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Insuficiência Cardíaca

Autores:

Letícia Fleck Wirth

Médica internista e cardiologista.

Andréia Biolo

Médica cardiologista do Serviço de Cardiologia do HCPA. Professora do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde: Cardiologia e Ciências Cardiovasculares da UFRGS. Doutora em Cardiologia pela UFRGS.

Priscila Raupp da Rosa

Médica residente do Serviço de Medicina Interna do HCPA.

Luis Beck da Silva

Médico contratado do Serviço de Cardiologia do HCPA. Doutor em Cardiologia pela UFRGS. Fellow em ICC da Universidade de Ottawa, Canadá.

Última revisão: 18/09/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 67 anos, busca atendimento ambulatorial; queixando-se de dispneia aos esforços no último ano, com piora progressiva. Ele relata que, há uma semana, acorda durante a noite devido à falta de ar e tosse, que aliviam ao sentar-se na cama. Desde então, o paciente dorme com cinco travesseiros. Queixa-se também de edema de membros inferiores e sensação de pés frios nos últimos seis meses. Afirma sentir muita sede, porém urina pouco e predominantemente durante a noite. Ele relata ter hipertensão arterial sistêmica há cerca de 20 anos, com início do tratamento há quatro anos, quando apresentou infarto do miocárdio. Ao realizar exame, verifica-se que o paciente apresenta dispneia, mucosas hipocoradas, taquicardia, pressão arterial 160/90 mmHg, ictus palpável no 6o espaço intercostal E, na linha axilar anterior, ritmo irregular, presença de B3, sopro sistólico regurgitativo grau 3 na região apical, turgência jugular a 45o e refluxo hepatojugular. Ao realizar ausculta pulmonar, constata-se murmúrio vesicular abolido em um terço inferior do campo pulmonar direito e crepitantes bilaterais. Extremidades frias e edema de membros inferiores 2+/4.

 

Definição

A insuficiência cardíaca (IC) é o estado fisiopatológico em que o coração não bombeia o sangue a uma taxa compatível com a demanda metabólica do organismo ou pode fazê-lo apenas com pressões de enchimento elevadas. Frequentemente é causada por um defeito na contração miocárdica, mas também pode ocorrer em situações em que o coração normal é abruptamente exposto a uma carga que excede sua capacidade.

 

Epidemiologia

A IC é o estágio final de muitas doenças cardíacas, e sua prevalência e incidência são crescentes devido ao aumento da sobrevida dos pacientes com doenças cardíacas decorrente da evolução do tratamento clínico e cirúrgico.

A IC equipara-se ao câncer e à Aids em relação ao número de mortes, causando elevados gastos com atendimento de emergência e hospitalizações. Segundo dados do Banco de dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS),1 um terço das internações por doenças cardíacas acontecem devido à IC, sendo a principal causa de internação em pacientes com mais de 60 anos.

 

Avaliação da Função Cardíaca

Função sistólica do ventrículo esquerdo

A sístole ventricular fisiológica começa junto ao início da despolarização e contração e termina com o fim da contração muscular. A sístole cardiológica, por definição, é demarcada pelas bulhas cardíacas B1 (fechamento da válvula mitral) e B2 (fechamento da valva aórtica) (Fig. 5.1).

A função sistólica é um dos determinantes do desempenho cardíaco que, por sua vez, depende de quatro variáveis: pré-carga, pós-carga, contratilidade miocárdica e frequência cardíaca.

 

Pré-carga. O estiramento dos sarcômeros individuais regula o desempenho cardíaco e é o máximo no final da diástole. Em situações agudas, a elevação da pressão e do volume diastólico finais constituem um mecanismo fisiológico compensatório que permite o aumento do trabalho cardíaco (lei de Starling para o coração).

Pós-carga. A força contra a qual o músculo cardíaco se contrai corresponde à resistência ou à impedância vascular periférica. Pode ser avaliada pela equação de Laplace: tensão parietal é o produto da pressão pelo raio da cavidade.

