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Rabdomiolise

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 14/11/2018

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A rabdomiólise é a destruição e a necrose muscular, que pode ocorrer por diferentes etiologias, com liberação dos componentes musculares celulares na circulação; estes, ao serem filtrados no glomérulo, podem levar à disfunção renal. A definição inicial do Food and Drug Administration (FDA) descrevia rabdomiólise a partir de níveis de CPK acima de 10.000U/L; recentemente, a definição foi modificada para ser considerada apenas quando ocorrer dano secundário em algum órgão (tipicamente, insuficiência renal) e associado à elevação das enzimas musculares.

São reportados cerca de 25 mil casos anuais de rabdomiólise nos EUA, e a rabdomiólise é responsável por 5 a 7% das incidências de lesão renal aguda (LRA) não traumática e 25% de todos os casos de necrose tubular aguda. O reconhecimento precoce, se possível antes da ocorrência de dano renal, é importante, pois a intervenção precoce permite a recuperação completa do paciente e previne as complicações. Em indivíduos com miopatia severa, ocorre rabdomiólise com lesão renal em 20 a 25% dos casos.

 

Etiologias

 

Historicamente, a rabdomiólise é descrita deste os tempos antigos. O Velho Testamento descreve uma praga que afligiu os israelitas durante o êxodo para o Egito com manifestações semelhantes à rabdomiólise.

Em tempos modernos, a associação de insuficiência renal e lesões traumáticas foi descrita pela literatura médica durante a Primeira Guerra Mundial, mas a primeira descrição detalhada do assunto foi realizada por Bywaters e Beall (Crush Syndrome), que descreveram as complicações renais decorrentes da rabdomiólise em 4 pacientes vítimas de esmagamento durante os bombardeios a Londres, no período da Segunda Guerra Mundial, estabelecendo, assim, uma relação causal entre rabdomiólise e insuficiência renal pela primeira vez na literatura.

Inúmeras causas de rabdomiólise têm sido descritas desde então. As mais comuns parecem ser uso de álcool, excesso de atividade física e, principalmente, medicações ilícitas ou não. As causas de rabdomiólise são subdivididas em quatro grandes grupos:

             Trauma ou injúria direta.

             Excesso de atividade muscular.

             Defeitos enzimáticos hereditários.

             Outras causas clínicas.

 

O primeiro grupo, de trauma e injúria direta, comumente tem apresentação drástica, com paciente com membro esmagado evoluindo com mioglobinúria e lesão renal de rápida evolução; dentro desse grupo, há as injúrias causadas por choque elétrico e queimaduras. Procedimentos cirúrgicos que evoluem com compressão muscular prolongada e oclusão vascular também são causas bem definidas dessa afecção.

O excesso de atividade muscular pode causar rabdomiólise normalmente associada à intensidade do esforço físico realizado, sendo relatada após maratonas e em treinamento militar e, em geral, confinada aos membros inferiores. Esses pacientes raramente evoluem com LRA, exceto quando apresentam concomitantemente depleção de volume e insuficiência renal aguda (IRA) prévia.

Os pacientes com doenças genéticas hereditárias são um outro grupo importante, destacando-se a doença de McArdle, que consiste em deficiência da miofosforilase levando à produção defeituosa de ATP e causando rabdomiólise. Defeitos na via aeróbica de produção de energia, como a deficiência de carnitinapalmitil-transferase, são também causas potenciais. Outras causas são as miopatias mitocondriais - nesse caso, com lesão muscular, ocorrendo sobretudo após atividade física.

O grupo de outras causas clínicas de rabdomiólise também apresenta as seguintes subdivisões:

o     Medicação e toxinas.

o     Hipóxia muscular.

o     Doenças endócrinas e metabólicas.

o     Alterações de temperatura.

o     Infecções virais e bacterianas.

o     Causas raras.

