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Índice

Lesões traumáticas do joelho

Autores:

Gilberto Luis Camanho

Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Arnaldo José Hernandez

Professor Livre-docente e Associado do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe do Grupo
de Medicina do Esporte do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IOT-HC-FMUSP).

Última revisão: 24/03/2016

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As lesões traumáticas e suas consequências representam 80% das patologias do joelho. O sistema osteoligamentar, muito complexo e pouco elástico, é bastante  submetido a traumas diretos e indiretos hoje em dia. Os acidentes automotivos e esportivos são os principais responsáveis pelas variadas lesões que a articulação do joelho sofre. Essa traumatologia, em constante progresso, forneceu um incentivo muito grande ao estudo da anatomofisiologia e da biomecânica do joelho. Para encontrar métodos de tratamento eficazes, é estudada cada vez mais a normalidade das funções ligamentar e osteoarticular. Portanto, esse capítulo inicia com a revisão dos conceitos anatômicos e biomecânicos do joelho.

 

Anatomofisiologia do joelho

Articulação femorotibial

 

O sistema ósseo do joelho determina seu alinhamento e absorve a carga axial. O terço distal do fêmur tem angulação em valgo, decorrente do fato de alinhar  a cabeça femoral com o centro da articulação do joelho, respeitando a angulação formada pelo colo femoral e determinando o eixo mecânico do membro  inferior. O terço proximal da tíbia apresenta angulação em varo, pois tem o comportamento de barra fixa nas duas extremidades submetida  à compressão axial, que se deforma  proximal e distalmente.

A articulação femorotibial deve ser paralela ao solo. Sendo assim, os desvios axiais estruturais, quando ocorrem, acentuam  o varo da tíbia ou o valgo do fêmur.  Tanto  o fêmur como a tíbia possuem, próximo do joelho, as corticais anterior, medial e lateral muito delgadas, envolvendo uma grande massa de osso esponjoso.  Essa estrutura, semelhante à do calcâneo, é muito eficiente  na função de absorver e distribuir carga. Contudo, quando  atingida  por trauma,  sua reconstrução  é muito  difícil. A articulação  do fêmur  com a tíbia é assimétrica, devido a sua incongruência óssea, sendo, portanto, instável.

O compartimento medial resulta da articulação do côndilo medial do fêmur em forma convexa com o côndilo medial da tíbia em forma côncava. O compartimento lateral é produto da articulação  do côndilo lateral do fêmur em forma de esfera com o côndilo lateral da tíbia em forma convexa. Esse complexo articular, embora  instável, permite que o joelho exerça a flexão-extensão associada às rotações externa e interna. Tal movimento ocorre pela estabilização do complexo medial, que funciona como eixo do movimento rotacional, e pela extrema mobilidade do côndilo lateral esférico do fêmur, que percorre, à semelhança de um limpador de pára-brisas, o côndilo lateral convexo da tíbia.

 

Articulação patelofemoral

A patela é um osso submetido a esforços de tração enormes; por isso somente dois terços de sua área têm superfície articular, o restante corresponde a zonas de inserções musculares em função dos esforços de tração. A superfície  articular  é multifacetada, sendo descritas até sete facetas. Isso se deve ao fato de a excursão ser feita em vários ângulos diferentes na sua relação com o fêmur, sendo mais por arrasto do que por congruência articular. Articula-se a tróclea femoral, que resulta de depressão entre  os côndilos do fêmur.

 

Músculos e ligamentos

Esse conjunto articular, para se tornar eficiente e estável na transmissão da ação muscular, recebe várias inserções musculares e dispõe de diversos ligamentos. As inserções musculares do joelho  são próximas ao fulcro do movimento,  ou seja, da interlinha articular, o que resulta em enorme desvantagem mecânica em termos de momento de força. Tal desvantagem está expressa pela fortíssima massa muscular que movimenta a articulação, determinando, por sua ação, frequentes queixas de tendinites.

O sistema ligamentar  deve ser compreendido de forma conjunta, mais pela sua função do que por sua descrição anatômica. Com base nisso, os ligamentos são separados, na articulação femorotibial, em centrais, periféricos e os da articulação patelofemoral.

 

Ligamentos da articulação femorotibial

Centrais. Englobam os ligamentos cruzados anterior (LCA) e posterior  (LCP),  os quais são os principais responsáveis pela estabilização no sentido ânteroposterior e auxiliam na estabilização medial e lateral. O LCA apresenta comportamento mecânico individualizado. Estudos demonstraram variações de 35 a 159 kgf para sua resistência máxima à tração. Ele é responsável por 85% da estabilização anterior  do joelho. O LCP possui estrutura anatômica que sugere a existência de dois ligamentos ou pelo menos dois folhetos completamente distintos. Essas duas estruturas têm funções diferentes, pois uma está tensa em flexão e a outra, em extensão. O LCP tem como função impedir a posteriorização da tíbia em relação ao fêmur e, com isso, desempenha um importante papel no mecanismo desacelerador e frenador do joelho. Essa função estática é sinérgica à mesma função do quadríceps, que é o grande desacelerador e frenador dinâmico do joelho.

Segundo  Hernandez (1994), não há diferença  entre  o comportamento mecânico das duas estruturas que compõem o LCP e o LCA no que diz respeito à resistência. Para alguns autores pode existir diferença no que se refere à elasticidade. O LCP é responsável por 95% da estabilização posterior  do joelho.

 

Periféricos. São os principais responsáveis pela estabilidade medial, lateral e rotacional e auxiliam na estabilização ânteroposterior. O complexo medial é composto por dois folhetos: o superficial, que é mais delgado, e o profundo, mais espesso, dividido em menisco femoral e menisco tibial. O folheto superficial é mais elástico, podendo ocorrer  lesão de um dos folhetos profundos, sem haver trauma no superficial.

O complexo medial é reforçado no canto pósteromedial pela inserção do músculo semimembranáceo, que forma o ligamento poplíteo oblíquo posterior. O complexo ligamentar lateral é resultado do espessamento da cápsula articular, reforçada pela fáscia lata e por um forte complexo ligamentar pósterolateral. Esse complexo, formado pelo ligamento colateral  da fíbula, pelo tendão  do músculo poplíteo  e pelo ligamento  arqueado, tem a importante função de limitar a rotação externa da tíbia em relação ao fêmur, além de, obviamente,  ser um estabilizador  lateral. Nessa região, ocorrem muitas variações anatômicas.

