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Aspergilose Broncopulmonar Alérgica

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 25/03/2015

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O Aspergillus é um fungo saprófita que produz esporos, encontrado em vegetação em decomposição, solo, matéria vegetal e água. Os esporos produzidos pelo Aspergillus representam até 20% de todos os esporos de amostras de ar, e diariamente inalamos centenas de esporos de Aspergillus, em pacientes com mecanismos de defesa pulmonar íntegros estes esporos não causam lesão significativa, assim a invasão de tecidos é rara e a doença fúngica é incomum.

A aspergilose broncopulona alérgica (ABPA) é um distúrbio de hipersensibilidade complexo normalmente induzido pelo Aspergillus fumigatus. Representa uma doença pulmonar inflamatória não invasiva encontrada em indivíduos com predisposição genética. Ocorre em pessoas imunocompetentes tipicamente com diagnóstico de asma ou fibrose cística. Em indivíduos suscetíveis, a doença ocorre após a colonização dos brônquios e muco pelos esporos do Aspergillus fumigatus. Este processo de inflamação das vias aéreas persistente resulta na produção excessiva de muco viscoso, prejudicando a função ciliar e podendo em seus estágios finais levar à fibrose. A invasão de tecidos não ocorre.

A ABPA é caracterizada clinicamente por sintomas asmatiformes mal controlados, infiltrados pulmonares de repetição e bronquiectasias. Outros fungos como o Aspergillus terreus e Candida albicans podem induzir uma síndrome semelhante, chamado micose alérgica broncopulmonar.

A asma grave com sensibilização fúngica refere-se a pacientes com asma grave, apesar de tratamento adequado, com evidência de sensibilização fúngica que não preenchem os critérios para ABPA. Sensibilização fúngica é definida por presença de IgE ou teste cutâneo para Aspergillus positivo. Esta sensibilização pode ocorrer em até 25% dos pacientes com asma refratária.

 

Prevalência e Fatores de Risco

Estima-se que a ABPA afete 1 a 2% dos pacientes que têm diagnóstico de asma; em asmáticos dependentes de esteroides se estima prevalência de 7 a 14% .

Os fatores que determinam o desenvolvimento de ABPA não são totalmente compreendidos. Estudos recentes têm descrito inúmeros fatores de risco genéticos associados que incluem atopia, polimorfismos do gene da proteína surfactante pulmonar A2. A presença do alelo HLA DR (DR2 e DR5) e a ausência da molécula de HLA DQ5 foram implicadas no desenvolvimento de ABPA.

Considerando a apresentação habitual e a prevalência relativamente baixa de ABPA, os fatores ambientais não são considerados importantes na patogênese da doença.

 

Patogênese

A patogênese da ABPA é complexa e permanece incompreendida. Após a inalação de esporos de Aspergillus Fumigatus, os esporos germinam, e protegidos pelo muco das vias respiratórias produzem proteínas de ligação a IgE, muitas das quais são protéases. Não parece ter, entretanto uma relação da quantidade de esporos inalados com o aumento de risco de desenvolvimento da ABPA. Uma vez que as camadas superficiais do epitélio brônquico foram lesionadas, a resposta imunológica a uma ou mais proteínas produzidas pelo Aspergillus ocorre, resultando em uma resposta inflamatória local e sistêmica. Ocorrem respostas do tipo 1 (hipersensibilidade imediata), tipo 3 (complexos antígeno-anticorpo) e tipo IV-B (resposta celular inflamatória rica em eosinófilos). O fungo por si só pode produzir enzimas proteolíticas como elastases e colagenases, causando inflamação das vias aéreas locais, comprometendo o clareamento mucociliar e a ativação da resposta imune inata. O processo leva a espessamento da parede brônquica, remodelação de tecidos, e bronquiectasia, o que pode eventualmente levar a fibrose.

A resposta específica de células T específica pode ser o maior contribuinte para a ABPA. O aumento específico de linfócitos T helper 2 (Th2) CD4 foram encontados localmente nos tecido linfóides brônquicos e sistemicamente na circulação periférica dentro da população com ABPA. Estas células segregam interleucinas como (IL) -4, IL-5, IL-9, IL-10 e IL-13, que promovem a síntese de IgG e de IgE, proliferação de mastócitos e eosinófilos. Os linfócitos T helper CD4 ativados produzem citocinas, que são responsáveis por muitas características da doença.