O uso de etanol consiste na causa mais comum dentre as medicações e toxinas que causam rabdomiólise. O etanol inibe o acúmulo de cálcio no retículo sarcoplasmático dos músculos, agride as membranas celulares dos músculos e inibe a bomba Na-K-ATPase que mantém a integridade celular. Haller e Drachman descreveram o efeito tóxico do etanol em ratos e demonstraram que esse é bastante potencializado pelo jejum.

O uso de estatinas também é uma causa significativa de rabdomiólise. O mecanismo não é completamente conhecido. Uma das teorias mais aceitas é a de que as estatinas inibem a ubiquinona (coenzima Q), que é importante na produção de ATP pelas mitocôndrias. A miotoxicidade das estatinas apresenta-se de quatro formas: mialgias, elevações de CPK assintomáticas ou não, miopatia e rabdomiólise.

As mialgias são relatadas com todas as estatinas, mas também são sintomas comuns em pacientes tratados com placebo nos grandes trabalhos clínicos de uso de estatinas. A maioria delas ocorre sem elevação de enzimas musculares e, embora devam ser investigadas, apenas na minoria dos casos, é necessário interromper o uso da medicação.

Elevações de CPK menores que 5 vezes o limite superior do método são consideradas benignas e não necessitam de maiores cuidados. Miopatia é comumente definida por valores 10 ou mais vezes elevados em relação ao limite superior do método. Embora essa definição varie entre os diversos estudos, ela ocorre em 0,1% dos pacientes em uso de estatinas quando em monoterapia.

A miopatia normalmente ocorre nas primeiras semanas a meses do uso das estatinas, mas pode se manifestar em qualquer momento. As duas estatinas que parecem ter menor associação com miopatias são a pravastatina e a fluvastatina; são as de menor risco, mas pacientes que tiveram rabdomiólise induzida por estatinas têm contraindicação ao uso de todas as estatinas, incluindo essas.

Staffa et al. sumarizaram todos os casos de rabdomiólise fatal até 2001 nos EUA pelo FDA; dessa forma, reportaram que o risco de estatina e rabdomiólise com evolução fatal seria de 0,03 a cada 100 mil pacientes/ano. A combinação de estatinas e fibrato implica aumento de risco de rabdomiólise. Tal combinação deve ser evitada em pacientes idosos (acima de 70 anos), que tomem múltiplas medicações e que tenham insuficiência renal. Salienta-se, entretanto, que muitos pacientes têm indicação de uso dessa combinação terapêutica, e o seu uso cuidadoso é seguro, desde que seja realizada monitoração adequada.

Qualquer condição médica que implique períodos prolongados de inconsciência e imobilização pode resultar em injúria muscular e representa causa de rabdomiólise. A hipoxemia, por exemplo, como ocorre em pacientes com isquemia de membros, imobilização, picadas de animais peçonhentos, pode cursar com mionecrose.

Doenças endócrinas e metabólicas, como o hipo e hipertireoidismo, feocromocitoma e cetoacidose diabética, são causas descritas de miopatias, porém as alterações metabólicas que são relatadas de forma mais consistente com rabdomiólise são a hipofosfatemia e a hipocalemia; a dosagem de fósforo e potássio deve ser realizada em pacientes com suspeita diagnóstica de rabdomiólise.

Algumas infecções virais ou bacterianas podem precipitar rabdomiólise, seja por invasão direta ou por geração de toxinas. Influenza A e B são as causas mais comuns, seguidas de HIV, coxsackie, citomegalovírus e picornavírus. Alterações de temperatura que ocorrem na hipertermia maligna, na síndrome neuroléptica maligna e no heat stroke podem causar rabdomiólise. Tais síndromes apresentam combinação de febre, hiperatividade muscular e desidratação, que precipitam a rabdomiólise. A hipertermia maligna com o defeito nos canais de cálcio ainda apresenta maior potencial de lesão muscular.

O Quadro 1 sumariza as principais causas de rabdomiólise.

