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Lesão por Esmagamento e Síndrome de Esmagamento

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 07/10/2022

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Uma lesãopor esmagamento ocorre quando uma parte do corpo é submetida a alto grau deforça ou pressão, geralmente após ficar entre dois objetos pesados ou imóveis.A lesão por esmagamento pode produzir isquemia de um compartimento do músculo facial,caso em que é denominada ?síndrome compartimental?, definida como aumento dapressão dentro de um espaço confinado que leva ao comprometimento microvasculare, por fim, à morte celular como resultado da falta de oxigênio. A síndrome deesmagamento, por sua vez, é a doença sistêmica que provoca danos nas célulasmusculares, resultantes de pressão ou esmagamento, com ou sem síndromecompartimental subsequente.

Lesões poresmagamento podem ser vistas em dois cenários diferentes: em situações queenvolvem um único paciente e em desastres de magnitude variável, comoterremotos ou tsunamis com múltiplas vítimas. Catástrofes ocorreram aolongo da história, mas o reconhecimento da síndrome do esmagamento no século XXe o advento do tratamento eficaz para alguns dos componentes da lesão sistêmicae local tornaram-na um dos aspectos importantes do atendimento médico àsvítimas de desastres naturais.

Aslesões por esmagamento podem cursar com lesão muscular e rabdomiólise. A associação entre a lesão musculargrave com rabdomiólise e insuficiência renal aguda foi estabelecidaprimeiramente durante a Segunda Guerrra Mundial em Londres, por Bywatewrs eBeall, mediante a observação de pacientes vítimas de bombardeiros alemães.Desde então, vários casos de rabdomiólise por causas não traumáticas em vítimasde catástrofe foram descritos.

O númerocrescente de acidentes de trânsito e de trabalho também leva a aumento naincidência da síndrome do esmagamento e na importância de seu reconhecimento etratamento oportunos. Em vários estudos, a incidência de síndrome deesmagamento e insuficiência renal subsequente varia de 1 a 25%, provavelmenteresultante de diferenças de notificação, da natureza do desastre e daoportunidade e eficácia dos esforços de resgate e assistência médica.

Lesões poresmagamento são mais comumente vistas nas extremidades, porque o esmagamento dotronco ou da cabeça e pescoço é rapidamente letal. Esses pacientes apresentamalta incidência de lesões associadas, como fraturas e lacerações.

Oatendimento de pacientes com lesões por esmagamento no cenário de incidentescom vítimas em massa é radicalmente diferente daquele que envolve uma únicavítima. O manejo inicial pode ocorrer em condições improvisadas ou poucoadequadas, e o pessoal médico pode ter pouca experiência em trabalhar nessascondições. O transporte para atendimento definitivo pode ser prolongado; equipamentoscríticos, como máquinas de diálise, podem não estar disponíveis; e asinstalações de laboratório, monitoramento e terapia intensiva podem serinsuficientes para as demandas de volume. Os profissionais de saúde devemantecipar esses obstáculos e desenvolver protocolos de tratamento flexíveispara tais situações.

 

Fisiopatologia

 

Lesões nosmúsculos, incluindo esmagamento e isquemia, causam a ruptura do sarcolema e aliberação do conteúdo intracelular dos miócitos para os tecidos circundantes. Oíon cálcio é um dos componentes mais destrutivos liberados pelos miócitos,porque o cálcio estimula as enzimas proteolíticas, e radicais livres deoxigênio são liberados. Isso causa mais destruição de miócitos e vazamento depotássio, fosfato, mioglobina, creatinofosfoquinase e ácido úrico na correntesanguínea. A haptoglobina sérica se liga a parte da mioglobina, mas suacapacidade de ligação é rapidamente sobrecarregada, e a mioglobina causa lesãorenal direta. O dano da membrana aos miócitos e ao endotélio capilar sistêmicocausa perda de volume vascular e hipovolemia. A hipercalemia e a hipocalcemiapodem causar arritmias e parada cardíaca. A acidose metabólica causada porhipovolemia e choque aumenta a possibilidade de arritmias cardíacas.

As lesões poresmagamento com lesão muscular extensa podem cursar com depleção de ATP.Sabe-se que o ATP é crítico para as funções musculares, pois, com a depleçãodeste, ocorrem alterações na homeostase dos íons intracelulares, principalmenteaumento do cálcio intracelular e, por meio deste, ativação de diversas enzimas,como fosfolipases e proteases. O efeito final é a liberação de constituintesintracelulares tóxicos e radicais livres, que provocam lesão damicrovasculatura, extravasamento capilar e aumento da pressãointracompartimental. O paciente pode evoluir com lesão renal aguda por quatromecanismos pelo efeito tóxico direto da mioglobina com necrose tubular. Podeainda ocorrer isquemia renal, devido ao desequilíbrio entre mediadoresvasoconstritores e vasodilatadores com efeito final de vasoconstrição renal. Tambémpode ocorrer obstrução tubular, devido aos cilindros formados pelo pigmento demioglobina. Os pacientes podem ainda evoluir com coagulação intravasculardisseminada, que pode aumentar as complicações renais.

