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Hipocaliemia

Autores:

André de Sousa Alvarenga

Médico nefrologista. Preceptor do Programa de Residência Médica em Nefrologia da Santa Casa de Belo Horizonte, MG.

Milton Soares Campos Neto

Médico nefrologista. Coordenador do Programa de Residência Médica em Nefrologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Título de Especialista pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).

Pedro Augusto Macedo de Souza

Médico nefrologista. Título de Especialista pela SBN.

Última revisão: 23/04/2014

Comentários de assinantes: 1

Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Uma paciente do sexo feminino, 16 semanas de idade, parda, natural de Minas Gerais, comparece à emergência com vômitos incoercíveis, desidratação e oligúria.

Nascida a termo, de parto cesáreo, a paciente apresentou peso de 3.440 g e estatura de 49 cm. Não houve antecedente de polidrâmnio, e o período pós-natal imediato transcorreu sem intercorrências. Na segunda semana de vida, teve regurgitações às mamadas e, em alguns dias, foi internada, em outro serviço, com quadro de sepse. Durante a internação, apresentou vômios incoersíveis, e o diagnóstico foi de infecção do trato urinário. Após cinco dias da alta, foi internada novamente com quadro de vômitos incoersíveis, distúrbio metabólico e alcalose grave.

Não há relatos de casos semelhantes em irmãos mais velhos ou em outros familiares. Os pais afirmam não apresentar doença sugestiva de caráter familiar.

Ao realizar exame, a paciente evidenciou mau estado geral, desidratação grave, bradipneia e taquicardia, com tecido celular subcutâneo e muscular hipotróficos, com abdome escavado e flácido. O peso, na internação, foi de 3.500 g. Ela apresentou oligúria, sendo possível verificar 0,25 mL/kg/h.

A partir dos exames de imagem, foram observados resultados normais na ultrassonografia e na seriografia de esôfago, estômago e duodeno, mas a endoscopia digestiva indicou esofagite leve.

Os exames laboratoriais realizados e seus respectivos resultados foram os seguintes: pH de 7,75, PaCO2 de 54 mmHg, base excess de +23,5, HCO3 de 64 mEq/L, sódio de 121 mEq/L, potássio de 1,4 mEq/L, ureia de 5 mg/dL e creatinina de 0,14 mg/dL.

 

Definição

A hipopotassemia, ou hipocaliemia, é definida como uma concentração sérica de potássio menor do que 3,5 mEq/L. Essa condição é um distúrbio hidreletrolítico comum e potencialmente fatal quando grave. Apesar de bem tolerada, quando leve, a hipocaliemia grave aumenta o risco de morbimortalidade em pacientes portadores de doença cardiovascular.

 

Epidemiologia

A hipocaliemia é um dos distúrbios eletrolíticos que ocorrem com mais frequência na clínica médica. A ocorrência estimada é de 20% nos pacientes hospitalizados. Em pacientes ambulatoriais, a utilização de diuréticos tiazídicos é associada à hipocaliemia em 10 a 40% dos casos.

 

Etiologia/Classificação

As hipopotassemias apresentam diversas causas, que estão relacionadas no Quadro 78.1, de acordo com o mecanismo fisiopatológico. A causa mais comum é a administração de diuréticos. A ingestão deficiente pode contribuir para hipopotassemia, mas quase nunca é uma causa isolada dessa condição.

 

 

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Patogênese

O potássio (K) é um íon fundamental na fisiologia do organismo. Além de ser importante na composição da osmolaridade intracelular, tem papel central no funcionamento de células de tecidos excitáveis, como neurônios, células musculares esqueléticas, lisas e cardiomiócitos (Fig. 78.1). Essas células apresentam vários canais iônicos dependentes do potencial elétrico transmembrana, cujo principal determinante é o gradiente de concentração de potássio entre o meio intra e o extracelular. Essas células são também as primeiramente afetadas nos distúrbios de potássio.