 

Quadro 1

 

Principais Causas de Rabdomiólise

Mecanismos

Causas

Traumático

Politrauma, esmagamento

Cirurgia vascular e ortopédica

Coma, imobilização

Lesão elétrica de alta voltagem, queimadura de 3o grau

Relacionado a esforço, não traumático

Esforço físico extremo (maratonas, entre outros)

Estado de mal epilético

Delirium tremens, agitação psicomotora

Miopatias metabólicas como a doença de McArdle

Hipertermia maligna, síndrome neuroléptica maligna

Intoxicação por anfetaminas e derivados

Hipotermia

Não traumático e sem esforço

Fármacos: estatinas, macrolídeos, ciclosporina, antimaláricos, antipsicóticos, inibidores de protease

Drogas: álcool, cocaína, heroína, anfetaminas, LSD

Toxinas: monóxido de carbono, acidente crotálico, vespa e abelhas

Infecções virais: Influenza, cocksackie, Epstein-Barr, Herpes simples, HIV, CMV

Outras infecções: Mycoplasma, piomiosite, Legionella, leptospirose, malária, salmonela, estafilococcias e estreptococcias, infecções parasitárias como a triquinose

Distúrbios hidroeletrolíticos: hipocalemia (<2,5mEq/L), hipofosfatemia, hipocalcemia, hipo/hipernatremia

Endocrinopatias: hipotireoidismo e hipertireoidismo

Miopatias inflamatórias: dermatopolimiosite, doença mitocondrial, miopatias por corpúsculos de inclusão

HIV: vírus da imunodeficiência adquirida.

 

Fisiopatologia

 

A maioria das causas de rabdomiólise cursa com depleção de ATP. Sabe-se que o ATP é crítico para as funções musculares, pois, com a depleção deste, ocorrem alterações na homeostase dos íons intracelulares, principalmente aumento do cálcio intracelular e, por meio deste, ativação de diversas enzimas como fosfolipases e proteases. O efeito final é a liberação de constituintes intracelulares tóxicos e radicais livres que provocam lesão da microvasculatura, extravasamento capilar e aumento da pressão intracompartimental.

Existem três mecanismos descritos como causa de IRA pela rabdomiólise:

              Efeito tóxico direto da mioglobina, que, por meio de sua porção heme, leva a disfunção e necrose tubular.

              Isquemia renal devido ao desequilíbrio entre mediadores vasoconstritores e vasodilatadores com efeito final de vasoconstrição renal.

              Obstrução tubular por cilindros formados pelo pigmento de mioglobina. Coagulação intravascular disseminada pode aparecer nesses pacientes com o potencial de aumentar as complicações renais.

 

Diagnóstico e Quadro Clínico

 

O diagnóstico de rabdomiólise baseia-se em um alto grau de suspeição frente ao quadro clínico das diversas etiologias citadas, pois a maior parte dos achados clínicos é inespecífica e a evolução do paciente é dependente do fator precipitante.

Os sintomas podem ser locais, como dores musculares, hipersensibilidade local, edema e fraqueza muscular; raramente, paralisia muscular pode ocorrer. O edema muscular pode, eventualmente, levar ao desenvolvimento de síndrome compartimental, embora essa seja uma condição excepcionalmente rara. O paciente pode, ainda, apresentar sintomas sistêmicos como febre, mal-estar. Outros sintomas como agitação psicomotora e confusão mental dependem dos fatores precipitantes.

A mioglobina é rapidamente eliminada pelo metabolismo hepático e pelo clearance renal. Assim, testes para mioglobina no plasma ou urina não são procedimentos diagnósticos sensíveis. Do ponto de vista macroscópico, a urina fica escurecida ou avermelhada. Frequentemente, a primeira pista diagnóstica é a mudança de coloração da urina. A presença de heme na urina é sugestiva do diagnóstico, principalmente se acompanhada de hematúria. Os pacientes apresentam cor de urina que varia de avermelhada a marrom. A tríade diagnóstica da rabdomiólise é composta de mialgias, fraqueza muscular e urina escurecida.

