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Doença pulmonar obstrutiva crônica

Autores:

Denise Rossato Silva

Médica pneumologista. Professora adjunta de Pneumologia da Faculdade de Medicina da UFRGS. Doutora em Ciências Pneumológicas
pela UFRGS.

Marli Maria Knorst

Médica do Serviço de Pneumologia do HCPA. Professora associada do Departamento de Medicina Interna e do Programa de Pós-graduação em Ciências Pneumológicas da UFRGS.

Última revisão: 28/02/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 60 anos, tabagista desde os 20 anos (fumante de cerca de 20 cigarros por dia), relatou dispneia aos pequenos esforços e tosse produtiva crônica com início há cinco anos. Na última semana, observou acentuação da dispneia e da tosse com expectoração purulenta. Afirmou não apresentar  febre, nem dor torácica. Ao realizar exame físico, foram verificados frequência respiratória de 22 rpm, respiração com lábios semicerrados, utilização de ancoragem de membros superiores, aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, hipersonoridade à percussão, diminuição do murmúrio vesicular e alguns sibilos expiratórios na ausculta. A partir de uma espirometria realizada em uma consulta ambulatorial prévia, evidenciou-se um volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) de 1,10 L (40% do previsto), com uma relação VEF1/CVF (capacidade vital forçada) de 0,45 após o uso de broncodilatador. Devido à pouca melhora com o uso de broncodilatadores em seu domicílio, o paciente optou por procurar um serviço de emergência.

 

Definição

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) compreende duas doenças: a bronquite crônica (BC) e o enfisema pulmonar (EP). A DPOC caracteriza-se por obstrução do fluxo aéreo, que é permanente e progressiva, e uma variedade de alterações patológicas no pulmão, alguns efeitos extrapulmonares e comorbidades significativos que podem contribuir para a gravidade da doença. Essa limitação ao fluxo aéreo está associada à resposta inflamatória anormal dos pulmões a gases e partículas nocivas. Cerca de 15% dos pacientes podem apresentar hiper-reatividade brônquica (HRB) associada, isto é, uma resposta significativa ao broncodilatador naespirometria.1-3

A BC é definida clinicamente por ocorrência de tosse e expectoração na maioria dos dias, durante três meses, por dois anos consecutivos, após serem afastadas outras causas de tosse crônica. O EP apresenta definição histopatológica, compreendendo aumento dos espaços aéreos distais ao bronquíolo terminal com áreas de destruição de paredes alveolares. Muitos dos pacientes apresentam um padrão misto de doença. A constatação da obstrução mantida e progressiva ao fluxo aéreo é condição indispensável para estabelecimento do diagnóstico de DPOC.1-3

 

Epidemiologia

Estima-se que aproximadamente 14 milhões de pessoas nos Estados Unidos apresentem DPOC. Há um aumento nas taxas de prevalência e mortalidade da doença, mesmo em países industrializados. A DPOC foi a sexta causa de morte no mundo, em 1990, mas poderá se tornar a terceira causa mais comum de morte em 2020. Na América Latina, as mortes devido à DPOC aumentaram cerca de 65% na última década. O estudo realizado pela Associação Latino-Americana de Tórax (ALAT), denominado Projeto Latino-Americano de Investigação em Obstrução Pulmonar (PLATINO), publicado em 2006, evidenciou, em São Paulo, uma prevalência total de DPOC de 15,8%.1-6

O principal fator de risco para DPOC é o tabagismo, associado a 85 a 90% dos casos. O risco aumenta na razão direta da carga tabágica. Entretanto, somente cerca de 15 a 20% dos pacientes que fumam desenvolvem DPOC. Outros fatores de risco, como base genética (deficiência de a-1-antitripsina), infecções respiratórias recorrentes na infância, exposição ocupacional (p. ex., poeira de carvão, tecelagem), uso domiciliar de fogão a lenha sem chaminé (principalmente no caso de mulheres) e exposição passiva à fumaça do cigarro, podem ser significativos em determinados pacientes.1-3

 

Patogênese da doença pulmonar obstrutiva crônica

Em pacientes com DPOC, ocorrem alterações patológicas em quatro compartimentos diferentes dos pulmões: vias aéreas centrais, vias aéreas periféricas, parênquima pulmonar e vasculatura pulmonar. Além da inflamação causada pelo tabagismo, um desequilíbrio entre proteases e antiproteases nos pulmões e estresse oxidativo contribuem para a patogênese da DPOC.

