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Problemas de crescimento e ganho de peso

Autores:

Patricia Sampaio Chueiri

Médica de família e comunidade. Coordenadora da Coordenação Geral de Áreas Técnicas do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde. Mestranda em Epidemiologia da UFRGS.

Fernanda Plessmann de Carvalho

Médica de família e comunidade. Supervisora médica da Organização Social Associação Congregação de Santa Catarina, São Paulo, SP. Especialista em MFC pela SBMFC.

Última revisão: 11/10/2012

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Versão resumida do capítulo original, o qual pode ser consultado, na íntegra, em Gusso & Lopes, Tratado de medicina de família e comunidade: princípios, formação e prática (2 vols., Porto Alegre: Artmed, 2012). Obra indicada também para consulta a outros temas de Medicina de Família e Comunidade (MFC), pela abrangência e a forma como o conteúdo é abordado, além de reunir importante grupo de autores.

 

Do que se trata

         O ganho ponderal e o crescimento são indicadores clínicos importantes do estado de saúde das crianças.1 Mas, além de serem sinais importantes para a equipe de saúde, são, sobretudo, relevantes na opinião dos pais, pois estes têm desejos que os filhos cresçam normalmente e desconhecem a ampla variação da normalidade. Muitas vezes, comparam seus filhos com outras crianças independentemente dos fatores que podem influenciar o crescimento e o desenvolvimento.

         Apesar de ser uma questão importante para a família, as queixas relacionadas aos problemas de crescimento ponderal e de estatura, em geral, são trazidas por pais e cuidadores durante as consultas de rotina das crianças/adolescentes e dificilmente são motivos isolados que levem a uma consulta. Em 2009, em pesquisa realizada na cidade de Florianópolis, foi constatado que apenas 2,4% das consultas de crianças de 0 a 4 anos de idade tinham como motivo de consulta, relatados pelos profissionais, os problemas de atraso de crescimento.2

         Muitas vezes, essas queixas estão relacionadas às expectativas da família e frequentemente referem-se a preocupações com baixo peso e baixa estatura. Porém, em geral, elas não se concretizam como problemas de saúde.1, 3 É muito comum que a queixa de pouco crescimento ou baixo ganho de peso venha acompanhada da queixa de falta de apetite da criança. Vale lembrar que na fase pré-escolar e escolar, com a menor velocidade de crescimento (fisiológica), a criança sente menos fome.

         A diferenciação entre queixa e problema de saúde, em geral, só é possível após o exame físico ou, em algumas raras vezes, logo no início da consulta, se alguma alteração mais evidente for notada (p. ex., malformação).1 Portanto, durante o início da consulta, é importante que o médico fique atento e aprofunde suas perguntas de acordo com a queixa e, se necessário, explore mais alguns pontos após o exame físico.4

         Mesmo que, durante a consulta, não for constatado um problema concreto no crescimento, não há motivo para “banalizar” a queixa. Ela ainda deve ser considerada para o cuidado integral, cabendo ao médico tranquilizar a criança e, principalmente, sua família, usando as curvas de crescimento para explicar que não há uma alteração presente naquele momento. Pode-se usar o método clínico centrado na pessoa para explorar melhor outras questões que estejam envolvendo a queixa, como, por exemplo, medos, expectativas irreais, desentendimentos familiares ou problemas na relação dos pais, culpa dos cuidadores por falta de tempo com a criança, dificuldades socioeconômicas.

         Se realmente for constatado que existe, de fato, um problema com repercussão no crescimento que está fora do padrão de normalidade, cabe ao médico uma investigação mais cuidadosa dos possíveis diagnósticos diferenciais relacionados ao crescimento. Em geral, o diagnóstico dos problemas de crescimento não é feito em um único encontro, sendo o acompanhamento longitudinal de grande ajuda nesses casos.4

         Atualmente, o Brasil apresenta queda nas taxas de déficit ponderal e de baixa estatura (terminologia utilizada pelo Ministério da Saúde para classificação do estado nutricional) que são de 5,7 e 10,5%, respectivamente. Porém, é de conhecimento de todos que essas taxas apresentam ampla variação em diferentes regiões do País. Por exemplo, na região Sul, a taxa de baixa estatura é de 5,1% e, no Nordeste, ela é de 17,9%.5 Já a prevalência de sobrepeso e obesidade vem aumentando nos adolescentes ao longo dos últimos anos.6

         A queda nas taxas de déficit ponderal e de baixa estatura e o crescimento da prevalência da obesidade e do sobrepeso nos últimos anos representam uma mudança no perfil epidemiológico do País. Essa mudança está relacionada à melhora nas condições de vida e ao maior acesso aos serviços de saúde. Porém, as mudanças sociais não são uniformes no País, e o perfil epidemiológico varia de região para região, devendo ser enfrentado de maneira contextualizada.

 

O que pode ocasionar

         O crescimento é influenciado por diversos fatores, como a herança genética, o meio ambiente, os aspectos psicológicos individuais e familiares e também pelos níveis socioeconômico, escolar e cultural da família.7 Portanto, os problemas de crescimento refletem as condições de vida da criança e são considerados importantes indicadores de saúde e de desenvolvimento de um país.8, 9 A Tabela 97.1 apresenta os principais fatores de risco que podem influenciar de forma interdependente o crescimento infantil.8

 

Tabela 97.1. Fatores de risco que influenciam o crescimento e o desenvolvimento infantil

Fator de risco

Descrição

Individual

Baixo peso, desmame precoce, antecedentes patológicos, genética, baixa resiliência

Familiar

Baixa escolaridade dos pais, baixa renda, família desarticulada, depressão materna, pais jovens, violência doméstica, gestação não planejada, abuso de álcool e substâncias ilícitas

Ambiental

Saneamento deficiente, falta de recursos sociais (creche, escola, clubes, parques), violência, ambiente populoso

Fonte: Chueiri e Carvalho.8

 

O que fazer

         Os problemas de crescimento ponderal e longitudinal podem ser divididos didaticamente em baixa estatura, baixo ganho de peso, crescimento acima do padrão de normalidade e ganho excessivo de peso. Eles podem ser encontrados de forma combinada ou isolada, e cada uma dessas categorias representa uma gama de diagnósticos diferenciais.

