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Purpura de Henoch-Schonlein

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 16/11/2021

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A púrpurade Henoch-Schönlein (PHS), atualmente denominada ?vasculite por IgA? é a forma maiscomum de vasculite em crianças; mais de 90% dos casos ocorrem na faixa etáriapediátrica. A incidência anual de casos de PHS é de 20 casos a cada 100.000habitantes com menos de 17 anos de idade, com pico de 70 casos a cada 100.000habitantes com menos de 6 anos de idade. Uma incidência maior tem sidoencontrada na população asiática, e a maioria dos estudos mostra predominânciado sexo masculino de 1,5/1.

A PHS temmuitas semelhanças na patogênese com a GN por IgA e, portanto, pode serconsiderada uma forma sistêmica da doença. A PHS é comum em crianças com idadesentre 5 e 15 anos, mas também pode afetar adultos. A IgA1 circulante na PHS temum defeito semelhante na glicosilação ao encontrado na GN por IgA e resulta damesma forma na formação de imunocomplexos, mas, no caso da PHS, tais complexosatingem pequenos vasos com dano capilar.

 

Patogênese

 

Os achadospatológicos na PSP são consistentes com vasculite leucocitoclástica comimunocomplexos IgA nos órgãos afetados. Tem havido vários agentes infecciososligados à PSP, embora a causalidade não tenha sido comprovada nesses casos.Assim como acontece na GN por IgA, o dano associado à doença está relacionadoaos efeitos pela deposição de imunocomplexos, incluindo ativação do complementoe recrutamento de citocinas e fatores de crescimento. A grande diferença emrelação à nefropatia por IgA é que, no caso da PHS, os sintomas levam avasculite e não se limitam aos rins, como no caso da GN por IgA.

 

Achados Clínicos

 

A PHS éautolimitada na grande maioria dos casos. A doença é caracterizada por umatétrade de manifestações clínicas:

 

? Púrpurapalpável em pacientes sem trombocitopenia nem coagulopatia (presente na maioriados casos), com histologia de vasculite leucocitoclástica e predominância dedepósitos de IgA. Sinais e sintomas podem ocorrer em qualquer ordem e aqualquer momento durante um curso de vários dias a semanas e refletem umavasculite leucocitoclástica. A púrpura é descrita como sintoma inicial em 75 a 90%dos casos. As lesões de pele geralmente aparecem como púrpura palpável nosmembros inferiores e nas nádegas. A erupção é distribuída simetricamente,localizada principalmente na gravidade/dependente de áreas de pressão. Edemasubcutâneo localizado é uma característica comum e pode ser encontrado em áreasdependentes e periorbitais.

?Artrite/artralgia (75-80% dos casos) é o segundo sintoma mais comum egeralmente apresenta início agudo. Envolvimento articular, que consiste emartralgias ou artrite franca, é tipicamente oligoarticular (1 a 4 articulações),limitado aos joelhos e aos tornozelos, e não leva a deformidade permanente.Muitas vezes há edema periarticular e sensibilidade, mas geralmente sem derramearticular, eritema ou calor. Os pacientes podem ter considerável dor e limitaçãode movimento. A artrite não causa qualquer dano crônico ou sequelas. Podepreceder o aparecimento de púrpura.

? Dorabdominal (50-75% dos casos): geralmente difusa e de início agudo em forma decólica. Sintomas gastrintestinais associados podem ocorrer, como náuseas,vômitos, dor abdominal e íleo paralítico transitório, bem como achados maissignificativos, como hemorragia, isquemia intestinal, necrose, intussuscepção eperfuração intestinal. As dores abdominais às vezes são associadas a sangramentogastrintestinal (melena, hematoquezia ou sangramento oculto), o que é descritoem cerca de 20 a 30% dos pacientes. A dor abdominal associada com PHS é causadapor hemorragia submucosa e edema. Lesões purpúricas podem ser vistas naendoscopia, comumente no duodeno descendente, no estômago e no cólon. O íleoterminal e o jejuno também podem estar envolvidos. A intussuscepção é acomplicação mais comum de PHS em crianças, mas rara em adultos. Geralmenteocorre no intestino delgado, em comparação com a forma idiopática, que costumaser ileocólica.