As principais alterações fisiológicas verificadas em casos de DPOC são as seguintes:

•Hipersecreção de muco e disfunção ciliar;

•Limitação ao fluxo aéreo e hiperinsuflação;

•Anormalidades nas trocas gasosas;

•Hipertensão pulmonar.

 

Pacientes com DPOC estável apresentam maiores taxas de leucócitos, proteínas de fase aguda (proteína C-reativa e fibrinogênio), citocinas (interleucina 6 – IL-6) e fator de necrose tumoral (TNF ). A intensidade dessa inflamação sistêmica aumenta durante as exacerbações da doença. Os efeitos sistêmicos clinicamente relevantes da DPOC incluem disfunção do sistema muscular esquelético, cardiovascular, neurológico, psiquiátrico e endócrino. Portadores de DPOC muitas vezes apresentam comorbidades que podem interferir no desenvolvimento natural da doença e no tratamento.1-5

 

Sinais e Sintomas

A DPOC geralmente ocorre em pacientes com mais de 50 anos, que apresentam história de tabagismo. Nas fases iniciais da doença, os pacientes podem ser assintomáticos. Tosse e dispneia são os sintomas mais frequentes. Nos casos com predomínio de BC, o desenvolvimento natural da doença caracteriza-se por pigarro matinal, que evolui para tosse com expectoração mucoide inicialmente pela manhã e, em seguida, ao longo do dia, e dispneia de instalação tardia e caráter progressivo. Uma porcentagem significativa de pacientes relata sibilância, associada ou não a exacerbações. Distintamente, a dispneia ao exercício pode ser a primeira manifestação da doença nos casos com predomínio de EP. A dispneia torna-se evidente em uma fase em que há perda significativa da função pulmonar, isto é, quando o VEF1 está 50% abaixo do previsto. A maioria dos pacientes apresenta uma combinação dos sintomas de BC e EP.1-5

Exacerbações fazem parte do desenvolvimento natural da DPOC e geralmente são precipitadas por infecções (virais ou bacterianas) ou poluição do ar; entretanto a causa de cerca de um terço das exacerbações graves não pode ser identificada. Com a progressão da doença, o intervalo entre essas exacerbações diminui. Estas são definidas como eventos no curso natural da DPOC, caracterizados por alterações na dispneia, na tosse e/ou produção de escarro basais do paciente (mudanças além das variações normais do dia a dia), com início agudo, e podem exigir modificações nas medicações regulares do paciente. A purulência do escarro indica infecção bacteriana. Infecções bacterianas podem suceder infecções virais. Em geral não ocorre febre na exacerbação da BC, e esse sintoma sugere diagnóstico alternativo, como sinusite ou pneumonia.1-5

Em casos de exacerbação infecciosa, pode ocorrer escarro hemático. Entretanto, a verificação de sangue no escarro deve alertar o médico para a existência de carcinoma brônquico ou bronquiectasias.1-5

O exame físico pode ser praticamente normal ou evidenciar período expiratório prolongado ou sibilos expiratórios nos casos iniciais da doença. À medida que a obstrução progride, ocorre aumento da frequência respiratória, a hiperinsuflação torna-se evidente e o diâmetro anteroposterior do tórax aumenta. O diafragma fica retificado e limitado na sua movimentação. Podem ser verificados sons respiratórios diminuídos e bulhas cardíacas menos audíveis. Estertores crepitantes protoinspiratórios ou roncos podem estar presentes. Podem-se auscultar sibilos, e esses sugerem obstrução do fluxo aéreo. Deve-se atentar para obstrução localizada se sibilos forem auscultados repetidamente na mesma área do pulmão (corpo estranho ou neoplasia).1-5