         A anamnese e a observação clínica são os instrumentos mais importantes na avaliação diagnóstica do crescimento ponderal e da estatura.3 O acompanhamento longitudinal da curva de crescimento (peso e altura) é o ponto central para o cuidado mediante uma queixa relacionada ao crescimento. O baixo ganho de peso pode estar relacionado a problemas agudos ou crônicos, a obesidade e os problemas relacionados à estatura em geral estão relacionados a problemas crônicos. O peso é mais sensível às doenças infantis e, de modo geral, é o primeiro a ser atingindo, porém responde positivamente mais rápido assim que o tratamento é iniciado. O déficit estatural é de reversibilidade mais difícil.4

         As queixas relacionadas ao crescimento, apesar de serem mais comuns na primeira infância e na adolescência, ocorrem em todas as faixas etárias. Portanto, as orientações gerais que seguem devem ser adaptadas ao ciclo de vida que a criança está vivendo no momento da consulta.

         Uma das características das crianças é que os sinais gerais têm maior predominância sobre os sinais regionais/específicos. Assim, os problemas de crescimento podem estar relacionados a doenças mais específicas que se manifestam com sinais gerais.4

         Como as queixas relacionadas ao crescimento possibilitam um número grande de diagnósticos diferenciais, é importante que o médico inicie a consulta com um olhar ampliado e, depois, vá especificando suas perguntas e seu exame. Este capítulo seguirá a mesma ordem. Inicialmente, o tema será tratado de forma mais geral e, posteriormente, trará questões específicas dos diagnósticos diferenciais mais comuns na atenção primária.

 

Avaliação do crescimento

Anamnese

         Em relação à queixa de crescimento, é importante saber a época (idade) em que as alterações foram notadas, interrogar sobre a existência de problemas comportamentais e escolares. Se for adolescente, deve-se perguntar sobre a maturação sexual (p. ex., idade da menarca, presença de pelos no corpo), investigar a função gastrintestinal, o apetite, o hábito e a história alimentar (principalmente nos dois primeiros anos de vida) e a prática de atividades físicas. Relacionar com o desenvolvimento neuropsicomotor também é importante para a avaliação do crescimento.

         Devem-se abordar os antecedentes pessoais focando principalmente peso e comprimento ao nascimento, aleitamento materno, história de sobrepeso/obesidade, baixo peso/desnutrição, relação com fatores desencadeantes, tentativas prévias de tratamento, uso crônico de medicações (p. ex., corticoides). Rever o uso de medicações e doenças importantes, buscando principalmente a informação, se a causa da queixa não é secundária a outras doenças ou intercorrências, principalmente no 1º ano de vida.

         Com os adolescentes, é importante incluir, na anamnese, outros hábitos, como o uso de drogas, álcool, tabagismo, informações difíceis de serem coletadas logo na primeira consulta, principalmente na presença dos pais.

         Em relação aos antecedentes familiares, é importante investigar problemas de crescimento presentes na família e saber a altura dos pais e dos irmãos. As fases de vida da criança/adolescente também podem ter grande influência nos problemas de crescimento. É necessário que o médico também aborde essa questão durante a investigação da queixa.

 

Exame físico

         É importante que o exame físico seja relacionado à queixa e à história, mas independentemente das questões de cada pessoa, o médico de família não pode deixar de verificar o peso, a altura/estatura e o perímetro cefálico (se a criança tiver menos de 2 anos) e de colocá-los nas curvas de acompanhamento de referência (ver Apêndice 1).

         Ressalta-se que o maior valor de uso das curvas no diagnóstico de problemas de crescimento é quando elas são utilizadas ao longo do tempo,7 pois, dessa forma, são capazes de, além de dar a referência do momento da consulta, fornecer um parâmetro da tendência de crescimento da criança e ainda possibilitar o cálculo da velocidade de crescimento (Quadro 97.1), considerado o parâmetro mais sensível para se avaliar o crescimento de uma criança (Tabela 97.2). A velocidade de crescimento (VC) representa o número de centímetros que um indivíduo cresce por ano.7

         O principal objetivo dos valores antropométricos colocados nas curvas é acompanhar longitudinalmente a criança, comparar o seu desenvolvimento ao da população de referência, possibilitando a detecção precoce de desvios e determinar se os valores encontrados significam anormalidade.4

 

Quadro 97.1. Cálculo de velocidade de crescimento

Velocidade de crescimento (VC) = Altura atual – altura anterior / intervalo de tempo entre as duas medidas (em anos)

 

Tabela 97.2. Valores de referência para a velocidade de crescimento

1o ano de vida

15 cm/1o semestre

10 cm/2o semestre

2o ano de vida

10 cm/ano

3o ano até o início da puberdade

5-7 cm/ano

Início da puberdade (novo aumento da velocidade de crescimento)

média de 9 cm/ano (meninas)

média de 10 cm/ano (meninos)

Fonte: Zeferino e colaboradores.7

 

         O cálculo do Escore-Z pode ser realizado segundo a fórmula a seguir quando os dados estiverem disponíveis (Quadro 97.2). Em seguida, segue a Tabela 97.3, que correlaciona o percentil com o Escore-Z de estatura. Todavia, as curvas de crescimento que não utilizam Escore-Z são válidas e também podem ser utilizadas pelas equipes de saúde. Nesse caso, baixa estatura é definida quando a altura está abaixo do percentil 3, seja na curva do NCHS, seja na da OMS, ou está 2 desvios-padrão abaixo da média da altura das crianças de mesma idade e mesmo sexo. Vale ressaltar que uma criança, mesmo com altura acima desses marcos, pode estar apresentando problemas no crescimento, quando apresenta uma curva descendente, cruzando percentis. As Tabelas 97.4, 97.5 e 97.6 ajudam a guiar a interpretação do estado ponderoestatural (adequado ao esperado, abaixo do esperado, muito abaixo do esperado, acima do esperado, muito acima do esperado) a partir da colocação dos valores encontrados no exame físico nos gráficos de referência.

         Além dos dados antropométricos, deve-se observar também a proporcionalidade entre cabeça, tronco e membros, a presença de assimetrias, de dismorfismos e de malformações.