A quantidade de K corporal é de cerca de 3.000 mEq (+ 50 mEq/kg de peso). Desse total, 98% está no líquido intracelular (em uma concentração de + 150 mEq/L) e apenas 2% no líquido extracelular (LEC), em uma concentração que deve ser mantida em uma faixa estreita de 3,5 a 5,5 mEq/L para o adequado funcionamento das células.

 

Mecanismos de homeostase do potássio

Os dois sistemas que atuam na regulação da homeostase do potássio são os seguintes:

 

Balanço externo de potássio

Nesse sistema, a excreção de potássio é regulada de forma a igualar a ingestão desse íon.

 

Excreção renal

Cerca de 90% do potássio da dieta é excretado pelos rins. O potássio é livremente filtrado pelos glomérulos e completamente reabsorvido ao longo dos túbulos. Assim, sua excreção urinária pode ser compreendida como decorrente da secreção pelos túbulos distal e coletor. A Figura 78.2 mostra a célula principal do túbulo coletor, responsável pela secreção tubular de potássio em troca da reabsorção de sódio (Na).

Aldosterona, aporte de sódio tubular ao néfron distal, alto fluxo urinário, aumento da concentração de potássio no líquido (LIC) intracelular e alcalose metabólica estimulam a secreção tubular de potássio. A aldosterona é produzida pelas suprarrenais em resposta à hipercaliemia e à angiotensina II. Por isso, condições clínicas que afetem esses fatores podem causar distúrbios da calemia.

Em casos de insuficiência renal crônica, ocorre um aumento da secreção de potássio, de forma que, na ausência de outros fatores, geralmente não há hipercaliemia grave até que o ritmo de filtração glomerular seja menor do que 10 mL/min.

 

 

 

Figura 78.1

Distribuição e equilíbrio do potássio corporal.

 

 

Figura 78.2

Mecanismo de secreção de potássio na célula principal do túbulo coletor.

RM, receptor mineralocorticoide; 11ß-HSD, 11ß desidrogenase hidroxiesteroide.

 

Excreção intestinal

Os 10% restantes de potássio são excretados nas fezes pelos intestinos delgado e grosso por meio de secreção, a qual é estimulada pela aldosterona. Essa excreção é pouco significativa em indivíduos saudáveis, mas pode aumentar em até quatro vezes no paciente com insuficiência renal crônica e contribui, embora não seja suficiente, para o balanço de potássio.

 

Balanço interno de potássio

Esse balanço ocorre pela transferência de potássio entre o LIC e o LEC através da membrana plasmática. Diferentemente do balanço externo, cuja resposta demora 6 a 12 horas, essa troca acontece em poucos minutos.

Fisiologicamente, a transferência de potássio para o LIC é estimulada pela insulina e pela adrenalina (por meio dos receptores ß2-adrenérgicos. Ambas estimulam a Na/K-ATPase universalmente presente nas células e responsável por transferir Na para o LEC e K para o LIC. Já o estímulo a-adrenérgico proporciona a transferência de K do intra para o extracelular.

Alterações do equilíbrio acidobásico também modificam o balanço interno de potássio por meio de troca com o hidrogênio (H). Em caso de alcalose metabólica, há saída de H para o LEC na tentativa de manter o pH e consequentemente a transferência de potássio para o intracelular. A alcalose aumenta também a perda renal de K por elevar sua concentração na célula tubular.

Já em casos de acidose metabólica, parte do excesso de H entra nas células (onde será tamponado) em troca do potássio que sai para o LEC, causando aumento dos níveis séricos. Esse efeito é mais acentuado em pacientes com acidoses hiperclorêmicas, uma vez que as células são pouco permeáveis ao cloro e a saída de potássio do LIC também ocorre para manter a eletroneutralidade. Nas ocorrências de acidoses que o indivíduo apresenta âniongap normal (p. ex., cetoacidose, acidose lática), há um ânion orgânico que é capaz de entrar nas células, o que reduz a necessidade de saída de K para manter a eletroneutralidade. De forma geral, para cada redução do pH em 0,1, há um aumento de 0,5 mEq/L na calemia.

