da hipertensão arterial sistólica isolada deve ser considerado necessário. Todas as classes de medicamentos anti-hipertensivos, com exceção dos vasodilatadores diretos, podem ser consideradas como terapia inicial em monoterapia ou associados em pacientes idosos. Os percentuais de controle de pressão arterial são muito baixos, apesar das evidências de que o tratamento anti-hipertensivo é eficaz em diminuir a morbidade e a mortalidade cardiovasculares, em razão da baixa adesão ao tratamento. Faz-se necessária uma abordagem eficiente do paciente hipertenso, especialmente do idoso, com estratégias de educação em saúde para que os índices de adesão ao tratamento melhorem. A sensibilização do profissional de saúde quanto à importância do tratamento adequado do idoso hipertenso é importante para que se inclua a hipertensão arterial entre os processos patológicos do envelhecimento, e não que seja considerado apenas como um processo natural, muitas vezes negligenciado pela equipe de saúde.

 

Doença Arterial Coronariana

DAC Crônica

Tanto a prevalência quanto a gravidade de doença arterial coronariana (DAC) aterosclerótica aumentam com a idade. Após os 60 anos, há aumento de DAC em tronco de coronária esquerda e triarterial. O risco de desenvolver DAC sintomática durante a vida é estimado em 1:3 para homens e 1:4 para mulheres, com o surgimento dos sintomas 10 anos antes nos homens em relação às mulheres. Aos 80 anos de idade, a frequência de doença arterial coronariana sintomática se equipara em ambos os sexos, sendo de cerca de 20 a 30%.

 

1.    Diagnóstico

Nos idosos, há maior probabilidade de isquemia silenciosa e de sintomas atípicos em relação aos mais jovens. Os sintomas isquêmicos no idoso podem ser dispneia, dor nas costas ou no ombro, fraqueza, fadiga ou desconforto epigástrico. Por sua maior restrição física e alta incidência de diabete melito, podem apresentar sintomas isquêmicos pouco associados ao esforço, podendo apresentá-los em repouso ou associados ao estresse emocional. Alterações no sensório podem limitar a precisão da história clínica.

A ausência de sintomas durante evidência de isquemia miocárdica em eletrocardiografia, caracterizando episódios de isquemia silenciosa, foi relatada em 20 a 50% de pacientes com 65 anos ou mais.

A eletrocardiografia de esforço em idosos apresenta menor especificidade para insuficiência coronariana em razão da maior frequência de anormalidades no segmento ST-T em repouso. Além disso, muitos idosos são incapazes de se exercitar sobre a esteira, o que dificulta sua indicação para esse grupo de pacientes. Estima-se sensibilidade de 84% e especificidade de 70% para detecção de insuficiência coronariana em pacientes acima de 75 anos pelo teste ergométrico.

Outros métodos que utilizam estresse farmacológico, como a cintilografia miocárdica com tálio antes e após uso de adenosina ou dipiridamol e o ecocardiograma sob estresse com dobutamina, podem ser utilizados para investigação diagnóstica ou avaliação prognóstica em pacientes impossibilitados de se exercitar sobre a esteira.

A incidência elevada de calcificação coronariana sem obstrução significativa ao fluxo é um fator que pode atrapalhar a interpretação da angiotomografia coronariana em idosos.

 

2.    Tratamento

Os objetivos do tratamento dos pacientes idosos com DAC crônica não diferem dos pacientes mais jovens. Tais objetivos, em última análise, são melhorar a sobrevida (preservando a função ventricular esquerda), reduzir riscos (diminuindo a chance de IAM e outros eventos) e aliviar sintomas anginosos.

Não há restrição de idade para o tratamento da doença arterial coronariana, a menos que a expectativa de vida seja inferior a 2 anos. Contudo, procedimentos invasivos devem ser avaliados com cautela, devendo-se pesar os riscos e os benefícios das intervenções, como a angioplastia percutânea e, sobretudo, a cirurgia de revascularização do miocárdio.

Em relação ao tratamento clínico da doença arterial coronariana, há poucos estudos que incluem pacientes com mais de 75 anos. Um desses estudos foi o Heart Protection Study, que observou os efeitos da sinvastatina em pacientes com doença arterial coronariana de 40 a 80 anos de idade. Demonstrou mortalidade total reduzida em vários subgrupos de pacientes, inclusive naqueles com mais de 75 anos de idade. Em relação a estudos de prevenção primária, não há dados publicados sobre essa população.

Há maior frequencia de efeitos colaterais com o uso de medicamentos para o tratamento de idosos com DAC. A idade aumenta a incidência de miopatia induzida por estatina e esta pode ser de difícil reconhecimento nos idosos. Deve-se usar a menor dose eficaz de estatina, e sinais e sintomas devem ser monitorados, devendo haver baixo limiar para coleta de testes laboratoriais.