A enzima creatinoquinase (CK) está difusamente presente na musculatura estriada. Quando a célula muscular é lesada, grandes quantidades de CK são liberadas na circulação. Como sua degradação é mais lenta, a concentração de CK permanece elevada por mais tempo e de maneira mais consistente que a de mioglobina. Consequentemente, a determinação de CK é melhor que a de mioglobina na avaliação da rabdomiólise.

O dano muscular causa liberação de fósforo na corrente sanguínea, e a hiperfosfatemia resultante pode alterar o duplo produto cálcio e fósforo, levando o paciente a apresentar calcificações patológicas. Hipocalcemia eventualmente pode ocorrer, mas em geral é assintomática e sem necessidade de tratamento.

A ocorrência de insuficiência renal costuma ser drástica, com a creatinina aumentando em níveis desproporcionalmente elevados em relação à ureia devido a sua liberação pela lesão muscular. Posteriormente, ocorre elevação desproporcional da ureia devido ao catabolismo das proteínas musculares.

Fatores de risco descritos pela literatura para o desenvolvimento de insuficiência renal, segundo o estudo de Roth, são: pressão arterial sistólica (PAS), 100 mmHg; convulsões; disfunção hepática associada; CPK >8.000U/L e CIVD associada. A coorte histórica de Ward mostrou risco de 16,5% de desenvolver IRA em pacientes com valores de CPK >1.000U/L.

Um estudo publicado em 2013 com mais de 3.500 pacientes internados com níveis de CPK acima de 5.000U/L avaliou necessidade dialítica nesses casos. Os níveis séricos de CPK implicaram em risco aumentado apenas quando superiores a 40.000U/L. A etiologia da lesão muscular também tem implicação prognóstica e síndrome compartimental, sepse e pós-parada cardiorrespiratória, enquanto que miosite, exercícios e convulsões apresentam risco menor.

Esse estudo permitiu criar um escore de risco para predizer lesão renal em pacientes com lesão muscular. O grupo de menor risco tem um escore menor que 5 pontos e risco de morte ou necessidade de diálise de apenas 2,3%; já o grupo com escore maior que 10 tem risco de 61,2% de morte ou necessidade de diálise.

O Quadro 2 sumariza a classificação de risco em pacientes com rabdomiólise.

 

Quadro 2

 

Escore de Risco em Pacientes com Lesões Musculares em Relação ao Risco de Rabdomiólise

Variáveis

Pontuação

Idade entre 50 e 69 anos

1,5 pontos

 

Idade entre 70 e 79 anos

2,5 pontos

Idade igual ou maior a 80 anos

3 pontos

Sexo feminino

1 ponto

Creatinina entre 1,4 e 2,2mg/dL

1,5 pontos

Creatinina >2,2mg/dL

3 pontos

 

Cálcio sérico <7,5mg/dL

2 pontos

CPK >40.000U/L

2 pontos

Outra causa que não pós­convulsões, exercício físico, uso de estatina ou miosite

3 pontos

fósforo sérico entre 4,0 e 5,4mg/dL

1,5 pontos

fósforo sérico >5,4mg/dL

3 pontos

Bicarbonato <19meq/L

2 pontos

*Interpretação do escore: escore <5: baixo risco; escore entre 6 e 9: risco moderado; escore igual ou >10: alto risco.

 

O paciente com necrose tubular aguda costuma apresentar aumentos de creatinina entre 0,4 e 1mg/dL/dia. Aumentos em valores maiores que 2mg/dL sugerem o diagnóstico de rabdomiólise, ainda que possam ocorrer em outros tipos de necrose tubular aguda. A presença de hipoalbuminemia pode ocorrer por extravasamento de proteínas do plasma, representando fator de pior prognóstico.