O complexo ligamentar lateral é o principal restritivo secundário da estabilização anterior e posterior do joelho. Como estabilizador  secundário,  é responsável  por 58% da estabilidade  anterior  e por 64% da estabilidade posterior.

Unindo   as  estruturas  ligamentares, ajustando   e auxiliando a distribuição  de carga das estruturas ósseas, há os meniscos. O menisco medial segue o comportamento do compartimento medial, sendo mais estável e menos móvel. O menisco lateral, à semelhança do compartimento lateral, é mais móvel. Os meniscos funcionam harmonicamente, embora sejam independentes. Essa complexa estrutura possibilita a estabilização em qualquer grau de movimento, pois tal mecanismo é o resultado da interação do sistema ligamentar estático com o sistema muscular dinâmico. Há certa simetria em todo o conjunto, representada no esquema proposto por Nicholas (1973).

 

Ligamentos da articulação patelofemoral

A partir  da descrição de Warren  e Marshall,  em 1979, do ligamento  patelofemoral medial (LPFM),  houve mudança na compreensão da estabilidade da articulação patelofemoral. Após 1998, vários estudos  a respeito  desse  ligamento foram iniciados, demonstrando que ele é o principal responsável pela estabilização da patela.

Com origem na borda súpero-medial da patela e na inserção no epicôndilo medial, o LPFM é o mais importante restritivo à lateralização da patela (Fig. 65.1). Suas relações com o músculo vasto medial explicam, a nosso ver, a importância desse músculo no mecanismo de estabilização da articulação patelofemoral (Fig. 65.2).


 

Fig. 65.1

LPFM desinserido no fêmur, demonstrando sua  espessura e inserção na patela.


 

Fig. 65.2

LPFM e sua  relação com  o  músculo vasto medial. É importante observar as traves de relação entre  o músculo e o ligamento (seta).

 

Quadro clínico     

O exame clínico do joelho em casos agudos é difícil e impreciso. Os sinais clínicos são, na maioria dos casos, negativos ou duvidosos. Abdalla (1994) demonstrou que, entre os portadores de hemartrose com lesão do LCA comprovada  por artroscopia, apenas 26% tinham teste da gaveta anterior positivo e 40% apresentavam teste de Lachman positivo quando examinados sob anestesia. A avaliação inicial deve ser registrada para comparação posterior, que deve ocorrer em 4 a 5 dias após o trauma inicial. O exame deve seguir uma rotina, para evitar erros e permitir  comparação.

 

História clínica

Tipo de trauma. Os traumas axiais e angulares produzem fraturas com maior frequência, enquanto os traumas rotacionais provocam lesões meniscoligamentares, em especial do LCA. A lesão do LCP costuma  ser causada por queda de joelho ou por trauma direto anterior  com o joelho fletido.

 

Aumento de volume. A hemartrose, ou seja, o derrame imediato por sangramento, acontece em 75% dos casos em consequência de lesão do LCA e associa-se a lesões meniscais ou osteocondrais em 50% das ocorrências. Nas luxações agudas, a hemartrose é muito frequente e, em geral, volumosa.

 

Dor. A dor de início imediato  precedida de estalido  é comum nas lesões ligamentares. Se estas forem graves, em geral, doem pouco após o trauma  inicial, devido ao extravasamento de líquido da articulação.

 

Atitude  após  o trauma. A atitude  em flexão é muito comum em lesões intrínsecas, ocorrendo, em geral, por espasmo muscular. Os desvios angulares são frequentes após fraturas.

 

Exame físico

A palpação  demonstra os pontos  dolorosos e a presença  ou não de derrame articular. Os pontos dolorosos podem evidenciar geograficamente o sítio da lesão, porém são pouco específicos quanto ao diagnóstico etiológico da dor. É muito difícil distinguir entre desinserção ligamentar e lesão meniscal aguda.

 

Manobras de estresse. Testam os ligamentos e, indiretamente,  a superfície articular. A pesquisa é mais sensível no momento imediato  do trauma  inicial ou 2 a 3 dias após, pois o espasmo muscular dificulta a avaliação nas primeiras horas após a lesão.

 

Teste de Lachman anterior e posterior. Com o joelho em flexão de 20 a 30o, é realizada tentativa de anteriorização ou posteriorização da tíbia em relação ao fêmur (Fig. 65.3).

 

Teste da gaveta anterior e posterior. Com o joelho em flexão de 70o, é feita a análise da anteriorização ou da posteriorização da tíbia em relação ao fêmur (Fig. 65.4).

 

A positividade  de tais testes indica lesão do LCA e/ou do LCP, porém a ausência de positividade não exclui a presença de lesão.

 

Teste de estresse em varo ou valgo. Realizada em extensão e flexão de 30o (Fig. 65.5). A abertura em valgo/varo em 30° sem abertura em extensão demonstra lesão moderada do compartimento examinado. A ocorrência de positividade do teste em extensão indica lesão grave de todo o complexo analisado, com provável lesão do LCP. A presença de dor no ângulo da articulação  (compartimento oposto ao testado) pode indicar fratura ou lesão meniscal.

 

Testes rotacionais. Realizados  por meio da rotação  da tíbia em relação ao fêmur, associada à flexão-extensão.

Tais manobras sugerem presença de lesões meniscais ou osteocondrais no compartimento contrário ao sentido de rotação da tíbia. Fixando-se, com a mão do examinador,  o pé do paciente  na posição de rotação  da tíbia em relação  ao fêmur, a flexão e a extensão são realizadas (Fig. 65.6).

 

Testes  da integridade das  aletas  patelares. O estresse da aleta patelar  medial, feito por meio da lateralização da rótula com o joelho em 5 a 10o de flexão, é fundamental como rotina de exame, pois a luxação aguda da patela comporta-se  clinicamente como a maioria dos traumas do joelho  no que  se refere  às informações  da história clínica. A pesquisa de lesão da aleta medial e de eventual desinserção do vasto medial demonstra a luxação da patela, que é sempre  no sentido lateral.

 

 

Fig. 65.3

Teste  de Lachman.