? Doençarenal (20-54%) geralmente se manifesta como proteinúria e hematúria. Asmanifestações renais podem ocorrer dentro de dias ou até várias semanas após oinício do quadro clínico de apresentação com PHS, mas raramente precedem outroscomponentes da doença. Os achados renais incluem hematúria (microscópica oumacroscópica), proteinúria leve ou ausente e lesão renal aguda. São mais prevalentesem crianças mais velhas e adultos. Em adultos, o risco de desenvolver lesãorenal significativa, inclusive doença renal em estágio terminal (DRET), é muitoalto. A presença de envolvimento microscópico da derme papilar e a deposiçãoperivascular de C3 na imunofluorescência direta de amostras de biópsia de pelepodem estar associadas a envolvimento renal. Os achados na biópsia renal sãoidênticos aos da GN por IgA.

Manifestaçõespulmonares, neurológicas, geniturinárias e cardíacas são comuns. Manifestaçõespulmonares incluem a alteração da capacidade de difusão pulmonar, pneumoniaintersticial leve e, raramente, hemorragia pulmonar. O envolvimento neurológicopode ser transitório e manifestar-se como cefaleia, convulsões, encefalopatia,ataxia central e neuropatia periférica. Envolvimento escrotal pode ocorrer em 2a 38% dos pacientes com dor escrotal, sendo o sintoma mais comum, e podemimetizar torção testicular.

 

Exames Complementares

 

Os níveisséricos de IgA estão elevados em 50 a 70% dos pacientes com vasculite por IgA,e níveis mais elevados estão associados ao envolvimento renal. Exameslaboratoriais de rotina apresentam alterações inespecíficas, com os pacientespodendo apresentar anemia normocrômica por causa de sangramento gastrintestinaloculto ou evidente. Outros resultados, como marcadores de inflamação,geralmente refletem a condição desencadeadora. A PHS que se desenvolve apósinfecções bacterianas tem maior probabilidade de ser caracterizada porleucocitose (contagem de leucócitos > 20.000 células/mm3) e elevada taxa dehemossedimentação (VHS). Por sua vez, a PHS após doenças virais frequentementefalha em demonstrar elevação dos reagentes de fase aguda. O tempo deprotrombina (PT), o tempo de tromboplastina parcial (PTT), o tempo de sangramentoe a contagem de plaquetas são geralmente normais. A urinálise também costumaser normal, embora proteinúria e/ou hematúria possam se desenvolver com otempo.

Ahipocomplementemia é relatada em uma porcentagem significativa de crianças com vasculitepor IgA, e esses pacientes são mais propensos a ter evidências de infecçãoestreptocócica recente. Uma série de casos mostrou que 16% dos pacientesapresentam níveis diminuídos de componente 3 do complemento (C3) e/ou decomponente 4 do complemento (C4). Os níveis de complemento normalizaram em trêsmeses em todos os pacientes e não se correlacionaram com a gravidade da doençaou com a presença de nefrite nessa coorte.

Empacientes em que não for possível estabelecer o diagnóstico pelas manifestaçõesclínicas, deve-se proceder com a realização de biópsia cutânea ou renal. Amicroscopia óptica demonstra vasculite leucocitoclástica clássica em vênulaspós-capilares com deposição de IgA, que é patognomônica da vasculite por IgA. Abiópsia deve conter lesões cutâneas com menos de 24 horas, pois, em lesões maiscrônicas, o dano vascular leva ao vazamento inespecífico de todos os isotiposde imunoglobulina. Os estudos de imunofluorescência, essenciais para confirmaro diagnóstico de PHS, geralmente requerem a biópsia de um segundo local dapele.

 

Tratamento

 

A maioriados pacientes com ou sem envolvimento renal requer apenas cuidados de suporte,pois a doença tende a remitir espontaneamente. O tratamento sintomático dedores articulares pode ser realizado com analgésicos comuns, como paracetamol. Emalguns casos, pode ser necessário o uso de glicocorticoides ouanti-inflamatórios não esteroidais.