         As proporções entre o segmento inferior (SI = distância do púbis até o chão) e o segmento superior (SS = estatura – segmento inferior) também devem fazer parte da avaliação da criança. No nascimento, essa relação é de 1,7 e, aos 7 anos, chega a ser de 1. Se a proporção estiver normal, é sugerida ausência de uma doença do esqueleto; se for anormal, sugere-se o diagnóstico de uma doença do esqueleto (p. ex., acondroplastia).

 

Quadro 97.2. Cálculo do Escore-Z

Zest = estatura da pessoa – estatura média (população) / desvio-padrão da população

 

Tabela 97.3. Correlação entre o percentil e o desvio-padrão de altura

Escore-Z de estatura

Percentil

+ 3

99,6

+ 2

97

+ 1

84

0

50

– 1

16

– 2

3

– 3

0,1

 

Tabela 97.4. Estatura para a idade (crianças de 0-5, 5-10 e 10-19 anos)

Valores críticos percentil

Valores críticos Escore-Z

Diagnóstico nutricional

< Percentil 3

< Escore-Z –2

Baixa estatura(canal de vigilância)

= Percentil 3

= Escore-Z –2

Estatura adequada

 

Tabela 97.5. Peso para a idade (crianças de 0-5 e 5-10 anos)

Valores críticos percentil

Valores críticos Escore-Z

Diagnóstico nutricional

< Percentil 3

< Escore-Z –2

Déficit ponderal/desnutrição (canal de vigilância)

= Percentil 3 e = percentil 97-

= Escore-Z –2 e

= Escore-Z +2

Peso adequado

> Percentil 97

> Escore-Z +2

Peso elevado*

* Esse não é o índice antropométrico mais recomendado para a avaliação do excesso de peso em crianças. Devem-se avaliar também os índices de peso para estatura e IMC para a idade.

 

Tabela 97.6. IMC para idade

Valores críticos percentil

Valores críticos-Escore-Z

Diagnóstico nutricional

< Percentil 3

= Escore-Z –3 e

Magreza(canal de vigilância)

< Escore-Z –2

 

= Percentil 3 e = Percentil 85

= Escore-Z –2 e = Escore-Z +1

Eutrofia

> Percentil 85 e = Percentil 97

= Escore-Z +1 e = Escore-Z +2

Sobrepeso (canal de vigilância)

> Percentil 97

= Escore-Z +2

Obesidade

 

         A correlação entre as medidas antropométricas pode contribuir para o diagnóstico diferencial. Pode-se fazer a relação entre o peso para idade e a altura para idade. Quando essas medidas são semelhantes, classifica-se, por exemplo, como baixa estatura proporcionada, que fala a favor de baixa estatura familiar, atraso constitucional do desenvolvimento, assim como déficit de hormônio do crescimento (GH).

         É importante também observar a inclinação da curva de crescimento. Ela traduz graficamente a velocidade de crescimento.4 Quando há alteração da velocidade de crescimento, existe maior probabilidade de doença de base como causa da alteração do crescimento. Curvas regulares e ascendentes, paralelas às curvas-padrão, significam maior probabilidade de normalidade no crescimento da criança. Até os dois primeiros anos de vida, podem ocorrer mudanças no canal de crescimento. Porém, nas outras faixas etárias, essas mudanças são um sinal de alerta para a equipe da APS.10

         O cálculo da estatura-alvo também pode ajudar no diagnóstico, pois indica o canal de crescimento da criança (acompanhamento) e também ajuda na orientação da criança/adolescente e da família. O cálculo é realizado pelas seguintes fórmulas:

 

Estatura-alvo meninas = (estatura do pai – 13) + estatura da mãe / 2

Estatura-alvo meninos = estatura do pai + (estatura da mãe + 13) / 2

 

         Fazer avaliação da maturidade sexual também faz parte desse momento. Ela é feita por meio dos critérios de Tanner7 (ver Quadro 97.3 e Figuras 97.1, 97.2 e 97.3). O desenvolvimento dos genitais masculinos e femininos tem importante correlação com a idade óssea e auxilia no diagnóstico diferencial dos problemas de crescimento.

 

Quadro 97.3. Estágios do desenvolvimento puberal masculino e feminino

Desenvolvimento dos pelos pubianos para os sexos masculino e feminino

Estágio 1

Ausência de pelos pubianos.

Estágio 2

Pelos pubianos com distribuição esparsa, pequena quantidade, levemente pigmentados, lisos ou discretamente encaracolados, localizados em cada lado da base do pênis ou ao longo dos grandes lábios.

Estágio 3

Os pelos se estendem sobre a sínfise púbica e são mais escuros, grossos e mais encaracolados.

Estágio 4

Os pelos têm aspecto adulto, mas cobrem uma área menor do que na maioria dos adultos, não se estendem para a superfície medial das coxas.-

Estágio 5

Os pelos estão distribuídos em forma de triângulo invertido nas mulheres, têm aspecto adulto em quantidade e aparência, estendendo-se para parte medial da coxa.

Genital masculino

Estágio 1

Aspecto infantil que persiste do nascimento até o início da puberdade. Durante esse período, a genitália aumenta pouco de tamanho, mas há uma pequena mudança na aparência geral.

Estágio 2

O escroto começa a aumentar, a pele se torna um pouco avermelhada e apresenta mudança na sua textura.

Estágio 3

O pênis aumenta mais em comprimento do que em diâmetro; em seguida, há crescimento da bolsa escrotal.

Estágio 4

Os testículos e a bolsa escrotal crescem, e o pênis aumenta de tamanho, principalmente de diâmetro.

Estágio 5

Genitália adulta em tamanho e aparência.

Mamas

 

Estágio 1

Aspecto infantil, com elevação do mamilo.

Estágio 2

As mamas e os mamilos se tornam mais salientes, o diâmetro areolar aumenta (estágio de botão).

Estágio 3

As mamas e as aréolas continuam aumentando, porém não têm seus contornos delimitados.

Estágio 4

A aréola e o mamilo estão aumentados, e formam uma saliência na mama.

Estágio 5

Este é o estágio de adulto, com suave contorno arredondado da mama, e a saliência do estágio 4 desaparece.

Fonte: Zeferino e colaboradores.7

 

Figura 97.1. Estágios da maturação sexual masculina – órgão genital masculino.

