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Síndrome Hipereosinofílica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 03/07/2019

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As síndromes hipereosinofílicas (SHEs) são um grupo de distúrbios que cursam com produção aumentada e sustentada de eosinófilos, com infiltração de órgãos e que causam liberação de mediadores que podem causar dano a múltiplos órgãos. A hipereosinofilia é definida por contagem de eosinófilos >1.500 células/mm3 em, pelo menos, dois exames laboratoriais, e a eosinofilia tecidual é definida por infiltração tecidual ou presença de mais de 20% de eosinófilos em medula óssea.

A SHE apresenta critérios diagnósticos definidos por Chusid e colaboradores, em 1975:

                Eosinofilia persistente maior que 1.500 células/mm3 por mais de 6 meses ou com evolução para óbito antes de 6 meses, associado a sinais e sintomas de SHE.

                Ausência de evidência de causas parasitárias, alérgicas ou outras causas conhecidas de eosinofilia.

                Sinais e sintomas presumidos de envolvimento de órgãos, incluindo hepatoesplenomegalia, sopro cardíaco, insuficiência cardíaca, anormalidades difusas ou focais do sistema nervoso central, fibrose pulmonar, febre, perda de peso ou anemia.

 

 

                Primária: também denominada de neoplásica, com expansão eosinofílica por uma anormalidade clonal da medula óssea ou por neoplasia mieloide ou eosinofílica.

                Secundária: também denominada de reativa, causada por produção de citocinas eosinopoéticas policlonais. Exemplos incluem infecções parasitárias, tumores sólidos, linfomas.

                Idiopática: causa desconhecida com exames iniciais e com dano a tecidos, comumente com necessidade de intervenção terapêutica.

 

Uma série de 14 casos de SHE apresentou dois pacientes com ?hipereosinofilia benigna prolongada?, três casos com leucemia eosinofílica e dois casos de síndrome de Churg-Strauss. Os últimos relatos de casos publicados de SHE idiopática também se mostraram heterogêneos, embora pacientes com doença crônica típica compartilhassem algumas complicações comuns, especialmente o comprometimento cardíaco. O diagnóstico de SHE deve ser considerado em pacientes com hipereosinofilia no sangue periférico (>1.500 células/mm3) em, pelo menos, duas ocasiões na ausência de outras etiologias para a eosinofilia.

 

Patogênese

 

Em contraste com a hipereosinofilia comum, que, em geral, é um processo não clonal reativo (como nos distúrbios parasíticos), vários estudos demonstraram que a SHE ocorre devido a uma proliferação clonal de linfócitos produzindo quimiocinas eosinopilopoiéticas (?variante linfocítica? da SHE), ou da proliferação clonal da própria linhagem de células eosinofílicas (?variante mieloproliferativa? da SHI, também referida como leucemia eosinofílica crônica). O termo ?idiopático? provavelmente será abandonado em classificações futuras, mas ainda é apropriado para os casos que, atualmente, não podem ser classificados em nenhuma das categorias.

 

Etiologias

 

A eosinofilia tem múltiplas etiologias, incluindo as pneumonias eosinofílicas, com destaque para síndrome de Churg-Strauss, granuloma broncocêntrico, aspergilose broncopulmonar alérgica e parasitoses com ciclo pulmonar caracterizando a chamada síndrome de Löffler. A exclusão dessas causas de eosinofilia é necessária para o diagnóstico de SHE.

As variantes da SHE incluem a chamada variante mieloproliferativa (ou leucemia eosinofílica crônica), sendo responsável por 20 a 30% dos casos; é causada por uma proteína de fusão tirosina quinase constitutivamente ativada pela fusão de FIP1L1 - PDGFRA como consequência de uma deleção cromossômica intersticial de uma região no braço longo do cromossomo 4 (q12).

Esses pacientes tendem a ter aumento de vitamina B12, anemia, trombocitopenia e hepatoesplenomegalia e mutações gênicas à semelhança de doenças mieloproliferativas. Alguns deles respondem a tratamento com inibidores da tiroquinase, como ocorre em doenças mieloproliferativas. Em 2016, a OMS definiu como variantes dessa forma de SHE algumas mutações como a do PDGFRA.

As variantes linfocíticas da SHE têm, predominantemente, envolvimento de pele e tecidos moles, podendo envolver outros órgãos como pulmão e coração, e pacientes com linfomas cutâneos como na síndrome de Sezary podem, posteriormente, desenvolver SHE. A chamada ?variante linfocítica? da SHE é responsável por cerca de 30% dos casos de SHE; ocorre pela produção de quimiocinas (especialmente, IL-5), que promovem o acúmulo de eosinófilos por linfócitos Th2 clonais.

A fenotipagem de linfócitos para detectar um subconjunto de células T fenotipicamente aberrantes por citometria e a análise do rearranjo de genes em busca de clonagem de células T devem ser realizadas no sangue periférico (e na medula óssea). A observação do aumento da expressão de IL-5 a partir de células T cultivadas também pode demonstrar que a eosinofilia observada é causada por uma população expandida de células T.