Alguns nitratos podem provocar hipotensão postural em idosos, sendo preferidos os mononitratos ou aqueles de formulação transdérmica. Os betabloqueadores não aumentam a incidência de depressão em estudos randomizados, porém sabe-se que os não lipofílicos (atenolol, nadolol) podem produzir menos efeitos no sistema nervoso central. Bloqueadores de canais de cálcio, especialmente os di-hidropiridínicos, podem causar edema de membros inferiores com maior frequência nos idosos. Formulações de ação curta devem ser evitadas, pois podem causar hipotensão postural. O verapamil pode exacerbar a constipação. Betabloqueadores e bloqueadores de canais de cálcio devem ser evitados em pacientes com doença do nó sinusal.

As formas de tratamento de revascularização miocárdica, tanto cirúrgica quanto percutânea, têm sido realizadas com frequência cada vez maior em pacientes idosos, sendo que atualmente metade dos pacientes submetidos a tais procedimentos têm mais de 65 anos. As indicações são as mesmas para os mais jovens: lesão grave de tronco de coronária esquerda, DAC triarterial principalmente se houver disfunção ventricular, biarteriais com DA envolvida + disfunção ventricular ou ICo demonstrada por teste não invasivo, teste não invasivo de alto risco (p.ex., extensa área de miocárdio isquêmico), sobreviventes de PCR ou TVS ou insucesso no tratamento clínico.

Apesar de presentes em número limitado de estudos, esse grupo de pacientes tem apresentado bons resultados com tais estratégias. O estudo BARI (Bypass Angioplasty Revascularization Investigation) é um dos maiores registros envolvendo pacientes com mais de 75 anos de idade. Pacientes com 65 a 80 anos com doença arterial coronariana multiarterial foram randomizados para revascularização miocárdica cirúrgica (RM) ou angioplastia percutânea (ATC). Pacientes submetidos à RM apresentaram morbimortalidade maior e mais precoce e AVC, porém apresentaram maior alívio de angina e menor reintervenções. Contudo, após período de 5 anos, apresentaram taxa de sobrevida semelhante ao grupo ATC (86% para RM vs. 81,4% para ATC). Precocemente, o grupo ATC apresentou mais insuficiência cardíaca e edema pulmonar.

Dados de registro sugerem mortalidade intra-hospitalar para ATC menor que 1% em pacientes com menos de 60 anos, aumentando para 4% naqueles acima de 75 anos. Em relação à RM, a mortalidade intra-hospitalar é de menos de 2% em pacientes com menos de 60 anos e entre 6 e 8% nos pacientes com mais de 75 anos. Acima de 80 anos de idade, a mortalidade intra-hospitalar é de quase 10%. Mulheres com mais idade são o subgrupo de maior risco.

Complicações não fatais também são mais frequentes após procedimentos em idosos. AVC ocorre em pouco menos de 1% após ATC e em 3 a 6% após RM em pacientes acima de 75 anos. Além disso, são mais frequentes nos idosos: ventilação mecânica mais prolongada, maior necessidade de suporte inotrópico e balão intra-aórtico, maior incidência de sangramentos, delirium, insuficiência renal, infarto perioperatório e infecções. Além disso, a duração da incapacidade e a reabilitação são mais prolongadas nesses pacientes.

O estudo TIME (Trial of Invasive versus Medical Therapy in Elderly Patients) comparou tratamento invasivo (ATC ou RM) com terapia clínica otimizada em pacientes com doença arterial coronariana com mais de 75 anos de idade apresentando angina refratária à terapia padrão. Embora tenha mostrado uma vantagem para RM em 6 meses, a vantagem não estava mais presente após 1 ano. A RM apresentou maior risco precoce de morte e complicações, enquanto que a terapia clínica demonstrou maior chance de eventos posteriores (hospitalização e revascularização), sem uma vantagem entre as duas estratégias.

Tendo em vista procedimentos de revascularização do miocárdio, a idade por si só não deve ser utilizada como critério isolado para a escolha da opção de tratamento. Fatores clínicos e status funcional também devem ser levados em consideração, assim como o desejo do paciente e as expectativas da família.

 

Síndromes Coronarianas Agudas

Cerca de 60% dos pacientes admitidos em um hospital por IAM apresentam mais de 65 anos de idade. Com o aumento da idade, a proporção entre homens e mulheres se equipara entre as idades de 75 a 84 anos, e, acima desta idade, há maior prevalência de mulheres com síndromes coronarianas agudas.