Fonte: Monte.11

 

Figura 97.2. Estágios da maturação sexual – mamas.

Fonte: Zeferino e colabradores.7

 

Figura 97.3. Estágios da maturação sexual – órgão genital feminino.

Fonte: Monte.11

 

         Dependendo da queixa e dos achados encontrados durante o exame físico, como, por exemplo, presença de malformações ou cianose, é necessário que o médico amplie o exame de acordo com a necessidade encontrada (p. ex., realizar avaliação cardíaca, respiratória da criança/adolescente).

         É sempre importante observar se o problema encontrado em relação ao crescimento é o único achado ou existem outros sinais e/ou sintomas que o acompanham, o que pode caracterizar uma síndrome. De modo geral, o diagnóstico de problemas de crescimento não são urgentes, e o ideal é que essa criança seja acompanhada ao longo do tempo e reavaliada em alguns meses.4

 

Exames complementares

         A necessidade de exames complementares deve seguir a queixa e os achados do exame físico. Não há uma definição de exames mínimos obrigatórios mediante uma queixa de problemas de crescimento ponderal e/ou longitudinal. É desaconselhado realizar uma bateria de exames. Portanto, cabe ao médico definir a necessidade ou não de exames de acordo com a hipótese diagnóstica levantada durante a consulta. Porém, é improvável que exames complementares revelem a causa do problema caso a anamnese, o exame físico e o acompanhamento não a identifiquem.3

 

COMENTÁRIO

A avaliação da maturação e do crescimento pela idade óssea não é comum, nem essencial, para o nível primário de atenção, pois ela necessita de radiografias de mão e de punho esquerdos e serviços de radiologia preparados para darem o laudo da idade óssea. Esse contexto não faz parte da realidade da maior parte dos municípios brasileiros.11 Além disso, todas as outras ferramentas listadas são suficientes para a avaliação do crescimento na atenção primária.

 

Conduta proposta

         Nem sempre estar abaixo do percentil de peso e/ou de altura esperados para a idade significa anormalidade. O achado pode ser o padrão normal daquela pessoa. Se não for encontrada pelo médico de família qualquer alteração que leve a um diagnóstico, cabe realizar uma orientação da criança/adolescente e da família, de forma que estes se sintam seguros em relação à normalidade da queixa trazida.

         Para que a orientação seja efetiva, é importante que o profissional perceba e esteja sensível ao significado que a queixa tem para a pessoa e a família e que, portanto, possa basear sua fala nesse significado, aproximando-se da necessidade da pessoa/família. O uso das curvas de crescimento, do cálculo da altura-alvo e da história familiar pode tornar a orientação mais concreta ajudando a pessoa e sua família a entenderem a orientação.

         Outras vezes, o motivo da consulta (a queixa) é confirmado por um diagnóstico. Nesses casos, a conduta vai variar muito de acordo com a hipótese diagnóstica. Ela inclui desde a orientação alimentar, o acompanhamento periódico, a observação de outras queixas, a solicitação de exames complementares, a prescrição de medicamentos e o encaminhamento para outros serviços e especialistas focais. Algumas vezes, não é possível fazer um diagnóstico preciso em um primeiro encontro, havendo a necessidade de acompanhamento do caso por algum tempo. Esses casos podem deixar a pessoa e sua família receosos, mas o vínculo e as orientações dadas pelo profissional podem amenizar esse período de incerteza.

         A próxima parte do capítulo tratará dos problemas mais comuns relacionados ao crescimento e ao ganho ponderal. Nela serão desenvolvidos os aspectos mais específicos dos problemas frequentes.

 

Problemas do crescimento

         Os problemas de crescimento são divididos em problemas de baixa estatura e crescimento estatural exacerbado (macrossomia). Esse último é muito menos frequente e, em geral, está relacionado a fatores genéticos ou a doenças endócrinas. Já a baixa estatura pode ser determinada por diversos fatores, incluindo fatores genéticos, características familiares, doenças crônicas (p. ex., insuficiência renal, asma), mas, mais frequentemente, é consequência da desnutrição crônica.7

         Pode-se dizer que o retardo do crescimento (baixa estatura) é um dos indicadores de desigualdade de uma população, já que muitos estudos verificaram que crianças com etnias diferentes, mas padrões socioeconômicos semelhantes, apresentavam pouca diferença do desenvolvimento estatural, e que, em crianças de mesma etnia, porém com diferença socioeconômica, o desenvolvimento estatural é bem diferente.9 Além disso, no Brasil, o problema de baixa estatura da população é de longa data, fazendo com que a baixa estatura passe a ser um problema invisível, já que, em geral, os “baixinhos” são filhos de pais baixos, que vêm de gerações em que a baixa estatura é comum.9

         Embora estudos mais recentes demonstrem uma queda da baixa estatura por desnutrição e um aumento da estatura média do brasileiro, há ainda evidências de alta prevalência de déficit estatural (estatura para idade) em diversas regiões do País, destacando-se o Norte, o Nordeste e os bolsões de pobreza nas demais regiões.

 

Baixa estatura

         Considera-se baixa estatura indivíduos com –2 desvios-padrão (DP) em relação à média da população ou abaixo do percentil 3 do gráfico da Organização Mundial de Saúde (OMS). Cerca de 80% das crianças com queixa de baixa estatura são variantes da normalidade. Apenas os outros 20% apresentam alguma patologia relacionada a esse sinal.7

         Como se viu anteriormente, os critérios de avaliação do crescimento são muitos e, quando utilizados em conjunto, ajudam na diferenciação clínica entre variantes da normalidade e problemas de crescimento.11

         A baixa estatura pode ser classificada de várias formas, dependendo do autor. Nesta obra, optou-se por classificá-la segundo as causas etiológicas.10

 

                         I.          Familiar ou de origem genética

                       II.          Atraso constitucional do crescimento

                     III.          Restrição do crescimento intrauterino

                    IV.          Baixa estatura desproporcionada

-  Acondroplasia, hipocondroplasia

                      V.          Causas viscerais

-  Causas renais, doenças cardíacas, doenças do trato gastrintestinal

-  Doenças pulmonares

                    VI.          Endocrinopatias

-  Hipotireoidismo, deficiência de hormônio de crescimento

                  VII.          Síndromes genéticas

-  Síndrome de Down, síndrome de Turner

                VIII.          Doenças hematológicas

                     IX.          Desnutrição

                       X.          Nanismo psicossocial

                     XI.          Idiopática

 

         Vale ressaltar que atualmente, no Brasil, a desnutrição primária já não é causa importante de baixa estatura, sendo mais importante a desnutrição secundária às causas já citadas.

