FECHAR
Feed

Já é assinante?

Entrar
Índice

Doença degenerativa lombar

Autor:

Raphael de Rezende Pratali

Médico pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Residência Médica em Ortopedia e Traumatologia pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Membro Titular da Sociedade Brasileira do Ortopedia e Traumatologia (SBOT). Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Coluna.

Última revisão: 08/02/2012

Comentários de assinantes: 0

Resumo

A degeneração do disco intervertebral está associada com diversas entidades clínicas, como lombalgia, estenose do canal vertebral e hérnia de disco. Sabe-se que o disco intervertebral é a estrutura do sistema musculoesquelético mais vulnerável a alterações degenerativas, com início em idade precoce.

O processo degenerativo da coluna vertebral pode ser organizado em 3 estágios distintos: disfunção, instabilidade e estabilização. Esse processo degenerativo pode constituir um processo normal do envelhecimento e não ser causa de quadros dolorosos. Entretanto, pode ser etiologia de entidades clínicas como espondilose degenerativa lombar, hérnia de disco ou estenose vertebral.

Neste capítulo, são abordadas as características clínicas e de exames complementares dos vários diagnósticos diferenciais associados ao processo degenerativo da coluna vertebral, assim como a orientação ao fluxo de tratamento dessas entidades clínicas.

 

Introdução

A degeneração do disco intervertebral está associada com diversas entidades clínicas, como lombalgia, estenose do canal vertebral e hérnia de disco. Sabe-se que o disco intervertebral é a estrutura do sistema musculoesquelético mais vulnerável a alterações degenerativas, com início em idade precoce. Entretanto, alterações degenerativas não são sinônimas de patologias dolorosas. Alguns estudos mostram que até 72% das pessoas com alterações degenerativas discais nunca apresentaram sintoma de dor.

 

Anatomia

A função do disco intervertebral é suportar e dissipar carga que incide na coluna, ao mesmo tempo em que permite movimento entre as vértebras. O disco intervertebral é basicamente constituído por uma matriz de fibras colágenas embebidas em um gel de água e proteoglicanas, havendo variação na composição molecular de acordo com a região anatômica. O disco intervertebral é composto por 3 estruturas altamente especializadas: o ânulo fibroso, o núcleo pulposo e a placa terminal cartilaginosa, que forma a interface com o corpo vertebral adjacente (Figura 1).

 

 

Figura 1. Nesta imagem em corte sagital de ressonância magnética, notam-se alguns discos vertebrais podendo ser observadas as 3 estruturas que o compõem: ânulo fibroso (a), núcleo pulposo (b) e a placa terminal cartilaginosa (seta).

 

O ânulo fibroso é formado por anéis concêntricos de fibras colágenas (predomínio de colágeno tipo I) denominadas lamelas. A parte celular do ânulo fibroso é composta por fibroblastos alinhados com as lamelas.

Contornado pelo ânulo fibroso aparece o núcleo pulposo, cuja matriz é composta por fibras colágenas (predomínio de colágeno tipo II) e por fibras elastinas, embebidas em um gel de proteoglicanas altamente hidratado. Existe uma baixa densidade celular formada por células semelhantes a condrócitos.

No adulto, o disco é avascular e o suprimento sanguíneo depende do leito capilar na placa terminal oriundo dos corpos vertebrais adjacentes. Tanto a nutrição quanto a eliminação de excretas das células do disco são totalmente dependentes de difusão.

É importante saber que a matriz do disco é uma estrutura dinâmica, e seus componentes são continuamente degradados e sintetizados. A degradação dos elementos da matriz é um processo enzimático, catalisado por enzimas proteinases sintetizadas pelas células do disco, assim como a síntese de novas moléculas para comporem a matriz discal. Distúrbio no balanço entre a degradação e a síntese dos componentes da matriz discal é o principal responsável pelo processo degenerativo discal.

A “unidade funcional” ou “segmento móvel” da coluna vertebral é anatomicamente constituída por 2 vértebras adjacentes, separadas dorsalmente pelas articulações facetárias ou zigoapofisárias e anteriormente pelo disco intervertebral (Figura 2). Estas estruturas constituem o complexo de 3 articulações responsável pela mobilidade da unidade funcional e são estabilizadas por ligamentos espinhais, cápsulas articulares e músculos segmentares. O complexo ligamentar espinhal é constituído pelos ligamentos interespinhoso, supraespinhoso, amarelo, longitudinal anterior e longitudinal posterior.

 

 

Figura 2. Nessa imagem em corte axial de ressonância magnética, é possível ver os elementos que compõem a “unidade funcional” da coluna vertebral, composta anteriormente pelo disco-corpo vertebral e posteriormente pelas articulações facetárias (setas) de vértebras adjacentes.