 

 

 

Fig. 65.4

Teste  da gaveta anterior.

 

 

 

Fig. 65.5

Teste  de estresse em valgo.

 

Exame radiográfico

O exame radiográfico inicial é muito importante para demonstrar eventuais  fraturas  ou arrancamentos ósseos. Pequenos arrancamentos ósseos marginais ao platô lateral (fratura  de Second)  indicam graves lesões ligamentares ânterolaterais (Fig. 65.7). As radiografias devem ser nas incidências de frente, perfil e axial da patela em 45o (axial de Hughston). Os afundamentos centrais do platô tibial e as fraturas osteocondrais não são visíveis no exame radiográfico convencional.

Podem  ser realizadas radiografias em estresse anterior/ posterior ou lateral/medial para esclarecer eventuais dúvidas quanto a instabilidades ligamentares. Tais análises são muito dolorosas logo após o trauma,  e o espasmo muscular pode mascarar  o diagnóstico.  A ressonância  magnética  nuclear  (RMN) é o exame que melhores subsídios traz ao diagnóstico do joelho em casos agudos, permitindo visualizar lesões ligamentares, meniscais, fraturas osteocondrais, afundamentos do platô tibial e lesões das aletas patelares  (Fig. 65.8), que não são visibilizadas em estudos radiográficos convencionais. Fraturas  ocultas ao raio X são frequentes, sendo diagnosticadas apenas por RMN (Figs. 65.9 e 65.10).

 

 

 

 

Fig. 65.6

Teste rotacional. Associando-se a rotação à flexão, há sensibilização do teste. A rotação externa testa o mesmo movimento interno.

 

Tratamento do  joelho em casos agudos         

O divisor de águas na conduta terapêutica é o exame clínico seguido da radiografia simples. A RMN, sempre  que possível, deve ser realizada nos casos agudos, pois a incidência de lesões osteoarticulares é maior do que a detectada pelos métodos  convencionais.  Neste  capítulo,  são consideradas as hipóteses  possíveis e as técnicas para reconstrução.

 

Entorse de joelho, sem hemartrose e sem sinal  clínico de instabilidade. Realizar exame radiográfico convencional. É uma lesão leve, sem comprometimento da estabilidade do joelho. Utiliza-se o protocolo  resumido  na palavra “PREGO”, por 16 a 21 dias.

 

Proteção: uso de muletas.

Repouso: ausência de esforço sobre a articulação.

Exercícios: iniciados imediatamente após o trauma,  para a manutenção do tônus muscular.

Gelo: em 3 a 4 sessões de 20 minutos, por 3 a 4 dias. O gelo, usado assim, tem a função de agir como analgésico e anti-inflamatório.

Observação: é o acompanhamento do paciente.  Como já relatado,  os sinais clínicos podem  se tornar positivos durante a evolução, após cessar o espasmo da musculatura.

 

Os pacientes devem ser acompanhados, já que aproximadamente metade das lesões agudas do LCA não produz hemartrose.

 

 

 

Fig. 65.7

Fratura de Second. Há um pequeno arrancamento ósseo na região do platô  lateral.

 

 

Fig. 65.8

Imagem de  RMN com  sinal  de rotura da  aleta  patelar medial e contusão óssea do côndilo lateral do fêmur por luxação da patela.

 

 

Fig. 65.9

Raio X de joelho na incidência de frente  sem sinais de fratura.

 

 

Fig. 65.10

RMN do  mesmo paciente da  Figura  65.7, demonstrando traço de fratura  intra-articular.

 

Entorse de joelho com hemartrose e sem sinais clínicos de instabilidade. Realizar exame radiográfico convencional. Sabe-se que 75% das hemartroses indicam lesão do LCA, associada, na metade dos casos, com lesão meniscal ou osteocondral. Neste capítulo, são abordados os aspectos referentes à lesão do LCA. O tratamento das lesões intrínsecas  será considerado em item específico.

Estudos  para determinar a evolução para instabilidade anterior,  a partir  da lesão isolada do LCA, indicam  como fatores de risco:

 

 

• Atividade esportiva. Os pacientes  em atividade  esportiva evoluíram duas vezes mais para instabilidade anterior do que aqueles que praticavam esportes de forma esporádica.

• Intercôndilo estreito. Dividindo-se a medida de abertura do intercôndilo (a qual é determinada por radiografia que possibilite a visualização do túnel intercondilar) pela largura  dos côndilos (definida  no nível da inserção  do músculo poplíteo),  obtém-se  o índice  intercondilar de Souryat e colaboradores (apud Rezende et al., 1994). Nos pacientes  com índices menores  de 0,2, a possibilidade de evolução para instabilidade anterior, a partir da lesão isolada do LCA, é muito maior.

• Varismo do joelho. Noyes, Barber e Simon (1993) determinaram que portadores de lesão do LCA e varismo evoluem com maior frequência para instabilidade anterior.

 

A indicação ou não de tratamento cirúrgico ou de análise por artroscopia ou RMN  deve ser feita considerando-se tais fatores e o acompanhamento clínico. Nos casos submetidos a artroscopia,  pode-se  utilizar um critério mais preciso de indicação ou não para a reparação das lesões de LCA. Abdalla (1994) demonstrou que os portadores de lesão do LCA com extensa lesão da membrana sinovial têm possibilidade  muito  maior de evoluir para  instabilidade anterior. De qualquer forma, para os portadores dessas lesões, a conduta inicial é o protocolo PREGO, e, nos casos selecionados, a reconstrução do LCA é feita segundo as técnicas que serão descritas mais adiante  neste texto.

 

Entorse do joelho com sinais clínicos de instabilidade medial ou lateral, sem hemartrose. Exame radiográfico convencional. Nos pacientes afetados, ocorre lesão moderada dos complexos ligamentares periféricos, sem comprometimento dos componentes centrais. É indicado  o protoclo  PREGO por 21 dias.

 

Entorse do joelho com sinais  clínicos de instabilidade em varo ou valgo, com hemartrose. Exame radiográfico em busca de sinais de fratura  ou de afundamento do platô tibial. O tratamento das fraturas  do platô tibial será abordado  mais adiante  neste capítulo.