Contratilidade. A capacidade intrínseca do músculocardíaco de gerar força e encurtar suas fibras manifesta-se pela taxa de aumento da pressão (ou encurtamento) a partir de uma dada pré-carga. Ela é modulada normalmente por mecanismos neuro-humorais e pode ser avaliada por medidas como volume sistólico, fração de ejeção e taxa de aumento da pressão durante contração isovolumétrica.

 

Função diastólica do ventrículo esquerdo

A diástole inicia-se com o fechamento da valva aórtica e termina com o fechamento da valva mitral e início da sístole ventricular. Ela é composta por quatro fases: relaxamento isovolumétrico, enchimento rápido, diástase e contração atrial (Fig. 5.1).

A função diastólica do ventrículo esquerdo é determinada por relaxamento ventricular (um processo que consome energia), enchimento da cavidade, propriedades elásticas passivas do ventrículo e frequência cardíaca. Esta tem importância fundamental, uma vez que seu aumento reduz desproporcionalmente o tempo de enchimento diastólico. A disfunção diastólica é caracterizada por aumento das pressões de enchimento, resultando em dispneia, inicialmente na realização de esforços, podendo tornar-se progressiva até quadros de insuficiência cardíaca diastólica.

O padrão-ouro para a avaliação de função diastólica ainda é o cateterismo cardíaco. O ecocardiograma com Doppler colorido permite avaliação confiável da função diastólica. A ressonância nuclear magnética, a ventriculografia radioisotópica e a tomografia computadorizada também podem ser empregadas com a mesma finalidade.

 

Função ventricular direita

O ventrículo direito ejeta o sangue para um território de baixa resistência, o leito vascular pulmonar, por isso apresenta paredes mais finas do que o ventrículo esquerdo. Na sobrecarga de volume, ocorre dilatação da cavidade, alteração de sua forma para uma figura mais esférica e possível perda de complacência. Já na sobrecarga de pressão, há hipertrofia progressiva, dilatação, perda de função contrátil e regurgitação tricúspide secundária. A disfunção ventricular direita pode resultar em insuficiência cardíaca direita e baixo débito, apesar de a função ventricular esquerda estar preservada.

 

Patogênese

Mecanismos adaptativos a curto prazo

O principal desses mecanismos é o de Frank-Starling: quanto mais o miocárdio for distendido, maior é a força de contração de suas fibras. A seguir, tem-se a opção dos mecanismos de ativação do sistema nervoso simpático e renina-angiotensina-aldosterona, que aumentam a contratilidade, a frequência cardíaca e a pressão arterial. Por fim, o remodelamento miocárdico promove elevação da massa ventricular contrátil. Entretanto, essas adaptações fisiológicas têm limitada capacidade de sustentar a função cardíaca e, a longo prazo, tornam-se mal-adaptativas.

Nos estágios mais iniciais da doença, a pressão arterial mantém-se, e a resistência vascular periférica eleva-se.Além disso, o tônus adrenérgico persistentemente aumentado desencadeia um processo de down regulationdos receptores e, por isso, o débito cardíaco não aumenta como esperado durante o esforço. Há acentuada elevação da pressão diastólica final e, por consequência, da pressão capilar pulmonar, responsável pela dispneia e pela limitação na realização de esforço físico. A vasoconstrição periférica ocorre via sistema nervoso simpático, sistemarenina-angiotensina-aldosterona e endotelina em uma tentativa de manter a perfusão cerebral e miocárdica. Essa redistribuição de fluxo tem como consequências a hipoperfusão renal (p. ex., uremia, retenção de sódio), muscular periférica (p. ex., metabolismo anaeróbio, acidose lática, fadiga), hepatite isquêmica e isquemia mesentérica.

 

Remodelamento Cardíaco Crônico

A espessura e a forma da cavidade cardíaca alteram-se,mantendo o estresse parietal inalterado. O padrão de remodelamento é diferente dependendo da sobrecarga hemodinâmica (Fig. 5.2). Entretanto, se esse processo é insuficiente ou a demanda segue aumentando, começa a fase de exaustão, com lise celular de miócitos e substituição por tecido fibrótico. Há também estímulo à apoptose por meio de catecolaminas (receptores beta), angiotensina II, radicais livres do oxigênio, NO, citocinas inflamatórias e estresse mecânico.