Em pacientes com doença avançada, alguns achados são: uso da musculatura acessória do pescoço, ancoragem dos ombros, expiração com lábios semicerrados e retração paradoxal dos espaços intercostais inferiores durante a inspiração (sinal de Hoover). Hipoxemia com cianose e sinais de cor pulmonale (hiperfonese de P2, turgência jugular, dor à palpação e aumento hepático e edema de membros inferiores) podem ocorrer em casos de doença avançada. A ocorrência de cefaleia matinal, tremores de extremidades (asterixe) e alteração do sensório sugere hipercapnia. Coma e convulsões podem estar associados a casos de hipoxemia grave e narcose. Pacientes com predomínio de enfisema podem apresentar perda de peso com a progressão da doença. Deve-se manter o índice de massa corporal (IMC) maior do que 21 kg/m2, evitando o excesso de peso. Hipocratismo digital não é um achado relacionado à DPOC e deve alertar o médico para a ocorrência de câncer de pulmão ou de bronquiectasias.1-5

Tipos físicos característicos, anteriormente descritos como pink puffer para pacientes com predomínio de EP eblue bloaters para pacientes com predomínio de BC, são observados raramente na atualidade, uma vez que a maioria dos casos são mistos e os pacientes são tratados mais precocemente.1-5

 

Diagnóstico

Pontos fundamentais do diagnóstico

•Identificação do fator de risco para a doença, mais frequentemente história de tabagismo, com índice tabágico superior a 20 maços por ano.

•Presença de sintomas e sinais sugestivos da doença nos casos moderados a avançados. Os casos iniciais são assintomáticos.

•Confirmação da obstrução do fluxo aéreo por meio da espirometria (relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo e capacidade vital forçada [VEF1/CVF] inferior a 0,70 após uso de broncodilatador).

 

Estudo funcional pulmonar

A espirometria com curva de fluxo-volume é o exame que confirma o diagnóstico e possibilita o estadiamento da doença. Preferencialmente esse exame deve ser realizado em fase estável, antes e após a utilização do broncodilatador (BD) a fim de verificar o grau de reversibilidade da obstrução do fluxo aéreo. A relação VEF1/CVF inferior a 0,70 é necessária para o diagnóstico de DPOC.4,5,7

A classificação da gravidade da DPOC, segundo a Iniciativa Global para DPOC (GOLD), pode ser observada na Tabela 102.1.3

 

Exame radiológico do tórax

A radiografia de tórax em posição posteroanterior (PA) e perfil é utilizada principalmente a fim de descartar complicações, como câncer de pulmão, bronquiectasias, pneumonia ou pneumotórax na vigência de descompensação. Ela também possibilita a identificação de bolhas grandes, nas quais se deve realizar tratamento cirúrgico quando ocupam mais do que um terço de um campo pulmonar.4,5,7

Observam-se alterações na radiografia de tórax relacionadas à DPOC nos casos de enfisema grave, estando essas modificações presentes em cerca de 50% dos casos com doença moderada e ausentes nos pacientes com doença leve. O enfisema causa hiperinsuflação pulmonar que se manifesta por horizontalização das costelas, aumento dos espaços intercostais, rebaixamento e retificação do diafragma e sombra cardíaca estreita e alongada. Na radiografia em perfil, verificam-se aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, achatamento do contorno diafragmático, ângulos costofrênicos obtusos e aumento do espaço retroesternal. Diminuição abrupta dos vasos, associada a hiperluscência, bem como a existência de bolhas, são indícios de EP. Havendo comprometimento brônquico, o espessamento de paredes brônquicas pode tornar-se evidente (Fig. 102.1).4,5,7

A ocorrência de hipertensão pulmonar e hipertrofia ventricular direita é indicada por aumento de sombras vasculares hilares e da sombra cardíaca retroesternal.4,5,7

 

 

Avaliação da oxigenação

A avaliação da oxigenação deve ser realizada em todos os pacientes. Inicialmente pode ser efetuada de forma não invasiva por meio da oximetria de pulso. A verificação de saturação periférica de oxigênio (SpO2) menor ou igual a 90% é um dado que indica a realização de gasometria arterial com dosagem de pH, pressão parcial de oxigênio (PaO2) e pressão parcial de gás carbônico (PaCO2). A gasometria arterial também está indicada para todos os pacientes com VEF1 50% menor do que o previsto ou que apresentam sinais clínicos sugestivos de insuficiência respiratória ou insuficiência cardíaca direita. A gasometria evidencia hipoxemia leve à moderada sem hipercapnia nos estágios iniciais da doença. Com a progressão, a hipoxemia apresenta-se mais acentuada, e a hipercapnia pode ocorrer. Observa-se mais frequentemente hipercapnia quando o VEF1 é inferior a 1 L. Os parâmetros da gasometria pioram durante exacerbações agudas e possivelmente durante o exercício e o sono.4,5,7

 

 

 

Figura 102.1

Radiografia de tórax de paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica evidenciando hiperinsuflação pulmonar, atenuação das imagens vasculares e sombra cardíaca estreita e alongada. Também há alguns micronódulos calcificados em áreas basais.