 

Entorse do joelho com hemartrose e sinal clínico de instabilidade anterior. Exame radiográfico convencional.  Nos pacientes com tal condição, há sinais de lesão do LCA já com instabilidade manifestada. São indicados o protocolo PREGO por 21 dias e a reconstrução do LCA, com base na técnica que será descrita mais adiante.

 

Entorse do joelho com ou sem hemartrose e com sinais  de instabilidade posterior. Exame radiográfico convencional ou com sinais de arrancamento do LCP. As duas condições possíveis são decorrentes de posteriorização, seja ela passiva ou não. Nos casos de lesão do LCP sem posteriorizacão passiva, utiliza-se o protocolo  PREGO e observa-se a evolução dos pacientes. Naqueles com posteriorização passiva, a indicação de reconstrução ou reinserção do LCP é necessária. O diagnóstico tardio  de instabilidade posterior  costuma  ser confundido com instabilidade anterior. A RMN não ajuda muito, pois o LCP cicatriza, e são visualizadas imagens de integridade em ligamentos alongados (Figs. 65.11 e 65.12).

 

Lesões do aparelho extensor. As luxações da patela, sobretudo as agudas, são de difícil diagnóstico clínico. Como consequência,  são negligenciadas.  O sinal clínico frequente é a hemartrose com dores na aleta medial. A palpação da aleta e a tentativa de lateralização da patela produzem dor. O exame radiográfico pode demonstrar pequenos arrancamentos ósseos na faceta medial. Fraturas marginais podem acompanhar as luxações (Fig. 65.8).

 

 

 

Fig. 65.11

Sequela de lesão do LCP evidenciando integridade na RMN.

 

 

Fig. 65.12

RMN do joelho demonstrando o LCP alongado, em caso de lesão nesse ligamento.


Lesões complexas do joelho. Nesse grupo, são incluídas as instabilidades complexas associadas ou não a fraturas do platô tibial. Inicialmente, são consideradas as instabilidades complexas. As fraturas do platô serão descritas mais adiante. As lesões ligamentares complexas  do joelho  ocorrem  por comprometimento dos complexos ligamentares periféricos associado a lesões de um ou dos dois ligamentos  centrais. Em tais situações,  o correto  é a reconstrução de todas  as estruturas comprometidas, utilizando todos os recursos cirúrgicos.

 

Tratamento das lesões ligamentares agudas

Reconstrução do LCA

A sutura ou reinserção  do LCA não possibilitam resultados satisfatórios. O tratamento da lesão aguda do LCA é feito pela substituição  desse ligamento  por enxerto  tendíneo. A cirurgia pode  ser realizada  por via artroscópica  ou por via aberta  e consiste em inserir o enxerto  tendíneo em túneis ósseos perfurados exatamente nos pontos  de inserção  do LCA na tíbia e no fêmur. O posicionamento dos túneis pode ser feito com o uso de guias ou por visão direta.

É possível empregar, entre outros, dois tipos de enxerto tendíneo: o terço médio do tendão  patelar  com fragmento ósseo da tíbia e da patela e os tendões flexores grácil e semitendíneo ou semitendíneo triplo (3ST).

O terço médio do tendão  da patela (TP) é utilizado em alguns casos, com resultados testados por décadas. O procedimento  deve ser realizado sempre 15 a 21 dias após o trauma, para evitar artrofibrose, muito mais frequente nas cirurgias feitas sob regime de urgência. A fixação do enxerto pode ser realizada  utilizando-se  parafusos  de interferência, que são posicionados entre a parede do túnel ósseo e o fragmento ósseo do enxerto, ou por amarria do fragmento ósseo a parafuso na tíbia ou no fêmur (Fig. 65.13).

O uso dos tendões flexores tem aumentado, ressurgindo a partir de estudos da década de 1970. O melhor desenvolvimento dos sistemas de fixação possibilitou novos estudos com os tendões flexores.

A menor  agressividade  do procedimento cirúrgico, especialmente em joelho traumatizado, tem possibilitado reabilitação mais rápida, sem prejuízo da resistência. São utilizadas, também, a fixação femoral com Endobutton® (Fig. 65.14) e a fixação tibial com parafuso  de interferência absorvível (Fig. 65.15). Esta é, hoje, nossa técnica de eleição, já testada em alguns estudos comparativos.

 

Reconstrução do LCP

Nos casos agudos,  a reconstrução do LCP  deve  ser feita sempre  que não houver desinserção  com fragmento  ósseo. Na presença  de fragmento  ósseo, a reinserção  é feita com material de síntese, por via de acesso posterior que aborde a cápsula  posterior  entre  as cabeças  medial  e lateral  do músculo gastrocnêmio.  Em lesão na substância  do LCP, a reconstrução segue os mesmos moldes da reconstrução do LCA, ou seja, a recomposição com tendões.  A reconstrução  com tendão da patela é clássica e adota os mesmos princípios descritos para a recomposição  do LCA.

No caso de reconstrução com tendões flexores, são utilizados dois tendões flexores duplos, fornecendo conformação quádrupla, fixando-os com parafusos de interferência absorvível tanto no fêmur como na tíbia. Emprega-se a conformação quádrupla pelas seguintes razões:

 

• A retirada de dois tendões flexores não favorece o desenvolvimento dinâmico da instabilidade posterior, pois o quadríceps é o agonista do LCP, impedindo a posteriorização.

• O percurso  desde  o início do túnel tibial até o final do túnel femoral é maior na reconstrução do LCP.

• Nos casos com indicação cirúrgica, há força de posteriorização passiva, que deve ser neutralizada, exigindo conformação mais resistente.

 

Reconstrução simultânea do LCA e do LCP

Sempre que houver condições técnicas, deve-se realizar essas reconstruções. Na presença  de algum impedimento para a reconstrução simultânea,  faz-se a reconstrução do LCP. A associação das técnicas com tendão  da patela e tendões flexores permite a reconstrução adequada. Pode-se  utilizar a opção de associar o tendão  do quadríceps e o tendão  da patela em uma única retirada.  Divide-se o fragmento  patelar ao meio e utiliza-se o tendão do quadríceps para a reconstrução do LCP e o tendão  da patela  para a recomposição  do LCA (Fig. 65.16).

O uso de enxertos  homólogos, de banco, é ideal para a reconstrução de lesões complexas, por ser uma técnica menos agressiva em joelhos já bastante  traumatizados.