 

Etiologia

Kirkaldy-Willis organizaram o processo degenerativo da coluna vertebral em 3 estágios distintos. O primeiro estágio é denominado disfunção, visto em indivíduos entre 15 e 45 anos de idade, caracterizado por fissuras radiais e circunferenciais no ânulo fibroso e sinovite nas articulações facetárias. O estágio seguinte é denominado instabilidade, visto em pacientes com mais de 35 anos de idade, caracterizado por “ruptura interna” do disco, reabsorção discal progressiva, degeneração das articulações facetárias com frouxidão capsular, subluxação e erosão articular. O estágio final é denominado estabilização, visto em pacientes com mais de 60 anos de idade, caracterizado por hipertrofia óssea progressiva ao redor do disco e das articulares facetárias, levando a rigidez articular e até mesmo anquilose. Também se observa espessamento das cápsulas articulares e do ligamento amarelo com consequente estreitamento do canal vertebral e da saída dos forames intervertebrais.

Esse processo degenerativo, como mencionado anteriormente, pode constituir um processo normal do envelhecimento e não ser causa de quadros dolorosos. Entretanto, pode ser etiologia de entidades clínicas como espondilose degenerativa lombar, hérnia de disco ou estenose vertebral.

 

Diagnóstico diferencial

Espondilose degenerativa lombar é um conjunto de patologias relacionadas ao processo de degeneração da unidade funcional da coluna, associadas a síndromes clínicas como doença degenerativa discal (DDD), dor discogênica, osteoartrite facetária ou instabilidade segmentar. A dor discogênica está relacionada a alterações na inervação e vascularização do disco intervertebral degenerado, havendo um processo de “neovascularização” e “neoinervação” de camadas mais profundas do disco degenerado, além do aumento na produção de mediadores inflamatórios no interior do disco. Na osteoartrite facetária ocorre processo semelhante a osteoartrite/artrose de articulações diartrodiais como joelho e quadril, havendo dor pelos receptores nociceptivos da cápsula articular. Na instabilidade segmentar ocorre mobilidade excessiva na unidade funcional da coluna lombar, cujo resultado é dor.

Hérnia de disco é definida como deslocamento focal de um fragmento do núcleo pulposo ultrapassando as margens dos corpos vertebrais adjacentes. Em alguns casos, fragmentos de ânulo fibroso ou cartilagem da placa terminal podem estar associados. Hérnia de disco geralmente resulta de alterações degenerativas do disco que levam a enfraquecimento do ânulo fibroso, tornando-o suscetível a fissuras. O núcleo pulposo gelatinoso extravasa (hérnia) através dessa fissura. Frequentemente ocorre até a 4ª década, quando o núcleo pulposo mantém sua fluidez. O fragmento herniado pode migrar cranial ou caudalmente e mesmo se destacar do restante do disco, resultando em um fragmento livre dentro do canal vertebral.

Estenose vertebral lombar consiste no estreitamento do canal vertebral ou do forame intervertebral, com consequente compressão dos elementos neurais contidos nesses espaços. É resultado de alterações degenerativas do segmento funcional da coluna em fases mais avançadas, sendo mais frequente na população idosa.

Na fase final do processo degenerativo (estabilização), o disco degenerado está abaulado e perde sua altura, contribuindo com redundância e espessamento do ligamento amarelo, associado a espessamento das cápsulas articulares e osteófitos nas articulações facetárias. Nessa população, a estenose vertebral geralmente está associada com outras entidades clínicas, incluindo osteoporose, além de deformidades degenerativas como escoliose e espondilolistese.

 

Achados clínicos

Espondilose degenerativa lombar

O sintoma predominante na espondilose degenerativa lombar é dor lombar, em geral recorrente. No caso de dor discogênica, é comum o relato de dor mais intensa à flexão e à rotação do tronco ou quando se permanece na posição sentada por período prolongado. Também pode haver irradiação da dor sem distribuição radicular, geralmente para glúteo ou face anterior da coxa.

Pacientes com osteoartrite facetária apresentam lombalgia com ritmo inflamatório, comum da osteoartrite, com intensificação ao repouso e melhora durante o movimento. Caracteristicamente, a dor se intensifica à hiperextensão e à rotação.

Quando a dor lombar é mais intensa durante os movimentos e cessa ao repouso (ritmo mecânico) ou é intensificada durante atividades com vibração no segmento lombar, como no trânsito, pode-se pensar em dor por instabilidade. Esses pacientes podem ser beneficiados por imobilização com colete.

O exame físico desses pacientes geralmente mostra redução da amplitude do movimento lombar, sobretudo à flexão na dor discogênica e à extensão na dor facetária. Pode haver contratura muscular na região lombar. Geralmente o exame neurológico é normal.

