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Abscesso Hepático

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 30/11/2021

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Os abscessoshepáticos (AHs) costumam ocorrer após processos de peritonite devido aoextravasamento de conteúdos intestinais que atingem o fígado por via portal. Tambémpodem ocorrer de forma secundária à infecção das vias biliares com disseminaçãohepática. Os abscessos eram uniformemente fatais até a primeira metade doséculo passado, quando a drenagem de abscessos foi introduzida e começou alevar à recuperação e à cura dos pacientes. Desde então, os desfechosmelhoraram com o advento dos antibióticos, das técnicas de imagem aprimoradas edas técnicas de intervenção minimamente invasivas. Neste artigo, vamos discutiros AHs piogênicos.

 

Fatores de Risco e Etiologia

 

Os AHs sãoa causa mais comum de abscesso visceral, com incidência de 2,3 casos a cada100.000 pacientes/ano. Fatores de risco incluem diabetes melito, doençashepáticas, biliares ou pancreáticas, transplante hepático, uso de inibidores debombas de prótons e doença granulomatosa crônica.

O AH piogênicopode ser secundário a apendicite, diverticulite ou outros processos infecciososintra-abdominais. Obstrução biliar (benigna ou maligna), colocação de stentou instrumentação cirúrgica do trato biliar são causas comuns de AH.Disseminação hematogênica por outras fontes, como endocardite bacteriana eabuso de drogas intravenosas, são outros exemplos de etiologias de AH. Comfrequência, o AH pode ocorrer após um ou mais episódios de piemia de veiaportal relacionada a extravasamento de conteúdos intestinais e peritonite. Podeocorrer, ainda, por disseminação hematogênica; assim, AHs monomicrobianosassociados a infecção por estafilococos e estreptococos aumentam o risco de umfoco sistêmico de infecção, como endocardite.

Pacientesimunocomprometidos ou com diabetes apresentam risco risco 3,6 vezes maior dedesenvolver AH em comparação com controles populacionais.

Tratamentospara neoplasias hepáticas com ablação por radiofrequência e quimioembolizaçãohepática podem ser complicados por AH. Trauma hepático, especialmente seassociado a necrose, hematoma intra-hepático ou vazamento de bile, pode setornar infectado secundariamente e levar à formação de AH. Trombose vascularcomplicando transplante hepático é um evento grave, que aumenta a predisposiçãoà infecção por bactérias e fungos. Em um pequeno número de pacientes, nenhumacausa identificável é encontrada, caso em que temos os chamados ?abscessoshepáticos criptogênicos?, que são responsáveis por 15 a 53% de todos os casosde AH. As principais etiologias de AH são sumarizadas na Tabela 1.

 

Tabela 1:Etiologias de abscesso hepático

 

Criptogênico

Fonte hepatobiliar

Anastomoses biliares entéricas

Procedimentos biliares: endoscópicos ou percutâneos

Litíase biliar

Neoplasias malignas envolvendo ducto biliar comum, vesícula biliar, pâncreas e ampola de Vater

Inflamação portal

Apendicite

Doença inflamatória intestinal

Diverticulite

Malignidade gastrintestinal

Pancreatite

Sepse pélvica e anorretal

Pós-operatório de cirurgias abdominais

Bacteremias a distância

Infecções dentárias

Endocardite

Sepse por otites, faringites

Sepse vascular

Trauma

Ablação: radiofrequência ou etanol

Quimioembolização

 

 

Microbiologia

 

Muitospatógenos têm sido descritos associados ao AH. A maioria dos AHs é polimicrobiana.Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae são as etiologias maisfrequentes de AH. Infecções por Klebsiella são mais propensas a formarinfecções em local fora da árvore biliar, que podem metastatizar, e parecemocorrer mais comumente na população asiática. No caso de disseminação nãohematogênica de um organismo não gastrintestinal, é provável que a fonte sejamonomicrobiana e esteja associada a infecção por Staphylococcus aureusou por estreptococos. Staphylococcus é comum em pacientes com doençagranulomatosa crônica, que é uma doença associada a distúrbios da função dosgranulócitos e neoplasias hematológicas. A Tabela 2 sumariza os principaismicrorganismos associados à formação de AH.

