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Anemia da doença crônica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 29/10/2013

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A anemia da doença crônica, antigamente denominada anemia da inflamação crônica, ocorre associada com diversas condições, como doenças infecciosas, inflamatórias e neoplásicas. Relatos recentes verificaram que também pode estar associada a outras condições, como trauma, diabetes melito, entre outras.

Em todas essas condições, alguns achados são comuns, como nível de hemoglobina (Hb) entre 7 e 11 g/dL, associação com ferro (Fe) sérico baixo, depósitos de Fe aumentados e diminuição da capacidade total de ligação de ferro (CTLF). Também é conhecida como anemia sideropênica ou siderose reticuloendotelial. Esta anemia é tipicamente normocítica, normocrômica e hipoproliferativa.

 

Etiologia e patogênese

Várias alterações contribuem para o aparecimento da anemia em doenças crônicas, como metabolismo anormal do ferro com redução da absorção de ferro pelo trato gastrintestinal e retenção de ferro nos macrófagos. A gravidade da anemia é proporcionalmente relacionada à severidade dos sintomas da doença associada (febre, perda de peso e debilidade geral). Existe ainda uma diminuição relativa na produção de eritropoietina, diferente do que ocorre na maioria das anemias. As citocinas liberadas por inflamação apresentam um papel cada vez mais conhecido nestes casos; entre estas, vale destacar as IL-1 e IL-6, além do TNF-alfa. Essas citocinas podem desencadear uma cascata que inclui a secreção de interferon por linfócitos T. Sabe-se, por exemplo, que o interferon-gama é associado com aparecimento de anemia com características de doença crônica em modelos animais. O papel da hepcidina na patogênese da anemia de doença crônica também é bem definido experimentalmente. Esta proteína tem um papel importante no metabolismo do ferro, inibindo sua absorção pelos enterócitos e interrompendo sua liberação pelos macrófagos. A produção da hepcidina é estimulada pelas citocinas pró-inflamatórias, justificando seu papel neste tipo de anemia.

Para ocorrer a anemia, é necessário cerca de 1 a 2 meses de infecção sustentada; depois desse período, um novo balanço é estabelecido entre produção e destruição de células vermelhas até que os níveis de Hb se tornam estáveis.

Também é característica da anemia da doença crônica leve diminuição da vida das hemácias, embora tal diminuição pareça ter pouca importância na fisiopatologia. A vida média das células vermelhas nestas condições é reduzida em 20 a 30%, também por ação das citocinas. A resposta da medula óssea a eritropoietina e a outros estímulos é diminuída, e parte deste efeito parece ser mediado por supressão medular pela IL-1.

Há a descrição de uma forma aguda da anemia da doença crônica, que ocorre após algum evento agudo, como infarto do miocárdio, trauma ou sepse grave. Laboratorialmente, apresenta muitas das características observadas na anemia de doença crônica. Esses pacientes apresentam níveis altos de hepcidina, sobretudo elevação importante da IL-6, que se correlaciona com diminuição rápida dos níveis de Hb, maiores que a velocidade esperada na forma habitual da anemia

 

Achados clínicos e laboratoriais

A gravidade da anemia é severa. Em geral, os níveis de Hb variam entre 7 e 11 g/dL, não necessariamente com sintomas relacionados a anemia. Níveis de Hb abaixo de 8,5 g/dL são vistos em cerca de 20% dos casos. A contagem absoluta de reticulócitos é baixa, em geral com menos de 25.000 céls/mm3.

Níveis de ferritina abaixo de 15 g/dL são marcadores da ausência de depósitos de Fe, sendo, na prática, patognômonicos de anemia ferropriva. Embora sensível, este ponto de corte é pouco específico para diferenciar entre a anemia por deficiência de ferro e a anemia da doença crônica. Utilizando um ponto de corte de 30 g/dL, tem-se um marcador melhor para diferenciar entre esses dois tipos de anemia. Já a concentração de Fe sérico e os níveis de transferrinas são baixos, assim como o observado na anemia ferropriva.

Os pacientes podem apresentar anemia de doença crônica concomitantemente à anemia ferropriva; neste caso, a microcitose observada costuma ser maior que a normalmente observada na anemia ferropriva.

Em pacientes com níveis de ferritina acima de 100 g/dL, o diagnóstico de anemia ferropriva é praticamente descartado, mas se os níveis de ferritina se encontram entre 30 e 100 g/dL, o diagnóstico diferencial se torna mais difícil, sendo necessário verificar os níveis dos receptores solúveis da transferrina. Neste caso, tais níveis são aumentados na anemia ferropriva e normais na anemia da doença crônica. Pode-se utilizar uma fórmula para ajudar esta diferenciação: se a relação entre os níveis dos receptores da transferrina sobre o logaritmo da ferritina sérica for maior que 2, é provável que haja associação entre anemia ferropriva e doença crônica; se for menor que 1, provavelmente há anemia de doença crônica isolada. A concentração de ferro menor que 26 pg/célula é outro exame sugestivo de deficiência de ferro e pode ajudar a diferenciação.