São recomendados como rotina os seguintes exames para avaliação dos pacientes:

               CPK (outras enzimas musculares como a aldolase somente dosadas em casos de dúvida).

               Urinálise: pesquisa positivo para heme com tira reagente, mas com ausência de hemácias à microscopia.

               Hemograma completo.

               Ureia/creatinina, sódio, potássio, cálcio, fósforo e ácido úrico.

               Eletrocardiograma.

 

Diagnóstico Diferencial

 

Devem ser considerados como diagnósticos diferenciais patologias que podem levar à urina escurecida, que poderia ser confundida com mioglobinúria. Entre esses diagnósticos diferenciais, estão hemoglobinúria paroxística noturna, hemólises intravasculares, porfiria intermitente aguda, doença hepática com colúria e infeções.

 

Tratamento

 

O objetivo primário é a prevenção de fatores que causam a LRA, isto é, depleção de volume, obstrução tubular, acidúria e liberação de radicais livres. Logo, a obtenção de fluxo urinário constante com a administração adequada de fluidos é o mais importante. O sequestro de líquidos pelo músculo lesado pode resultar em hipovolemia, que deve ser prevenida pela administração agressiva de fluidos intravenosos. O volume de fluidos necessário pode chegar a 10 a 14L/dia ou mais.

Em série de 200 pacientes publicada em 1994, o uso de solução de hidratação até 12 horas após injúria diminuiu o risco de desenvolver insuficiência renal, em comparação com pacientes que recebiam hidratação após 12 horas de injúria, com 2,5% dos pacientes desenvolvendo LRA no grupo hidratação precoce e 21,7% no outro grupo.

Nesse estudo, também a mortalidade foi menor (0,8% em comparação a 4,8%), sendo que a cada 25 pacientes ocorreu uma morte a menos no grupo que recebeu hidratação precoce. A importância da hidratação precoce também foi demonstrada por Sinnert, sendo que a hidratação nas primeiras 6 horas após a injúria preveniu a ocorrência de lesão renal em 100% dos casos. A hidratação deve ser iniciada assim que o diagnóstico de rabdomiólise se tornar suspeito, não devendo aguardar a confirmação por exames laboratoriais.

O regime de administração de fluidos adequado é controverso, haja vista a ausência de estudos prospectivos nessa população, porém o esquema terapêutico sugerido por alguns autores consiste em solução salina isotônica, associada à solução de bicarbonato de sódio, sendo que, aproximadamente, 50% da quantidade de sódio deve ser administrada na forma de bicarbonato de sódio. Isso ajuda a corrigir a acidose, a prevenir a precipitação de mioglobina nos túbulos e a reduzir o risco de hipercalemia.

A velocidade da hidratação é de cerca de 1,5L/h, inicialmente, até a obtenção de fluxo urinário adequado, considerado como 200 a 300mL/h. Cerca de 100mL de solução de bicarbonato a 8,4% são usados concomitantemente a cada hora, visando à alcalinização de urina com PH alvo de 6,5. Em pacientes com níveis de CPK abaixo de 5.000U/L e sem lesão renal na apresentação, não é necessária a realização de reposição volêmica, pois está demonstrado que, nesses casos, o risco do desenvolvimento de injúria renal é baixo.

O uso de bicarbonato tem o benefício potencial de alcalinização da urina, o que, em teoria, poderia diminuir a toxicidade dos pigmentos musculares nos túbulos renais, mas a evidência de que isso, de fato, ocorre é insuficiente e se baseia em apenas um estudo.

Para ser administrado o bicarbonato, todas as condições a seguir devem ter sido contempladas:

              Ausência de hipocalcemia severa

              PH arterial <7,5

              Bicarbonato sérico <30mEq/L

 

Após a obtenção de fluxo urinário adequado, pode ser adicionado manitol ao regime de administração de fluidos. O manitol aumenta o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular; é um agente osmótico que ajuda na mobilização de líquidos do compartimento intersticial, diminuindo, assim, o edema muscular.