 

Tabela 2:Microbiologia do abscesso hepático

 

Agentes aeróbios gram-negativos

Escherichia coli

Klebsiella pneumoniae

Proteus spp

Enterobacter cloacae

Citrobacter freundii

Outros

Aeróbios gram-positivos

Streptococcus milleri

Staphylococcus aureus

Enterococcus spp

Outros

Anaeróbios gram-negativos

Bacteroides spp

Fusobacterium spp

Anaeróbios gram-positivos

Clostridium spp

Peptostreptococcus spp

Fúngicos

Candida

Aspergillus

Actinomicose

Yersinia

Parasitas

Entamoeba histolytica

Fasciola hepatica

Clonorchis sinensis

Ascaridíase

 

 

Manifestações Clínicas

 

Os achadoscaracterísticos são febre e dor abdominal, com febre ocorrendo em mais de 90%dos casos, e dor abdominal em cerca de 60 a 75% dos pacientes. A dor abdominalé geralmente localizada no quadrante superior direito, com defesa abdominal ehipersensibilidade e eventualmente descompressão brusca positiva. O sinal deTorres-Homem é descrito como dor intensa à percussão nas áreas de projeçãohepática. Em geral, os sintomas iniciais são insidiosos, inespecíficos eevoluem ao longo de dias até várias semanas. Os sintomas podem incluirmal-estar, cefaleia, perda de apetite, mialgias e artralgias. Sintomas maisespecíficos de febre, calafrios ou dor abdominal (que pode não ser localizadano quadrante superior direito) são achados tardios. Se o abscesso for adjacenteao diafragma, podem ocorrer dor pleurítica, tosse e dispneia. O choque sépticopode ocorrer em pacientes no contexto de obstrução biliar e diagnóstico tardio.

 

Diagnóstico e Exames Complementares

 

Os achadoslaboratoriais podem mostrar leucocitose e aumento na proteína C-reativa (PCR). Alteraçõeshepáticas são comuns, mas podem estar associadas com sepse em vez de obstruçãobiliar. Entre essas alterações, pode haver aumento das aminotransferases, quepodem estar elevadas em cerca de 50% dos pacientes, assim como aumento debilirrubinas, que também estão aumentadas em cerca de metade dos casos. Pode aindaocorrer aumento da fosfatase alcalina, que pode estar aumentada em 70 a 90% dospacientes. A hiperglicemia pode ser a primeira indicação do diagnóstico em umpaciente com diabetes. Os pacientes podem apresentar hipoalbuminemia e anemianormocrômica e normocítica.

Aradiografia de tórax não é específica, mas pode apresentar elevação dodiafragma à direita, infiltrados em base à direita e derrame pleural à direita.Os exames de imagem incluem ultrassonografia e tomografia computadorizada (TC).Os pacientes com abscessos podem ser hiperecoicos e difíceis de diferenciar,mas, com a maturação da lesão e a formação de pus, posteriormente a lesão se tornahiperecoica com uma margem distinta. A presença de pus ou múltiplas pequenaslesões pode ser confundida com lesões sólidas. Formação de gás sugere presençade microrganismos que podem causar um nível de ar/fluido dentro da árvorebiliar dilatada. A ultrassonografia pode demonstrar outras patologias do tratobiliar (cálculos biliares, dilatação ductal ou lesões sólidas) e temsensibilidade de 75 a 95%. A TC é mais acurada, com sensibilidade de 95%. Emgeral, é realizada sem contraste, mas, quando realizada com contraste, pode-severificar realce. O realce periférico da parede do abscesso é praticamente diagnósticode AH. A TC também pode mostrar a causa provável do AH não criptogênico emaproximadamente 70% dos casos.

Aressonância magnética não parece ter nenhuma vantagem específica sobre a TC, maspode ainda delinear lesões hepáticas previamente insuspeitadas ou patologiaintraductal durante a investigação do trato biliar de forma não invasiva.

Os AHs podemser únicos ou múltiplos. Abscessos criptogênicos são mais propensos a seremúnicos (70% no lado direito), enquanto vários pequenos abscessos tendem a ser secundáriosa uma patologia biliar subjacente ou de semeadura metastática (por exemplo, endocardite,abuso de drogas intravenosas). Um AH com menos de 2 cm de diâmetro é descritocomo um microabscesso. Vários microabscessos foram relatados como tendo duascaracterísticas distintas: a primeira, miliar difusa, está associada à infecçãopor estafilococos, e a segunda, mais característica com imagens coalescentes, ocorremais frequentemente de forma secundária a infecções por organismos coliformes.