 

Hérnia de disco

O sintoma principal do paciente com hérnia de disco é a dor radicular irradiada para um dermátomo específico na perna, denominada dor ciática. Essa dor pode estar associada a déficit neurológico sensitivo ou motor da raiz nervosa envolvida. Dor lombar pode estar presente na apresentação ou na história pregressa.

Esses pacientes geralmente apresentam-se com espasmo da musculatura paravertebral lombar, com dor desencadeada por palpação ou percussão dessa massa muscular. Podem também mostrar posição antálgica com desalinhamento do tronco, geralmente em flexão.

Deve-se sempre realizar exame neurológico de todo paciente com suspeita de hérnia de disco. Examina-se a sensibilidade tátil dos dermátomos de L1 a S1. As raízes lombares superiores apresentam intensa sobreposição de fibras, dificultando a detecção de déficits que as envolve. Além disso, os níveis mais frequentemente afetados são L4, L5 e S1. L4 é testada na face medial do tornozelo, L5 no dorso do pé (sobretudo entre 1º e 2º dedos) e S1 na face lateral da planta do pé.

A força motora deve ser avaliada e graduada entre 0 e 5 nos miótomos de L1 a S1. L1 e L2 são avaliados pela flexão do quadril, L3 pela extensão do joelho, L4 pela dorsiflexão do pé (tibial anterior), L5 pelos extensores dos dedos (sobretudo hálux) e S1 pela flexão plantar do pé.

Os reflexos tendíneos patelar (relacionado a L4) e aquileu (S1) também devem ser avaliados bilateralmente para detecção de eventuais assimetrias.

É fundamental testar o sinal de Lasègue para detectar radiculopatia ciática, com acometimento das raízes L4, L5 e S1. Com o paciente deitado em decúbito dorsal, seu membro inferior é elevado com o joelho estendido. O teste é considerado positivo quando há dor radicular com elevação entre 15 e 70°. Presença do sinal de Lasègue é indicativa de compressão radicular em 90% dos casos, sendo ainda mais específico quando presente no membro contralateral.

Pacientes que se apresentam com dor incapacitante lombar ou nos membros inferiores, parestesia nos glúteos, períneo ou dorso de coxas e pernas, déficit motor nos membros inferiores ou alteração de esfíncter vesical ou intestinal devem ser suspeitos da presença de síndrome da cauda equina em virtude de hérnia discal lombar volumosa. Esses casos são considerados urgências e devem ser encaminhados para tratamento especializado precocemente. Somente a descompressão neural precoce pode impedir déficit neurológico permanente.

 

Estenose vertebral lombar

O sintoma fundamental na estenose vertebral lombar é a claudicação neurogênica, que se apresenta como dor, parestesia ou fraqueza nos membros inferiores desencadeada ao caminhar ou permanecer em ortostatismo por período prolongado. Caracteristicamente, os sintomas regridem quando o paciente se senta ou adota posição de flexão do tronco, o que amplia o canal vertebral e reduz a compressão sobre a cauda equina.

Pacientes com estenose do forame intervertebral podem apresentar radiculopatia com dor ciática e apresentação clínica semelhante à de hérnia de disco, dependendo da raiz comprimida no forame. Esses pacientes podem ter a radiculopatia desencadeada ao deambular ou permanecer em ortostatismo.

Na estenose, é frequente a presença de lombalgia de padrão mecânico, associada ao quadro de alterações degenerativas, na maioria das vezes causa da estenose.

Deve-se sempre interrogar sobre a função urinária e intestinal dos pacientes, pois em estenoses tardias, é comum haver sintomas urinários e incontinência fecal.

O exame físico do paciente com estenose lombar, na maioria das vezes, é inteiramente normal, uma vez que a compressão dos elementos neurais ocorre após deambulação ou longos períodos em ortostatismos. Ao se examinar esse paciente após desencadearem-se os sintomas, é possível detectar déficits sensitivos, fraqueza muscular ou alterações de reflexos. Deve-se sempre checar os pulsos distais nos membros inferiores para exclusão do diagnóstico diferencial de claudicação vascular.

 

Exames complementares

Radiografia

Alterações radiográficas podem ser identificadas em casos de espondilose degenerativa lombar, como estreitamento do espaço discal, osteofitose, esclerose óssea na placa terminal e osteoartrite facetária (Figura 3). Entretanto, essas alterações radiográficas são pouco específicas e não são confiáveis para identificar a fonte de dor.