 

         Baixa estatura familiar/primária > são crianças sadias, com estatura inferior à média, e que em geral estão no canal de vigilância. Têm o peso e a estatura normais ao nascimento, durante o acompanhamento têm proporções normais de peso/ estatura, assim como a proporção do SS/SI. A velocidade de crescimento é preservada, com curva de crescimento ascendente e próxima ao normal, o que pode significar um melhor prognóstico. Quando a estatura da criança é comparada à altura dos pais, ela está na normalidade. A maturidade sexual e a idade óssea correspondem à idade cronológica, e o desenvolvimento neuropsicomotor é normal. Não há um tratamento específico, e é importante impedir ações iatrogênicas, como o uso de hormônios para indução do crescimento. É essencial manter as condições de saúde e o cuidado para que a criança possa atingir seu potencial, sem intercorrências preveníveis.7

 

         Atraso constitucional do crescimento e da maturação sexual > são crianças caracterizadas por peso e estatura de nascimento normais. No 1o ano de vida, têm velocidade de crescimento (VC) normal. Entre 1 e 3 anos de idade, há queda da VC, a criança segue para novo canal de crescimento e mantém o novo percentil até a adolescência. Na adolescência, além do déficit estatural, há atraso da maturação sexual, que pode ser acompanhado de problemas psicossociais. Há história familiar positiva para um ritmo de crescimento e de maturação sexual tardia. O exame clínico é normal, tem aparência proporcionada, a idade óssea e o peso/idade podem ser inferiores ou iguais à idade estatural e todas as medidas são inferiores à idade cronológica. A estatura final do adulto segue o padrão familiar. O tratamento é baseado no apoio e na orientação e tem bom prognóstico.

 

Conduta

         Em relação ao tratamento da baixa estatura, este vai depender da causa base e, didaticamente, pode ser dividido em:

 

      Quando a baixa estatura faz parte de sinais e sintomas de uma doença primária, a terapêutica visa à causa base e não só à estatura (p. ex., desnutrição, hipotireoidismo).

      Quando a baixa estatura é decorrência de uma doença que não tem tratamento (p. ex., distúrbios da osteogênese, alteração cromossômica).

      Quando a baixa estatura é um padrão familiar ou um atraso constitucional do desenvolvimento, e não há necessidade de tratamento.

 

Sinais de bom prognóstico

      Ausência de familiares baixos

      Velocidade de crescimento mantida

      Atraso no desenvolvimento puberal e na idade óssea

 

Prevenção quaternária

         Um aspecto importante é que as causas endócrinas de baixa estatura correspondem a 1% dos casos, o que não justifica muitos encaminhamentos das crianças com queixa de baixa estatura para o endocrinologista.

 

Alta estatura/macrossomia

         São queixas e problemas de saúde infrequentes, caracterizados por velocidade de crescimento que excede 2 DP acima da média para idade e sexo do indivíduo. Sabe-se que 2,5% das crianças normais excedem esse canal de crescimento.11 O ideal é que o médico acompanhe a VC por 4 a 6 meses. As causas mais comuns são brevemente listadas a seguir:

 

         Alta estatura (macrossomia) familiar > caracteriza-se pela alta estatura por fatores constitucionais herdados (história familiar). O desenvolvimento é normal, não há outro sinal ou sintoma clínico além da alta estatura. Não há necessidade de tratamento específico.1

 

         Aceleração constitucional da puberdade > indivíduos que apresentam maturação puberal mais rápida que a média da população, com início e término precoce da puberdade, cuja altura final fica próxima da média populacional. É importante afastar os diagnósticos diferenciais, pois é uma condição que não precisa de tratamento.11

 

         Alta estatura patológica > pode ser por causas primárias, resultante de hiperplasia celular intrínseca, ou por causas secundárias, mediada por fatores humorais. A alta estatura primária é característica de diversas síndromes, por exemplo, a de Klinefelter, a do X frágil e a de Marfan. O tratamento é realizado de acordo com a patologia de base.

 

Problemas de crescimento ponderal

         A transição socioeconômica, somada ao desenvolvimento do sistema de saúde e a melhora das condições de saneamento que o Brasil vive atualmente vêm favorecendo o aumento na prevalência de doenças crônicas não transmissíveis. Mas o País ainda convive com um alto número de doenças transmissíveis e de agravos à saúde relacionados às causas externas. Essa característica epidemiológica é a chamada tripla carga de doenças.12 Além dessa nova característica epidemiológica, o País também vive a chamada transição nutricional, que é caracterizada pela presença, em um mesmo território de desnutrição, da deficiência de micronutrientes e excesso de peso.

         Nas crianças, essas duas transições, epidemiológica e nutricional, podem ser notadas quando se observa um crescente aumento da prevalência de sobrepeso e da obesidade em todo o País, em detrimento dos casos de desnutrição (baixo peso). A prevalência de crianças obesas no Brasil é atualmente de 6,6%.

 

Déficit ponderal e desnutrição

         A definição desse problema de saúde é estabelecida quando uma criança apresenta peso para a idade abaixo do percentil 3 ou menor que Escore-Z –2. É uma condição multifatorial, que está relacionada muitas vezes a problemas orgânicos e também não orgânicos. As principais causas de desnutrição derivam de quatro condições elementares: ingestão calórica insuficiente, absorção inadequada, demanda metabólica aumentada e m· utilização dos nutrientes.

         Entre as condições elementares que podem causar desnutrição, destacam-se as mais importantes para a atenção primária.

