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Vírus da Encefalite do Nilo Ocidental

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 24/07/2020

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O vírus daencefalite do Nilo Ocidental (ENO) é um pequeno RNA vírus de polaridadepositiva, envelopado e transmitido por mosquitos da família Flaviviridae. Essevírus está intimamente relacionado a outros vírus transmitidos por artrópodesque causam doenças humanas, incluindo dengue, zika, febre amarela e vírus daencefalite japonesa. O vírus da ENO normalmente participa de um ciclo danatureza entre mosquitos e pássaros, mas, durante epidemias, infecta e causadoenças em humanos, cavalos e outros animais vertebrados. As manifestações dainfecção por ENO variam desde infecção assintomática a doença neurológicagrave, que geralmente ocorre dentro de 1 a 2 semanas após a inoculação domosquito e é mais frequente em idosos e indivíduos imunocomprometidos.

 

Epidemiologia

 

Historicamente,a ENO causou surtos esporádicos de uma doença febril leve em regiões da África,do Oriente Médio, da Ásia e da Austrália. No entanto, na década de 1990, aepidemiologia da infecção mudou. Novos surtos na Europa Oriental foram associadosa taxas mais altas de doenças neurológicas graves. Em 1999, a ENO entrou naAmérica do Norte e causou sete mortes na área de Nova York, além da morte de umgrande número de pássaros e cavalos. Desde então, o vírus da ENO se espalhoupara todos os estados dos Estados Unidos, bem como para partes do Canadá, do Méxicoe do Caribe. Devido ao aumento do alcance, o número de casos humanos continuoua aumentar: nos Estados Unidos, entre 1999 e 2017, mais de 48 mil casosclínicos foram diagnosticados e associados a 2.128 mortes.

Aproximadamente85% das infecções humanas nos Estados Unidos ocorrem no final do verão, com umnúmero máximo de casos em agosto e setembro. Esse padrão reflete a atividadesazonal dos vetores de mosquitos que transmitem o vírus da ENO. Nas partes maisquentes do país, a transmissão durante todo o ano foi documentada.

         A grande maioria dos casos humanos deENO é adquirida após a inoculação de mosquitos. Estudos de soroprevalênciasugerem que a maioria (aproximadamente 80%) dos casos é subclínica ou semdiagnóstico, com apenas 25% dos pacientes desenvolvendo febre. Cerca de 1 em150 a 250 infecções pelo vírus da ENO resultam na forma neuroinvasiva maisgrave e potencialmente letal da doença. Durante uma epidemia, em uma escalapopulacional humana, a taxa de soroconversão varia de 3 a 20%, e a taxa deataque para doenças graves é de cerca de 7 casos por 100 mil. O risco deinfecção grave por ENO é maior em idosos, com aumento de 20 vezes do risco dedoença neuroinvasiva e morte em pacientes com mais de 50 anos de idade.Comorbidades como imunossupressão, diabetes melito e abuso de álcool tambémestão associadas a piores desfechos. Pacientes transplantados particularmente podemapresentar maior risco de complicações graves.

Embora amaioria das infecções humanas pelo vírus da ENO ocorra após a picada de ummosquito infectado, a transmissão humana foi documentada por transfusão,transplante de órgãos, transmissão transplacentária e amamentação.

 

Achados Clínicos

 

A maioriados pacientes infectados é assintomática, com estimativa de apenas 20 a 40% dospacientes apresentarem sintomas. O espectro clínico da infecção por ENO dossintomáticos varia desde doença leve para doença febril mais grave que pode progredirpara paralisia de membros inferiores, meningite e encefalite.

O quadrofebril é muitas vezes indistinguível do quadro de dengue, com instalaçãoabrupta de febre, cefaleia, dor de garganta, mal-estar, mialgias, dorsalgia,queixas gastrintestinais e anorexia. Apesar de alguns relatos delinfadenopatia, esta parece ser relativamente rara, e rash é descrito em25 a 50% dos casos. Alguns pacientes sem síndrome neuroinvasiva, em algunscasos, podem apresentar quadro relativamente grave, com média de tempo dehospitalização de 5 dias. Manifestações clínicas não neurológicas menos comunsincluem hepatite, pancreatite, miocardite, rabdomiólise, arritmias cardíacas,orquite e lesões oculares. Vários estudos também sugerem que a ENO pode causardoença ocular, incluindo coriorretinite, vitreíte, hemorragia intrarretiniana,irite, neurite óptica e oclusões da artéria retiniana.