 

 

Figura 3. Radiografia em perfil da coluna lombossacral em que nitidamente se observa alterações degenerativas nos níveis L4-L5 e L5-S1. Observa-se intenso estreitamento da altura discal nesses níveis, osteofitose intersomática anterior em L4-L5 e intensa hipertrofia e irregularidade nas articulações facetárias nos 2 níveis. Note a redução no calibre dos forames intervertebrais associados a essas alterações.

 

Radiografias dinâmicas evidenciando mobilidade excessiva (> 4 mm) em um segmento funcional da coluna lombar ou subluxação da articulação facetária em paciente sintomático é indicativo de instabilidade segmentar (Figura 4).

Radiografia não é útil para diagnóstico de hérnia de disco e radiculopatia. Embora possa estar presente, perda altura discal não é confiável para tal diagnóstico.

Achados radiográficos não permitem o diagnóstico de estenose lombar, mas existem achados frequentemente associados a esse quadro: espondilolistese degenerativa, escoliose degenerativa e estreitamento da distância interpedicular e do canal vertebral. Também podem estar presentes sinais inespecíficos de espondilose degenerativa.

 

 

Figura 4. Imagens dinâmicas de radiografia em perfil da coluna lombossacral mostrando hipermobilidade no caso apresentado. Note a amplitude de movimento entre os corpos vertebrais e as facetas interarticulares na imagem da esquerda (hiperextensão) e da direita (hiperflexão).

 

Tomografia computadorizada (TC)

Apesar dos avanços na obtenção de imagens multiplanar pela TC, este método de imagem tem sua aplicação limitada atualmente a pacientes contraindicados para realização de ressonância magnética. Nesses casos, frequentemente TC é combinada com mielografia, permitindo a detecção das estruturas neurais.

 

Ressonância magnética (RM)

Trata-se do método padrão-ouro na avaliação das doenças degenerativas lombares. Entretanto, a RM é altamente sensível, mas pouco específica, pois pode demonstrar alterações em geral presentes em indivíduos assintomáticos.

Em pacientes com espondilose degenerativa, a RM pode demonstrar alterações associadas com dor discogênica, como desidratação discal, fissura anular ou alterações na placa terminal, denominadas MODIC. Também podem ser vistas alterações relacionadas com osteoartrite facetária como osteofitose e derrame articular (Figura 5).

 

 

Figura 5. Corte sagital de RM demonstrando discopatia degenerativa (espondilose degenerativa) em múltiplos níveis lombares. Notam-se desidratação, perda de altura discal e protrusão em todos os níveis. Tais alterações degenerativas são mais significativas em L5-S1, onde se nota anterolistese do corpo de L5 sobre S1 e intenso edema (hipersinal) no platô inferior de L5, conhecido como sinal de MODIC (seta).

 

A RM é o melhor método de imagem para demonstrar hérnia de disco, por apresentar melhor resolução para partes moles (Figura 6). Além disso, permite a identificação precisa de quais elementos neurais estão comprimidos pelos fragmentos herniados. Por meio da RM, pode-se classificar a hérnia de disco em:

 

      protrusas: definidas como abaulamento do núcleo pulposo através do núcleo pulposo intacto;

      extrusas: quando o material discal atravessa o núcleo pulposo, mas mantém continuidade com o disco remanescente no espaço intervertebral;

      sequestradas: em que o material discal perde continuidade com o conteúdo do espaço intervertebral produzindo um “fragmento livre”.

 

Outra vantagem da RM é permitir a visualização da eventual migração dos fragmentos em sentido caudal ou cranial, orientando o tratamento cirúrgico.

 

 

Figura 6. À esquerda: corte sagital de RM da coluna lombossacral mostrando uma hérnia extrusa L5-S1. Note o grande fragmento que extravasa pelo ânulo fibroso em direção ao canal vertebral. À direita: corte axial do mesmo paciente, demonstrando a ocupação da porção esquerda do canal vertebral pelo fragmento extruso, comprimindo suas raízes neurais.

 

Da mesma forma, na estenose lombar, a RM é considerada método padrão-ouro, pela melhor resolução das partes moles, permitindo identificar a compressão dos elementos neurais pelo disco abaulado ou espessamento do ligamento amarelo, além de identificar a presença de um eventual cisto sinovial na articulação facetária, outra possível causa de estenose do canal vertebral (Figura 7).

 

 

Figura 7. À esquerda: um corte sagital de RNM mostrando estenose do canal vertebral lombar em L2-L3 e L3-L4, esse último muito mais intenso (formato de “ampulheta” do saco dural). À direita: corte axial do nível L3-L4 do mesmo paciente, mostrando estenose severa do canal vertebral. A estenose se deve tanto a protrusão discal anterior, quanto a espessamento do ligamento amarelo e cápsulas articulares facetárias posteriormente.