 

      Ingestão insuficiente de calorias

      Incorreto preparo de fórmulas (muito diluída, muito concentrada)

      Hábitos alimentares inadequados

      Problemas de comportamento (p. ex., anorexia, uso de drogas)

      Patologias que afetam a alimentação (p. ex., paralisia cerebral)

      Pobreza e escassez de alimentos

      Negligência de pais ou cuidadores

      Relação mãe/pai-filho conturbada

 

         O acompanhamento rotineiro da criança pelo médico de família e comunidade permite que este possa avaliar se as mensurações de peso ao longo do tempo se enquadram na definição de desnutrição e já avaliar, em conjunto com a equipe de saúde, quais os fatores individuais e ambientais da criança/ adolescente que determinaram o surgimento desse problema. É importante lembrar que, embora a desnutrição, a criança abaixo do percentil 3 ou Escore-Z menor que –2 sejam condições hoje bem menos frequentes, é preciso estar atento para as crianças que evoluem com baixo ganho de peso, principalmente os lactentes.

         A anamnese deve investigar os pontos fundamentais para guiar as condutas a serem tomadas. Tentar especificar, com diário alimentar, o consumo calórico habitual, contendo como são preparadas as fórmulas (diluições e concentrações), quais tipos de alimentos e como são utilizados, qual o ambiente em que a criança se alimenta, como a criança é alimentada, com colher ou uso de outro utensílio, entre outras informações.

         Complementar com avaliação de patologias pregressas e atuais, principalmente as de origem infecciosas, além de uma cuidadosa abordagem social: quem mora com a criança, quem são os cuidadores, qual a renda familiar, situações não só de estresse econômico, mas também outras, como depressão, uso de álcool ou outras drogas. Negligência no cuidado com a criança também é um fator ser pesquisado.

         O exame físico é importante, pois permite mensurar a gravidade do baixo ganho de peso, assim como identificar alterações que sugiram doenças genéticas, malformações ou até mesmo eventuais abusos a que a criança possa estar sendo submetida.

         Não é incomum que muitas das crianças com baixo ganho de peso apresentem problemas na relação com seus pais. A observação desse relacionamento pode ser feita durante as consultas ou em visitas domiciliares. Quando esta é realizada no momento em que a criança é alimentada, a avaliação se torna mais completa.

         A maior parte das crianças com baixo ganho de peso não apresenta alterações laboratoriais. Porém, alguns exames podem ser solicitados para afastar outras causas de baixo peso dependendo da suspeita diagnóstica.

 

Tratamento

         A identificação da causa é a principal ferramenta para guiar a equipe de saúde para o tratamento adequado do baixo ganho de peso. A maioria dos casos deve ter a orientação alimentar como base das intervenções. As crianças devem ser seguidas de perto, com consultas frequentes, em um primeiro momento semanais, para avaliar o ganho de peso por dia. A alimentação deve conter alimentos de alta caloria. Esse aumento de calorias pode ser obtido por meio da adição de fórmulas e concentrados ou ingerindo alimentos com maior teor calórico, como queijos, creme de leite, manteiga, etc. A associação de suplementos vitamínicos para corrigir a deficiência de micronutrientes ajuda a garantir o mínimo recomendado de vitaminas e minerais. O trabalho conjunto com equipe multiprofissional, principalmente com a nutricionista, é valioso nesse momento. Se necessário, devem-se tratar infecções concomitantes.

         Os pais devem incentivar a criança a comer e não forçar a ingesta alimentar.

         Caso a criança não venha obtendo o ganho de peso esperado, a revisão do plano terapêutico deve ser realizada para eventuais acertos. O encaminhamento para o especialista focal também pode ser uma opção nessa fase.

 

Prevenção

         Políticas públicas de erradicação da miséria e de distribuição de renda são os primeiros passos para a prevenção da desnutrição, principal causa de baixo peso. O acesso ao sistema de saúde também é um fator importante para a prevenção da desnutrição, mas também para o diagnóstico precoce e a prevenção de complicações desse problema.

         A prevenção da desnutrição se faz desde o momento em que a mãe descobre a gravidez e se perpetua após o nascimento. O vínculo estabelecido entre a equipe de saúde e a família é um forte instrumento. Por isso, um bom acompanhamento pré-natal, evitando agravos e agindo rapidamente quando alterações são encontradas, evita o nascimento de recém-nascidos de baixo peso ou prematuros. O incentivo ao aleitamento materno e a ajuda para enfrentar as principais dificuldades alimentares da criança, principalmente no 1º ano de vida, são fundamentais para que, na idade pré-escolar, a criança se mantenha bem nutrida. As intervenções devem ser realizadas principalmente no intervalo entre o pré-natal até os 2 anos de vida, pois essa é uma janela de oportunidade para prevenção da desnutrição e da baixa estatura.

         A atenção deve ser redobrada em situações mais vulneráveis do desenvolvimento infantil, como as que demandam maior necessidade nutricional, por exemplo, as crianças classificadas com baixo peso ao nascer, lactentes e adolescentes. As crianças que já apresentam outras patologias também se enquadram nesse grupo, pois estão mais vulneráveis ao déficit ponderal.

 

Sobrepeso/obesidade

         O sobrepeso e a obesidade são condições que vêm aumentando consideravelmente. Sabe-se que o sobrepeso e a obesidade estão associados ao desenvolvimento na idade adulta de hipertensão arterial sistêmica (HAS), doença cardíaca, osteoartrite, diabetes tipo 2 e alguns tipos de câncer. Cerca de 50% de crianças obesas aos 6 meses de idade e 80% das crianças obesas aos 5 anos, permanecerão obesas.13, 14 O fato de as crianças obesas tenderem a permanecer com o mesmo quadro na vida adulta é mais um motivo para o médico de família estar atento a essa mudança epidemiológica e incluir a prevenção do sobrepeso/obesidade na rotina do seu cuidado.

         Além disso, evidências científicas têm revelado que a aterosclerose e a hipertensão arterial são processos patológicos iniciados na infância. Além dos problemas clínicos esperados, sabe-se que pessoas obesas, e principalmente as crianças, frequentemente apresentam problemas de baixa autoestima, afetando o desempenho escolar e os relacionamentos.

         Vários são os fatores que estão relacionados ao estado de sobrepeso e de obesidade. Estes vão desde questões genéticas que podem induzir um maior ou menor ganho/gasto energético, passando pelos hábitos de vida que favorecem o aumento de peso. Questões individuais, como doenças específicas e uso de medicamentos, podem favorecer o surgimento da doença. Porém, apenas 5% da obesidade infantil está associada a doenças como Cushing, Turner, distrofia muscular, entre ou-tras.3 Outros autores falam que a obesidade de causa orgânica na infância corresponde a 1% dos casos, sendo que 99% são de origem exógena, principalmente por aumento da relação ingesta/gasto.