 

Características Clínicas

A maioria dos casos tende a ocorrer em pacientes asmáticos na terceira e quarta décadas de vida, embora o início possa ocorrer na infância, outra população em que a ABPA é frequentemente encontrada são os pacientes com fibrose cística. A maioria dos pacientes apresenta  asma mal controlada com utilização de corticosteroides frequente. A ABPA é caracterizada por obstrução das vias aéreas episódica, febre, mal-estar, aumento da tosse com produção de muco abundante, muitas vezes com tampões de muco marrom e sensação de opressão torácica. Os pacientes podem apresentar consolidação na radiografia torácica com resolução espontânea. Assim o diagnóstico deve ser considerado em pacientes asmáticos com infiltrado pulmonar, principalmente se sem sintomas de pneumonia, febre baixa, e bronquiectasias com culturas bacterianas estéreis.

O diagnóstico é difícil porque os sintomas ABPA são difíceis de diferenciar de uma exacerbação da asma. Os pacientes geralmente apresentam-se com aumento da expectoração, da febre, da fadiga e da tosse. A falta de resposta aos antimicrobianos em paciente com infiltrado pulmonar atribuído a pneumonia deve alertar o médico a considerar ABPA entre os diagnósticos diferenciais. Devido à dificuldade no diagnóstico, alguns critérios diagnósticos foram desenvolvidos incluindo critérios clínicos, radiológicos e laboratoriais.

 

Principais critérios para o diagnóstico de ABPA:

-Sintomas de asma;

-Teste cutâneo positivo para Aspergillus;

-Precipitinas ou anticorpos IgG para o Aspergillus  Fumigatus no soro;

-IgE sérica > 1000 ng / mL;

-Eosinofilia no sangue periférico (>500 cels/mm3);

-Infiltrados pulmonares transitórios na radiografia de tórax ou tomografia computadorizada;

-Bronquiectasias Centrais;

-Infiltrados pulmonares transitórios na radiografia de tórax ou tomografia computadorizada;

-IgE ou IgG específicas para Aspergillus Fumigatus elevadas.

 

Casos os primeiros quatro critérios sejam positivos, pode se diagnosticas a ABPA, no caso de bronquiectasia central associada temos a chamada ABPA com bronquiectasia central, neste caso para confirmação de que a bronquiectasia seja causada pela ABPA espera-se que IgE ou IgG específicos para Aspergillus Fumigatus estejam elevados.

Existem critérios menores para o diagnóstico de ABPA que incluem a presença de Aspergillus no escarro, ou microscopia ou cultura positiva, a história de tampões de muco marrom, IgE sérica elevada contra o antígeno Aspergillus e reação cutânea tardia na pele. Embora a bronquiectasia central seja um forte indicador de diagnóstico de ABPA, ela só está presente na minoria dos pacientes e muitas vezes não é presente no momento do diagnóstico. Para ajustar para isso, certos autores diferenciam os pacientes de acordo com a presença de bronquiectasias. Acredita-se que ABPA sem bronquiectasia central representa uma fase precoce da doença. A presença de grande quantidade de muco visível em tomografia computadorizada (TC) de alta resolução tem sido proposta como um marcador de atividade.

Pacientes com ABPA podem exibir exagerada resposta imune ao Aspergillus  Fumigatus. Todos os pacientes terão uma resposta imediata (tipo 1) ao teste cutâneo. Os testes cutâneos envolvem a aplicação direta na pele de soluções comercialmente preparadas para detectar a presença de uma resposta de anticorpos IgE com uma acurácia de 95%. O valor preditivo positivo do teste é inferior a 50 a 60%, embora estas variações dependam do reagente utilizado e fabricante, assim como a habilidade do dispositivo de teste, a potência de soluções, a interpretação dos resultados, e o uso de anti-histamínicos ou corticosteroides.