A síndromede reperfusão é um fenômeno paradoxal de exacerbação da disfunção celular apósa restauração do fluxo sanguíneo para tecidos previamente isquêmicos. Envolvealterações bioquímicas e celulares e causa produção de radicais oxidantes eativação do complemento, que culmina em uma resposta inflamatória, mediada porneutrófilos e plaquetas interagindo com o endotélio. A resposta inflamatóriatem manifestações locais e sistêmicas. As manifestações sistêmicas incluemhipotensão, vasodilatação, hipovolemia, depressão miocárdica, hipercalemia eacidose.

A pressãonormal do compartimento muscular é < 10 mmHg. Após a lesão por esmagamento,o trauma na microcirculação leva à formação de edema, sangramento intersticial,estase e obstrução, e os miócitos não são mais capazes de reter águaintracelular. O edema em um espaço fechado causa aumento da pressão, quecolapsa ainda mais a microcirculação e potencializa o problema. Pressões > 30mmHg causam isquemia muscular, podendo ocorrer dano irreversível do nervo e domúsculo, geralmente ocorrem após 4 a 6 horas.

 

Achados Clínicos

 

Sinaisexternos óbvios de lesão por esmagamento geralmente são evidentes, assim como ahistória que já indica o acidente. Lacerações, deformidade, dor e isquemiapodem ocorrer em graus variados.

A síndromecompartimental geralmente se apresenta com as manifestações, também denominadas?cinco Ps?:

 

- dor (pain);

-parestesias;

-estiramento passivo (distensão local);

- aumentode pressão local;

- ausênciade pulso.

 

A dor é osintoma mais comum e consistente, sendo geralmente difusa e intensa, podendoser exacerbada com movimento, toque ou pressão, e é desproporcional aos achadosdo exame físico. Dor intensa ocorre quando os músculos do compartimento afetadosão tensionados. O compartimento afetado é muito apertado ao toque doexaminador e às vezes quente, e há aumentos mensuráveis ??na pressão tecidual.A ausência de pulso ocorre apenas nos estágios finais. O exame do pulso, ou suafalta, é o menos confiável, porque a síndrome compartimental é um distúrbio damicrovasculatura, e os vasos principais não costumam ser afetados.

A síndromede esmagamento ocorre devido às manifestações de liberação das toxinas muscularese hipovolemia. Pode ocorrer choque hipovolêmico, agravado por cardiotoxicidadepela hipercalemia, hipocalcemia ou acidemia. A liberação de tromboplastina podecausar coagulação intravascular disseminada, que é especialmente crítica emface de dano tecidual, feridas abertas ou necessidade de cirurgia. A insuficiênciarenal pode ocorrer rapidamente e é a principal causa de morte tardia. Asmanifestações de lesão renal são inespecíficas, mas os pacientes podemapresentar mioglobinúria com urina escurecida e fraqueza muscular.

 

Diagnóstico e Exames Complementares

 

Medida de pressãocompartimental aumentada pode confirmar o diagnóstico. Pressão compartimental> 30 mmHg é considerada um teste positivo. A mensuração é mais bem realizadacom um dispositivo específico, ou inserindo-se uma agulha cheia de soluçãosalina conectada a um sistema de medição de pressão intravascular (manômetrosde pressão arterial ou venosa central) em cada compartimento, registrando-se aspressões.

A síndromede esmagamento é caracterizada por alterações metabólicas proteicas e rápidas.Os exames laboratoriais são cruciais para auxiliar no manejo direto. Os níveisséricos de creatinofosfoquinase (CPK) podem não necessariamente prever agravidade da doença e o risco de insuficiência renal, mas são uma ferramenta derastreamento e acompanhamento útil. Pacientes com síndrome de esmagamento elesão renal costumam ter níveis de enzima muscular com valores de CPK >30.000 u/L. Devem ser coletados potássio sérico, cálcio, fósforo, pH,creatinina, hemoglobina, índices de coagulação e pH da urina e eletrólitos. Noinício do quadro de esmagamento, devem-se repetir os exames laboratoriais acada 2 a 4 horas, em vez de realizar verificações esporádicas. A coleta deurina para excreção total de eletrólitos e o cálculo do clearance decreatinina podem ser considerados. Os pacientes também podem apresentarmioglobinúria.

O dano muscular causaliberação de fósforo na corrente sanguínea, e a hiperfosfatemia resultante podealterar o duplo produto cálcio e fósforo; o paciente pode apresentarcalcificações patológicas. Pode ocorrer hipocalcemia, mas geralmente assintomáticae sem necessidade de tratamento.