Empacientes com PHS sem envolvimento renal, mesmo com potencial para recorrênciae acompanhamento próximo para monitorar ambos para a recorrência, incluindotambém o envolvimento renal, são importantes. Para pacientes com sintomasgraves, o tratamento ideal é controverso, como a maioria dos relatórios naliteratura é anedótica ou retrospectiva os poucos estudos randomizadosdisponíveis envolveram um pequeno número de pacientes e foram de curta duração.

Oscorticosteroides podem levar a uma resolução mais rápida da artrite

e da dorabdominal, mas seu papel no tratamento da PHS não é claro. Uma revisão recentedo banco de dados Cochrane concluiu que não há dados convincentes para apoiar ouso de corticosteroides, agentes citotóxicos, dipiridamol, anticoagulantes,plasmaférese ou imunoglobulina para tratar PHS com envolvimento renal.

Asdiretrizes KDIGO sugerem que o tratamento de pacientes com PHS seja conduzido damesma maneira que o dos pacientes com GN por IgA. Alguns autores recomendam ouso de corticosteroides em altas doses para pacientes com envolvimento renalgrave, definido como proteinúria significativa e/ou lesão renal aguda e achadoem biópsia renal de crescentes e inflamação com necrose fibrinoide. O benefíciocom o uso de outras drogas imunossupressoras, como ciclofosfamida ouciclosporina, não está claro. Estudos prospectivos randomizados controlados sãonecessários para avaliar a eficácia desses agentes.

O transplanterenal é um tratamento viável para pacientes que desenvolvem DRET. Recorrênciashistológicas de PHS ocorrem em até 60% dos transplantes renais em 24 meses, comrecorrência de 2,5% em 5 anos e 11,5% em 10 anos, e perda do enxerto temrecorrência de 2,5% em 5 anos e 7,5% em 10 anos. Em comparação com dados de1994, quando a recorrência clínica em 5 anos foi de 35% e a taxa de perda doenxerto de 11%, o prognóstico de aloenxerto renal parece ter melhorado.

 

Prognóstico

 

Na maioriados pacientes, a PHS se resolve espontaneamente, com recuperação completa em94% das crianças e 89% dos adultos, com 19 e 22 meses, respectivamente. Noentanto, um terço dos pacientes terá uma ou mais recorrência dos sintomas. Hematúriae proteinúria transitórias normalmente se resolvem dentro de vários meses. Arecuperação espontânea também pode ocorrer em pacientes que apresentam envolvimentorenal acentuado, embora o risco para insuficiência renal progressiva sejamaior.

Aincidência de insuficiência renal progressiva varia entre as diferentes sériesda literatura. O prognóstico da PHS em adultos pode ser pior do que emcrianças, com doença renal crônica (DRC) progressiva em até um terço dosadultos aos 15 anos. Síndrome nefrótica, proteinúria persistente, lesão renalaguda no início do quadro, mais de 50% de crescentes e doençatubulointersticial avançada na biópsia renal estão associadas a piorprognóstico renal.

Emcontraste, apenas de 5 a 15% das crianças têm lesão renal progressiva. Estudosde acompanhamento de longo prazo (> 20 anos) de crianças com PHS sugerem quedoença renal progressiva pode ser mais comum do que se relata, mesmo naquelespacientes que pareciam ter recuperado totalmente a função renal, e oprognóstico renal é comparável ao de adultos se o envolvimento renal foi graveno início da doença.

 

Bibliografia

 

1-Madan N,Hwang VJ, Yeun JY, Weiss RH. Immunoglobulin A Nephropathy and Henoch-SchonleinPurpura. Current Diagnosis and Treatment in Nephrology and Hypertension 2020.

2-CattranDC et al: The Oxford classification of IgA nephropathy: rationale,clinicopathological correlations, and classification. Kidney Int 2009;76:534.

3-DavinJC: Henoch?Schönlein purpura nephritis: pathophysiol­ogy, treatment, and futurestrategy. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:679.

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