Após os 65 anos de idade, há maior incidência de pacientes com limitações funcionais, insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana prévia e insuficiência renal. Após os 85 anos, há menor proporção de pacientes que se apresentam com dor torácica ou elevação do segmento ST nas primeiras horas dos sintomas.

A mortalidade é 3 vezes maior em pacientes com mais de 85 anos de idade em relação a pacientes com menos de 65 anos. Dor ou desconforto torácico são os sintomas mais frequentes, porém pacientes idosos podem apresentar outras queixas decorrentes de isquemia coronariana aguda, como dispneia, edema pulmonar, mal-estar ou sintomas neurológicos como síncope, AVC ou confusão mental. A interpretação inicial do ECG também pode ser dificultada por alterações decorrentes de hipertrofia ventricular, alterações de condução intraventricular ou distúrbios do ritmo cardíaco.

Quanto ao tratamento das síndromes coronarianas agudas, há algumas particularidades nos idosos:

 

      há poucos estudos em pacientes com mais de 75 anos de idade;

      até 75 anos, há redução da mortalidade com a terapia fibrinolítica em síndromes coronarianas agudas com supradesnivelamento do segmento ST, como ocorre em pacientes mais jovens;

      acima de 75 anos, há maior risco de sangramentos, sendo o principal a hemorragia intracraniana. Também há maior risco de ruptura cardíaca;

      aspirina reduz a mortalidade em pacientes acima de 70 anos, porém é menos utilizada nesse grupo de pacientes;

      clopidogrel associado a aspirina reduz eventos em pacientes com menos e mais de 65 anos de idade; não há dados significativos em pacientes com mais de 75 anos;

      os inibidores de GP IIb/IIIa parecem eficazes em pacientes com mais de 70 anos de idade, embora possam aumentar o risco de sangramentos graves, sendo a hemorragia intracraniana o local mais comum;

      pacientes idosos com síndrome coronariana aguda com supradesnivelamento de ST beneficiam-se de angioplastia primária quando comparados ao tratamento fibrinolítico, apesar de haver maior sangramento em local de acesso vascular e maior incidência de insuficiência renal associada ao contraste;

      betabloqueadores são indicados no tratamento de pacientes idosos com síndromes coronarianas agudas, mas deve-se atentar para o fato de que os idosos apresentam maior risco de choque cardiogênico, devendo-se, portanto, ter cautela na introdução e na titulação da dose em pacientes com mais de 75 anos. Após alta, utilizar doses apropriadas e de acordo com a tolerabilidade do paciente, evitando internações por insuficiência cardíaca e má adesão;

      os IECA devem ser introduzidos nas primeiras 24 horas após infarto agudo do miocárdio (IAM), especialmente em pacientes com disfunção ventricular esquerda ou IAM de parede anterior. São recomendados após 24 horas para todos os outros pacientes com IAM, porém são indicadas doses iniciais menores e titulação mais lenta, com monitoração atenta da função renal;

      terapia de reposição hormonal com formulações combinadas de estrogênio com progesterona ou estrogênio isolado não apresentam benefício na morbimortalidade cardiovascular.

 

Acidente Vascular Cerebral e Doença Arterial Carotídea

O acidente vascular cerebral (AVC) é a principal causa de morte e incapacidade no Brasil, segundo dados epidemiológicos de 2002. Sua incidência aumenta com a idade. Dados do estudo de Framingham estimam probabilidade de AVC em 10 anos de 11% em homens e 7% em mulheres na idade de 65 anos. Aos 80 anos, a probabilidade aumenta para 22 e 24% para homens e mulheres em 10 anos.

Cerca de 80% dos AVCs são de origem isquêmica. Nesses casos, os principais mecanismos fisiopatológicos são a trombose de grandes artérias, a trombose de pequenas artérias e a embolia de origem cardíaca.

A principal causa de trombose é a aterosclerose, que pode envolver tanto os vasos intra quanto extracranianos, porém afeta com maior frequência o bulbo carotídeo, a artéria carótida em sua porção intracraniana (nível do sifão carotídeo), a origem das artérias vertebrais e a transição das vertebrais com a artéria basilar. A estenose carotídea é responsável por cerca de 25% dos AVC.

Diagnóstico de estenose significativa é realizado quando há comprometimento maior que 70 a 80% do lúmen, identificado por ultrassonografia associada ao Doppler, angiorressonância ou angiotomografia carotídea. Sopros podem estar presentes ou não, e a doença de carótida pode ser assintomática.

Os tratamentos primário e secundário envolvem o controle dos fatores de risco modificáveis relacionados ao processo de aterosclerose, como controle da hipertensão, redução dos níveis lipídicos, controle do diabetes melito, abstinência ao tabagismo, prática de atividades físicas aeróbicas e redução da obesidade.