A hiperosmolaridade sérica também pode causar saída de potássio das células por ocasionar saída de água para o LEC e consequente aumento da concentração de potássio no LIC. Em média, para cada aumento de 10 mOsm/L na osmolaridade plasmática, ocorre aumento de 0,6 mEq/L na calemia.

A mínima parte do estoque corporal de potássio é mensurável por estar no plasma (2% do total).

A excreção de potássio é uma função tubular renal, regulada por aldosterona, já que todo potássio filtrado no glomérulo é reabsorvido.

Antes da sua retirada do organismo, o potássio absorvido é transferido para o LIC através da insulina, a fim de evitar mudanças bruscas na concentração sérica, o que poderia acarretar arritmia cardíaca.

O balanço interno de potássio (transferência entre o LIC e o LEC) é influenciado por vários fatores: insulina, adrenalina, concentração de H+ e osmolaridade.

O sistema de estoque de K+ funciona como um modelo bicompartimental, com um compartimento grande (o LIC) ligado a um menor (o LEC), e este ligado a uma porta de entrada, potássio da alimentação, e uma saída principal, por meio da urina. Outras portas de saída, como o suor e as fezes, são geralmente irrelevantes.

 

Hipopotassemia por translocação

Dois mecanismos normalmente regulam os níveis de potássio em resposta às variações. O primeiro é a insulina, que, em níveis altos (como após as refeições), atua acelerando o trocador Na/H e, por aumentar o Na intracelular, estimula indiretamente a Na+/K+ ATPase, que transfere potássio para o LIC. As catecolaminas ß–adrenérgicas também podem induzir a transferência de potássio do compartimento extra para o LIC, porém esse mecanismo é menos evidente, mas deve envolver ativação da Na+/K+ATPase.

 

Hipopotassemia por perda renal

Praticamente todo o processo de regulação da excreção de K é realizado no túbulo coletor cortical. Ele necessita de um gradiente elétrico para a secreção de K e um fluxo tubular adequado para eliminá-lo.

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Um mecanismo muito importante envolve as células justaglomerulares renais, as quais liberam renina, estimulando a ativação hepática da angiotensina I, que, por sua vez, é convertida em angiotensina II nos pulmões. Esta estimula a zona glomerulosa suprarrenal a produzir aldosterona. A ação desse último hormônio ocorre sobre os ductos coletores corticais, promovendo a secreção de potássio e a reabsorção de Na por meio dos canais epiteliais de sódio (ENaC).

 

A hipopotassemia não evidencia de modo fidedigno o estoque corporal total do íon. Quando há hipopotassemia, grandes perdas de K+ total, da ordem de centenas de miliequivalentes, podem implicar em modestas reduções na concentração plasmática do íon. Isso ocorre porque o LIC paulatinamente cede potássio ao LEC, embora a calemia nunca chegue a ser normalizada.

 

Deve-se considerar que somente 2% do potássio corporal localiza-se fora da célula. Ou seja, se a hipocaliemia não ocorrer devido a uma grande transferência do íon para o LIC, portanto, por balanço negativo de K, ela evidencia um grande déficit de potássio corporal total.

 

? K de 0,3 mEq/L ? ? 100 mEq K+ total

 

Qualquer situação que causar aporte maior de sódio ou fluxo urinário ao túbulo coletor cortical ocasiona perda maior de potássio. Quando diuréticos são administrados, ocorre exatamente esse processo. Uma reabsorção menor de Na nos túbulos precedentes resulta em um maior aporte de Na e fluxo urinário ao túbulo coletor cortical. O aumento do fluxo tubular acaba por “lavar” o túbulo e, com isso, reduz a concentração de K+ local.

 

Pacientes com hipopotassemias por perda renal de potássio apresentam-se com potássio urinário alto (> 20 mEq/L em urina de 24 horas ou > 20 mEq/g de creatinina em amostra isolada). Em contraste, naqueles com hipopotassemias por perda extrarrenal, o potássio urinário é baixo (< 20 mEq/L em urina de 24 horas ou < 20 mEq/g de creatinina em amostra isolada) devido à conservação renal do íon.