 

Principais causas de sobrepeso e obesidade1

      Oferta alimentar inadequada e/ou mal balanceada

      Ingesta excessiva de alimento

      Traços/constituição que favorece a formação de tecido adiposo

      Estilo de vida (p. ex., prática de atividades físicas)

      Fatores constitucionais que favorecem (p. ex., membros da família com história de obesidade)

      Condições psicológicas e sociais desfavoráveis

      Presença de outras condições/patologias: oligofrenias, paralisias

 

Principais complicações3

      Psicossociais (p. ex., ridicularização, discriminação, isolamento)

      Crescimento: idade óssea avançada, estatura aumentada, menarca precoce

      Respiratória: apneia do sono

      Cardiovascular: HAS, hipertrofia do ventrículo esquerdo

      Ortopédica: deslizamento da epífise proximal do fêmur

      Metabólica: resistência à insulina, diabetes melito tipo 2, alteração do perfil lipídico, síndrome dos ovários policísticos – todas na fase adulta

 

         Geralmente, as complicações estão relacionadas ao grau de obesidade e podem regredir com a perda de peso.

         Para a abordagem efetiva desse problema, é preciso compreender os fatores que levaram ao surgimento da obesidade, não só individualmente, mas também no contexto familiar, escolar, etc. O cuidado com o sobrepeso/obesidade parte das orientações gerais colocadas no início do capítulo e deve ser especificado com as seguintes questões.

         Deve-se investigar o início do ganho de peso (em qual idade), a relação desse ganho com fatores desencadeantes e com tratamentos anteriores. A história pessoal é importante para levantar doenças prévias, peso ao nascer, como foi o ganho de peso durante o 1o ano de vida e também o uso de medicamentos. A história de doença cardiovascular precoce na família, assim como dislipidemias e diabetes, também devem ser questionadas.

         A história alimentar deve conter o padrão prévio, a história do aleitamento materno, a época de introdução da alimentação complementar, assim como seus aspectos qualitativos e quantitativos e o padrão atual de alimentação. Este pode ser obtido solicitando-se um diário alimentar que deve conter não só informações sobre o conteúdo e a quantidade, mas também em qual local é realizada a refeição, tempo gasto, pessoas presentes e se há ingestão concomitante de líquidos.

         É importante interrogar aspectos sobre atividade física na escola e fora dela. Abordar quais as brincadeiras habituais da criança/adolescente. Observar como a família lida com o problema apresentado é importante para direcionar as orientações. Problemas de ganho de peso excessivos em crianças geralmente são acompanhados de sobrepeso e obesidade em outros membros da família. Por isso, essa avaliação é importante na hora da elaboração do plano terapêutico, e muitos dos insucessos no tratamento se devem ao fato de se desconsiderar que esse é um problema familiar.

         Após esse início, deve-se dirigir a avaliação para a pesquisa dos problemas secundários, que podem estar atrelados à obesidade, como:

 

      Problemas respiratórios: cansaço aos esforços, respiração bucal, roncos, parada respiratória durante o sono

      Dores articulares difusas, dores abdominais, dor retroesternal

      Alterações menstruais para as adolescentes

      Lesões de pele

 

         O exame físico deve determinar o peso e a estatura para a determinação do índice de massa corporal e utilizar os gráficos padronizados para determinar o grau do desvio. São considerados como peso excessivo os valores acima do percentil 85 na tabela do índice de massa corporal (IMC) e como obesidade valores acima do percentil 97. A complementação do exame físico deve conter a circunferência abdominal, a pressão arterial sistêmica e o estadiamento puberal. Faz parte também observar a distribuição do tecido adiposo, a presença de estrias, ginecomatias, malformações, bócio, acne, acanthosis nigricans, hirsutismo, lesões articulares.

         Os exames subsidiários só devem ser solicitados após avaliação criteriosa. Na maioria dos casos, utiliza-se esse recurso para pesquisar comorbidades, como alterações glicêmicas, da secreção de insulina e dislipidemias, visto que as principais causas de sobrepeso e obesidade são de origem exógena. Essas solicitações podem ser guiadas por achados individuais na anamnese e no exame físico.

 

Quando investigar

      Crianças obesas

-  Perfil lipídico

-  Glicemia de jejum

-  Aspartato alaninotransferase (ALT)

 

      Crianças com sobrepeso

-  Sem fatores de risco

-  Perfil lipídico

-  Com fatores de risco (história familiar de DM 2, doenças relacionadas à obesidade ou dislipidemias e hipertensão)

-  Perfil lipídico e glicemia de jejum

 

Conduta

         A conduta apresentada abordar· apenas o sobrepeso e a obesidade de causa exógena; as de causa endógena têm tratamento específico de acordo com a doença e não fazem parte do escopo deste capítulo.

         O tratamento da obesidade pode ser didaticamente dividido nos seguintes pontos:

 

      Abordagem alimentar

      Modificação dos hábitos de vida

      Envolvimento familiar no tratamento

      Incentivo à prática de atividade física

      Apoio psicossocial

 

         É interessante que a abordagem seja realizada por uma equipe multiprofissional dada a complexidade das intervenções descritas.11

 

Comentário

A criança e o adolescente nem sempre entendem a noção do tempo. Portanto, é interessante abordar as implicações atuais do problema e não apenas basear as orientações nos riscos de doenças futuras.11

 

Orientação alimentar

         O plano terapêutico deve ser instituído de maneira gradativa e individualizada. Não é aconselhada a imposição de alimentações rígidas e restritivas. Ela deve conter macro e micronutrientes e a criança/adolescente deve ajudar na escolha dos alimentos. Para isso, é essencial que seja avaliada a disponibilidade de alimentos, as preferências e as recusas, os alimentos e as preparações habitualmente consumidas pela família. É também fundamental salientar que crianças e adolescentes seguem padrões paternos e, se esses não forem modificados ou manejados em conjunto, a chance de insucesso do tratamento é grande.11 Por isso, deve-se enfatizar que a pessoa e sua família têm corresponsabilidade nesse processo e que determinação e disciplina serão necessárias para que o tratamento seja efetivo.