 

Reconstrução das lesões periféricas

As lesões periféricas devem ser cuidadosamente diagnosticadas na via de acesso. Todas as incisões de abordagem devem ser paralelas  ao eixo da perna,  evitando  a secção de estruturas ainda  íntegras.  Uma  vez reconhecido o sítio da lesão, que, na maioria das vezes, é distal, a reconstrução dáse por sutura simples ou por reinserção  óssea, dependendo do local da lesão.

 

• Reconstrução por sutura simples. Repara-se a lesão com pontos separados, evitando encurtar os tecidos suturados.

• Reconstrução por reinserção óssea. Por meio de fios de Kirschner, perfurados na extremidade, são feitos túneis ósseos na região de reinserção,  sendo  fixados ao osso. Dessa forma, a cápsula é desinserida (Fig. 65.17).

 

Reconstrução das lesões complexas

Na reconstrução das lesões complexas, utilizam-se as técnicas já citadas, seguindo esta hierarquia:

• Inicialmente, reconstroem-se as lesões centrais,  sendo que a lesão do LCP deve ser reconstituída antes da lesão do LCA.

• Antes de realizar a fixação das lesões centrais, reparamse, com pontos  separados  ou fios de reinserção  óssea, todas as lesões periféricas.

• Fixam-se as lesões centrais e, finalmente, as periféricas.

 

As suturas  e as reinserções  devem  ser feitas de forma que não haja limitação ao movimento articular e que a estabilidade seja restabelecida. O aspecto final será definitivo, pois a expectativa de que qualquer tipo de fibrose possa vir a corrigir falhas na reconstrução é falsa.

 

Reconstrução na luxação aguda da patela

A desinserção  do LFPM  pode  ocorrer  em sua inserção femoral ou tibial. Em alguns casos, a lesão acontece na substância do ligamento. A desinserção no fêmur deve ser corrigida pela reinserção  por sutura  ou por âncoras de fixação (Fig. 65.18). A reinserção na patela pode ser feita com sutura por via artroscópica (Fig. 65.19) ou por meio de uma artrotomia medial. Nos casos de lesão na substância, o ligamento deve ser reconstruído. Utiliza-se a técnica com o terço medial do tendão  da patela (Fig. 65.20A e B).

 

Tratamento das lesões intrínsecas agudas do  joelho

Lesões meniscais

As lesões meniscais agudas são de diagnóstico difícil. Raramente,  são lesões isoladas, estando,  em geral, associadas a algum grau de lesão ligamentar. Decorrem de traumas rotacionais ou da associação destes com traumas axiais, seguidos de dor e de atitude  em flexão. O derrame articular tardio é mais frequente do que a hemartrose. O exame clínico inicial é complexo, pois a atitude antálgica impede os movimentos de flexão associados à rotação. O protocolo  PREGO deve ser utilizado inicialmente,  e a observação  clínica orienta  a evolução diagnóstica e terapêutica. As lesões agudas isoladas ou associadas às lesões ligamentares devem ser tratadas por sutura ou ressecção de fragmentos  soltos.

 

Sutura meniscal

A sutura meniscal está indicada nas lesões do terço periférico do menisco em joelhos estáveis ou que serão estabilizados. Há várias técnicas para a sutura, mas é preferível o método de dentro  para fora.

 

Técnica

Sob artroscopia  ou artrotomia, visualiza-se a área lesada e, com o auxílio de um fio de Kirschner furado ou de agulhas específicas, introduz-se o fio inabsorvível. A saída do fio deve ser observada  por visão direta,  através de incisão feita na pele da região posterior.  Os nós são feitos junto à cápsula, sob visão direta (Fig. 65.21).

 

Ressecção de  fragmentos

Sob artroscopia  ou artrotomia, visibiliza-se o menisco, e a área lesada é ressecada  de forma a retificar o desenho  meniscal (Fig. 65.22).

 

Lesões osteocondrais

As lesões osteocondrais traumáticas  têm assumido  importância progressivamente maior com a evolução dos meios diagnósticos. A RMN demonstrou incidência próxima a 80% de lesões osteocondrais traumáticas  nos portadores de hemartrose com lesão aguda do LCA. Esses mesmos pacientes, submetidos a artroscopia, apresentam incidência de 20% de lesões visíveis. Provavelmente, a alta incidência  de artrose em portadores de lesão do LCA esteja relacionada às lesões osteocondrais traumáticas.  Pode-se considerar dois tipos de lesões osteocondrais traumáticas: por impacção e por destaque.

 

 

Fig. 65.13

Parafuso de  interferência no  túnel  femoral e  amarria a  parafuso esponjoso na tíbia.

 

 

Fig. 65.14

Endobutton® fixando o tendão do músculo semitendíneo triplo.

 

 

Fig. 65.15

Radiografia de frente do joelho apresentando Endobutton® no fêmur e orifício de parafuso de interferência na tíbia.

 

 

Fig. 65.16

Enxerto de tendão do quadríceps e ligamento da patela. A divisão ao meio da parte referente à patela permite o uso de dois enxertos.

 

 

Fig. 65.17

Reinserção transóssea da cápsula posterior.

 

 

Fig. 65.18

Inserção do LFPM no epcôndilo medial com  âncora metálica.


 

Fig. 65.19

Reinserção do LFPM na patela.

 

 

Fig. 65.20

(A) Retirada de  enxerto do  terço  medial  do tendão da  patela.

(B)  Inserção do enxerto no epicôndilo do fêmur.

 

Lesões osteocondrais por  impacção

São muito frequentes nas lesões agudas do LCA. Ocorrem, na maioria dos casos, no fêmur. Não se conhece ainda o real significado dessas lesões e, como são estáveis, não são submetidas a procedimento terapêutico.

A ocorrência de lesões por impacção na tíbia, em que se consideram  os afundamentos do platô tibial, tem merecido maior atenção. Nos casos de afundamentos de até 0,5 cm, a carga é retirada por seis semanas, orientando o uso de muletas. Nas seis semanas seguintes, a descarga parcial é permitida ainda com muletas. Após 12 semanas, é instituído o retorno progressivo às atividades  anteriores ao trauma.  Nos casos de afundamentos maiores de 0,5 cm, indica-se o levantamento sob controle radioscópico.