 

Estudos injetáveis

Nas doenças degenerativas lombares, esses estudos injetáveis ganham importância em razão da elevada incidência de alterações discais presentes em pacientes assintomáticos. Auxiliam na identificação de qual alteração anatômica tem papel real na etiologia dos sintomas.

Na espondilose degenerativa, a discografia, introduzida como método de imagem do disco degenerado, é utilizada como teste provocativo de dor, permitindo diferenciar entre disco degenerado sintomático e assintomático. A prática desse método inclui provocação de um disco não degenerado adjacente como “controle” a ser comparado com a resposta obtida com a provocação ao disco degenerado. Entretanto, muito se discute sobre os efeitos produzidos na realização de discografia em disco saudável, em relação à sua degeneração no futuro. A discografia provocativa deve ser considerada, sobretudo em pacientes com potencial para tratamento cirúrgico da doença degenerativa discal.

Em pacientes cuja lombalgia seja atribuída a osteoartrite facetária, pode-se definir as alterações facetárias nos exames de imagem como sintomáticas quando há alívio dos sintomas após injeção anestésica intra-articular. Recomenda-se uso de contraste com a solução anestésica para se certificar de sua localização correta no espaço intra-articular.

No caso de hérnias de disco, o uso de bloqueios seletivos de raízes tem aplicação tanto para finalidade diagnóstica quanto terapêutica. Como diagnóstico, auxilia na avaliação de pacientes com estudos de imagem negativos que apresentam clínica de radiculopatia, além dos casos em que há alteração na imagem em vários níveis, visando definir com mais acurácia o nível envolvido com a produção de sintomas.

Pacientes com estenose lombar que apresentam radiculopatia associada à claudicação neurogênica, decorrente de estenose foraminal, também são beneficiados por bloqueios radiculares foraminais tanto com finalidade diagnóstica quanto terapêutica.

 

Tratamento

Espondilose degenerativa lombar

A grande maioria dos pacientes cujo sintoma principal é dor lombar axial sem radiculopatia ou claudicação neurogênica pode ser tratada com sucesso por meio de métodos não cirúrgicos. O objetivo consiste no alívio da dor e melhora da qualidade de vida, sem atuar nas alterações anatômicas identificadas nos exames de imagem como causa dos sintomas.

O manejo da dor se faz principalmente pelo uso de medicações: iniciar com medicação analgésica não opioide, como paracetamol ou dipirona. Pode-se associar o uso de anti-inflamatório não hormonal (AINH) e relaxantes musculares quando não obtido o controle adequado da dor. Em casos de persistência da dor ou dor de intensidade severa, recomenda-se o uso de analgésicos opioides, como codeína, tramadol ou morfina, apesar dos intensos efeitos adversos. O uso de drogas adjuvantes (antidepressivos ou anticonvulsivantes) melhora o efeito central das medicações analgésicas e devem ser consideradas principalmente em pacientes com dor lombar associada à ansiedade.

O tratamento da dor aguda deve ser agressivo visando a evitar persistência da dor. Pacientes que desenvolvem dor crônica têm reduzidas as chances de retornar às suas atividades normais sem dor. Esses pacientes devem ser encaminhados para centros especializados para tratamento multidisciplinar.

Métodos de injeções espinhais, como bloqueio articular facetário ou bloqueio epidural, podem auxiliar no controle da dor por curto período, porém suficiente para permitir início mais precoce da reabilitação.

Repouso superior a 3 dias não é recomendável, pois não tem eficácia demonstrada e o intuito do tratamento é restabelecer atividade funcional o quanto antes. Métodos fisioterápicos devem ser precocemente instituídos, inicialmente com modalidade analgésica, como eletroterapia, e, assim que possível, com recondicionamento muscular, educação postural e modificação das atividades.

Aqueles pacientes com dor severa, prejudicando sua atividade funcional sem melhora após tentativa exaustiva de tratamento conservador, devem ser considerados para tratamento cirúrgico. Entretanto, não existe consenso sobre quanto tempo o tratamento conservador deve ser tentado antes da indicação de cirurgia.

O método clássico de tratamento cirúrgico para espondilose degenerativa lombar consiste na artrodese, embora ainda não seja solidamente embasada em evidências científicas. O sucesso do tratamento por artrodese depende fundamentalmente da correta escolha do paciente a ser submetido a tal tratamento. Esses pacientes devem apresentar alterações estruturais anatômicas severas identificáveis, como osteoartrite facetária ou degeneração discal com alterações na placa terminal (MODIC), além de concordância entre alteração estrutural e apresentação clínica. Pacientes motivados, que se empenharam no tratamento conservador e chegaram a apresentar melhora parcial, apresentam maior taxa de sucesso com cirurgia. Por outro lado, pacientes com questões trabalhistas envolvidas ou ganhos secundários, como litígios ou compensações, além de questões emocionais envolvidas, são maus candidatos a artrodese lombar.