A terapia antiplaquetária com AAS ou clopidogrel também está indicada, especialmente em pacientes de alto risco, como aqueles com ataque isquêmico transitório, AVC prévio ou estenose carotídea grave. As estatinas, independentemente dos níveis de colesterol, também devem ser utilizadas visando à estabilização da placa aterosclerótica. Nos pacientes dislipidêmicos, a meta de LDL-colesterol deve ser inferior a 100, de preferência inferior a 70.

Para os pacientes sintomáticos e com estenoses maiores que 70%, intervenções como a endarterectomia carotídea ou a angioplastia percutânea com stent também estão indicadas, pelo risco aumentado de recorrência de sintomas mesmo em vigência de tratamento clínico. Em casos de isquemia do sistema vertebrobasilar, com estenose acima de 70% da artéria vertebral, pode-se tentar a angioplastia dessa artéria com implante de stent.

Pacientes com cardiopatias associadas a AVC devem ser considerados para o início de terapia anticoagulante.

 

Insuficiência Cardíaca

Epidemiologia

A prevalência e a incidência de insuficiência cardíaca (IC) na população acima de 65 anos de idade vêm aumentando. Estima-se que, em pacientes acima de 80 anos, a incidência possa chegar a 42 casos/1.000 idosos/ano. É mais comum em homens do que em mulheres, porém, pela maior longevidade delas, a descompensação é mais comum no sexo feminino e, menos frequentemente, têm etiologia isquêmica.

A variável idade é fator independente de pior prognóstico na insuficiência cardíaca, assim como a disfunção ventricular. Os pacientes com comprometimento sistólico têm pior prognóstico quando comparados com os portadores de disfunção diastólica (DD).

 

Alteração da Função Ventricular Relacionada com a Idade

Os pacientes tendem a apresentar sinais e sintomas de insuficiência cardíaca com cavidade ventricular normal e sem disfunção esquerda. Existe disfunção diastólica em até 80% dos casos, na qual a cavidade ventricular não tem é capaz de acomodar grandes volumes e a pressão diastólica ventricular se eleva rapidamente, culminando na síndrome clínica.

Os miócitos dos pacientes com disfunção diastólica apresentam maior densidade de miofibrilas, maior sensibilidade ao cálcio e maiores diâmetros.

 

Diagnóstico

Os pacientes idosos, quando comparados com pacientes mais jovens, apresentam maior frequência de sedentarismo e, por isso, demoram a apresentar sintomas de insuficiência cardíaca.

Dispneia, fadiga e intolerância ao exercício são as manifestações mais comuns. Entretanto, não se deve esquecer dos diagnósticos diferenciais, que são:

 

      anemia;

      hipotireoidismo;

      depressão;

      tromboembolismo pulmonar;

      doenças pulmonares.

 

Vale lembrar também que alguns sintomas são altamente sugestivos de insuficiência cardíaca, como dispneia paroxística noturna. O edema de membros inferiores pode decorrer de causas secundárias, como insuficiência venosa periférica, e é frequente em pacientes acamados. Turgência jugular e ritmos de galope com B3 (IC sistólica) e B4 (IC diastólica) podem estar presentes.

Nos pacientes com insuficiência cardíaca, o aparecimento de fibrilação atrial pode levar à descompensação, pois a perda da contração atrial diminui o enchimento ventricular e o débito cardíaco. A fibrilação atrial é muito frequente na população idosa e com IC diastólica.

Radiografia de tórax demonstra cardiomegalia na IC sistólica e coração de tamanho normal nos pacientes com IC e fração de ejeção normal. Na fase de descompensação, observa-se cefalização da trama vascular, derrame pleural e linhas de Kerley.

O uso de BNP tipo B e pro-BNP pode auxiliar no diagnóstico desses pacientes, sobretudo naqueles que se apresentam em investigação de quadro com dispneia. É importante frisar que idade avançada, sexo feminino e disfunção renal estão associados, independentemente com elevação do BNP.

 

Tratamento

1.    IC sistólica

Tratamento não farmacológico

Restrição de sódio, atividade física moderada e cessação de tabagismo.

 

Tratamento farmacológico

O tratamento medicamentoso pode ser dvidido didaticamente em dois: as medicações de alívio de sintomas e as medicações que alteram a sobrevida do paciente. Em relação aos idosos, existe uma importante limitação; a média de idade dos pacientes incluídos nos estudos está em entre 60 e 70 anos, com uma minoria de octagenários.