         O processo educacional relacionado ao padrão alimentar é importante para capacitar a pessoa e sua família. A pirâmide alimentar tornou-se um instrumento valioso nesse processo educativo, podendo ser usada de maneira lúdica, auxiliando crianças e adolescentes a aprenderem a quantificar as porções de alimentos, fazendo substituições por outros do mesmo grupo ou com mesmo valor energético.

         O manual de Orientação da Obesidade na Infância e na Adolescência15 confeccionado pelo Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, divide em cinco etapas a abordagem da orientação alimentar.

         Na primeira etapa, o profissional deve conhecer profundamente a alimentação da pessoa e estabelecer as estratégias de atuação. Deve orientar as pessoas quanto aos conceitos errôneos de que as dietas para perda de peso devem conter apenas frutas e verduras e que alimentos ricos em açúcar, sal e gorduras são proibidos. As pessoas se sentem mais confortáveis ao saberem que consumos esporádicos desses alimentos podem ocorrer. Deve-se sempre estimular e enfocar positivamente a alimentação saudável.

         A segunda etapa consiste em avaliar comportamentos da criança/adolescente que possam prejudicar o tratamento e orientar mudanças graduais. Condutas como mastigação rápida, comer assistindo à TV, ausência de horários ou de rotina para se alimentar e pular refeições devem ser mudadas ao longo do tratamento.

         Entrando na terceira etapa, a orientação para a diminuição da quantidade de alimentos consumidos em excesso deve ser realizada. Deve-se perceber os limites de cada pessoa para se adaptar à redução alimentar, pois alguns podem estranhar a mudança, ficando com fome e colocando o tratamento em risco.

         A quarta etapa diz respeito à qualidade dos alimentos. Nessa fase, já se atingiu o controle do ganho de peso com adequação de quantidades e comportamentos alimentares. Incentiva-se o consumo crescente de frutas, verduras e legumes.

         Na última etapa, a pessoa e sua família utilizam as informações e os aprendizados adquiridos para se adaptar às diversas situações, como festas e viagens, controlando os excessos, realizando as substituições necessárias para manter a alimentação equilibrada.

         O objetivo do tratamento da obesidade é diminuir o peso para diminuir as comorbidades. As metas de peso a serem atingidas variam conforme o IMC inicial e a idade da criança/adolescente. Crianças entre 2 e 7 anos com alguma comorbidade ou crianças/adolescentes sem comorbidades com IMC entre o percentil 85 e 97 (sobrepeso) devem realizar a manutenção do peso, assim como as crianças de 2 a 7 anos, sem comorbidades com IMC maior que o percentil 97, pois o crescimento estatural fisiológico e a manutenção do peso vão levar à queda do IMC. Já crianças acima de 7 anos com percentil acima de 85 com comorbidades ou com percentil acima de 97 com ou sem comorbidades devem realizar redução gradual de peso (Figura 97.4).11, 16

 

Figura 97.4. Metas de pesos a serem atingidas.

 

Atividade física

         O cotidiano de crianças e adolescentes deve conter praticas corporais/atividades físicas lúdicas ou recreacionais desde os primeiros anos de vida para que ela já incorpore em suas atividades habituais um estilo de vida menos sedentário. O tempo gasto com atividades sedentárias, como assistir televisão e brincar com videogames e computadores, deve ser reduzido. A taxa de obesidade em crianças que assistem à televisão por menos de 1 h/dia é de 10%,17 enquanto que o hábito de persistir por 3, 4, 5 ou mais horas por dia está associado a uma prevalência de cerca de 25, 27 e 35%, respectivamente.18 Deve-se tomar cuidado na orientação da prática corporal/atividade física, não obrigando a criança/adolescente a seguir determinada atividade em detrimento de outra. A escolha da atividade deve partir da pessoa para que a aderência seja melhor. Os adolescentes podem realizar, além de atividade aeróbica, exercícios repetidos com moderada intensidade.11

 

Tratamento farmacológico

         O tratamento medicamentoso deve ser reservado para situações especiais, como em casos em que são detectadas situações de agravo à saúde e têm influência direta no ganho de peso. Porém, independentemente da indicação, o uso da medicação deve acontecer paralelamente ao processo de educação alimentar. A farmacoterapia em crianças não é habitual e, em geral, deve ser feita com acompanhamento do especialista focal.

 

Prevenção do sobrepeso e da obesidade

         Para a prevenção do sobrepeso e da obesidade, além das medidas individuais de promoção da saúde, outras mais abrangentes devem ser instituídas para que a prevalência dessas enfermidades diminuam. Dentre elas, o desenvolvimento de infraestrutura adequada para praticas corporais e atividades físicas, o maior incentivo para a vida ativa em ambientes escolares, o desenvolvimento de políticas de educação nutricional, os incentivos ao consumo de alimentos saudáveis em escolas e o desenvolvimento de legislação específica para restringir propaganda de alimentos de alto valor calórico e pouco valor nutritivo são medidas que podem auxiliar na prevenção do sobrepeso/obesidade.19 Em uma revisão sistemática de 2009, concluiu-se que ainda não é possível definir quais são as medidas primordiais para a prevenção do sobrepeso/obesidade.20

         Essas medidas, associadas a avaliações individuais de rotina feitas pela equipe de saúde, podem ajudar na redução dos números de sobrepeso e obesidade encontrados atualmente no Brasil.

 

Conclusão

         Os problemas de crescimento ponderal e longitudinal fazem parte do dia a dia dos médicos de família e comunidade e podem representar um grande leque de diagnósticos diferenciais ou apenas uma preocupação da pessoa e de sua família, estando intimamente relacionados a modos e condições de vida da população. Cabe ao médico de família pautar suas ações de forma individual, acompanhando o crescimento das crianças sob sua responsabilidade, realizando o diagnóstico precoce, o tratamento e o acompanhamento de eventuais problemas de saúde e de queixas. Cabe também abordar o problema de forma coletiva, incluindo as questões de condições de vida e de promoção da saúde no dia a dia do cuidado da atenção primária.

 

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