O uso de métodos injetáveis auxilia na determinação de pacientes com maior potencial para sucesso da artrodese além de auxiliar na definição dos níveis a serem abordados naqueles pacientes com múltiplos níveis acometidos.

Artrodese consiste na obtenção intencional de fusão entre elementos funcionais da coluna vertebral. Classicamente, foi descrita sem o uso de implantes, denominada não instrumentada, por meio da preparação do local e colocação de enxerto ósseo adequado. A técnica mais comumente usada é por via posterior com colocação de enxerto ósseo nos elementos posteriores das vértebras. Alternativamente, o enxerto pode ser colocado entre os corpos vertebrais após excisão do disco e placas terminais, denominada artrodese intersomática, que pode ser realizada tanto por via posterior ou anterior. Quando se associa artrodese via posterior e intersomática, denomina-se artrodese 360°.

Com advento de implantes de fixação internos, a artrodese instrumentada passou a ser amplamente utilizada, mais recentemente com uso de parafusos de fixação pedicular (Figura 8). Esses dispositivos permitem maior estabilidade segmentar, potencialmente aumentando a taxa de artrodese e melhorando o resultado funcional. Entretanto, elevaram significativamente o custo do procedimento.

Opções alternativas de tratamento cirúrgico para espondilose degenerativa consistem em métodos que preservam a mobilidade segmentar (sem artrodese). Esses métodos incluem fixação dinâmica, artroplastia discal total, dessensibilização facetária (rizotomia) ou manipulação discal, como nucleoplastia.

 

 

Figura 8. À esquerda: radiografia de frente com uma artrodese instrumentada com parafusos pediculares de L2 ao sacro. À direita: radiografia em perfil do mesmo paciente.

 

Hérnia de disco lombar

Esses pacientes apresentam-se com dor ciática aguda, às vezes tão severa que não podem ser mobilizados. Nesses casos, curtos períodos de repouso são necessários. Apesar do uso de analgésicos opioides ou não opioides (dependendo da intensidade da dor) ser necessário para controle da dor, a base do tratamento consiste no uso de anti-inflamatório. Muitas vezes, é recomendado o uso de corticoterapia.

Na fase aguda, o uso de fisioterapia analgésica (eletroterapia) é adjuvante no controle da dor. Entretanto, assim que o paciente tolerar, devem ser iniciados exercícios para fortalecimento da musculatura do tronco e alongamentos (cinesioterapia), visando ao retorno mais precoce das atividades funcionais. Também se recomenda educação postural e modificação das atividades.

Terapia com injeção epidural de corticoide pode ser utilizada para controle da dor ciática, permitindo que o paciente inicie as terapias de reabilitação. Outra via para administração de corticoide é transforaminal, em que a medicação é injetada diretamente no local da compressão da raiz nervosa, guiado por radioscopia ou TC.

Pacientes com dor radicular severa e incapacitante, que não respondem ao tratamento analgésico medicamentoso ou fisioterápico, devem ser considerados para tratamento cirúrgico. Pacientes com déficit neurológico motor (grau 3 ou inferior) também devem ser considerados ao tratamento cirúrgico. Consiste em indicação relativa para cirurgia a presença de radiculopatia persistente sem resposta a tratamento conservador, embora não exista consenso para o tempo limite a ser tolerado. Estima-se que, após 4 a 6 semanas de persistência da radiculopatia, o paciente seja beneficiado com cirurgia.

Síndrome da cauda equina é indicação absoluta para tratamento cirúrgico, que deve ser realizado imediatamente após o diagnóstico para evitar sequelas neurológicas mais drásticas.

O objetivo do tratamento cirúrgico da hérnia de disco é a descompressão da estrutura neural afetada. A técnica padrão mais frequentemente realizada é a dissectomia, realizada por meio de laminotomia parcial unilateral, visando a não promover instabilidade no segmento abordado. Afastam-se os elementos neurais e o fragmento do disco herniado é removido. Evidências mostram que apenas o fragmento herniado responsável pela compressão precisa ser removido. Caso não haja instabilidade prévia ou produzida pela descompressão, não é necessário realizar artrodese do segmento afetado.

O tratamento cirúrgico da hérnia de disco tem eficácia para resolução da radiculopatia, ou seja, da dor ciática. Pacientes cujo sintoma principal seja dor lombar axial devem ser avaliados como portadores de espondilose degenerativa sintomática associada à hérnia de disco. Esses pacientes devem ser considerados para realização de artrodese associada à dissectomia descompressiva.