A avaliação da medula óssea pode ser de grande ajuda. Classicamente, os macrófagos da medula óssea contêm quantidades normais ou aumentadas dos depósitos de ferro, refletindo redução da exportação de ferro pelos macrófagos. Além disso, os precursores eritroides apresentam diminuição ou ausência de coloração para ferro (ou seja, diminuição do número de sideroblastos), refletindo a menor disponibilidade de ferro para a produção de glóbulos vermelhos. De qualquer forma, em virtude da concomitância de doenças que acometem esses pacientes, é difícil interpretar o aspirado de medula óssea nessas circunstâncias.

A anemia nesses pacientes é tradicionalmente normocrômica e normocítica, mas um grande número de pacientes apresentam volume corpuscular médio (VCM) e concentração de hemoglobina corpuscular média (ChbCM) discretamente diminuídos. A Tabela 1 mostra as características da anemia da doença crônica comparada a pacientes com deficiência de ferro.

 

Tabela 1. Características da anemia da doença crônica

Características

Normal

Deficiência de Fe

anemia da doença crônica

Fe plasmático

70 a 190

30

30

Capacidade ligação Fe

250 a 40

450

200

% saturação Fe

30

7

15

Fe no macrófago da medula óssea

2 +

0

3+

Ferritina sérica

20 a 200

10

150 ou +

Receptores de transferrina sérica

8 a 28

Aumentada

Normal

 

Os sintomas relacionados à anemia de doença crônica são, em geral, aqueles das doenças de base, podendo ter piora por causa de eventual anemia sintomática. Em particular, nos pacientes com comprometimento pulmonar, febre ou debilidade física, uma redução moderada do transporte de O2 causada pela queda de Hb pode agravar sobremaneira os sintomas do paciente.

 

Diagnóstico diferencial

O primeiro diferencial é com a anemia ferropriva. Cmo já comentado, nos casos em que existem dúvidas, alguns autores recomendam a terapia com reposição de ferro com reavaliação conforme a resposta. Vale lembrar que os pacientes apresentam, em geral, anemia normocítica e normocrômica hipoproliferativa, o que tem como diagnósticos diferenciais importantes a doença renal crônica. Eles também podem apresentar quadro de anemia similar a doenças endócrinas, como hipertireoidismo, hipotireoidismo, pan-hipopituitarismo e hiperparatireoidismo primário e secundário.

A anemia dilucional que ocorre em pacientes com doenças avançadas, principalmente em neoplasias avançadas, e a supressão da medula óssea induzida por medicamentos, que elimina siderose nos macrófagos, também é um diferencial importante.

Quando o paciente apresenta anemia microcítica e principalmente em casos mais severos, o diagnóstico diferencial se torna mais extenso, devendo-se considerar talassemia minor, variantes sideropênicas das síndromes mielodisplásicas, mieloftise por invasão de medula óssea, entre outras condições.

 

Tratamento e prognóstico

O tratamento de escolha é o da doença de base, seja cirurgia ou quimioterapia para neoplasias ou antibioticoterapia para doenças infecciosas ou qualquer outra modalidade de tratamento cabível para as doenças associadas. A anemia nestes pacientes costuma ser moderada e compatível com as limitações funcionais das doenças de base. Deve-se avaliar a possibilidade de outros fatores complicadores associados, como deficiência de vitamina B12, ácido fólico ou ferro.

Pode haver alguma melhora dos sintomas com o uso da eritropoietina. Caso se decida pelo seu uso, é importante ter em mente a necessidade de repor o ferro para manter a saturação de transferrina acima de 20% e ferritina sérica acima de 100 ng/mL. Tais recomendações valem para qualquer condição com a indicação do uso de eritropoietina, a qual  pode ser dada em dose de 10.000 U 3 vezes/semana, por via subcutânea. Essa dose pode ser aumentada ou diminuída conforme a resposta, ou seja, aumento da Hb e diminuição dos níveis de ferritina em 2 a 3 semanas. A darbopoietina também pode ser utilizada, mas se não houver resposta satisfatória, recomenda-se descontinuar o tratamento. Os níveis de Hb desejados são aqueles que aliviem a sintomatologia do paciente.

A transfusão de concentrado de hemácias é recomendada em casos de anemia sintomática, sobretudo se os níveis de Hb estiverem abaixo de 7 g/dL, apesar do tratamento com agente estimulador da eritropoiese.

 

Bibliografia recomendada

1.    Weiss G, Goodnough LT. Anemia of chronic disease. N Engl J Med 2005; 352:1011.

2.    Schrier SL, Camaschella C. Anemia of chronic disease. Disponível em www.uptodate.com.

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