 

As síndromesneuroinvasivas apresentam-se dentro de 1 a 2 semanas após uma picada ouexposição a um mosquito. Felizmente, essa forma ocorre em menos de 1% dosindivíduos infectados e manifesta-se como meningite, encefalite ou paralisia. Aapresentação clínica de meningite e encefalite parece diferir um pouco, pois ospacientes com meningite são mais propensos a ter náusea, vômito, mialgia,erupção cutânea, dor nas costas e artralgia, enquanto pacientes com encefalitenormalmente apresentam problemas de memória, disartria, disfagia eanormalidades motoras focais. Os quadros encefalíticos variam desde quadrosleves com confusão mental discreta até quadros graves com encefalopatia grave,coma e óbito.

Aparalisia flácida aguda decorrente da infecção pelo vírus da ENO ocorre devido àinfecção e à lesão de neurônios motores inferiores do corno anterior,semelhante ao que ocorre em pacientes com poliomielite, e os pacientesapresentam fraqueza assimétrica que ocorre após 48 horas de sua instalação.Devido à localização e à gravidade da lesão do neurônio, o quadro é chamado desíndrome do tipo poliomielite. Mais raramente, as alterações inflamatórias associadasà infecção do sistema nervoso central (SNC) podem resultar em alteraçõesneuromusculares adicionais. Outras manifestações neurológicas incluem síndrome deGuillain-Barré e neuropatias desmielinizantes.

Manifestaçõesoculares incluem coriorretinite, hemorragias retinianas e vitreíte. Outrosachados oculares incluem iridociclite, vasculite oclusiva e uveíte.

 

Achados Laboratoriais e Radiológicos

 

Os estudoslaboratoriais clínicos de rotina (hemograma completo, químicas séricas, painéishepáticos, testes de coagulação) não diferenciam a ENO de outras infecçõesvirais. Resultados laboratoriais incluem leucopenia discreta, linfopenia leve agrave e trombocitopenia. Pacientes com doença neuroinvasiva (meningite ouencefalite) geralmente apresentam pleocitose linfocítica no líquido cerebrospinal(LCR), embora predomínio neutrofílico possa ocorrer em 40% dos casos, e até mesmoausência de células possa ocorrer no início da infecção. Pacientes submetidos atransplante de órgãos sólidos ou de medula óssea podem ter linfócitos atípicosno LCR. Nos casos de ENO, a tomografia computadorizada (TC) da cabeça raramentemostra anormalidades; no entanto, a ressonância magnética (RM) pode mostraranormalidades de sinal nos gânglios da base, no tálamo e no tronco cerebral.

Embora oscritérios clínicos para avaliação de pacientes com suspeita de infecção por ENOtenham sido definidos, o diagnóstico definitivo depende da detecção deanticorpos, ácido nucleico viral ou vírus infeccioso no sangue ou no LCR.Poucos laboratórios clínicos têm a capacidade de isolar o vírus diretamente deamostras clínicas infectadas. Como a viremia é relativamente transitória eprecede as manifestações neurológicas graves da infecção por ENO, o teste deácido nucleico, embora muito específico, pode ter sensibilidade relativamentebaixa, em especial com apresentação clínica tardia.

Atualmente,o método mais comum para confirmação de diagnóstico é a detecção de anticorposséricos IgM contra ENO e/ou no LCR pelo método ELISA de captura de anticorpos.

 

Tabela 1.Sorologia para ENO

 

IgM

IgG

Interpretação

Negativo

Negativo

Anticorpo não detectado, sem infecção, a menos que a amostra seja colhida no início antes da soroconversão

 

Negativo

Positivo

Infecção por flavivírus ocorreu em tempo indeterminado

 

Positivo

Negativo

Possível evidência de infecção recente ou atual; testes confirmatórios adicionais necessários

Positivo

Positivo

Evidência de infecção recente ou atual

 

Indeterminado

Negativo

Inconclusivo; deve-se solicitar novo exame

 

 

Asensibilidade da sorologia é de 60 a 90% quando realizada no oitavo dia deevolução. O teste de anticorpos nas primeiras 72 horas da apresentação clínicapode produzir resultados falso-negativos. Resultados falso-positivos também sãopossíveis, porque o teste ELISA também detecta anticorpos contra vírusrelacionados, como o vírus de St. Louis e o vírus da encefalite japonesa e,possivelmente, o vírus da dengue ou da zika. Ensaios recém-desenvolvidos queutilizam proteínas estruturais e não estruturais purificadas de ENO parecemmais específicos e podem permitir a distinção entre infecção natural, vacinaçãoe imunidade. A IgM pode persistir no soro de alguns indivíduos por até 500 diasapós o início da infecção, o que pode confundir a interpretação dos resultadossorológicos em pacientes que apresentam subsequentemente síndromes clínicas quese assemelham à infecção por ENO.