 

Outros testes com indicações específicas

Exame de escarro

A expectoração em pacientes com DPOC geralmente é mucoide, tornando-se purulenta durante as exacerbações. Nos casos de exacerbação tratados no ambulatório, não é necessário realizar exame de escarro. O escarro na exacerbação geralmente evidencia predomínio de neutrófilos, com flora mista. Os germes mais frequentemente observados nesses indivíduos são Streptococcus pneumoniae (pneumococo), Haemophilus influenzae Moraxella catarrhalis. Em pacientes com doença avançada, podem existir bactérias gram-negativas.4,5,7

Utiliza-se o exame de escarro em pacientes com exacerbação grave que necessitam de internação, quando há suspeita de pneumonia, em casos de exacerbações repetidas ou de evolução desfavorável, apesar de haver antibioticoterapia adequada para os germes mais frequentes.4,5,7

 

Eletrocardiograma e ecocardiograma

As hipertrofias atrial e ventricular direita podem ser observadas nos casos de cor pulmonale. O ecocardiograma pode estimar a pressão na artéria pulmonar, que está aumentada nos casos de hipertensão pulmonar e cor pulmonale. Realiza-se o eletrocardiograma a fim de identificar doença cardíaca primária.4,5,7

 

Testes funcionais pulmonares adicionais

A medida dos volumes pulmonares evidencia aumento da capacidade pulmonar total, da capacidade residual funcional e do volume residual nos casos moderados a graves da doença. A resistência das vias aéreas está aumentada. A capacidade de difusão pulmonar está reduzida proporcionalmente à gravidade do enfisema, isto é, à destruição do leito alveolocapilar. Uma nítida desproporção entre dispneia e VEF1 indica determinação das pressões inspiratória e expiratória máximas. Havendo hipoxemia desproporcional ao VEF1, hipertensão pulmonar ou doença pulmonar intersticial concomitante devem ser investigadas.4,5,7

 

Tomografia computadorizada

A tomografia computadorizada (TC) do tórax é de uso limitado na investigação de rotina da DPOC. Ela é indicada quando há suspeita de câncer de pulmão ou bronquiectasias. Também está indicada, junto com a cintilografia pulmonar perfusional, nos casos de pacientes com bolhas gigantes ou em pré-operatório de cirurgia redutora de volume pulmonar ou transplante pulmonar.4,5,7

A TC de tórax, especialmente a de alta resolução, apresenta mais sensibilidade e especificidade do que a radiografia de tórax para diagnóstico de enfisema. Esse exame possibilita a identificação de características anatômicas do enfisema: centroacinar ou pan-acinar. O enfisema centro-acinar está associado ao tabagismo, ocorre principalmente nos lobos superiores e causa destruição no centro do lóbulo pulmonar secundário. O enfisema pan-acinar (ou panlobular) envolve mais comumente as bases pulmonares, afeta todo o lóbulo secundário e, na maioria dos casos, está associado à deficiênciade a-1-antitripsina.4,5,7

 

Dosagem do hematócrito

Por meio da realização da dosagem do hematócrito, é possível identificar indiretamente problemas na oxigenação por detecção de anemia ou policitemia. A ocorrência de anemia foi apontada em 10 a 20% dos pacientes com DPOC. A policitemia é um achado infrequente em pacientes que vivem ao nível do mar e que apresentam uma PaO2 superior a 55 mmHg; a frequência de eritrocitose aumenta à medida que a PaO2 reduz para menos do que esse valor.4,5,7

 

Pesquisa de a-1-antitripsina

A dosagem do nível sérico de a-1-antitripsina e a determinação do genótipo devem ser consideradas nas seguintes situações: enfisema com início precoce em tabagista (sintomas antes dos 50 anos de idade), enfisema em não tabagista, história familiar de enfisema, doença hepática de causa desconhecida associada a EP, enfisema pan-acinar ou enfisema que predomina nas bases pulmonares, vasculite com positividade para o anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (c-ANCA). A deficiência de a-1-antitripsina é uma causa rara de DPOC, correspondendo a cerca de 1 a 2% dos casos de enfisema.4,5,7

A indicação de exames para investigação da DPOC é apresentada na Tabela 102.2.

