FECHAR
Feed

Já é assinante?

Entrar
Índice

Alcalose Metabólica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 06/01/2022

Comentários de assinantes: 0

A alcalose metabólica é um distúrbio acidobásico primárioque provoca aumento da concentração plasmática de bicarbonato sérico [HCO3], fazendocom que o hidrogênio do sangue arterial [H ] diminua, com aumento do pH dosangue arterial até a faixa alcalina (pH > 7,45). Nesse processo, geralmenteocorre aumento da PaCO2 como mecanismo de compensação. A alcalose metabólica éum distúrbio muito comum, especialmente em unidades de terapia intensiva (UTIs).

 

Compensação Respiratória

 

A alcalose metabólica não complicada gera rapidamente(minutos a horas) compensação com hipoventilação, que eleva a PaCO2. A compensaçãoreduz o pH arterial, mas geralmente este permanece alto. Embora a magnitude daresposta da ventilação seja proporcional ao aumento de [HCO3], a resposta é muitovariável. Geralmente teremos como resposta:

- alcalose respiratória aguda: HCO3esperado = 24 ? 2([PaCO2 ? 40] /10), ou seja, o HCO3 reduz 0,2 mmol para cadaqueda de 1 mmHg na PaCO2;

- alcaloserespiratória crônica: HCO3 esperado = 24 ? 5([PaCO2 ? 40] /10), ou seja, o HCO3reduz 0,4 mmol para cada queda de 1 mmHg na PaCO2.

 

Fisiopatologia

 

A hipercloremia ou a hipocloremia tem relação importantecom a hidratação; assim, ocorrem graus proporcionais de hiponatremia ouhipernatremia conforme o estado de hidratação, mas nos distúrbios acidobásicosocorre uma ruptura dessa relação. O aumento de bicarbonato na alcalosemetabólica é geralmente associado a redução da cloremia independentemente danatremia. O aumento do bicarbonato deve ser acompanhado de redução da cloremia,redução do ânion-gap (AG) ou ambos. A alcalose metabólica pode aumentar o AG empequeno grau devido ao aumento da densidade de carga negativa de proteínasplasmáticas; assim, a redução da cloremia deveria ser ainda maior. Um padrão deaumento de bicarbonato e redução de cloro também é gerado pela compensação daacidose respiratória crônica.

Os ácidos não voláteis são gerados pelo metabolismo dosalimentos ingeridos e pela oxidação de substratos endógenos. Uma dieta típica daEuropa Ocidental gera 80-100 meq/dia de ácidos fortes não voláteis(principalmente ácido sulfúrico, fosfórico e clorídrico). Esses ácidos liberamhidrogênio, que reage principalmente com [HCO3] para formar H2CO3, quedesidrata rapidamente para CO2 e H2O. Assim, o [HCO3] diminui, sendosubstituído pelos ânions dos ácidos fortes gerados, como Cl2, SO4, HPO4, etc.

A homeostase acidobásica é restaurada pelo rim, quefiltra e secreta os ânions ácidos juntamente com o sódio. Os túbulosposteriormente reabsorvem o sódio em troca pelo H , e, por fim, os ânions sãoexcretados juntamente com uma quantidade igual de H , na forma de ácidotitulável (em grande parte H2PO42) e NH4. Dessa forma, 80-100 meq de H são tamponadose excretados na urina, e 80-100 meq de [HCO3] são regenerados e retornam aosfluidos corporais.

Cerca de 85 a 90% da carga normal filtrada de [HCO3] érecuperada pelos túbulos proximais via secreção de hidrogênio. Uma grandefração de sódio proximal é reabsorvida na membrana luminal. Essa troca émediada pela Na-K ATPase, que reduz o Na intracelular e gera uma cargaintracelular negativa. Além disso, bombas de hidrogênio na membrana luminalcontribuem com uma fração menor (cerca de 30%) da secreção de hidrogênioproximal. Cada íon hidrogênio secretado gera duas moléculas de [HCO3], que sãoadicionadas ao volume extracelular e levam ao desaparecimento de duas moléculasde [HCO3] no lúmen tubular.  Após o [HCO3]praticamente desaparecer dos túbulos distais/dutos coletores, a secreçãocontinuada de H regenera o [HCO3]. Como o [HCO3] desaparece do fluido tubular,o pH do fluido cai. O pH mínimo da urina alcançável é de cerca de 4,5, o que representaapenas 0,03 meq/L de H livre. Portanto, praticamente toda a carga de H excretada deve ser ligada aos tampões da urina, que são o HPO4 (titulado paraH2PO42), representando a maior parte dos ácidos tituláveis, e o NH3 se liga a H para formar NH4. As cargas H são eletricamente equilibradas por ânions ácidos,como SO42 e Cl2 na urina.

