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Neutrofilia

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 31/10/2017

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A contagem normal de leucócitos varia de 4.000 a 11.000 células/mcl, com cerca de 60% delas sendo neutrófilos maduros; a leucocitose é definida por uma contagem de leucócitos superior a 11.000 células/mcl. Uma contagem de neutrófilos acima de 8.000 células/mcl é considerada neutrofilia.

O aumento da contagem de neutrófilos pode ocorrer por diversos motivos, sobretudo associado a qualquer tipo de infecção, especialmente à infecção causada por agentes bacterianos ou fúngicos, e a uma variedade de neoplasias malignas, principalmente se metastáticas, além das leucemias agudas e da leucemia mieloide crônica.

Certos fármacos, tais como glicocorticoides ou fatores de crescimento hematopoiéticos e a minociclina, podem induzir a neutrofilia, que também pode ser causada pela intoxicação por etilenoglicol. A hemólise aguda ou a hemorragia aguda podem também resultar em neutrofilia com neutrófilos imaturos na circulação.

Outras causas significativas de neutrofilia são as neoplasias produtoras de fator estimulante de colônias de granulócitos (G-CSF). Numerosas neoplasias estão associadas com a neutrofilia e, em muitos casos, foram constatadas concentrações bastante elevadas de G-CSF.

 

Abordagem inicial

 

O achado de neutrofilia pode ser acidental em um exame de rotina; em caso de o paciente não apresentar sintomas, seu significado pode ser mínimo. A história pode ajudar no diagnóstico diferencial. Assim, devem ser investigados sintomas de infecção ou outra condição inflamatória. O tabagismo pode ser associado com a neutrofilia leve. O exercício físico extenuante, as queimaduras, bem como as situações de estresse psíquico podem estar associados com a presença de neutrofilia.

Algumas condições endocrinológicas como o hipercortisolismo e a tempestade tireoidiana podem se associar com aumento das contagens de leucócitos, assim como infarto agudo do miocárdio (IAM) e eventos cerebrovasculares também podem cursar com leucocitose. A esplenectomia prévia e a asplenia também podem cursar com neutrofilia. O exame físico deve procurar sinais de infecção, hipersensibilidade abdominal, esplenomegalia, edemas articulares, hiperemia cutânea e linfadenopatias. A presença de hematomas pode estar associada a leucoses agudas.

Pacientes com contagens de leucócitos acima de 50.000 células/mcl podem ter leucemias ou as chamadas leucoses; quando essas contagens superiores a 50.000 células/mcl não são associadas a leucemias, são denominadas de reações leucemoides. Em séries de pacientes hospitalizados, quando a contagem de leucócitos era acima de 15.000 células/mcl, na maioria dos casos havia uma ou mais infecções associadas.

As chamadas reações leucemoides são associadas a quadros inflamatórios significativos como pancreatite, pneumonia pneumocócica ou doença neoplásica como câncer de pulmão. Uma reação leucemoide pode imitar a leucemia mieloide crônica, pois é classicamente composta, em grande parte, de neutrófilos maduros com uma baixa proporção de bastonetes e células mieloides imaturas. Na reação leucemoide, há um aumento significativo da fosfatase alcalina leucocitária, bem como a granulopoiese aumentada com maturação e morfologia normais de células com citogenética normal das células da medula óssea.

Ao avaliar-se a neutrofilia, deve-se tomar cuidado em descartar a chamada neutrofilia espúria, quando problemas na coleta ou na amostra ou agregação plaquetária levam a contagens leucocitárias falsamente elevadas. A presença de crioglobulinas no sangue pode levar a contagens artificialmente elevadas de leucócitos com números eventualmente superiores a 50.000 células/mcl. Quando há suspeita de infecção ou quadros inflamatórios, o uso de marcadores inflamatórios como a proteína C-reativa pode ser útil.

Em pacientes sem outra explicação para um quadro de neutropenia, a realização de leucograma em familiares pode levar ao diagnóstico de neutrofilia familiar. Quando a neutrofilia é acompanhada de anemia, a suspeita maior é de quadro inflamatório, que pode cursar com neutrofilia e anemia de doença crônica. Por sua vez, a associação de neutrofilia com aumento no hematócrito leva à suspeita de policitemia vera. A neutrofilia em associação com a plaquetopenia, por sua vez, ocorre com maior frequência associada a sepse.

A neutrofilia pode estar relacionada ao chamado “desvio à esquerda”, situação em que há aumento de células imaturas granulocíticas como mielócitos e metamielócitos, ou uma concentração de bastonetes maior que 10% da concentração dos netrófilos segmentados. Esses achados ocorrem sobretudo em quadros infecciosos e inflamatórios e em pacientes com doenças mieloproliferativas crônicas.

 

Anormalidades qualitativas de neutrófilos

 

A função dos neutrófilos depende da sua capacidade para sair da medula, aderir ao endotélio vascular, mover-se, responder aos gradientes quimiotácticos, ingerir microrganismos e destruir os patógenos ingeridos. A perda de qualquer uma dessas funções pode predispor à infecção. Foram identificados defeitos em cada etapa da participação dos neutrófilos na resposta inflamatória.