 

Complicações da doença pulmonar obstrutiva crônica4,5,7

•Insuficiência respiratória e cor pulmonale: são complicações tardias; ocorrem com mais frequência nos pacientes com predomínio de EP do que nos pacientes com BC obstrutiva.

•Perda ponderal: apresenta-se em cerca de um terço dos pacientes com EP grave.

•Bolhas que podem atingir grandes proporções.

•Pneumotórax pelo rompimento de bolhas subpleurais.

•Câncer de pulmão: pacientes portadores de DPOC apresentam um risco quatro a seis vezes maior de desenvolver câncer de pulmão em relação aos tabagistas com a mesma carga tabágica, porém sem obstrução do fluxo aéreo.

 

Diagnóstico diferencial da doença pulmonar obstrutiva crônica4,5,7

BC simples – Quadro clínico compatível com BC, porém a espirometria evidencia resultado normal.

Asma – Início geralmente na infância; sintomas variáveis de dia para dia, podendo predominar à noite ou pela manhã; podem ocorrer alergia ocular, rinite e/ou eczema; história familiar positiva para asma; limitação reversível ao fluxo aéreo. Nos casos de asma crônica, principalmente se associada a tabagismo e com obstrução persistente do fluxo aéreo, é difícil realizar o diagnóstico diferencial.

Insuficiência cardíaca – Estertores finos basais na ausculta pulmonar; radiografia de tórax com aumento da área cardíaca ou sinais de edema pulmonar; testes funcionais pulmonares indicam restrição de volume, sem obstrução ao fluxo aéreo.

Bronquiectasias – Volume grande de expectoração, geralmente purulenta e associada à infecção bacteriana; roncos na ausculta pulmonar; baqueteamento digital ao realizar exame físico. A radiografia ou a TC de tórax mostram dilatações e espessamento de paredes brônquicas.

Tuberculose – Deve ser considerada em áreas de alta prevalência por ser significativa causa de tosse crônica; início em qualquer idade; radiografia mostra infiltrados pulmonares mais frequentes em ápices, podendo apresentar área de escavação. Testes microbiológicos fornecem o diagnóstico. Sequela de tuberculose também deve ser diferenciada de DPOC.

 

 

Tratamento

Cessação do tabagismo. Essa medida é a mais importante a ser realizada, uma vez que apresenta um efeito positivo no desenvolvimento natural da doença, reduzindo o declínio funcional pulmonar e aumentando a expectativa de vida do paciente. Sintomas como tosse melhoram após quatro semanas de cessação do tabagismo em metade dos pacientes.4,5,7,8

 

Vacinação. As causas de exacerbação em pacientes com DPOC são provavelmente multifatoriais. Tanto o vírus da influenza quanto o S. pneumoniae parecem ter um papel nas exacerbações. Quando essas infecções ocorrem em pacientes com DPOC, há maior incidência de complicações graves e inclusive morte. Por isso, recomenda-se a realização anual da vacina anti-influenza nos portadores de DPOC, independentemente da faixa etária, em especial nos que apresentam formas com mais limitação respiratória. Indica-se a vacina antipneumocócica para pacientes com DPOC com mais de 65 anos. Além disso, a vacina reduz a incidência de pneumonia em portadores de DPOC com menos de 65 anos e VEF1 menor do que 40% do previsto. A vacina anti-influenza deve ser feita anualmente, no outono. Não se deve realizar novamente a vacina antipneumocócica antes de cinco anos.4,5,7,8

 

Terapia de manutenção. O tratamento medicamentoso é sintomático, e prefere-se a via inalatória por reduzir os efeitos colaterais dos medicamentos. Deve-se revisar a técnica inalatória com o paciente a cada consulta, e o uso do espaçador, quando utilizado nebulímetro (spray), é bastante recomendado.4,5,7,8