 

 

Figura 5.1

Os eventos mecânicos do ciclo cardíaco. O fechamento da valva mitral ocorre depois do ponto de intersecção da pressão atrialeventricular no início da sístole. A duração do ciclo é de 800ms,considerando a FC de 75bpm. A2, fechamento da valva aórtica, componente áortico de B2 – A abertura da valva áortica normalmente é inaudível. ECG, eletrocardiograma; PVJ, pressão venosa jugular; M1, componente mitral de B1 no fechamento da valva mitral – A abertura da valva mitral pode ser audível na estenose mitral,como um estalido de abertura.P2, componente pulmonar de B2–fechamento da valva pulmonar. B3, terceira bulha; B4, quarta bulha; T1, fechamento da valva tricúspide, segundo componente da primeira bulha cardíaca; a, onda produzida pela contração do átrio direito; c, onda carotídea durante a fase de ejeção rápida do ventrículo esquerdo; v, onda de retorno venoso devido à pressão causada pelo fechamento da valva tricúspide.

Fonte: Modificada de Libby e colaboradores.²

 

Transição para insuficiência cardíaca

O aumento do consumo energético e a hipertrofia mal-adaptativa causam desestabilidade na oferta-demanda e redução da contratilidade miocárdica intrínseca (independentemente de pré e pós-carga). O débito cardíaco e o volume sistólico mantêm-se em repouso, mas a capacidade de elevá-los mesmo com a realização de esforço está reduzida. Com a diminuição progressiva da contratilidade, a insuficiência cardíaca torna-se clinicamente manifesta.

 

Ajustes neuro-humorais

  A ativação do sistema nervoso simpático é a marca da IC e os níveis séricos de noradrenalina elevados, em repouso, são preditores de mortalidade. Há também aumento do cálcio intracelular, promovendo tanto a contração quanto o relaxamento do miócito, resultando em um alto gasto energético. O uso de betabloqueadores pode reverter essa condição e restaurar a resposta contrátil ao estímulo catecolaminérgico.

 

• O estado de baixo débito também ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona (RAAS), que atua em conjunto ao sistema nervoso simpático para manter a pressão arterial e reter sódio e água (Fig. 5.3). Tônus adrenérgico aumentado, diminuição do fluxo sanguíneo renal, uso de diuréticos e restrição de sódio são estímulos para a produção de renina. A angiotensina II é um potente vasoconstritor periférico. Ela aumenta a liberação de noradrenalina, pelo sistema nervoso simpático, e de aldosterona, pela suprarrenal. Além de seu efeito renal de retenção de sódio, a aldosterona causa também hipertrofia e fibrose miocárdicas, redução da complacência vascular e disfunção diastólica.

 

• Outro hormônio importante é a arginina vasopressina (AVP), que regula a osmolaridade plasmática por meio da depuração de água livre.

 

 

 

Figura 5.2

A resposta morfológica à sobrecarga hemodinâmica depende da natureza do estímulo. Quando a sobrecarga ocorre predominantemente devido a um aumento na pressão (p. ex., HAS, estenose aórtica), a elevação do estresse sistólico exercido na parede do ventrículo resulta na proliferação de sarcômeros em paralelo, com aumento em amplitude de miócitos, desencadeando hipertrofia concêntrica do ventrículo. Quando a sobrecarga ocorre predominantemente devido a um aumento de volume no ventrículo, a elevação do estresse diástólico exercido na parede do ventrículo leva à proliferação em série dos sarcômeros, com aumento longitudinal de miócitos, resultando em hipertrofia ventricular excêntrica.

 

 

Figura 5.3

A carga pressórica exercida sobre os barorreceptores (no ventrículo esquerdo, seio carotídeo e arco aórtico) gera sinais aferentes que estimulam centros cardiorregulatórios no cérebro, resultando na ativação do sistema nervoso simpático (SNS). O SNS parece ser o primeiro a integrar a resposta vasoconstritora neuro-humoral à sobrecarga arterial e estimula a liberação de arginina vasopressina. Ativação simpática e angiotensina II causam vasoconstrição renal e periférica. A angiotensina II estimula a liberação de aldosterona pela glândula suprarrenal. A aldosterona aumenta a reabsorção de sódio e a excreção de potássio e pode também ter efeito cardíaco direto.