 

Achados Laboratoriais

Um nível de IgE inespecífica altamente elevada é a alteração mais característica e consistente da ABPA. Em geral, existe uma elevação acentuada, geralmente níveis muito maiores do que 1000 UI/mL. Tais níveis elevados podem também ser encontrados em dermatite atópica, infecções parasitárias, Mieloma IgE, e síndrome de híperimunoglobulina e ou síndrome de Job. Alguns casos de ABPA apresentam níveis de IgE no intervalo de 500 a 1000 UI/mL, e se associada com asma grave, o termo mais apropriado seria de asma complicada por reação ao Aspergillus.

As precipitinas IgG contra Aspergillus Fumigatus são geralmente presentes, mas podem estar ocorrerem outras doenças pulmonares. Entre 10 e 30% dos asmáticos sem ABPA pode ter um teste cutâneo positivo para Aspergillus assim como precipitinas séricas positivas.

A maioria dos pacientes tem eosinofilia periférica, em algum momento, mas a contagem absoluta varia de acordo com o uso de esteroides e forma de apresentação; assim uma baixa contagem não exclui o diagnóstico.

Em ABPA as culturas para fungos são positivas em 39% a 58% dos casos, quando colhidos dois ou três exemplares, respectivamente.

 

Achados Radiológicos

ABPA produz uma vasta variedade de achados radiográficos. A TC de alta resolução é superior à radiografia simples na identificação de anormalidade pulmonares sutis em comparação com a radiografia de tórax, como opacidades transitórias e bronquiectasias. Achados comuns na TC de alta resolução incluem bronquiectasias centrais envolvendo os dois terços internos dos campos pulmonares, atelectasias, opacidades em vidro fosco com perfusão em mosaico ou aprisionamento de ar, impactação mucoide, e consolidação focal. A presença de bronquiectasia central, com brônquios com afilamento periférico era considerada patognomónica ABPA; no entanto, a evidência recente tem questionado a especificidade e sensibilidade do achado. A doença pode ser dividida nos seguintes estágios:

 

Estágios da doença

I aguda

II remissão

III exacerbação

IV Estágio corticoide dependente

V Fibrose (estágio terminal)

 

A importância da definição dos estágios da doença tem a ver com seu tratamento e prognóstico e serão discutidos na sessão de tratamento.

Tratamento

O objetivo do tratamento da ABPA é reduzir a inflamação aguda episódica, limitando assim a progressão da doença das vias respiratórias resultante com destruição do parênquima e tanto. Para conseguir isso, é necessária uma abordagem com tratamento duplo: os corticosteroides para controlar a atividade imunológica e antifúngicos para suprimir a colonização e proliferação do Aspergillus. Para ABPA ser tratada de forma eficaz, a detecção de exacerbações permanece vital, porque o uso de esteroides a longo prazo não é aconselhável. A resposta ao tratamento é mensurada pela resolução de infiltrados pulmonares, eosinofilia ausente, normalização da IgE sérica e provas de função pulmonar normais.

Os corticosteroides continuam a ser o mais eficaz agente no tratamento de ABPA. Há evidências de que os corticosteroides são eficazes para o controle da doença, com a melhora de broncoespasmo e redução da resposta inflamatória sistêmica. Há, no entanto dados limitados em relação à padronização do tratamento, sem estudos prospectivos sobre a eficácia, a dose ou a duração do tratamento com esteroides. Há variação individual substancial no manuseio de esteroides e capacidade de resposta, com alguns pacientes sendo não responsivos. Um regime típico para uma exacerbação aguda ou fase seria de 40 mg a 60 mg (0,5 a 1 mg/Kg) de prednisolona ou prednisolona diariamente, inicialmente por 2-3 semanas, com rápida redução posterior. Esteroides contínuas em longo prazo não são recomendados devido aos efeitos adversos, como alterações metabólicas, osteoporose e imunossupressão, o que, em teoria, podem levar à Aspergilose invasiva. No entanto, em pacientes que têm doença córtico-dependente (estágio IV), devem ser tomados todos os esforços para manter a dose mais baixa possível. Há evidências conflitantes no que diz respeito à eficácia dos corticosteroides inalados na redução da frequência de exacerbações. Em pacientes no estágio 2 e 5 não existe indicação do uso de glicorticoides.