 

Considerando-se as causas por perdas renais, é comum a classificação da hipopotassemia de acordo com o distúrbio acidobásico subjacente. As hipopotassemias que estão associadas à perda renal de potássio e à alcalose constituem um desafio diagnóstico.

 

Hipopotassemia por perda extrarrenal

A perda de potássio por meio de suor ou fezes é normalmente de pouca quantidade. No entanto, nas situações de diarreia intensa ou mesmo sudorese intensa, essa perda pode ser significativa. Os vômitos intensos também podem ser uma causa de hipocaliemia, secundária à hipovolemia, e estimulação dos sistema renina-angiotensina com maior secreção de aldosterona, que, pelo estímulo de absorção de Na via receptores ENaC, secundariamente aumentam a secreção de potássio. Os diuréticos, como já comentado, são as fontes que mais causam perda de potássio e hipocaliemia.

 

Quadro Clínico

Os indivíduos com hipopotassemia em geral não apresentam sintomas, principalmente quando o distúrbio é leve (potássio sérico entre 3,0 e 3,5 mEq/L). Com uma hipopotassemia mais grave, surgem sintomas inespecíficos, como fraqueza, lassitude e constipação. Quando os níveis de potássio estão abaixo de 2,5 mEq/L, retenção urinária, íleo paralítico e rabdomiólise podem ocorrer. Se os níveis estão mais baixos ainda, os pacientes podem apresentar paralisia ascendente e, de forma eventual, comprometimento da função ventilatória.

O músculo cardíaco também é afetado. As arritmias, incluindo a fibrilação ventricular, são, com frequência, as manifestações que mais determinam mortalidade. Outro efeito sobre o aparelho cardiovascular desse distúrbio é o aumento da pressão arterial sistólica e diastólica quando não há restrição da ingesta de sódio. Em pacientes com cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca ou hipertrofia ventricular esquerda, entretanto, níveis de hipopotassemia leve a moderado aumentam o risco de arritmias, principalmente nos que utilizam digitálicos (digoxina). A administração de diuréticos (em especial tiazídicos) está associada a um maior risco de morte súbita.

A alcalose metabólica geralmente está associada à hipopotassemia. Porém, quando é causada por diarreia, pode estar associada à acidose metabólica. A alcalemia (ou alcalose) faz com que ocorra passagem de prótons (H+) do interior para o exterior das células em troca do K+, induzindo, assim, a hipopotassemia.

 

Sinais e Sintomas

Os sintomas manifestam-se conforme o tempo de exposição, a intensidade da hipocaliemia e a predisposição à arritmia cardíaca. Eles começam a se apresentar com potássio menor que 3,0 mEq/L. Os principais tecidos e órgãos afetados são os seguintes:

 

Endócrino: intolerância à glicose e hiperglicemia.

Renal: alcalose metabólica, hipocitratúria, poliúria, cistos renais.

Músculo: fraqueza, apenas com potássio menor que 2,5 mEq/L, iniciando nas extremidades dos membros inferiores e ascendendo com a piora da hipocaliemia ou por tempo de exposição. A progressão do quadro pode acarretar cãibras, rabdomiólise e mioglobinúria. Se houver acometimento da musculatura respiratória, pode ocorrer falência pulmonar por paralisia. O acometimento da musculatura gastrintestinal pode resultar em íleo paralítico, distensão abdominal, náuseas e vômitos.

Alterações no ECG: a hipocaliemia causa hiperpolarização do potencial de repouso transmembrana da célula muscular, facilitando a despolarização (saída do potássio intracelular) e dificultando a repolarização (retorno do potássio para o LIC). Portanto, há batimentos atriais e ventriculares precoces. Outras alterações que também ocorrem são as seguintes (Fig. 78.3):

Depressão do segmento ST;

Diminuição da amplitude da onda T;

Formação de onda T-U;

Alargamento da onda P;

Em casos mais graves: encurtamento do QRS, depressão grave do segmento ST, inversão de onda T.