Os níveis séricos de IgE estão, comumente, elevados como consequência da produção de IL-4 e IL-13 por linfócitos Th2. Os níveis séricos de IL-5 também estão aumentados. Algumas formas familiares de SHE com transmissão autossômica dominante têm sido descritas com eosinofilia começando no nascimento e os pacientes têm permanecido assintomáticos por longos períodos até o envolvimento de órgãos-alvo como miocárdio com endomiocardiofibrose e evolução fatal.

Mesmo com extensa avaliação, 75% dos pacientes permanecem sem uma etiologia clara, e esses pacientes ficam na classificação idiopática da SHE. Síndromes que cursam com eosinofilia restrita a órgãos específicos como pulmão, entre outros, não entram nas etiologias da SHE.

 

Manifestações Clínicas

 

A SHE é mais comum em homens do que em mulheres (9:1) e aparece entre 20 e 50 anos. O início é, geralmente, insidioso, com eosinofilia descoberta incidentalmente em 12% dos pacientes. A contagem média de eosinófilos na apresentação foi de 21.000 células/mm3, com um valor médio mais alto de 44.000 células/mm3 em uma série. Valores extremamente altos de eosinófilos, isto é, acima de 100.000 células/mm3, são encontrados em alguns pacientes.

Os pacientes podem apresentar diferentes manifestações de sinais e sintomas, que incluem hepatomegalia, esplenomegalia, ulcerações da mucosa, manifestações cardíacas, anemia, trombocitemia, entre outros achados. Em uma série de 188 casos, foram descritos:

                Rash cutâneo em 37% dos casos

                Envolvimento pulmonar com tosse como principal sintoma em 25% dos casos

                Envolvimento gastrintestinal em 14% dos casos

                Envolvimento cardíaco em 5% dos pacientes

                Envolvimento neurológico em 4% dos casos

 

A miocardite eosinofílica é uma grande causa de morbidade e mortalidade nesses pacientes, com evolução com insuficiência cardíaca, inicialmente diastólica, e arritmias. As manifestações neurológicas podem incluir neuropatia periférica, tromboembolismo cerebral e encefalopatia. Alterações laboratoriais frequentes incluem aumento da vitamina B12 sérica, leucocitose periférica, aumento da fosfatase alcalina e triptase sérica e precursores leucocitários circulantes. A mastocitose também é descrita e pode ser significativa.

Exames iniciais para o diagnóstico incluem:

                Hemograma completo

                Eletrocardiograma

                Ecocardiograma

                Troponina

                Tomografia computadorizada de tórax e abdome

                Provas de função pulmonar

                Biópsia de tecidos suspeitos

 

Caso a eosinofilia permaneça sem etiologia, uma avaliação hematológica com biópsia de medula óssea e mielograma com aumento de eosinófilos na medula óssea e achados de alterações displásicas e expressão de CD34 é o diagnóstico.

 

Manejo

 

Em pacientes com contagem inicial de eosinófilos >100.000 células/mm3, sinais de leucoestase ou de complicações graves em órgãos-alvo como o coração têm indicação de tratamento emergencial, que, inicialmente, é realizado com altas doses de glicocorticoides. Casos menos drásticos podem ser tratados com prednisona, 1mg/kg, por via oral, enquanto outros casos podem ser submetidos à pulsoterapia com metilprednisolona, 1g, por 3 dias, EV. Tipicamente, os pacientes apresentam queda maior que 50% dos níveis de eosinófilos em 24 horas. Em pacientes sem resposta, alternativas incluem imatinibe, vincristina e hidroxiureia.

Em casos não emergenciais, o tratamento é dirigido à etiologia da SHE com o imatinibe, sendo, por exemplo, o tratamento de escolha para pacientes com mutação FIP1L1-PDGFRA. O uso de agentes poupadores de corticosteroides também pode ser benéfico em pacientes, necessitando de doses maiores que 20 a 60mg/dia de prednisona para manter um estado clínico estável e uma contagem de eosinófilos no sangue inferior a <1.000 células/mm3.

Outros tratamentos incluem agentes quimioterápicos (hidroxiureia, vincristina, etoposide, ciclosporina A e interferon-a, como monoterapia ou em associação com hidroxiureia, particularmente na variante mieloproliferativa), que são utilizados em quadros não emergenciais. Enquanto a sobrevida de 3 anos foi de apenas 12% na primeira série de casos publicada, o prognóstico melhorou acentuadamente em séries posteriores com cerca de 70% de sobrevida em 10 anos, 80% de sobrevida em 5 anos e 42% em 10 e 15 anos.

Avanços nos conhecimentos de biologia molecular podem resultar em benefício clínico direto e fornecer um melhor prognóstico para pacientes com uma doença antes quase não passível de tratamento. Assim, esperam-se amplas modificações no tratamento dessa condição nos próximos anos.

 

Referências

 

1-Rochester CL. 09:33he eosinophilic pneumonias in Fishmans Pulmonary Diseases 2015.

2-Valent P, Klion AD, Horny HP, et al. Contemporary consensus proposal on criteria and classification of eosinophilic disorders and related syndromes. J Allergy Clin Immunol 2012; 130:607.

3-Klion AD. How I treat hypereosinophilic syndromes. Blood 2015; 126:1069.

4-Roufosse F, Cogan E, Goldman M. The hypereosinophilic syndrome revisited. Annu Rev Med 2003; 54:169.

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