Para alívio dos sintomas, o principal grupo de medicações são os diuréticos (Tabela 3), que podem causar distúrbio hidroeletroliticos, predispor a cálculos de cálcio, dislipidemia e levar a hipotensão ortostática, causa comum de queda em idoso. A dose de diurético deve ser a mínima necessária para manter uma classe funcional ótima, mesmo que isso resulte em discreta piora da função (níveis não dialiticos são tolerados – Cr < 2).

Os diuréticos de alça são comumente utilizados na fase inicial. Em pacientes com classe funcional avançada e necessidades crescentes de diuréticos, opta-se pela associação dessas medicações (diuréticos de alça + tiazídico), em razão da resistência diurética. A digoxina é outra medicação utilizada para controle de sintomas. Seu uso é limitado pelas bradiarritimias e pela intoxicação que ocorre principalmente em pacientes com disfunção renal. A dose recomendada é meio comprimido/dia, entretanto, recomenda-se a monitoração da dose sérica. Níveis entre 0,5 e 0,9 ng/mL demonstraram um possível benefício na mortalidade na subanálise do estudo DIG.

 

Tabela 3: Diuréticos utilizados no tratamento da insuficiência cardíaca

Medicamento

Dose inicial

Dose máxima

Diuréticos de alça

 

 

Furosemida

20 mg

240 mg

Bumetanida

0,5 a 2 mg

10 mg

Tiazídicos

 

 

Hidroclorotiazida

25 mg

100 mg

Metolazona

2,5 mg

10 mg

Indapamida

2,5 mg

5 mg

Poupadores de potássio

 

 

Espironolactona

25 mg

50 mg

Amilorida

2,5 mg

20 mg

Triantereno

25 mg

100 mg

 

As medicações que alteram a mortalidade são inibidores da ECA (iECA), antagonistas da aldosterona, inibidores do receptor AT1 da angiotensina II, betabloqueadores e a associação de hidralazina e monocordil (Tabela 4). Essas medicações devem estar sempre na dose máxima tolerada pelo paciente sem que apareçam os efeitos colaterais da medicação. Para atingir essa dose máxima, a cada retorno ambulatorial a dose deve ser aumentada progressivamente, em especial os betabloqueadores.

Os iECA estão indicados na fase inicial da doença, têm efeitos pré e pós-carga e no remodelamento miocárdico. As limitações para seu uso são insuficiência renal aguda, hipercalemia e alergia aos componentes do fármaco.

Os betabloqueadores são drogas que, da mesma forma, atuam no remodelamento miocárdico levando ao aumento da expressão dos receptores beta-adrenérgicos e melhorando a atividade contrátil a longo prazo. As medicações dessa classe aprovadas para o uso são bisoprolol, succinato de metoprolol e carvedilol. As contraindicações para seu uso são broncoespasmo, bloqueios atrioventriculares e choque cardiogênico. Na fase aguda de descompensação, o usuário crônico de betabloqueadores pode ter sua medicação suspensa ou reduzida em 50% da dose, a depender da gravidade na apresentação e a resposta a terapia instituída.

Os inibidores do receptor AT1 da angiotensina II (Tabela 4) têm sua principal indicação nos intolerantes a iECA (principalmente por tosse); sua vantagem é a facilidade na adesão medicamentosa, pois a maioria é administrada 1 vez/dia. Em algumas situações, como insuficiência renal crônica e IC sintomático em uso de medicações, pode ser usada a associação com iECA, apesar das poucas evidências. As contraindicações são as mesmas do uso de iECA.

Os antagonistas da aldosterona são medicações que alteram a morbimortalidade do paciente atuando no remodelamento cardíaco. Devem ser iniciados nos pacientes com classe III e IV. As contraindicações são insuficiência renal (Cr > 2,0 em mulheres e Cr > 2,5 em homens) e hipercalemia (K > 5,5).

A associação de hidralazina e monocordil atua na pré e na pós-carga, sendo sua principal indicação nos pacientes com insuficiência renal aguda.

 

Tabela 4: Medicamentos utilizados no tratamento da insuficiência cardíaca

Medicamento

Dose inicial/ lvo

Frequência de uso

I-ECA

 

 

Ramipril

2,5/10 mg

1 vez/dia

Captopril

6,25/50 mg

3 vezes/dia

Lisinopril

2,5 a 5/40 mg

1 vez/dia

Enalapril

2,5/20 mg

2 vezes/dia

Perindopril

2/16 mg

1 vez/dia

Betabloqueadores

 

 

Bisoprolol

1,25/10 mg

1 vez/dia

Nebivolol

1,25/10 mg

1 vez/dia

Succinato de metoprolol

12,5/200 mg

1 vez/dia

Carvedilol

3,125/50 mg

2 vezes/dia

BRA

 

 

Candesartam

4/32 mg

1 vez/dia

Losartam

25/100 mg

1 vez/dia

Valsartam

40/320 mg

2 vezes/dia

 

Outros tratamentos

O uso de dispositivos em pacientes idosos ainda é tema de discussão. Os grandes estudos envolvendo terapias de ressincronização e cardiodesfibriladores implantáveis (CDI) não conseguiram mostrar evidências suficientes para seu uso na população idosa acima de 75 anos. Como regra geral, o uso do marca-passo multissítio está indicado em pacientes com IC sistólica em uso de medicações em doses máximas toleráveis que possuam QRS acima de 150 mm, ou QRS entre 120 e 150 mm na presença de dissincronia intraventricular e interventricular em exames complementares.