 

 

Fig. 65.21

Técnica de sutura meniscal com  fio de Kirschner furado.

 

 

Fig. 65.22

Corno posterior do menisco medial retirado e retificado.

 

Técnica

• Posicionar o paciente  em mesa ortopédica sob tração.

• Executar incisão no terço médio distal da perna, do lado

oposto à lesão.

• Executar perfuração da cortical tibial.

• Introduzir batedor  de ponta romba, sob visão radioscópica, em direção ao platô comprometido.

• Fazer artroscopia ou artrotomia para visualização da área afundada.

• Elevar a área afundada com o batedor, sob visão direta e radioscópica.

• Fixar com barra de compressão.

 

O acompanhamento pós-operatório consiste em estimular a movimentação e retirar a carga por 12 semanas (Fig. 65.23).

 

Lesões osteocondrais por  destaque de  fragmento

A camada acometida pela lesão depende da idade do paciente. Nos jovens, em geral, ocorre lesão envolvendo o osso subcondral, pois este não está suficientemente desenvolvido. Nos pacientes  com mais de 30 anos, o osso subcondral  adquire resistência progressivamente maior, e o destaque condral é a lesão mais frequente. O tratamento depende do tipo de fragmento. Nos fragmentos condrais ou osteocondrais de até 1 cm, sua retirada permite cicatrização da região em 90 dias. A liberação  para  carga pode  ser imediata.  Todavia,  o paciente deve evitar movimentos  bruscos de rotação ou atividades  físicas mais intensas.  Nos fragmentos  osteocondrais maiores de 1 cm, a fixação com fios de Kirschner  rosqueados pode  ser feita por  artroscopia  ou artrotomia. Os fios devem emergir na cortical do côndilo femoral para facilitar a retirada.  O uso de parafusos  absorvíveis, sem a cabeça, quando  disponíveis, também  é indicado.

Nos casos de impossibilidade  de fixação do fragmento, nas lesões osteocondrais maiores de 1 cm, deve ser considerado o enxerto osteocondral. Esse enxerto é feito com fragmento  osteocondral retirado  de zonas de não apoio  transplantado para a área de lesão (Fig. 65.24). Tal técnica é denominada mosaicoplastia.

 

 

 

Fig. 65.23

RMN com  imagem do corno posterior do meniso medial.

 

Fraturas da patela          

A patela é o maior osso sesamoide do corpo, com seu centro de ossificação surgindo entre o segundo e o terceiro anos de vida ou, eventualmente, mais tarde. Em alguns casos, apresenta  centro  de  ossificação secundário (patela  bipartida). Tendo  formato  triangular  com o ápice voltado para baixo, recebe inserções dos componentes do quadríceps,  que também a recobrem e formam  o ligamento  da patela,  que se origina no polo inferior desse osso.

Sua disposição  anatômica  favorece  mecanicamente a função do quadríceps. Sua face articular apresenta a cartila gem mais espessa do corpo humano  e, durante a flexão-extensão,  transmite  ao seu ligamento  e à superfície  anterior do fêmur distal (tróclea)  a força gerada no quadríceps.  Sua vascularização vem de ramos das artérias superiores, média e inferiores do joelho, que penetram em sua porção central e em seu polo inferior, fato considerável na gênese da necrose avascular. Sua significância foi muito discutida na literatura, havendo alguns que a consideram sem valor funcional e outros que enfatizam a necessidade de sua reconstrução e preservação, devido a sua importância para o aparelho extensor.

 

 

 

Fig. 65.24

RMN demonstrando enxerto, do tipo mosaicoplastia, no côndilo medial do fêmur.

 

Mecanismo de  trauma e classificação

Há dois mecanismos frequentes de lesão na patela. O primeiro, devido a sua posição extremamente superficial na face anterior do joelho, é o trauma direto, muitas vezes com alguma lesão de pele associada. O segundo é o trauma  indireto por  tração  violenta  do aparelho extensor  do joelho  (Fig. 65.25). A existência de desvio ou não depende do grau de lesão de partes moles de tal aparelho.

A classificação das fraturas  da patela  depende, basicamente, do traço de fratura e da ocorrência ou não de desvio. As fraturas são divididas em transversas, longitudinais,  cominutivas  e osteocondrais.  As transversas  são as mais comuns, ocorrendo com mais frequência  na porção média ou distal. Todas elas são divididas em fraturas com ou sem desvio. Correspondem a cerca de 1% de todas as fraturas  do corpo, com maior  incidência  entre  os 20 e os 50 anos de idade.

 

Diagnóstico

Clinicamente, o diagnóstico de fratura da patela é realizado pela história de trauma direto ou de flexão violenta do joelho, seguidos  de dor, edema  e limitação, em grau variável, da capacidade de extensão do joelho. A disposição anatômica da patela costuma permitir boa avaliação mediante inspeção e palpação. A presença de edema ou de hemartrose também sugere fratura. Durante a avaliação inicial, é de extrema  importância que se caracterize ou não a capacidade de extensão ativa do joelho contra a resistência da gravidade. Eventualmente, pode ser necessária  a infiltração intra-articular de anestésico local para a observação. O exame radiográfico é fundamental para o diagnóstico, devendo  ser realizado  nas posições de frente e de perfil, com flexão moderada, e, quando possível, na incidência  axial, que permite a visualização de fraturas longitudinais. Raramente são indicados outros exames, exceto para identificação de fraturas osteocondrais,  em que a artrografia, a TC e a RMN contribuem para o diagnóstico.

 

Tratamento

Ao se instituir o tratamento para fratura da patela, os objetivos do ortopedista devem  ser restabelecer ao máximo a função do aparelho extensor e minimizar a possibilidade de complicações. O tratamento conservador está indicado para fraturas que não apresentem desvio significativo (2 a 4 mm) e em que o aparelho extensor  do joelho esteja preservado.

Na vigência de hemartrose ou de hematoma significativo, deve-se realizar punção,  seguida de imobilização com perneira  gessada ou órtese  em extensão  do joelho, por 4 a 6 semanas. Desde que a dor permita, o paciente pode receber carga progressiva no membro  inferior e realizar exercícios isométricos para a musculatura da coxa.