Fonte: Modificada de Libby e colaboradores.²

 

• Os peptídeos natriuréticos A (ANP) e B (BNP) são armazenados no átrio direito e no miocárdio ventricular, respectivamente, e são liberados em resposta ao aumento das pressões de enchimento. Eles provocam natriurese e vasodilatação em oposição à ação do sistema nervoso simpático e do RAAS. Como os níveis de BNP são pouco afetados pela pressão no átrio direito, este é um marcador mais fidedigno da doença ventricular. Ele é útil no diagnóstico diferencial de causas de dispneia e apresenta valor prognóstico na insuficiência cardíaca crônica e após síndrome coronariana aguda.

 

Insuficiência Cardíaca Diastólica

Cerca de um terço dos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva (ICC) apresentam predominantemente insuficiência cardíaca diastólica, definida por sintomas de insuficiência cardíaca congestiva e com função sistólica normal. O relaxamento miocárdico é um processo dinâmico que gasta energia e depende da complacência ventricular. A rigidez miocárdica desenvolve-se em situações de hipertrofia, aumento da espessura parietal (p. ex., processos infiltrativos), alterações na matriz extracelular (p. ex., colágeno) ou por compressão extrínseca (p. ex., tamponamento cardíaco ou pericardite constritiva).

 

Etiologia

Causas e fatores precipitantes

As causas da IC são as alterações estruturais (congênitas ou adquiridas) que afetam os vasos periféricos, coronárias, pericárdio, miocárdio ou valvas cardíacas e desencadeiam sobrecarga hemodinâmica, estresse miocárdico e insuficiência coronariana. Nos países desenvolvidos, a doença arterial coronariana é a causa isolada mais frequente de IC. História clínica de hipertensão é comum, mas raramente é causa isolada. Cardiopatia reumática com disfunção valvular e doença de Chagas continuam sendo causas importantes nos países em desenvolvimento.

Os principais fatores precipitantes estão apresentados no Quadro 5.1.

 

A classificação desenvolvida pela New York Heart Association3 divide os pacientes em quatro classes funcionais:

I    Sem dispneia para atividades corriqueiras do dia a dia;

II   Dispneia para atividades corriqueiras;

III  Dispneia na realização de pequenos esforços;

IV  Sintomas em repouso e limitação na realização de mínimos esforços.

 

Sinais e Sintomas

dispneia é um dos sintomas principais na ICC, marca congestão venocapilar pulmonar e piora progressivamente com a evolução da doença. Inicia com a realização de esforços, com limiares menores à medida que a doença avança. A ortopneia aparece quando o paciente deita e é aliviada com a elevação da cabeceira da cama. O volume

saguíneo intratorácico aumenta na posição horizontal, e o ventrículo esquerdo não é capaz de bombear esse volume extra de sangue, causando aumento de pressão venosa e capilar pulmonar. Ocorre tosse não produtiva por congestão pulmonar. Ataques súbitos de dispneia paroxística acontecem à noite, ao acordar o paciente, e podem estar associados a padrão respiratório tipo Cheyne-Stokes. O broncoespasmo, causado por edema pulmonar e congestão da mucosa brônquica, é um fator complicador.

limitação da capacidade funcional é consequência de mecanismos centrais (dispneia, congestão pulmonar, falha em aumentar o débito cardíaco no esforço) e periféricos (vasoconstrição periférica, alterações do metabolismo muscular, descondicionamento da musculatura esquelética e respiratória, anemia).

Outros sintomas são fraqueza e fadiga relacionadas à má perfusão do músculo esquelético, noctúria (diminuição da vasoconstrição renal à noite) e oligúria (ICC avaçada), sintomas de hipoxemia cerebral em idosos.

Quantos aos sintomas de IC direita, a dispneia não é proeminente, pois, em geral, não há congestão pulmonar. Dor abdominal, ascite, anorexia, náuseas e constipação ocorrem devido à congestão hepática e do trato gastrintestinal.