O cardiodesfibrilador implantável está indicado em todos os pacientes com morte súbita abortada e bem documentada no âmbito da IC sistólica, excluindo-se causas justificáveis para o evento, entretanto, o paciente precisa ter uma sobrevida maior que 1 ano.

 

2.    IC diastólica

A terapia na IC diatólica é baseada em 4 pilares:

 

      controle da hipertensão sistólica e diastólica;

      controle da frequência cardíaca em pacientes com fibrilação atrial;

      controle da congestão pulmonar e do edema de membros inferiores;

      revascularização miocárdica em pacientes com isquemia.

 

Durante a terapia, é preciso estar atento para reduções na pré-carga, pois o paciente com IC diastólica tem baixa complacência ventricular e necessita de alta pré-carga para bons enchimento ventricular e débito cardíaco.

As medicações utilizadas são betabloqueadores, inibidores da angiotensina II, antagonistas da aldosterona, iECA, diuréticos e antagonistas de cálcio. Essas medicações não alteraram de forma significativa o desfecho clínico significativo em nenhum dos estudos (p.ex., CHARM-Preserved e I-PRESERVE); os benefícios foram encontrados apenas com desfechos ecocardiográficos.

 

Doenças Valvares

Fisiopatologia

O coração sofre alterações estruturais com a idade, incluindo a degeneração mixomatosa e a esclerose (deposição de colágeno). Esta predomina na valva aórtica e pode estar presente em 30% dos idosos, aumentando sua prevalência a partir dos 65 anos de idade. Além das alterações supracitadas, a calcificação valvar e de suas cúspides pode ajudar na progressão da doença e levar a estenoses valvares com gradientes importantes e causar limitação funcional nos pacientes idosos. A doença esclerótica valvar ocorre em paralelo com a doença aterosclerótica, e, por isso, os pacientes estão mais predispostos a síndromes coronarianas. Os fatores de risco para a doença e sua progressão são:

 

      hipertensão;

      dislipidemia;

      tabagismo;

      insuficiência renal crônica;

      valva bicúspide;

      diabetes melito;

      baixa estatura;

      sexo feminino.

 

Fibrose e calcificação são as causas mais de comum de estenose aórtica no idoso. As lesões regurgitativas são secundárias à miocardiopatia hipertensiva e ocorrem pós-evento isquêmico. No lado direito, doenças pulmonares e IC são responsáveis pelo acometimento das valvas pulmonares e tricúspide. No nosso país, não se pode esquecer da doença reumática, que certamente está entre as principais etiologias das lesões valvares.

As lesões valvares são fatores predisonentes para endocardite infecciosa e também podem levar à destruição do aparato valvar com lesões regurgitativas.

 

Doença Aórtica

Estenose Aórtica

As consequências fisiopatológicas da elevação da pós-carga incluem hipertrofia ventricular concêntrica em série, elevação da pressão diastólica ventricular e diminuição do débito cardíaco. O coração com essas alterações vai tentando, ao longo do tempo, se adaptar ao novo estado hemodinâmico. Os pacientes mais jovens têm maior capacidade adaptativa, porém, são mais ativos e, por isso, podem ser mais sintomáticos. Os idosos têm menor capacidade adaptativa, entretanto, são menos ativos e podem não apresentar sintomas, mesmo em lesões graves. Metades dos pacientes com estenose grave apresentam doença coronariana.

 

1.    Diagnóstico

O diagnóstico é dependente do exame físico, visto que a sintomatologia é tardia e só ocorre nos casos de doença avançada. Ao exame, o achado mais comum é o sopro sistólico em borda esternal alta direita com irradiação para o pescoço; já os sinais e sintomas que indicam a gravidade da lesão valvar são:

 

      sopro sistólico tardio;

      fenômeno de Gallavardin (simula insuficiência mitral);

      hipofonese de segunda bulha (componente aórtico);

      pulso parvus et tardus;

      pressão convergente com sinais de hipoperfusão.