Nos demais casos, o tratamento indicado é o cirúrgico. Ainda que seja tradicionalmente realizado por acesso anterior transverso ao joelho, em nossa opinião, o acesso longitudinal mediano  é preferível, em função de futuras intervenções (retirada de síntese ou artroplastias). O tratamento cirúrgico também  está indicado  quando  existem desvios na superfície articular além de 2 mm.

Os principais procedimentos cirúrgicos realizados são a osteossíntese e as patelectomias parcial e total. Entre as técnicas de osteossíntese, a cerclagem simples ou dupla dos fragmentos é o método  clássico. A utilização de fios ou parafusos associados à cerclagem é muito frequente, sendo que o método  de  cerclagem  preconizado pelo  Grupo  AO  (Fig. 65.26) é um dos mais populares (banda  de tensão  AO). A fixação interfragmentária simples com parafusos também pode ser realizada, embora nem sempre permita boa estabilização dos fragmentos (Fig. 65.27). Em alguns casos com cominuição moderada entre dois fragmentos maiores, podem ser realizadas a ressecção da cominuição central e a aproximação dos fragmentos  maiores. A mobilização precoce é extremamente  importante na recuperação funcional dos pacientes.

Em casos de cominuição parcial e de impossibilidade de redução da superfície articular ou na presença de pequenos fragmentos, a patelectomia parcial pode ser indicada. O tendão a ser reinserido deve ser posicionado  o mais próximo possível da superfície articular para impedir uma báscula do fragmento  residual no sentido intra-articular.

A patelectomia total está reservada  apenas  para  casos de cominuição com desvio, sem presença de fragmento maior que permita a osteossíntese ou a realização de patelectomia parcial. O objetivo do tratamento das fraturas é restabelecer ao máximo a anatomia e a função normais. A falta da patela compromete, segundo alguns autores, a função do aparelho extensor  do joelho. Ainda  que determinados trabalhos  recentes mostrem resultados satisfatórios para a patelectomia total, em nossa opinião, a máxima preservação  do aparelho extensor deve ser o objetivo da cirurgia nas fraturas da patela.

Em todos os tratamentos cirúrgicos, a reparação das partes moles do aparelho extensor  é fundamental para a boa evolução dos casos, assim como a maior mobilização possível, dentro das particularidades de cada situação. Após a osteossíntese  e a reparação das partes  moles, é recomendável a realização de flexão progressiva e cuidadosa do joelho, para que se observe até que grau ele pode ser flexionado no pósoperatório sem comprometer a redução alcançada.

A maioria dos casos de fratura da patela apresenta bom prognóstico, desde que a mobilização do joelho seja iniciada o mais precocemente possível. A perda de redução com afastamento dos fragmentos pode acontecer nos casos em que a fixação interna  não foi adequada. Já a limitação da flexão ocorre  nos casos cujo período  de imobilização tenha  sido prolongado (mais de oito semanas). Há possibilidade de necrose avascular, a qual é identificada  entre um e dois meses após a fratura. O fragmento necrótico não deve ser retirado, podendo acontecer a revascularização  do fragmento  após alguns anos. Alterações  osteoartríticas da articulação patelofemoral podem ocorrer em 50% dos casos. A exemplo das demais fraturas, podem estar presentes infecção da ferida e pseudo-artrose.

 

Fraturas do platô tibial  

A diversidade, a complexidade e a dificuldade de tratamento das fraturas do terço proximal da tíbia fazem dessa condição um dos assuntos mais desafiadores da traumatologia. Para que se tenha ideia das várias opiniões a respeito do assunto, basta observar as diferentes classificações propostas para as fraturas dessa região. Tais fraturas podem ser agrupadas  em duas categorias principais: articulares e extra-articulares. As fraturas do platô tibial são aquelas que acometem a superfície articular.

O conhecimento da anatomia do terço proximal da tíbia e do joelho é fundamental na interpretação radiográfica  e no tratamento das lesões. A superfície articular da tíbia apresenta inclinação de 10 a 15° no sentido  pósteroinferior. O platô medial apresenta superfície côncava; e o lateral, convexa. Ambos são recobertos por 3 a 4 mm de cartilagem hialina. O conhecimento de toda a complexa estrutura ligamentar dessa região é fundamental, visto que a associação de fraturas com lesões ligamentares não é comum. As relações entre  a tíbia e a cabeça da fíbula também  não podem  ser esquecidas.

As fraturas do platô tibial correspondem de 1 a 8% das fraturas,  sendo  que a lesão do platô lateral  é, no mínimo, duas vezes mais frequente do que a do medial. O risco de rigidez do joelho após tais fraturas é alto. Sempre que possível, a mobilização precoce deve ser instituída.

 

Mecanismo de  trauma e classificação

Atualmente, a causa mais frequente de fraturas do platô tibial são os acidentes  de trânsito.  A lesão é causada  por forças em valgo ou em varo associadas à compressão axial na maioria dos casos. Uma lesão ligamentar combinada está presente em 20% ou mais dos casos.

Várias classificações são apresentadas na literatura, mas, eventualmente, há algum tipo de fratura que não se enquadra com exatidão em qualquer uma delas. A classificação de Hohl (1984) revisada é uma das mais abrangentes. As fraturas são divididas em dois grandes grupos: com desvio mínimo (depressão  ou deslocamento < 4 mm) e desviadas. Estas são subdivididas em seis categorias: compressão local, compressão fragmentada, depressão total, fragmentada, com borda e bicondilar (Fig. 65.28).

Outra classificação mais simples e também muito utilizada é a de Schatzker, dividida em cinco categorias (Fig. 65.29).


 

 

Fig. 65.25

Fratura da  patela com  lesão do aparelho extensor.

 

 

Fig. 65.26

Osteossíntese da patela pelo sistema  AO.


 

 

Fig. 65.27

Osteossíntese da patela com  parafuso.

 

Diagnóstico

A dor, o edema e a incapacidade funcional do joelho, embora sejam características de diferentes lesões dessa articulação, também  estão presentes nas fraturas do platô tibial. Deformidade e instabilidade articular costumam ser encontradas nessas fraturas e devem ser diferenciadas de lesões ligamentares. A presença de hemartrose com gotículas de gordura é sugestiva de fratura  intra-articular, porém  a radiografia  é que fornece o diagnóstico definitivo da lesão.