 

Estenose lombar

O tratamento conservador não interfere na história natural desses quadros avançados de degeneração do segmento lombar. Entretanto, pode trazer benefícios como alívio dos sintomas em pacientes com queixas leves ou intermitentes que não têm prejuízo significativo na atividade funcional.

O tratamento conservador consiste no uso de medicações para controle da dor, como analgésicos, AINH e relaxantes musculares. Fisioterapia analgésica pode desempenhar papel adjuvante no controle da dor. Exercícios para fortalecimento da musculatura do tronco e educação postural podem melhorar a capacidade funcional do paciente e devem ser associados com exercícios de condicionamento cardiorrespiratório.

Bloqueio epidural com corticoides promove alívio temporário dos sintomas e deve ser considerado em pacientes idosos que têm riscos muito elevados para tratamento cirúrgico.

Pacientes com sintomas severos e limitação importante nas atividades funcionais pela claudicação neurogênica, ou aqueles que não obtiveram alívio com tratamento conservador, devem ser considerados para tratamento cirúrgico. Pacientes que apresentam déficit neurológico progressivo durante evolução do quadro também devem ser submetidos a tratamento cirúrgico.

O objetivo do tratamento cirúrgico é a descompressão dos elementos neurais comprimidos. Pacientes cujo sintoma principal seja claudicação neurogênica sem lombalgia significativa podem ser beneficiados com descompressão seletiva isolada (laminectomia parcial ou laminotomia). Descompressão maior (laminectomia total) está indicada nos casos em que o saco dural não pode ser descomprimido suficientemente ou quando há estenose foraminal associada e os forames precisam ser abordados. Entretanto, laminectomia total pode produzir instabilidade no segmento abordado, sendo necessária associação de artrodese ao procedimento.

 

Tópicos importantes

      No adulto, o disco é avascular e o suprimento sanguíneo depende do leito capilar da placa terminal. Sua nutrição é totalmente dependente de difusão.

      O processo degenerativo da coluna vertebral pode ser organizado em 3 estágios distintos: disfunção, instabilidade e estabilização. Esse processo degenerativo pode constituir um processo normal do envelhecimento e não ser causa de quadros dolorosos OU pode ser etiologia de entidades clínicas como espondilose lombar degenerativa, hérnia de disco ou estenose vertebral.

      Espondilose degenerativa lombar é um conjunto de patologias relacionadas ao processo de degeneração da unidade funcional da coluna, associadas a síndromes clínicas, como doença degenerativa discal (DDD), dor discogênica, osteoartrite facetária ou instabilidade segmentar.

      Hérnia de disco é o deslocamento focal de um fragmento do núcleo pulposo ultrapassando as margens dos corpos vertebrais adjacentes. Em geral, resulta de alterações degenerativas do disco que levam a enfraquecimento do ânulo fibroso, tornando-o suscetível a fissuras.

      Estenose vertebral lombar consiste no estreitamento do canal vertebral ou do forame intervertebral com consequente compressão dos elementos neurais contidos nesses espaços. É resultado de alterações degenerativas do segmento funcional da coluna em fases mais avançadas, sendo mais frequente na população idosa.

 

Bibliografia

1.      Amundsen T, Weber H, Nordal HJ, Magnaes B, Abdelnoor M, Lilleas F. Lumbar spinal stenosis: conservative or surgical management? A prospective 10-year study. Spine 2000; 25(11):1424-35.

2.      Andersson GB, Deyo RA. History and physical examination in patients with herniated lumbar discs. Spine 1996; 21:10S-18S.

3.      Atlas SJ, Keller RB, Wu YA, Deyo RA, Singer DE. Long-term outcomes of surgical and nonsurgical management of sciatica secondary to a lumbar disc herniation: 10 year results from the Maine Lumbar Spine Study. Spine 2005; 30:927-35.

4.      Boden SD, Davis DO, Dina TS, Patronas NJ, Wiesel SW. Abnormal magnetic-resonance scans of the lumbar spine in asymptomatic subjects. A prospective investigation. J Bone Joint Surg Am 1990; 72:403-8.

5.      Boden SD, Wiesel SW. Lumbosacral segmental motion in normal individuals. Have we been measuring instability properly? Spine 1990; 15:571-6.

6.      Bogduk N. The innervation of the lumbar spine. Spine 1983; 8:286-93.

7.      Boos N, Rieder R, Schade V, Spratt KF, Semmer N, Aebi M. 1995 Volvo Award in clinical sciences. The diagnostic accuracy of magnetic resonance imaging, work perception, and psychosocial factors in identifying symptomatic disc herniations. Spine 1995; 20:2613-25.