Normalmente, a alcalose metabólica indica acúmulo excessivode [HCO3]. A fonte de [HCO3] pode ser exógena, endógena ou ambas.Fontes exógenas incluem Na , K , HCO32 ou sais de precursores (ânions orgânicoscomo lactato, acetato ou citrato, que geram HCO3 quando completamente oxidados).As duas fontes endógenas potenciais de [HCO3] são o estômago e os rins. HCO3 égerado quando o HCl é secretado no lúmen gástrico, mas o [HCO3] só se acumulano líquido extracelular quando o HCl é perdido externamente, em geral comoresultado de vômitos ou aspiração gástrica. Normalmente, a excreção de H norim e na urina (como NH4 e/ou outro ácido titulável) gera [HCO3] parasubstituir a quantidade decomposta por H derivado da ingestão alimentar e do metabolismoe [HCO3] perdido em fezes alcalinas. À medida que essa perda se torna excessiva,o [HCO3] é gerado. Algumas situações evoluem com produção renal excessiva debicarbonato:

1. hiperaldosteronismo primário(especialmente quando se ingere alto teor de sal na dieta) e outros simuladoresde hiperaldosteronismo primário;

2. uso de diuréticos de alçae/ou tiazídicos e várias síndromes hereditárias que têm manifestaçõessemelhantes à de diuréticos (síndrome de Bartter e Gitelman);

3. a infusão de sais de Na deânions mal absorvidos (PO4, SO4, penicilina, etc.) se a reabsorção de Na notúbulo distal for estimulada por mineralocorticoides e/ou por contração devolume.

 

Pacientes com TFG muito reduzida costumam evoluir comacidose metabólica, mas alguns desenvolvem alcalose metabólica e nestes casos ocorreo [HCO3] e não pode ser excretado por causa da TFG reduzida. A disfunção renalcontribui para a manutenção da alcalose metabólica em várias síndromes,incluindo a síndrome milk-alkali.

 

Manifestações Clínicas

 

A alcalosemetabólica pode ter diversos efeitos deletérios na função cardiovascular,pulmonar e metabólica, como:

- redução dodébito cardíaco;

- redução dodrive ventilatório;

-alteração da curva de dissociação da hemoglobina;

- piora dahipocalemia e da hipofosfatemia;

- impacto negativono processo de extubação de pacientes ventilados mecanicamente;

- o pH> 7,45 tem sido correlacionado com maior mortalidade em pacientes críticos.

 

A correçãodesse distúrbio induz o aumento do drive ventilatório, da pressãoparcial de O2 (PaO2) e da pressão parcial venosa mista de O2. Logo, éimportante que a alcalose metabólica seja corrigida em pacientes críticos.

Ospacientes com alcalose metabólica podem ser assintomáticos ou podem apresentarsintomas relacionados à alcalemia ou às anormalidades eletrolíticas associadas.Os sintomas podem, por exemplo, ser devidos à depleção de volume, que podeproduzir astenia, fadiga fácil, cãibras musculares, tontura postural ehipocalemia. A hipocalemia pode causar fraqueza muscular, arritmias cardíacase, se persistente, poliúria e polidipsia devido à deficiência da capacidade deconcentração urinária.

Asmanifestações clínicas diretamente relacionadas à alcalose metabólica sãoincomuns. Isso contrasta com parestesias, espasmo carpopedal e tontura, que frequentementeocorrem na alcalose respiratória aguda. Essa diferença provavelmente estárelacionada a vários fatores. A alcalose metabólica provavelmente causa umamudança menor no pH intracelular e no pH cerebral do que a alcaloserespiratória aguda, porque mudanças rápidas na tensão arterial de CO2 são quaseimediatamente transmitidas por toda a água corporal, incluindo o compartimentodo líquido intracelular, o cérebro e o líquido cerebrospinal. Em contraste, asalterações na concentração de HCO3 no sangue causam mudanças de pH mais lentase menos pronunciadas nos compartimentos intracelulares e através da barreirahematencefálica.

Espasmosmusculares, tetania e parestesia podem ocorrer com alcalose metabólica grave,mas esses achados são mais prováveis ??de ocorrer quando as concentrações decálcio ionizado e magnésio também são reduzidas, como na síndrome de Bartter, nasíndrome de Gitelman e no uso crônico de diuréticos. A alcalose metabólicagrave pode causar agitação, desorientação, convulsões e coma, especialmentequando se desenvolve em pacientes com doença hepática crônica. Nessespacientes, o pH alcalino sistêmico aumentará a concentração de compostos denitrogênio não ionizados, como a amônia, o que aumenta sua penetração nosistema nervoso central e, portanto, aumenta a neurotoxicidade.