 

Agentes antifúngicos

O uso de antifúngicos na ABPA foi proposto no início de 1990 com base nas respostas em cinco dos seis pacientes tratados com itraconazol. Em princípio, a utilização antifúngica deve reduzir a carga fúngica, restringindo estimulação antigênica e inflamação brônquica, o que vai melhorar os sintomas e impedir a progressão da doença. Apenas o itraconazol agente antifúngico oral provou ser eficaz em ABPA.

O uso de itraconazol quando empregado em conjunto com corticosteroides foi avaliado em dois estudos randomizados, com resultados positivos, mas sem evidência de melhora de função pulmonar.

A dose inicial do itraconazol é de 200 mg 3 vezes ao dia por 3 dias, seguido de 200 mg ao dia 2 vezes ao dia, o tempo de duração do tratamento é de 3 a 6 meses, em estudos clínicos a duração foi de 16 semanas. A dose do voriconazol é de 400 mg, 2 vezes ao dia no primeiro dia e depois 200 mg ao dia 2 vezes ao dia.

A ABPA pode em seu diagnóstico se apresentar qualquer uma destas fases. Nenhum estudo relatou resultados em longo prazo, e ambos incluíram pacientes com bronquiectasias de longa data, o que sugere um elemento de lesão pulmonar irreversível. Assim, os ensaios em longo prazo são necessários no futuro.

O Itraconazol é um inibidor potente e indutor do citocromo CYP4A4 e tem numerosas interações medicamentosas, principalmente com preparações esteroides inalatórias. Ele aumenta a exposição à dexametasona, metilprednisolona, budesonida, e, possivelmente, fluticasona, mas não prednisolona ou prednisone. Pode reduzir o metabolismo de esteroides inalatórios em até 50%, é possível, portanto que a ação benéfica encontrada em alguns pacientes se deva a maior exposição aos glicocorticoides.

Exames de rotina da função hepática devem ser feitos mensalmente nos primeiros seis meses de terapia e após seis meses trimestrais. A dose da droga pode ser optimizada, assim como minimizado os efeitos adversos com monitorização da droga, começando duas semanas após o início do tratamento.

O posaconazol é outro azol de amplo espectro, que também tem sido utilizada de forma eficaz no tratamento de aspergilose invasiva ou da ABPA, e tem maior atividade contra o Aspergillus spp. em comparação com o itraconazol e voriconazol. Uma melhora clínica com posaconazol foi observada em 12 meses em três de quatro pacientes com ABPA que não tinham ou estavam sem resposta a itraconazole. Os eventos adversos incluíram insônia e alteração de enzimas hepáticas, mas nenhum paciente teve que interromper a terapia. Uma das principais é o custo da terapia. Além disso, são necessários ensaios clínicos randomizados maiores.

O omalizumab é um anticorpo monoclonal contra a IgE  e tem sido usado para tratar a ABPA em crianças com refratariedade ao uso de glicocorticoides, a maioria da experiência com a medicação são nos pacientes com fibrose cística associada.

 

Complicações da ABPA

As principais complicações da ABPA são o desenvolvimento de bronquiectasias, aspergilose pulmonar crônica e fibrose de lobo superior.

A bronquiectasia é a complicação mais comum da ABPA e é, muitas vezes, já estabelecida no momento do diagnóstico ABPA. Exacerbações recorrentes de ABPA podem levar à inflamação pulmonar local. Danos à via aérea posterior podem resultar na remodelação do tecido, e em última instância, a bronquiectasia. As bronquiectasias levam à morbidade, e na sua forma mais grave podem causar hipertensão pulmonar e insuficiência respiratória. Os pacientes que são altamente sintomáticos podem beneficiar-se de terapia em longo prazo para reduzir a inflamação das vias respiratórias, por vezes com antibióticos macrólideos alternados para evitar desenvolvimento de resistência.

 

Referências

Greenberger PA. Allergic bronchopulmonary aspergillosis. J Allergy Clin Immunol 2002; 110:685.

 

Agarwal R. Allergic bronchopulmonary aspergillosis. Chest 2009; 135:805.

 

Hogan C et al. Allergic Broncopulmonary Aspergillosis and related allergic syndromes. Seminars Resp Crit Care Med 2011; 32: 682-692.

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