8.      Carragee EJ, Alamin TF. Discography. A review. Spine J 2001; 1:364-72.

9.      Carragee EJ, Tanner CM, Yang B, Brito JL, Truong T. False-positive findings on lumbar discography. Reliability of subjective concordance assessment during provocative discinj ection. Spine 1999; 24:2542-7.

10.   Dreyfuss PH, Dreyer SJ, Heering SA. Contemporary concept in spine care. Lumbar zygapophyseal (facet) joint injections. Spine 1995; 20:2040-7.

11.   Fritzell P, Hagg O, Jonsson D, Nordwall A. Cost-effectiveness of lumbar fusion and nonsurgical treatment for chronic low back pain in the Swedish Lumbar Spine Study: amulticenter, randomized, controlled trial from the Swedish Lumbar Spine Study Group. Spine 2004; 29:421-34; discussion Z3.

12.   Fritzell P, Hagg O, Wessberg P, Nordwall A. 2001 Volvo Award Winner in Clinical Studies: Lumbar fusion versus nonsurgical treatment for chronic low back pain: a multicenter randomized controlled trial from the Swedish Lumbar Spine Study Group. Spine 2001; 26:2521-32; discussion 2532-4.

13.   Glassman S, Gornet MF, Branch C, Polly Jr D, Peloza J, Schwender JD et al. MOS short form 36 and Oswestry Disability Index outcomes in lumbar fusion: amulticenter experience. Spine J 2006; 6:21-6.

14.   Grob D, Humke T, Dvorak J. Degenerative lumbar spinal stenosis. Decompression with and without arthrodesis. J Bone Joint Surg Am 1995; 77:1036-41.

15.   Kirkaldy-Willis WH, Hill RJ. A more precise diagnosis for low-back pain. Spine 1979; 4:102.

16.   Kostuik JP, Harrington I, Alexander D, Rand W, Evans D. Cauda equina syndrome and lumbar disc herniation. J Bone Joint Surg Am 1986; 68:386-91.

17.   Masaryk TJ, Ross JS, Modic MT, Boumphrey F, Bohlman H, Wilber G. High-resolution MR imaging of sequestered lumbar intervertebral disks. AJR Am J Roentgenol 1988; 150:1155-62.

18.   Modic MT, Steinberg PM, Ross JS, Masaryk TJ, Carter JR. Degenerative disk disease: Assessment of changes in vertebral body marrow with MR imaging. Radiology 1988; 166:193-9.

19.   Olmarker K, Blomquist J, Stromberg J, Nannmark U, Thomsen P, Rydevik B. Inflammatogenic properties of nucleus pulposus. Spine 1995; 20:665-9.

20.   Olmarker K, Byrod G, Cornefjord M, Nordborg C, Rydevik B. Effects of methylprednisolone on nucleus pulposus-induced nerve root injury. Spine 1994; 19:1803-8.

21.   Thomsen K, Christensen FB, Eiskjaer SP, Hansen ES, Fruensgaard S, Bunger CE. 1997 Volvo Award winner in clinical studies. The effect of pedicle screw instrumentation on functional outcome and fusion rates in posterolateral lumbar spinal fusion: a prospective, randomized clinical study. Spine 1997; 22:2813-22.

22.    Weiner BK, Fraser RD. Foraminal injection for lateral lumbar disc herniation. J Bone Joint Surg Br 1997; 79:804-7.

23.   Weinstein JN, Tosteson TD, Lurie JD, Tosteson AN, Hanscom B, Skinner JS et al. Surgical vs nonoperative treatment for lumbar disk herniation: the Spine Patient Outcomes Research Trial (SPORT): a randomized trial. JAMA 2006; 296:2441-50.

24.   Weinstein JN, Tosteson TD, Lurie JD, Tosteson AN, Blood E, Hanscom B et al. Surgical versus nonsurgical therapy for lumbar spinal stenosis. N Engl J Med 2008; 358:794-810.

 

Outros Artigos do(s) mesmo(s) autor(es):

Conecte-se

Feed

Sobre o MedicinaNET

O MedicinaNET é o maior portal médico em português. Reúne recursos indispensáveis e conteúdos de ponta contextualizados à realidade brasileira, sendo a melhor ferramenta de consulta para tomada de decisões rápidas e eficazes.

Medicinanet Informações de Medicina S/A

Cnpj: 11.012.848/0001-57

info@medicinanet.com.br


MedicinaNET - Todos os direitos reservados.

Termos de Uso do Portal

×
×

Em função da pandemia do Coronavírus informamos que não estaremos prestando atendimento telefônico temporariamente. Permanecemos com suporte aos nossos inscritos através do e-mail info@medicinanet.com.br.