O estudo  radiográfico  deve incluir, além do raio X de frente  e de perfil, as incidências oblíquas interna  e externa e, ainda, a de frente com inclinação caudal de 10o. Eventualmente, pequenas fraturas por compressão só podem ser identificadas por meio de RMN e cintilografia óssea. A TC axial computadorizada com reconstrução digital pode auxiliar no planejamento cirúrgico dessas fraturas. As radiografias em estresse, sob anestesia, informam sobre possíveis associações com lesões ligamentares. O diagnóstico  de lesões que não aparecem no raio X não é incomum.

 

Tratamento

Ainda que muitos fatores interfiram  na indicação do tratamento, tais como condição clínica do paciente,  aspectos da pele, lesão arterial, fratura ipsilateral, entre outros, o principal fator a ser considerado é a ocorrência  ou não de desvio dos fragmentos  ou sua potencial  instabilidade. O princípio de redução anatômica das fraturas articulares deve ser observado com rigor nas fraturas do platô tibial.



  

Fig. 65.28

Classificação de Hohl para as fraturas do platô  tibial.

 

 

 

  

Fig. 65.29

Classificação de Schatzker para as fraturas do platô tibial.

 

O tratamento conservador está indicado nas fraturas sem desvio (< 4 mm) e na ausência de instabilidade importante da articulação. Imobilização com aparelho gessado ou órteses funcionais são suficientes nas fraturas  estáveis. Após cerca de seis semanas da fratura, inicia-se a mobilização do joelho. O membro  inferior  deve permanecer sem carga, especialmente  nas fraturas  do platô  tibial, por, no mínimo,  2 a 3 meses.

Nos demais tipos de fraturas,  com desvio ou estáveis, a indicação de osteossíntese é melhor, uma vez que possibilita a obtenção  de resultados  anatômicos ou funcionais adequados. Alguns autores  consideram  que apenas as fraturas com mais de 10 mm de desvio merecem  tratamento cirúrgico. A redução  aberta  e a fixação com parafusos convencionais  canulados ou com porca e arruela podem ser usadas nas fraturas mais simples. Eventualmente, a luxação pode ser feita de maneira percutânea com auxílio de intensificador de imagem.

Algumas fraturas por afundamento e com alargamento do diâmetro  condilar podem ser tratadas  por meio de redução em mesa ortopédica com intensificador de imagens, fixação percutânea e controle artroscópico de redução intra-articular. Costuma-se utilizar essa técnica para fraturas do platô lateral.

O emprego de uma ou mais placas de apoio depende da maior complexidade da fratura. Um fator determinante do resultado do tratamento é a via de acesso escolhida. Nas fraturas mais complexas, deve ser sempre lembrada a possibilidade de levantamento da tuberosidade anterior da tíbia para melhor  visibilização da superfície  articular.  A desinserção parcial dos meniscos também pode ser necessária para a redução dessas fraturas. Contudo, a preservação de tais estruturas é fundamental para o melhor  resultado  final e a longo prazo. Em depressões importantes (> 10 a 12 mm), deve-se sempre considerar a utilização de enxerto ósseo. Na reconstrução articular, é recomendável a realização de radiografias intraoperatórias antes da fixação definitiva, a fim de assegurar redução mais anatômica.

As fraturas com maior potencial de instabilidade devem ser fixadas, de preferência, com placas de apoio. Em todas as fraturas do platô tibial, é importante que se procure estabelecer  o diâmetro  normal da tíbia, para que suas relações com o fêmur sejam mantidas. Após a cirurgia, caso se tenha conseguido  boa estabilização,  a mobilização precoce  deve ser instituída, embora se deva manter  o membro  sem carga por, pelo menos, oito semanas e com carga parcial leve até, pelo menos, 12 semanas.

Nas fraturas bicondilares com cominuição maior, o tratamento  de escolha é a tração longitudinal  com controle  radiográfico periódico. Assim que se obter uma posição razoável, pode-se estimular a movimentação progressiva sob tração a partir  da segunda  ou da terceira  semana  da fratura.  Em alguns casos, é possível tentar  a reconstrução apenas da superfície articular por meio de osteossíntese mínima, suplementada pela própria tração ou fixação externa. A tentativa de redução aberta e fixação com placas costuma apresentar resultados insatisfatórios nessas fraturas. Após 4 a 6 semanas de tração, pode-se complementar o tratamento com aparelhos gessados ou órteses, sempre incentivando a movimentação periódica da articulação.

 

Referências

 

1.      ABDALLA, R. J. Lesão parcial do ligamento cruzado anterior: história  natural.  1994. 78 f. Tese (Doutorado) – Escola  Paulista  de Medicina, Universidade  Federal  de São Paulo, São Paulo, 1994.

2.     HERNANDEZ, A. J. Correlação das propriedades biomecânicas dos ligamentos  do joelho com seus parâmetros antropométricos. 1994. 162 f. Tese (Doutorado) – Faculdade  de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.

3.     HOHL, M. Fractures of proximal tibia and fibula. In: ROCKWOOD JR.,  C. A.; GREEN, D.  P. (Ed.).  Fractures in adults.  2nd  ed. Philadelphia:  Lippincott,  1984. p. 17-31.

4.      NICHOLAS, J. A. The five-one reconstruction for anteromedial instability of the knee: indications, technique, and the results in fiftytwo patients. J. Bone Joint Surg. Am., Boston, v. 55, n. 5, p. 899-922, July 1973.

5.      NOYES, F. R.; BARBER, S. D.; SIMON, R. High tibial osteotomy and ligament reconstruction in varus angulated,  anterior cruciate ligament-deficient  knees: a two-to seven-year follow-up study. Am. J. Sports Med., Baltimore, v. 21, n. 1, p. 2-12, Jan./Feb. 1993.

6.      REZENDE, M. U. et al. A estenose  do intercôndilo  como fator predisponente à lesão do ligamento  cruzado  anterior. Rev. Bras. Ortop., Rio de Janeiro, v. 29, n. 5, p. 276-280, maio 1994.

7.      WARRENL, F.; MARSHAL, J. L. The supporting strucutures and layers on the medial side of the knee; an anatomical  analysis.  J. Bone Joint Surg. Am, Boston, v. 61, p. 56-62, 1979.

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