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Hipertensão resistente e jaleco branco

Autor:

Rodrigo Díaz Olmos

Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de são Paulo (FMUSP). Diretor da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP. Docente da FMUSP.

Última revisão: 08/08/2017

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Área de atuação: Medicina ambulatorial

 

Especialidade: Medicina Interna, Cardiologia, Medicina de Família e Comunidade

 

Contexto clínico

Hipertensão resistente ou refratária (HR) é definida como uma pressão arterial de consultório que permanece acima dos objetivos de controle a despeito do uso de três anti-hipertensivos em doses plenas, sendo um deles um diurético. A definição da HR, como dito, é baseada em medidas de consultório. Entretanto, a utilização da monitoração ambulatorial da pressão arterial (MAPA) tem mostrado que o efeitojaleco branco” é responsável por uma proporção considerável de pacientes hipertensos ditos resistentes. Estima-se que até um terço dos pacientes com suspeita de HR tenham, de fato, hipertensão do jaleco branco2. Outro problema muito comum associado ao diagnóstico de HR é a má adesão ao tratamento, tanto farmacológico como não farmacológico. A prevalência da HR não está bem estabelecida, embora seja uma condição de importância, em virtude do prognóstico. Dessa forma, os autores do presente estudo utilizaram um grande registro de hipertensos tratados para estimar a prevalência de HR tanto com medidas de consultório como com MAPA.

 

O estudo

Trata-se de um estudo de coorte espanhol de hipertensos tratados que utilizou o Registro Espanhol de Monitoração Ambulatorial de Pressão Arterial (Spanish Ambulatory Blood Pressure Monitoring Registry) para estimar a prevalência de HR por meio tanto de medidas de consultório como de MAPA. O estudo também objetivou comparar os aspectos clínicos dos pacientes com HR verdadeira e HR de consultório (HR do jaleco branco). Os autores identificaram, em dezembro 2009, 68.045 pacientes tratados com informações completas para a presente análise. Entre eles, 8.295 pacientes (12,2%) apresentavam hipertensão resistente. Após a realização da MAPA, 62,5% dos pacientes foram classificados como verdadeiros hipertensos resistentes e os 37,5% remanescentes foram considerados como tendo HR do jaleco branco. Os verdadeiros resistentes eram mais novos, mais frequentemente homens, com uma duração maior de hipertensão e um pior perfil de risco cardiovascular. Este grupo incluiu maiores proporções de tabagistas, diabéticos, pacientes com lesão de órgão-alvo (incluindo hipertrofia de ventrículo esquerdo, disfunção renal e microalbuminúria) e pacientes com doença cardiovascular documentada. Além disso, os verdadeiros hipertensos resistentes exibiram em maior proporção o padrão riser (22% vs. 18%; p=0,001) (vide Glossário). Os autores concluem que a prevalência de hipertensão resistente em uma grande coorte de pacientes recebendo cuidados clínicos habituais é de 12% da população hipertensa tratada e que mais de um terço destes pacientes com HR apresentam pressão arterial normal avaliada pela MAPA. Um perfil de risco pior está associado à HR verdadeira, embora esta associação seja fraca.

 

Aplicações para a prática clínica

Estudo interessante mostrando uma prevalência de HR mais baixa que a relatada em outros estudos prévios (20 a 30%)3, mas semelhante à encontrada em adultos hipertensos norte-americanos utilizando dados do NHANES de 2003 a 2008 (12,8%)4. Possivelmente, as prevalências mais elevadas dos estudos iniciais se devem ao fato de que foram estudos utilizando populações referenciadas. Entretanto, o dado mais interessante do estudo é que mais de um terço dos pacientes supostamente resistentes apresentavam, na verdade, hipertensão do jaleco branco. Também de interesse é o fato de que os verdadeiros hipertensos resistentes apresentaram um pior perfil de risco.

Estes dados são absolutamente relevantes num momento em que, cada vez mais, a hipertensão arterial tem se tornado a panaceia de todos os males (ou pelo menos da maioria) relacionados à saúde, desde causadora dos mais variados sintomas até a responsável por sensações que são nitidamente causadas pelas circunstâncias de vida das pessoas. São dados que, de forma indireta, nos fazem refletir sobre como temos feito o diagnóstico de hipertensão arterial, qual é nossa abordagem deste fator de risco e como temos interagido com os pacientes no sentido da educação em saúde.

Os autores chegam a afirmar em suas considerações finais que todo o hipertenso resistente merece realizar uma MAPA. A mesma conclusão é feita em comentários do Journal Watch5. Entretanto, embora a MAPA seja uma ferramenta muito útil para auxílio diagnóstico e de controle terapêutico de pessoas com hipertensão grave e hipertensão resistente, vale lembrar que é um exame cujo acesso é limitado no Brasil e que tem sido utilizado, no contexto da medicina privada (convênios e particulares), de forma quase que rotineira para avaliação da pressão arterial, produzindo uma cultura de que a MAPA é um exame indispensável para o bom acompanhamento de pessoas hipertensas. Assim, em situações de dúvida diagnóstica e em locais cujo acesso à MAPA é limitado, medidas repetidas na Unidade de Saúde, realizadas de maneira adequada e por profissional treinado, além de medidas domiciliares eventuais (muito bem orientadas), podem ser úteis na avaliação de um paciente com possível HR. Vale lembrar que, além de medidas fora do consultório para tentar minimizar o efeito jaleco branco, a avaliação da adesão ao tratamento e das crenças e conhecimentos sobre a hipertensão arterial são medidas fundamentais no controle pressórico em geral e na avaliação de HR potencial em particular.

 

Glossário

Padrão riser: existem alguns padrões anormais de variação circadiana da pressão arterial, dentre os quais se destacam o padrão nondipper, caracterizado por indivíduos (normotensos e hipertensos) cujo descenso noturno é insatisfatório (menor que 10%) e o padrão riser, caracterizado por indivíduos cuja pressão sistólica média noturna é maior que a diurna. O padrão riser parece estar associado a um aumento de risco cardiovascular, independentemente do nível pressórico médio.

 

Bibliografia

1.   de la Sierra A, Segura J, Banegas JR, Gorostidi M, de la Cruz JJ, Armario P, et al. Clinical features of 8295 patients with resistant hypertension classified on the basis of ambulatory blood pressure monitoring. Hypertension. 2011 May;57(5):898-902. Epub 2011 Mar 28. [Link para Abstract] (Fator de impacto: 7.368).

2.   Muxfeldt ES, Bloch KV, Nogueira Ada R, Salles GF. True resistant hypertension: is it possible to be recognized in the office? Am J Hypertens. 2005 Dec;18(12 Pt 1):1534-40.

3.   Calhoun DA, Jones D, Textor S, Goff DC, Murphy TP, Toto RD et al. Resistant hypertension: diagnosis, evaluation, and treatment. A scientific statement from the American Heart Association Professional Education Committee of the Council for High Blood Pressure Research. Hypertension. 2008 Jun;51(6):1403-19. Epub 2008 Apr 7.

4.   Persell SD. Prevalence of resistant hypertension in the United States, 2003-2008. Hypertension. 2011 Jun;57(6):1076-80. Epub 2011 Apr 18.

5.   Gore GM. White-coat effect accounts for one third of resistant hypertension cases. Journal Watch Cardiology May 18; 2011.

 

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