O comprometimento muscular em pacientes com hipopotassemia decorre do fato de o potássio intracelular desempenhar um papel central na geração do potencial de repouso transmembrana. É a difusão passiva do potássio do interior para o exterior da célula, a favor de um gradiente de concentração, a responsável pela maior fração desse potencial.

 

Diagnóstico

Inicialmente, devem ser realizados anamnese e exame físico detalhados, objetivando a verificação do uso de drogas perdedoras de potássio, perdas gastrintestinais, sudorese excessiva, poliúria, baixa ingesta de alimentos que contenham potássio e desidratação, hipovolemia ou hipotensão arterial.

Para diferenciar a hipocaliemia de origem renal da não renal, devem-se analisar amostras de sangue e urina coletadas no mesmo momento (5, 8, 9, 12). Nos casos de perda extrarrenal, a excreção renal de potássio está reduzida. A análise da condição do rim como causador ou não desse distúrbio iônico pode ser realizada por meio dos seguintes exames:

 

 

Figura 78.3

Alterações visíveis no eletrocardiograma causadas pela hipocaliemia.

 

Urina de 24 horas: sódio, potássio.

Havendo ingesta adequada de sódio (Na urinário > 100 mEq/dia), uma dosagem de potássio urinário de mais de 20 mEq/dia em um paciente com hipocaliemia indica uma perda urinária excessiva de potássio.

Fração de excreção de potássio (FeK).

Pode ser utilizada, embora seja pouco precisa.

É realizada coleta de amostra de urina e sangue simultaneamente.

potássio e creatinina são dosados em amostras de sangue e urina.

Fórmula: K(u) X creatinina(s) X 100 / K(s) X creatinina(u)

§hipocaliemia de causa extrarrenal: FeK de menos de 8%

§hipocaliemia por perda urinária (renal): FeK de mais de 12%

Gradiente transtubular de potássio (TTKG): índice para mensurar a atividade secretória de potássio pelo rim.

Há menos fatores de confusão.

É realizada coleta de amostra de urina e sangue simultaneamente.

A amostra de urina não deve ser hipotônica e o sódio urinário (amostra) deve estar acima de 40 mEq/L.

Fórmula: K(u) X osmolaridade(s) / K(s) X osmolaridade(u)

§hipocaliemia de causa extrarrenal: TTKG de menos de 2.

§hipocaliemia de por perda urinária (renal): TTKG de mais de 10.

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Na Figura 78.4 é apresentado um roteiro diagnóstico de hipocaliemia.

 

Abordagem da Hipocaliemia

A hipocaliemia evidencia um significativo déficit intracelular de potássio, em que está localizada a maior parte desse cátion. Portanto, a reposição deve ser de grande quantidade, já que os estoques intracelulares serão preenchidos inicialmente para que somente depois o potássio sérico seja normalizado (Tab. 78.1).

Antes de iniciar a reposição, alguns cuidados e avaliações devem ser realizados (Quadro 78.2).

 

Seleção da solução

A escolha da solução depende do ânion perdido concomitantemente:

KCl: perda de cloreto e com alcalose metabólica.

Colher de chá: 50 a 65 mEq de K.

Tabletes: liberação lenta.

§Raramente: lesão ulcerativa ou estenótica do trato gastrintestinal (TGI).

Bicarbonato de K: acidose metabólica.

Citrato de K: acidose tubular renal.

Fosfato de K: cetoacidose diabética.

 

Rota de administração

Preferência: via oral.

Via venosa:

Impossibilidade da via oral.

hipocaliemia grave.

Repercussão grave: arritmias cardíacas, tetraplegia, insuficiência respiratória, rabdomiólise.

Solução normal de KCl: 2 mEq KCl/mL.

20 a 40 mEq/L ou 10 a 20 mL em 1 L.

Em concentração maior (> 60 mEq/L): evitar veia periférica.