 

Nenhum achado no exame físico pode predizer, de forma concreta, o aparecimento de sintomas, pois este depende da capacidade adaptativa ao novo estado hemodinâmico. Pela limitação funcional da população idosa, o aparecimento de sintomas pode ser muito tardio e esse é o principal responsável pela indicação cirúrgica.

O paciente pode evoluir com IC (mais comum), síncope e angina. Em alguns pacientes, a estenose aórtica é diagnosticada após episódio de hemorragia digestiva baixa por angiodisplasias colônicas. Essa associação é conhecida como síndrome de Heyde e, com correção da lesão valvar, há regressão do quadro intestinal.

Além das manifestações clínicas, os exames complementares também auxiliam no diagnóstico e podem ajudar no acompanhamento e no momento da decisão cirúrgica. O ecocardiograma fornece a velocidade do jato aórtico, o gradiente VE-Ao e calcula o tamanho da área valvar com análise de sua morfologia. Nos pacientes com disfunção ventricular, é possível usar inotrópicos ou vasodilatadores para estimar melhor o gradiente e a gravidade da estenose.

O cateterismo é pouco usado para diagnóstico, entretanto, os pacientes são submetidos de rotina para investigação de doença coronariana.

 

2.    Tratamento

O tratamento proposto na fase inicial é o controle dos fatores de risco que interferem na evolução da doença, porém, em um estudo randomizado duplo-cego, o uso de hipolipemiante não demonstrou alteração na progressão da estenose aórtica. Quando o paciente não apresenta comorbidades que justifiquem o uso de medicações, não existem evidências para uso de quaisquer fármacos na doença valvar. Em pacientes sintomáticos e com remodelamento ventricular excessivo, o racional para uso de inibidores de ECA e antagonistas de aldosterona ainda não foi comprovado em ensaios clínicos e, por isso, seu uso não é recomendado de rotina. Ao se medicar portadores de valvopatias, o médico clinico e o paciente devem estar preparados para o procedimento cirúrgico no curto prazo, pois a farmacoterapia pode mascarar os sintomas e fazer o clínico perca o momento exato da indicação cirúrgica, visto que a manifestação clínica é o principal critério utilizado para indicar cirurgia.

Nos pacientes internados com estenose aórtica e insuficiência cardíaca descompensada, uma opção seria uso de nitroprussiato de sódio associado a drogas inotrópicas e diuréticos. Já nos casos graves, refratários e selecionados, o uso de valvuloplastia por cateter balão funciona como ponte cirúrgica, mas nunca como tratamento definitivo, pois a mortalidade do procedimento percutâneo é similar à dos pacientes sintomáticos não submetidos à cirurgia.

O tratamento de eleição é o cirúrgico, pois corrige o problema hemodinâmico e, em 1 semana, já é possível visualizar a recuperação do miocárdio, processo conhecido como remodelamento reverso. Existem inúmeros fatores que interferem na morbimortalidade do procedimento, como:

 

      grau de hipertrofia miocárdica;

      presença de insuficiência cardíaca;

      cirurgia de emergência;

      presença de insuficiência renal;

      concomitância de doença coronariana;

      cirurgia combinada.

 

Na decisão sobre a escolha da prótese, é preciso ter em mente os riscos e os benefícios do uso da anticoagulação oral (ACO), pois sabe-se que tais medicações evitam fenômenos embólicos, mas aumentam, de forma significativa, o risco de sangramento. As próteses metálicas necessitam obrigatoriamente de anticoagulação oral, por isso são preferidas nos pacientes que já possuem indicação de anticoagulação oral, como portadores de fibrilação atrial crônica. A prótese biológica é a de eleição, pois não há necessidade de anticoagulação oral contínua e a duração da prótese em pacientes acima de 65 anos de idade é muito boa, podendo ultrapassar 8 anos.

 

Insuficiência Aórtica

A prevalência da insuficiência aórtica (IAo) mínima em pacientes com idade acima de 80 anos pode chegar a 13%. As lesões valvares discretas não costumam causar repercussão hemodinâmica e só necessitam de acompanhamento. As lesões moderadas e graves costumam causar muita repercussão hemodinâmica com remodelamento cardíaco e a presença de sintomas depende do tempo e da adaptação ventricular.

Ao exame, encontram-se íctus desviado, sopro diastólico em foco aórtico, pressão arterial divergente, pulso amplo (pouco frequente nos idosos) e sinais e sintomas compatíveis com IC, à radiografia de tórax, nota-se cardiomegalia e sinais de congestão.

O tratamento da lesão valvar está indicado nos casos sintomáticos e a terapia de escolha é a substituição valvar.