 

Tratamento

 

Deve-se conseguir acesso venosobilateral de grande calibre e administrar solução salina fisiológica com um bólusde 1 a 2 L. Deve-se evitar o uso de solução de Ringer-lactato e outros fluidoscontendo potássio, pois pode ocorrer hipercalemia fatal, mesmo na ausência deinsuficiência renal. Após a mensuração, e se houver garantia de que os níveisde potássio estão normais, pode-se realizar reposição com Ringer-lactato, pois setrata de uma solução que contém bicarbonato e que pode ajudar na prevenção dalesão renal. A taxa inicial de administração de volume é de 1.000 mL/h, reduzidapara 500 mL/h após 2 horas. O débito urinário deve ser de aproximadamente 200 a300 mL/h (5 a 7 L a cada 24 horas) para um adulto. Recomenda-se monitorar osníveis séricos de potássio. O estudo de Sinnertmostrou que a hidratação nas primeiras 6 horas após a injúria preveniu aocorrência de insuficiência renal em 100% dos casos.

Ospacientes devem ser internados em uma unidade de terapia intensiva paramonitorar a administração de fluidos e o estado eletrolítico. Deve-se manter pH urinário > 6,5. Cerca de 100 mL desolução de bicarbonato a 8,4% são usados concomitantemente a cada hora. Pode-seprescrever 100-150 meq de bicarbonato de sódio 8,4% em 1.000 mL de soluçãoglicosada como opção para hidratar e alcalinizar ao mesmo tempo. Aalcalinização da urina em teoria pode diminuir a toxicidade dos pigmentosmusculares nos túbulos renais, mas a evidência de que isso de fato ocorre épobre e se baseia em apenas um estudo. Para utilizar o bicarbonato, énecessário:

 

 - pH arterial < 7,5;

- ausência dehipocalemia;

 - bicarbonato sérico < 30 meq/L.

 

Após a obtenção de fluxourinário adequado, pode-se adicionar manitol ao regime de administração defluidos. O manitol aumenta o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtraçãoglomerular. A medicação também previne a obstrução tubular por mioglobina e, emteoria, diminui a ação de radicais óxidos livres. Deve ser administrado comosolução a 10% e velocidade de infusão de 15 mL/hora. O uso de outros diuréticosdeve ser evitado. Deve-se lembrar que o manitol só deve ser administrado se ofluxo urinário for de no mínimo 20 mL/hora. O manitol não deve ser usado derotina.

Apesar do tratamento,muitos pacientes evoluem com insuficiência renal dialítica, de modo que aindicação de diálise nesses pacientes deve ser precoce e agressiva. Algunspacientes precisam fazer hemodiálise diariamente. Na maioria dos pacientes, afunção renal é recuperada pelo menos parcialmente. Hemodiálise e hemofiltraçãosão as modalidades de escolha na fase aguda.

Em relatosde vítimas em massa de terremotos, a maioria dos procedimentos de fasciotomiafoi realizada >12 horas após o momento do trauma. As revisões desses casosmostraram altas taxas de infecção, com aumento da mortalidade e amputações e desfechosruins a longo prazo. A fasciotomia cria feridas abertas, o que aumenta o riscode sepse, amputação, instabilidade, disfunção nervosa crônica e morte. Amaioria das recomendações desencoraja o uso de fasciotomia de rotina,particularmente para feridas por esmagamento. Ela é indicada apenas na ausênciade pulsos distais, no caso de necessidade de desbridamento de músculonecrótico, pressões de compartimento > 30 mmHg (medidas dentro de 6 horasapós a lesão) e diferenças entre pressão compartimental e pressão arterialdiastólica > 30 mmHg. Se as pressões iniciais do compartimento são normais epode ocorrer síndrome compartimental tardia, a fasciotomia pode ser necessária,mas as taxas de infecção são relativamente altas, e pode ocorrer sangramentolocal profuso.

Aoxigenoterapia hiperbárica é um método de tratamento adjuvante útil notratamento das lesões por esmagamento e síndrome compartimental, pois leva a disponibilidadede oxigênio para os tecidos hipóxicos no período pós-lesão precoce. Com a oxigenoterapiahiperbárica a 2 atm, o conteúdo de oxigênio no sangue (oxigênio transportadopela hemoglobina e pelo plasma) é aumentado em 125% (aumentando o conteúdo deoxigênio no plasma), e a tensão de oxigênio no plasma e nos tecidos aumenta 10vezes em comparação com a respiração em ar ambiente. Pode ocorrer edema secundárioà vasoconstrição induzida por oxigênio que pode melhorar com a oxigenaçãohiperbárica. Oxigenação hiperbárica reduz o fluxo sanguíneo em 10 a 20%, diminuindo,assim, o edema tecidual causado pelo fluxo sanguíneo, porém a entrega deoxigênio aos tecidos é aumentada devido às maiores tensões teciduais deoxigênio. Os efeitos imediatos da oxigenoterapia hiperbárica são o aumento donível de oxigênio tecidual, aumento do fornecimento de oxigênio por unidade defluxo sanguíneo e redução do edema. Os efeitos a longo prazo podem incluirmelhor reparo da ferida após fasciotomia, taxas de infecção diminuídas e melhorresultado de enxertos de pele.

 

Bibliografia

 

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