Evitar uso de solução glicosada.

 

 

 

Taxa de administração

hipocaliemia leve: bem tolerado se não houver digital ou hepatopatia grave:

Correção da causa de base.

Dose de 60 a 80 mEq/dia.

hipocaliemia grave ou com sintomas e alterações no ECG:

VO: K 1 a 1,5 mEq/L após o uso de 40 a 60 mEq/dia.

Efeito modesto e temporário na correção do potássio.

Reposição IV: não exceder 10 a 20 mEq/h sem monitoração.

 

Prevenção da hipocaliemia

Pacientes em uso de diuréticos:

Consideração da suspensão de diuréticos.

Diminuição da ingesta de sódio.

Diurético poupador de K.

Betabloqueador, inibidor do sistema renina-angiotensina.

Drenagem gástrica:

Inibidor da bomba de prótons.

pH gástrico entre 3 e 4.

 

Tratamento

O manejo desses pacientes tem como objetivo corrigir a deficiência de potássio sérico. Em geral, a hipopotassemia está associada à alcalose metabólica, e administra-se cloreto de potássio (KCl) para tratamento de reposição oral de potássio. Entretanto, nos casos em que essa condição é concomitante à acidose (p. ex., acidose tubular renal), pode ser conveniente administrar potássio na forma de um sal de citrato (citrato de potássio) ou solução de Schooll, que contém ácido cítrico e citrato de sódio. Sempre que possível, a reposição deve ser realizada por via oral.

Quando for indispensável a infusão de cloreto de potássio, deve-se atentar para os riscos, pois a hiperpotassemia iatrogênica transitória pode causar parada cardíaca em assistolia. As indicações mais evidentes de terapia urgente com potássio são para pacientes com paralisia periódica hipopotassêmica, paralisia pela depleção intensa de potássio, hipopotassemia grave no período pré-operatório de uma cirurgia de emergência e infarto agudo do miocárdio com extrassístoles ventriculares.

Caso, após a realização da reposição de potássio, não ocorra a reposição dos estoques sistêmicos e a correção da hipopotassemia, deve-se investigar a existência concomitante de deficiência de magnésio, pois sabe-se que a hipomagnesemia dificulta a correção do distúrbio do potássio. Tal informação é ainda mais relevante quando se observa que os diuréticos, que são uma causa comum de hipopotassemia, também provocam hipomagnesemia.

Uma maneira efetiva de restaurar os níveis de potássio em indivíduos que utilizam diuréticos tiazídicos ou de alça é associar a administração de diuréticos poupadores de potássio, tais como amilorida, triantereno e espironolactona. Uma outra medida é estimular a ingestão de alimentos ricos em potássio (p. ex., frutas secas, nozes, abacate, espinafre, tomate, cenoura, brócolis, couve-flor, batata, banana, kiwi, laranja, manga, carne).

 

 

Figura 78.4

Mecanismo de secreção de potássio na célula principal do túbulo coletor.

 

Caso Clínico Comentado

A paciente foi submetida à uma hidratação intravenosa vigorosa e à correção do potássio. Houve melhora do quadro de vômitos e da oligúria, mas ela desenvolveu poliúria (7 mL/kg/h), com persistência em níveis menores da alcalose metabólica. Quando foi prescrita hidratação venosa de manutenção, a paciente voltou a apresentar piora da alcalose metabólica, sem atingir os níveis evidenciados na admissão hospitalar. Apesar da reposição de K+, ela manteve hipocaliemia leve. Os outros exames realizados e seus respectivos resultados foram os seguintes:

 

Renina de 3,4 (0,3 a 2,1 ng/mL/h)

Aldosterona: 1º exame de 29 ng/dL e 2º exame de 31 ng/dL (até 17 ng/dL)

Cortisol de 18 g/dL (0,4 a 22 g/dL)

Fração excretada K de 38% (4 a 14%)

Fração excretada de sódio de 3,2 (0,3 a 1,8%)

Cálcio/creatinina urinária de 2,3 (> 0,2).