 

Diagnóstico Diferencial

 

A infecçãopor ENO deve ser considerada no diagnóstico diferencial de qualquer pacientefebril, especialmente em pacientes que tiveram exposição intensiva a mosquitos.A infecção por ENO deve ser considerada especialmente para pacientes idosos ouimunocomprometidos em áreas endêmicas que apresentam doenças febris nãoespecíficas e que não apresentam leucocitose ou neutrofilia ou sinais óbvios deinfecção bacteriana. Esses pacientes podem apresentar-se nos estágios iniciaisda infecção por ENO, que pode, subsequentemente, progredir para doença grave doSNC com risco de morte.

Odiagnóstico diferencial da ENO inclui causas infecciosas e não infecciosas.Entre as causas infecciosas, vários vírus podem causar apresentaçõessemelhantes iniciais, com encefalopatia aguda e febre, como o vírus herpessimples, o vírus da encefalite de St. Louis, o vírus da encefalite oriental e oenterovírus.

As causasnão infecciosas de encefalopatia aguda, como ingestão ou exposição tóxica,causas metabólicas (por exemplo, hiponatremia), insuficiência hepática, lúpuseritematoso sistêmico, vasculites, doença metastática do SNC, acidentescerebrovasculares e hemorragia do SNC, também podem ser diagnósticos diferenciaispossíveis.

 

Tratamento

 

Nomomento, nenhuma terapia específica foi aprovada para uso em humanos cominfecção pelo vírus da ENO, e, portanto, o tratamento atual é de suporte. Entreos desafios, está o desenvolvimento de terapêuticas que cruzem a barreirahematoencefálica, eliminem vírus de neurônios infectados e tenham efeitobenéfico nos desfechos clínicos. Estudos de investigação começaram a avaliar asterapias candidatas.

Aribavirina é um agente antiviral de amplo espectro e tem sido usadaclinicamente para tratar os vírus sincicial respiratório e da hepatite C, entreoutras condições. A ribavirina tem atividade inibitória contra a infecção pela ENOna cultura de células. Estudos limitados foram realizados, e os resultados não forampromissores. Nenhum benefício clínico da ribavirina foi observado nos modelosde camundongo, hamster ou macaco. Em um ensaio clínico durante um surto de ENOem Israel, em 2000, foi observada alta taxa de mortalidade (41%) em pacientesque receberam ribavirina.

Osinterferons (IFN) induzem um estado antiviral nas células por meio da regulaçãopositiva e ativação de proteínas antivirais e da modulação de respostas imunesadaptativas. Dois relatos de caso referem melhora com o uso do interferon.

Nosanimais, a administração passiva de anticorpos antiENO é protetora eterapêutica. A administração de ?-globulina humana imune purificada ou de anticorposmonoclonais antes da infecção por ENO protegeu os roedores da infecção. Umpequeno número de pacientes humanos recebeu preparações de anticorposneutralizantes monoclonais e policlonais como terapia contra a infecção por ENO.Relatos de casos sugerem melhora clínica. Os ensaios clínicos com foraminconclusivos.

Vacinas têmsido desenvolvidas, mas ainda nenhuma foi aprovada para uso clínico.

A maioriados pacientes imunocompetentes que se apresentam ao DE com febre decorrente de ENOou meningite leve não precisa de internação. No entanto, em populaçõesespecíficas de alto risco (idosos, imunocomprometidos, gestantes ou bebês), complicaçõespotencialmente fatais podem ocorrer, e um baixo limiar para hospitalização deveser mantido. Quando esses pacientes apresentam doença grave ou qualquer sintomaneurológico, devem ser monitorados em ambiente hospitalar para odesenvolvimento de doença neuroinvasiva. Pacientes com encefalite, meningitemoderada a grave ou exacerbação de condições crônicas subjacentes devem seradmitidos.

As complicaçõesgraves da infecção por ENO incluem pneumonia por aspiração, insuficiênciarespiratória, encefalopatia, encefalite, convulsões, paralisia e síndrome dotipo sepse. As complicações neurológicas decorrentes da ENO são comuns em casoshospitalizados e são mais comuns em idosos. A encefalite fulminante pode ocorrerrapidamente em populações de risco e resultar em grave incapacidade a longoprazo (cognitiva, motora e sensorial) e morte.

 

Bibliografia

 

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