 

Calcificação Anular Mitral

É um processo degenerativo crônico mais comum em mulheres e em pacientes acima de 70 anos de idade. A prevalência está aumentada em portadores de hipertensão arterial, prolapso de valva mitral, estenose aórtica, insuficiência renal crônica, fibrilação atrial e hiperparatireoidismo. As complicações associadas são estenose mitral, insuficiência mitral, endocardite bacteriana e arritmias supraventriculares.

 

Estenose Mitral

No Brasil, uma das principais causas é a estenose mitral reumática, mas a evolução da calcificação tambem é uma causa importante de lesão valvar. Os pacientes apresentam sinais de congestão pulmonar e podem apresentar taquissupra-arritmias; nos casos de etiologia não reumática, a hiperfonese de primeira bulha e o estalido de abertura da valva mitral estão ausentes. A gravidade da lesão valvar é mensurada clinicamente e por meio do ecocardiograma, com mensuração do gradiente AE-VE e da aérea valvar.

O tratamento está indicado nos casos sintomáticos, sempre levando em consideração o grau de limitação de cada paciente. O manejo terapêutico ideal depende da interação entre a farmacoterapia e o momento ideal do procedimento invasivo. Os medicamentos não interferem na evolução da doença, apenas controlam os sintomas gerados pela repercussão hemodinâmica. Os medicamentos obrigatórios nos portadores de estenose mitral, salvo contraindicação, são os betabloqueadores, que aumentam o tempo de enchimento ventricular e favorecem o débito cardíaco. Muitas vezes, associam-se diuréticos nos pacientes com quadros de congestão.

O tratamento invasivo percutâneo tem sua grande aplicação nos pacientes jovens, pois, nos idosos, os índices de complicações podem chegar a 50% dos casos, pelo alto grau de calcificação e acometimento do aparelho subvalvar. A substituição da valva mitral é o tratamento de eleição, devendo-se, como sempre, pesar o risco de complicações da cirurgia.

 

Insuficiência Mitral

Pode ocorrer por degeneração mixomatosa secundária ao prolapso, secundária a doença arterial coronariana e isquemia de músculo papilar, acometimento mitral reumático e secundária a endocardite infecciosa.

As manifestações clínicas e os achados no exame físico direcionam para o diagnóstico; já os sintomas dependem da gravidade do acometimento valvar e do tempo de instalação da doença.

O prolapso com degeneração mixomatosa costuma evoluir por longos períodos assintomáticos e so é detectado com manobras (Valsalva) durante exame físico, no qual se encontra estalido de abertura e um sopro mesotelessistólico no foco mitral. A irradiação do sopro depende do folheto acometido: no folheto anterior à irradiação, é para o dorso e ápice; já no posterior, a irradiação é anterior e para base. Quando o paciente piora agudamente, deve-se excluir ruptura do folheto e endocardite infecciosa, visto que a piora deve ser lenta e progressiva. As medicações usadas aliviam sintomas e são basicamente diuréticos e vasodilatadores. O tratamento de eleição é cirúrgico; a substituição valvar é preferencial quando existe acometimento do folheto anterior e a plástica valvar é preferencial quando o acometimento é posterior.

Na doença reumática, o paciente vai sofrendo remodelamento do miocárdio até perder a capacidade de suportar o novo estado hemodinâmico e ficar sintomático. A partir daí, está indicada cirurgia da troca valvar. No exame físico, há sinais e sintomas de congestão e sopro holossistólico com irradiação para axila, e é frequente o acometimento concomitante da valva aórtica ou dupla lesão mitral.

Na doença isquêmica, o acometimento valvar é agudo e, como não existe tempo de adaptação para novo estado hemodinâmico, o paciente fica muito sintomático e tem indicação de cirurgia combinada de emergência, o que aumenta muito a morbimortalidade do procedimento. Tanto na doença coronariana como na endocardite bacteriana, o grau de acometimento da válvula pode variar de leve a importante e a presença de sintomas é que define o tempo da cirurgia.

 

Endocardite Bacteriana

Na endocardite bacteriana, o paciente apresenta o quadro infeccioso com indicação de antibioticoterapia por tempo prolongado. Se estável em vigência de medicação, o ideal é aguardar o término do antibiótico e avaliar o grau de acometimento valvar. Caso haja disfunção significativa, indicar tratamento cirúrgico. Se o paciente estiver instável na apresentação, está indicado o procedimento cirúrgico, independentemente do término do antibiótico.

 

Tratamento Percutâneo

Essa modalidade de tratamento está cada vez mais difundida pelo mundo. Na América Latina, a curva de aprendizado está em fase inicial e, atualmente, é uma opção para os pacientes com risco cirúrgico elevado e que não são bons candidatos para cirurgia. Complicações como bloqueios atrioventriculares, acidente vascular e ruptura de aorta são complicações descritas.

 

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