Utiliza-se BD para atenuar a dispneia, mesmo não havendo resposta a ele na espirometria. Nos casos iniciais da doença, o BD pode ser prescrito de acordo com a necessidade (exercício ou durante exacerbações).  À medida que a doença progride, o uso deve ser regular a fim de evitar a limitação de atividades. O tratamento deve ser escalonado de acordo com o grau de dispneia: broncodilatador de ação curta (brometo de ipratrópio, ß-adrenérgico ou associação dos dois). A administração de BDs de ação prolongada (formoterol ou salmeterol) é mais efetiva e conveniente do que a de BDs de ação curta. Os BDs ß-adrenérgicos (salbutamol, fenoterol ou terbutalina) nas doses habituais podem causar tremores, taquicardia e hipocaliemia. O brometo de ipratrópio em geral causa menos efeitos colaterais que os BDs ß-adrenérgicos, mas deve ser utilizado cautelosamente em pacientes com doença prostática e glaucoma (cuidados especiais na inalação). O uso de teofilina é uma opção de segunda linha, e ela pode ser administrada nos casos não controlados com BD inalatório. Entretanto, deve-se atentar para interação com outros fármacos e toxicidade (níveis séricos de 8 a 12 mg correspondem à faixa terapêutica); prefere-se preparações com ação prolongada.4,5,7,8

O corticoide oral não é indicado como medicamento de manutenção em casos de DPOC. O uso do corticoide inalatório é recomendado somente para pacientes com HRB associada e pode ser benéfico nos casos de doença avançada (VEF1 < 50%) e exacerbações frequentes (mais do que uma exacerbação no ano anterior ou uma por ano nos últimos três anos). Efeitos colaterais, como alteração da densidade óssea, alterações cutâneas e maior incidência de pneumonias, foram relatados após o uso de corticoide inalatório por tempo prolongado (mais de seis meses).4,5,7,8

 

Terapia na exacerbação. As causas mais comuns relacionadas ao agravamento da DPOC são as exacerbações infecciosas (virais e bacterianas). Causas menos frequentes de descompensação da DPOC, como tromboembolismo pulmonar, pneumotórax, alterações cardíacas e uso de medicamentos, como bloqueadores ß-adrenérgicos ou sedativos, devem ser identificadas e tratadas. Na vigência de exacerbação de etiologia infecciosa, a dose dos broncodilatadores deve ser aumentada para controlar os sintomas, a oxigenação deve ser mantida em níveis adequados, e antibióticos e corticoides sistêmicos podem sernecessários.4,5,7-9

Indica-se o uso de antibióticos se houver, no mínimo, dois dos seguintes achados: aumento da quantidade da expectoração, mudança da cor da expectoração (amarelada ou esverdeada) ou piora da dispneia. Os medicamentos de primeira linha são doxiciclina, amoxicilina ou sulfametoxasol associado à trimetoprima. Em pacientes idosos (mais de 60 anos) com DPOC avançada, que recebem administração frequente de corticoide e que tiveram quatro ou mais exacerbações no último ano, deve ser considerada a administração de fármaco com cobertura para outros germes. Nesses casos, cefalosporinas de segunda ou terceira geração, quinolonas (levofloxacino, moxifloxacino e gatifloxacina), azitromicina ou amoxicilina-ácido clavulânico podem ser os antibióticos de escolha. Deve-se considerar que macrolídeos são pouco efetivos contra H. influenzae, e quinolonas, como ciprofloxacino e ofloxacina, não são efetivas contra S. pneumoniae. A ciprofloxacino, entretanto, apresenta significativa ação antipseudomonas.10

O uso de corticoide por, no máximo, duas semanas mostrou-se efetivo, acelerando a recuperação e reduzindo o período de internação hospitalar em exacerbações de DPOC moderada a grave. A administração de 30 mg de prednisona por dia evidencia resultados semelhantes aos obtidos com esquemas mais agressivos. Não há estudos que apontem a superioridade da utilização de corticoides por via intravenosa.11