Achadosanormais ao exame físico, quando presentes, refletem a causa da alcalosemetabólica. Pacientes hipovolêmicos (por exemplo, vômitos, terapia diuréticapara hipertensão) podem ter sinais de depleção de volume extracelular eintravascular, como turgor cutâneo reduzido, pressão venosa jugular baixa ehipotensão postural. Por sua vez, os pacientes com depleção efetiva do volumesanguíneo arterial devido a insuficiência cardíaca ou cirrose que desenvolvemalcalose metabólica (mais frequentemente devido à terapia diurética) podem teredema periférico, ascite e/ou, na insuficiência cardíaca, edema pulmonar.

 

Causas de Alcalose Metabólica

 

As causas de alcalose metabólica são divididas naquelascom volume extracelular contraído e naquelas associadas com volume extracelularexpandido. As principais causas de alcalose metabólica são sumarizadas na Tabela1.

 

Tabela 1: Causas de alcalose metabólica

 

I.                    Sobrecarga HCO3 exógena

 

A.                 Infusão de NaHCO3

B.                 Síndrome milk-alkali

II.                  Redução do volume circulante efetivo, normotensão, déficit de potássio e hiperaldosteronismo hiperreninêmico

 

A.                 Origem gastrintestinal

1.                  Vômitos

2.                  Aspiração gástrica

3.                  Cloridorreia congênita

4.                  Gastrocistoplastia

5.                  Adenoma viloso

 

B.                 Origem renal

1.                  Diuréticos

2.                  Estado pós-hipercápnico

3.                  Hipercalcemia/hipoparatireoidismo

4.                  Recuperação de acidose láctica ou cetoacidose

5.                  Ânions não reabsorvíveis, incluindo penicilina e carbenicilina

6.                  Deficiência de magnésio

7.                  Depleção de potássio

8.                  Síndrome de Bartter (perda de função do transportador Na-K-2Cl)

9.                  Síndrome de Gitelman (perda de função do cotransportador Na-Cl)

III.                Expansão do volume circulante efetivo, hipertensão, déficit de potássio e excesso de mineralocorticoide

 

A.                 Renina alta

1.                  Estenose de artéria renal

2.                  Hipertensão acelerada

3.                  Tumor secretor de renina

4.                  Terapia com estrogênio

 

B.                 Renina baixa

1.                  Hiperaldosteronismo primário

a.                  Adenoma

b.                  Hiperplasia

c.                  Carcinoma

2.                  Defeitos enzimáticos da adrenal

a.                  Deficiência de 11-beta-hidroxilase

b.                  Deficiência de 17-alfa-hidroxilase

3.                  Doença ou síndrome de Cushing

IV.                Mutação do canal de sódio do túbulo contorcido distal, com expansão do volume circulante efetivo, hipertensão, déficit de potássio, hipoaldosteronismo hiporreninêmico

 

A.                 Síndrome de Liddle

 

Os pacientes com perda de ácido pelo estômago, como emúlceras pépticas com vômitos por obstrução, cursam com a chamada alcalosegástrica. A secreção de HCl (via tipo H1/K1 ATPase gástrica) no lúmen gástricogera adição de [HCO3] ao líquido extracelular. Normalmente, a secreção gástricade HCl não produz alcalose metabólica porque o ácido não é perdido do corpo. OHCl sai do estômago e entra no intestino delgado, onde H é neutralizado pelo [HCO3]secretado pelo pâncreas.

A secreção de [HCO3] adiciona H aos fluidos corporais. Comoa quantidade de [HCO3] secretada no intestino delgado é igual à quantidade de H liberada do estômago, esses dois processos se neutralizam. No entanto, aremoção do HCl gástrico do corpo, por vômito ou aspiração de sonda nasogástrica,impede que o HCl alcance o intestino delgado. Consequentemente, o [HCO3] não ésecretado no lúmen intestinal, portanto o HCO3 derivado do estômago éadicionado ao líquido extracelular, e uma quantidade igual de Cl2 é removida docorpo. Inicialmente, muito do [HCO3] adicionado ao líquido extracelular (apósvômito ou sucção gástrica) é filtrado e excretado pelos rins principalmentecomo NaHCO3, mas a perda de fluido gástrico combinada com a perda renal deNaHCO3 gera contração do volume extracelular, com reabsorção de [HCO3]. A hipocalemiaainda desloca K para o meio extracelular e H para células que geram [HCO3].Os fatores responsáveis ??pela retenção de HCO3 renal são revertidos pelaexpansão adequada do volume extracelular e pela reposição de KCl reduzindosimultaneamente o HCO32 e aumento intracelular do pH.