O manitol é um diurético osmótico que previne a obstrução tubular por mioglobina e, em teoria, diminui a ação de radicais óxidos livres. Deve ser administrado como solução a 10% e velocidade de infusão de 15mL/h. O uso de outros diuréticos deve ser evitado, pois não melhora o prognóstico da insuficiência renal, piorando a evolução em alguns casos.

Deve-se observar que o manitol só deve ser administrado se o fluxo urinário for de, no mínimo, 20mL/h, a maioria dos autores recomenda utilizar o manitol apenas quando os níveis de CPK forem maiores que 30.000U/L e sobrecarga de volume associada; ainda assim, a indicação é controversa. O uso da acetazolamida foi benéfico em uma série de casos. Como esse achado não foi confirmado em outros estudos, não é recomendado o seu uso nesses pacientes.

Apesar do tratamento, muitos pacientes evoluem com insuficiência renal dialítica, de modo que a indicação de diálise deve ser precoce e agressiva. Alguns doentes precisam fazer hemodiálise diariamente. Na maioria dos casos, a função renal é recuperada, pelo menos parcialmente. Hemodiálise e hemofiltração são as modalidades de escolha na fase aguda. Outra medida terapêutica possível para prevenir a insuficiência renal relacionada à mioglobina é o uso do quelante de ferro desferroxamina. Entretanto, as evidências para seu uso são, até o momento, apenas experimentais.

O alopurinol (considerando que grande parte dos pacientes desenvolve hiperuricemia) e pentoxifilina têm sido usados como agentes terapêuticos secundários devido a suas propriedades como tampão de radicais livres. No caso da pentoxifilina, aumenta o fluxo capilar e diminui a adesão de neutrófilos e liberação de citocinas. Entretanto, existem evidências de que, uma vez realizada a reposição volêmica adequada, essas medidas seriam pouco úteis.

A hipercalemia é complicação comum e necessita de tratamento agressivo. A que ocorre no início do tratamento raramente necessita de tratamento, exceto se o paciente apresentar sintomas relacionados. A hipercalcemia pode ocorrer posteriormente na fase de recuperação devido ao aumento do paratormônio (PTH) e da vitamina D, e pode ser severa sobretudo se houver reposição de cálcio na fase de hipocalcemia.

Em suma, o início precoce de hidratação agressiva e terapia dialítica melhoram bastante o prognóstico dos pacientes, sendo rara a mortalidade depois de tais intervenções precoces. As medidas terapêuticas para o fator precipitante da rabdomiólise também não devem ser negligenciadas.

Todos os pacientes com miopatia severa com CPK >30.000U/L têm indicação de iniciar o tratamento no departamento de emergência, e aqueles com disfunção renal e anormalidades eletrolíticas graves podem necessitar de internação em UTI. O seguimento depende da causa de base, mas a maior parte dos pacientes apresenta recuperação total de função renal.

 

Referências

 

1-Bosch X, Poch E, Grau JM. Rhabdomyolysis and acute kidney injury. N Engl J Med 2009; 361:62.

2-McMahon GM, Zeng X, Waikar SS. A risk prediction score for kidney failure or mortality in rhabdomyolysis. JAMA Intern Med 2013; 173:1821.

3-Zager RA. Rhabdomyolysis and myohemoglobinuric acute renal failure. Kidney Int 1996; 49:314.

4- Counselman FL, Lo BM. Rhabdomyolysis. In: Tintinalli JE, Emergency medicine: American Colllege of Physicians. 8th ed. New York: McGraw Hil; 2016.

5- Wilhelm-Leen ER, Winkelmayer WC. Predicting the outcomes oh rhabdomyolisis: a good starting point. JAMA Intern Med 2013; 173:1828.

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