A realização de oxigenoterapia e o uso de suporte ventilatório (preferência para ventilação mecânica não invasiva) podem ser necessários em casos de exacerbações graves, principalmente em pacientes com reserva funcional reduzida.4,5,7-9

 

Oxigenoterapia. Esse tratamento é o principal para melhorar a sobrevida de pacientes hipoxêmicos portadores de DPOC. O oxigênio suplementar deve ser utilizado em casos de hipoxemia associada à exacerbação aguda ou fornecido de forma contínua nos casos de hipoxemia crônica (Tab. 102.3). O oxigênio não deve ser usado para tratar pacientes com dispneia.4,5,7-9

A oxigenoterapia é indicada se a pressão arterial de oxigênio (PaO2) for menor ou igual a 55 mmHg ou a saturação da hemoglobina por oxigênio no sangue arterial for menor ou igual a 88%, ou PaO2 entre 56 e 59 mmHg nos casos que estão associados a policitemia oucor pulmonale4,5,7-9

Se o paciente apresenta hipoxemia no repouso, deve-se aumentar a dose do oxigênio em 1 L durante o sono ou exercício físico. O oxigênio deve ser utilizado continuamente ou por, no mínimo, 16 horas/dia.4-8

 

Cor pulmonale. O tratamento de escolha para cor pulmonale é a oxigenoterapia. Diuréticos e inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECAs) podem apresentar eficácia para alguns pacientes. Entretanto, o médico deve estar alerta para efeitos colaterais, como dis- túrbio eletrolítico e hipotensão. O uso de digitálicos deve ser considerado apenas em alguns casos de insuficiência cardíaca esquerda associada.4,5,7-9

 

 

 

 

Reabilitação pulmonar. Esse tratamento é indicado para casos em que o paciente apresenta-se sintomático apesar da terapia medicamentosa adequada. Prefere-se uma abordagem multidisciplinar na qual aspectos educacionais, nutricionais, psicológicos e exercício físico sejam trabalhados. Os programas geralmente duram de 8 a 12 semanas.4,5,7-9

 

Tratamento cirúrgico. Pode-se considerar cirurgia de redução de volume pulmonar para pacientes com enfisema concentrado nos lobos superiores e baixa capacidade de exercício após programa de reabilitação pulmonar. O transplante pulmonar pode ser considerado em casos avançados de DPOC, com comprometimento da qualidade de vida e expectativa de vida reduzida. Os critérios de referência para transplante são os seguintes: VEF1 35% menor do que o previsto, PaO2 menor do que 55 a 60 mmHg, PaCO2 maior do que 50 mmHg e hipertensão pulmonar secundária.4,5,7-9

 

Qual é o prognóstico dos pacientes com DPOC?

Tanto o valor do VEF1 quanto seu declínio são indicadores prognósticos importantes em casos de DPOC. Entretanto, o aumento da mortalidade ocorre somente quando o VEFdiminui para menos de 50% do previsto. A mortalidade em portadores de DPOC com VEF1 menor do que 0,75 L é de 30% em um ano e de 95% em 10 anos. Outros fatores que influenciam negativamente o prognóstico são hipercapnia crônica, cor pulmonale e presença de outras comorbidades. Uma relação capacidade inspiratória/capacidade pulmonar total (CI/CPT) menor do que 25% também é considerada um preditor de mortalidade nos pacientes com DPOC. O escore prognóstico BODE (B de body mass index, O de obstruction, D de dyspnea e E de exercise) (Tab. 102.4), que inclui o IMC, o VEF1 pós-broncodilatador (em % do previsto), a escala de dispneia MMRC (Tab. 102.5) e a distância caminhada em seis minutos, apresenta correlação melhor com o prognóstico do que esses parâmetros observados isoladamente.4,5,7-9,12

 

Caso Clínico Comentado

Na chegada à emergência, o paciente apresentou taquipneia, sinais de hiperinsuflação e hipoxemia (saturação periférica de oxigênio em ar ambiente de 88%). Verificaram-se alguns sibilos expiratórios bilaterais na ausculta pulmonar. A radiografia de tórax não evidenciou pneumonia ou pneumotórax. Foi iniciado manejo para exacerbação da DPOC com antibiótico, corticosteroide oral, broncodilatadores e oxigênio por cateter nasal a 1 L/minuto.

 

 

 

Referências

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