 

Os distúrbios metabólicos evidenciados pelos exames foram:

Alcalose metabólica, hiponatremia, hipocaliemia, sendo que é pouco provável que o quadro gastrintestinal possa justificar esses distúrbios.

Em geral, muitos distúrbios eletrolíticos dessa importância apresentam um defeito metabólico de origem renal associado. A alcalose metabólica por perda gastrintestinal ocorre pela produção compensatória de bicarbonato gerada pela secreção de H+ no suco gástrico, mas sem a posterior reabsorção nos segmentos distais do colo. Dificilmente apresentaria valores significativos, a não ser por períodos prolongados de perda gástrica. Além disso, o suco gástrico é hiposmolar, com baixa concentração de sódio e potássio. Portanto, a perda por vômitos pode gerar hipernatremia, e não hiponatremia. A hipocaliemia pode ser causada por perda de conteúdo gástrico, mas principalmente é resultante da caliurese induzida pela alcalose metabólica, devido à bicarbonatúria, retendo K+ na luz tubular (manutenção de eletroneutralidade), do bloqueio do permutador de K-H, diminuindo a reabsorção de potássio no segmento distal do néfron e do hiperaldosteronismo devido à resposta à contração de volume dos pacientes com perda de líquidos sem reposição adequada. A hipocaliemia persistente é um fator mantenedor da alcalose metabólica, uma vez que gera uma transferência de H+ para o LIC, a fim de realizar manutenção da osmolaridade da célula, facilitando a reabsorção de bicarbonato nos túbulos renais. Também aumenta a produção renal de amônia, elevando a capacidade de perda de H+ titulável pela urina.

Com a remissão do quadro gastrintestinal, não houve correção total da alcalose metabólica e da hipocaliemia. Essa evolução evidencia que o distúrbio eletrolítico pode ser o fator que causou o quadro clínico ou que tanto a alcalose quanto a hipocaliemia apresentam a mesma etiopatogênese. O rápido desenvolvimento de oligúria para poliúria demonstra uma possível causa renal do distúrbio, evidenciando um defeito tubular associado. Essa poliúria não pode ser atribuída à recuperação de função renal de insuficiência renal aguda, já que não há evidência de elevação das escórias renais, como observado nos exames de escórias renais na admissão da paciente.

Diante dos achados clínicos, dos exames realizados e da evolução do caso, o diagnóstico estabelecido foi de síndrome de Bartter neonatal tipo 1.

Por ser um distúrbio genético, o tratamento é de suporte e por toda a vida.

Suplementação de potássio: a grande perda de potássio é de difícil correção, sendo recomendado uso de cloreto de potássio, já que os dois íons são eliminados em grande quantidade na urina. A utilização de citrato de potássio não é recomendada por aumentar o risco de alcalose na conversão de citrato em bicarbonato.

Diurético poupador de potássio (espironolactona): o hiperaldosteronismo secundário ao quadro piora a hipocaliemia, fator mantenedor da alcalose metabólica. É comum o uso de doses elevadas, podendo mesmo alcançar 300 mg/dia.

Anti-inflamatório não esteroide: a síndrome de Bartter está associada à uma grande produção de prostaglandina pela medula renal. O nível elevado de prostaglandina tecidual contribui para indução de natriurese existente nessa síndrome. A administração de anti-inflamatórios (indometacina) que inibem a cicloxigenase, fundamental na via de produção das prostaglandinas, diminui a natriurese e a hiperclorúria nesses casos. A dose varia de acordo com a resposta e a tolerância de cada paciente.

 

Leituras Recomendadas

Cohn JN, Kowey PR, Welton PK, Prisant LM. New guidelines for potassium replacement in clinical practice: a contemporary review by the National Council on Potassium in Clinical Practice. Arch Intern Med.2000;160(16):2429-36.

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Comentários

Por: Eriel em 21/04/2014 às 17:06:35

"Ótimo artigo, pontual e acertivo. Parabéns!"

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