A expressão ?alcalose de contração? tem sido usada para descreveros vários distúrbios diferentes nos quais o líquido extracelular se tornareduzido com uma quantidade relativamente fixa de [HCO3]. Na alcalose metabólicacom volume extracelular aumentado, temos como principal causa o excessoprimário de mineralocorticoides. O hiperaldosteronismo primário é uma condiçãode produção autônoma ou inadequada de aldosterona. Isso gera expansão do volumeextracelular, hipertensão, hipocalemia e alcalose metabólica.

O hiperaldosteronismo primário aumenta a reabsorçãodistal de Na, expandindo o volume extracelular. Essa expansão aumenta a TFG ereduz a reabsorção do sal e da água do túbulo proximal. Com isso, aumenta aoferta distal de sal e água. A excreção de K e H excede as necessidadesfisiológicas, gerando hipocalemia e alcalose metabólica. Normalmente, aexpansão do volume extracelular reduz a reabsorção de sal proximal e a reabsorçãode HCO3 e simultaneamente reduz renina, angiotensina II e aldosterona,diminuindo a reabsorção distal de Na e a secreção de K e H .

O tratamento do hiperaldosteronismo primário peloaldosteronoma é geralmente cirúrgico, mas, em pacientes com hipertensão porlongo período de tempo, esta pode persistir devido à patologia vascularestrutural. Nesses casos, drogas que bloqueiam a ação da aldosterona podem sermuito úteis. As manifestações físicas e bioquímicas de hiperaldosteronismoprimário também podem ser melhoradas com uma dieta com baixo teor de sal, o quereduz a distribuição distal de sal e diminui a perda de H e K . Outrassíndromes de excesso de mineralocorticoides podem ser revertidas com otratamento específico.

Diuréticos tiazídicos e/ou de alça frequentemente causamhipocalemia e alcalose metabólica. A inibição do cotransportador Na/K/2Cl (NKCC2)na alça espessa de Henle pelos diuréticos de alça e/ou a inibição docotransportador Na/Cl pelos diuréticos tiazídicos aumenta o NaCl e a entrega devolume em locais mais distais. Os diuréticos também podem aumentar os níveis derenina, angiotensina II e aldosterona, gerando um estado de hiperaldosteronismosecundário. Assim, os mecanismos de alcalose são semelhantes aos descritos nohiperaldosteronismo primário. A hipocalemia aumenta a secreção de H e NH4tanto no túbulo proximal quanto no túbulo distal. O volume extracelular e intra-arterialefetivo é reduzido, gerando uma cascata neuro-hormonal que aumenta a reabsorçãode Na e HCO3 no túbulo proximal.

Se diuréticos foram iniciados para tratar a retençãoávida de sal gerada por insuficiência cardíaca ou cirrose, a alcalosemetabólica geralmente persiste até que o distúrbio subjacente seja compensado.Reverter a hipocalemia e a depleção de K é importante. Se a situação clínicaexigir a continuação de diuréticos, apesar da alcalose metabólica grave, aadição de diuréticos poupadores de potássio (triantereno, espironolactona,etc.) ou de diuréticos ?acidificantes? (acetazolamida) pode ser útil. A acetazolamidaleva a grandes perdas de K , então a suplementação agressiva de K é geralmentenecessária.

Quando a causa da alcalose metabólica não é facilmenteaparente em história e exame físico, é muito útil categorizar o distúrbio combase na função renal do paciente e no estado volêmico. Se a TFG forsignificativamente reduzida, e grandes perdas ácidas de fluido gastrintestinalnão existirem, deve-se buscar a fonte de bicarbonato exógeno.

Se a TFG não for significativamente reduzida, deve-se avaliarcuidadosamente o estado volêmico com história, exame físico e mensuração docloro urinário. Cloro urinário de 20 meq/L é consistente com contração dovolume extracelular, enquanto cloro urinário > 20 meq/L sugere estadohipervolêmico.

 

Bibliografia

 

1-Emmet M. MetabolicAlkalosis. CJASN 2020; 15: 1848-1856.

2- Szerlip HM. Metabolic acidosis. Primer in KidneyDiseases 2015. 

Conecte-se

Feed

Sobre o MedicinaNET

O MedicinaNET é o maior portal médico em português. Reúne recursos indispensáveis e conteúdos de ponta contextualizados à realidade brasileira, sendo a melhor ferramenta de consulta para tomada de decisões rápidas e eficazes.

Medicinanet Informações de Medicina S/A

Cnpj: 11.012.848/0001-57

info@medicinanet.com.br


MedicinaNET - Todos os direitos reservados.

Termos de Uso do Portal

×
×

Em função da pandemia do Coronavírus informamos que não estaremos prestando atendimento telefônico temporariamente. Permanecemos com suporte aos nossos inscritos através do e-mail info@medicinanet.com.br.