Ashemoculturas são essenciais para o diagnóstico e são positivas em 50% dospacientes. Deve-se realizar sorologia e pesquisa nas fezes para Entamoebahistolytica para descartar amebíase com abscesso. Outros exames que devemser solicitados incluem hemograma completo, ureia, creatinina, enzimashepáticas, bilirrubinas totais e frações. Deve-se tentar obter um espécime do AH,idealmente guiado por TC ou por ultrassonografia. Todo o material deve serencaminhado para realização de exame bacterioscópico, coloração de gram eculturas.

 

Tratamento

 

Osprincípios do manejo incluem drenagem de pus, antibióticos parenterais e

tratamentoda condição subjacente (se houver). Avanços nos exames de imagem permitemdiagnóstico precoce e mudança nas intervenções com aspiração percutânea oudrenagem por cateter em vez da drenagem cirúrgica. Antibióticos de amploespectro devem ser iniciados antes que os resultados da hemocultura sejamdisponíveis. Os antibióticos devem ser direcionados a agentes aeróbiosgram-positivos e a bacilos negativos, além de a anaeróbios. A escolha deve serditada pelos patógenos suspeitos com base na história, na apresentação e,potencialmente, na flora hospitalar. Antibióticos parenterais devem seradministrados por até duas semanas, seguidos por terapia oral apropriada para outras4 a 6 semanas. A obstrução biliar deve ser aliviada, se houver. Opçõesterapêuticas incluem:

-combinação de ceftriaxona e metronidazol;

-piperacilina-tazobactam com ou sem metronidazol;

-ampicilina com gentamicina associada a metronidazol.

Regimesalternativos incluem:

-quinolonas como ciprofloxacina associada com metronidazol;

- um carbapenêmicocomo meropenem associado ou não com metronidazol.

 

A drenagempercutânea é realizada sob orientação de ultrassom ou TC. Pacientes comabscesso único, unilocular, com menos de 5 cm, podem ser tratados com drenagempercutânea ou aspiração por agulha. Em abscessos maiores que 5 cm, a drenagemcom cateter é indicada, o que é realizado com sucesso mesmo em pacientes comabscessos maiores que 10 cm. Em pacientes com falha terapêutica, a drenagemcirúrgica deve ser indicada. Em abscessos múltiplos ou multiloculados, adecisão deve ser individualizada, mas drenagem cirúrgica é geralmente a terapiade escolha. Alguns casos podem ser manejados com drenagem percutânea.

Oscateteres devem ser irrigados diariamente para evitar o bloqueio da drenagem.Mesmo que o tratamento com cateter possa ser necessário, a colocação de dreno delongo prazo está sujeita a complicações, como sangramento.

Empacientes com indicação de terapia cirúrgica, a abordagem pode ser aberta oulaparoscópica. A abordagem aberta tem etapas como localização por ultrassom,divisão de loculações, soltura dos detritos do abscesso da parede e colocaçãode drenos dependentes. A irrigação pós-operatória pode ser usada e pode ocasionalmenteser benéfica.

Certospacientes podem necessitar de tratamento com ressecção hepática, incluindoaqueles com fígado atrofiado. Além disso, alguns pacientes tendem a apresentarabscessos septados, caso em que a intervenção cirúrgica agressiva é recomendada.Pacientes com sepse também podem ter bom desfecho razoável após ressecçãohepática, mas, recentemente, uma abordagem laparoscópica tem sido usada deforma eficaz.

Os fatoresde risco associados à mortalidade incluem choque séptico, icterícia,coagulopatia, diabetes, leucocitose, hipoalbuminemia, ruptura intraperitoneal emalignidade. Um escore APACHE II com pontuação aumentada é associado a aumentodo risco de mortalidade.

 

Bibliografia

 

1-Reid-Lombardo KM, Khan S, Sclabas G. Hepatic Cystsand Liver Abscess. Surg Clin North Am 2010; 90 (4):679-697.

2-Rahimian J, Wilson T, Oram V, Holzman RS. Pyogenic liverabscess: recent trends in etiology and mortality. Clin Infect Dis 2004;39:1654.

3-Johannsen EC, Sifri CD, Madoff LC. Pyogenic liver abscesses.Infect Dis Clin North Am 2000; 14:547.

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