Defeitos em moléculas de adesão, proteínas citoplasmáticas, síntese ou conteúdo de grânulos ou enzimas intracelulares podem estar subjacentes a um defeito de movimento, fagocitose ou na destruição de patógenos. Esses defeitos podem ser herdados ou adquiridos. A doença granulomatosa crônica e a doença de Chédiak-Higashi são dois exemplos de defeitos hereditários.

Entre os distúrbios adquiridos, estão aqueles extrínsecos à célula, como nos movimentos, quimiotácticos, ou os defeitos fagocíticos no diabetes melito, os efeitos do abuso de álcool ou o excesso de glicocorticoides. Distúrbios intrínsecos adquiridos, em geral, são manifestações de distúrbios clonais hematopoiéticos (mieloides), como a leucemia mieloide aguda.

A doença granulomatosa crônica é associada com a incapacidade da destruição de microrganismos pelos neutrófilos, resultando em infecções por Staphylococcus aureus, Klebsiella, Escherichia coli e outras infecções bacterianas catalase-positivas. Podem ocorrer linfadenites supurativas, pneumonia, dermatite, abscessos hepáticos, osteomielite e estomatite, e as reações granulomatosas crônicas nesses locais dão nome à doença.

As taxas de mortalidade são elevadas. Os distúrbios funcionais podem ser graves, como na doença granulomatosa crônica. Distúrbios funcionais leves predispõem a infecções que ocorrem com pouca frequência e respondem prontamente aos antibióticos. Distúrbios funcionais graves resultam em lesões supurativas, pois os neutrófilos em focos inflamatórios não são prejudicados, enquanto a granulocitose está associada a lesões não supurativas.

 

Lesões vasculares dos neutrófilos

 

A superabundância de neutrófilos não resulta em manifestações clínicas específicas. Os neutrófilos, no entanto, podem obstruir temporariamente os capilares, como pode ser determinado por exame de fundoscopia; tais oclusões podem reduzir o fluxo sanguíneo local de forma transitória e contribuir para o desenvolvimento de isquemia. Acredita-se que o comprometimento da reperfusão da microcirculação coronariana seja dependente, em parte, da ligação dos neutrófilos dos capilares do miocárdio, mas esses efeitos podem ocorrer com concentrações normais de neutrófilos.

Essa síndrome de leucostase costuma se manifestar apenas na presença de células de maior tamanho como os blastos, não sendo comum em quadros de leucemia mieloide crônica, mesmo com contagens superiores a 200.000 células/mcl, já que essas células são, em geral, maduras. Pacientes com contagens de blastos maiores que 30.000 a 50.000 células/mcl apresentam maior risco de desenvolver leucostase.

Uma contagem elevada de neutrófilos é uma característica da doença falciforme, e é uma variável prognóstica, aumentando a probabilidade de ocorrência de eventos vaso-oclusivos. A adesão de neutrófilos à parede vascular é uma parte intrínseca dos eventos vaso-oclusivos, e o efeito da hidroxiureia está relacionado à diminuição da concentração de neutrófilos que acompanha sua utilização. Em pacientes com doença vascular isquêmica, o aumento da contagem de neutrófilos está associado a uma probabilidade aumentada de episódios trombóticos agudos e à gravidade da aterosclerose crônica.

Os produtos dos neutrófilos podem causar alterações na pele, no intestino, na sinóvia, no glomérulo e na mucosa brônquica e intersticial. A retinopatia diabética tem sido atribuída, em parte, aos efeitos de neutrófilos hiperadesivos em capilares retinianos. Os neutrófilos podem atuar como mediadores de lesão tecidual em acidente vascular cerebral e IAM.

Os produtos de oxigênio altamente reativos de neutrófilos podem ser mutagênicos que aumentam o risco de neoplasias. A ação pode explicar, por exemplo, o desenvolvimento de carcinoma do intestino em pacientes com retocolite ulcerativa crônica e a relação entre a contagem de leucócitos elevada e a ocorrência de câncer de pulmão, independentemente do efeito do uso de cigarro.

Os agentes oxidantes, especialmente as cloraminas, libertados pelo neutrófilo podem desempenhar um papel na lesão tecidual, inativando vários inibidores da protease nos tecidos, permitindo que as proteases, sobretudo a elastase, o colágeno e a gelatinase, provoquem o prejuízo tecidual. A trombogênese também pode ser influenciada por produtos derivados de leucócitos.

Na avaliação dos pacientes com contagens de leucócitos acima de 50.000 células/mcl, para o diferencial entre um quadro de leucemia aguda e reação leucemoide, pode-se considerar a realização de mielograma ou biópsia de medula óssea, embora esses exames raramente sejam necessários na avaliação diagnóstica de pacientes com neutrofilia.

 

Referências

1-Dale DC, Welte K. Neutropenia and neutrophilia in Williams Hematology 2016.

2-Chabot-Richards DS, George TI. Leukocytosis. Int J Lab Hematol 2014; 36:279.

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