 

 

Diagnóstico

Exame físico

ICC grave com baixo débito. São indicadores dessa condição: pressão de pulso diminuída, taquicardia e hipotensão. Extremidades frias e cianóticas aparecem devido ao aumento do tônus adrenérgico.

 

Sinais de congestão. Crepitantes em bases pulmonares indicam edema alveolar. O derrame pleural é consequência de elevação da pressão capilar pulmonar ou sistêmica (a drenagem pleural ocorre tanto para a circulação pulmonar como para a sistêmica). Ele é localizado bilateralmente ou à direita. Há aumento da pressão venosa central (PVC acima de 10 cm de H2O ou 4 cm acima do ângulo esternal, com o paciente a 45o). Refluxo abdominojugular (PVC acima de 3 cm de H2O, com compressão do epigastro sustentada por um minuto) indica congestão abdominal e insuficiência ventricular direita. Com frequência, há hepatomegalia antes do desenvolvimento de edema periférico. A ascite é resultado da hipertensão venosa hepática e peritoneal. O edema periférico reflete hipervolemia.

O galope protodiastólico (B3) ocorre raramente em indivíduos normais após os 40 anos de idade. Ele é um preditor de morte ou hospitalização por ICC. Acentuação de B2 e sopro sistólico por insuficiência tricúspide ou mitral funcional são outros achados à ausculta e podem desaparecer com tratamento.

 

Pulsusalternans, ou seja, um pulso arterial forte que é alternado com um fraco, enquanto o paciente mantém ritmo cardíaco regular, acontece na disfunção ventricular sistólica, em geral acompanhado de B3. Esse tipo de pulso indica doença miocárdica avaçada e pode desaparecer com tratamento. Ele é mais audível em ortostatismo e continua presente durante a taquicardia.

Outros achados sistêmicos inespecíficos são os seguintes: febre baixa devido à vasoconstrição sistêmica, caquexia cardíaca (particularmente a IC direita) e respiração de Cheyne-Stokes (aumento do tempo circulatório do pulmão ao cérebro) em até 40% dos pacientes, em geral, com ICC avançada.

Os critérios de Framingham, utilizados para diagnosticar IC, estão listados no Quadro 5.2.

 

 

Para o diagnóstico da IC, é necessária a presença de dois critérios maiores e um menor ou um critério maior e dois menores.

 

Exames complementares

Nos exames complementares pode-se evidenciar hiponatremia dilucional com hipervolemia. O potássio é geralmente normal, mas pode ser baixo quando há uso intenso de diuréticos. Podemos observar hipercaliemia na ICC grave por hipoperfusão renal e uso concomitante de inibidores da enzima conversora da angiotensina [IECAs] e antagonista da aldosterona.

São comuns alterações na função renal, como proteinúria, urina concentrada, elevação de ureia e creatinina (redução da perfusão renal e da filtração glomerular, desequilíbrio entre hormônios vasodilatadores e vaso-constritores). Em pacientes com IC avançada, a síndrome cardiorrenal pode ser exacerbada pelo uso de IECAs, antagonistas dos receptores da AII e anti-inflamatóriosnão esteroides.

Congestão hepática e cirrose cardíaca estão associadas a aumentos de transaminases, desidrogenase lática (LDH), fosfatase alcalina, bilirrubina direta e indireta (com ou sem icterícia) e tempo de protrombina.

A anemia é uma alteração comum e ocorre devido a diversos mecanismos, como hemodiluição, deficiência de Fe, supressão da medula óssea, por citocinas inflamatórias ou IECA, e insuficiência renal crônica.

O peptídeo natriurético atrial (BNP) é um neuro-hormônio formado nos ventrículos devido ao estiramento dos miócitos. Esse hormônio e suas frações (NT-pro-BNP) apresentam alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico de IC, sendo ferramentas úteis na diferenciação da origem da dispneia (pulmonar ou cardiogênica).

 

Raio X de tórax. Índice cardiotorácico aumentado e alto volume cardíaco no raio X frontal indicam, com alta especificidade, mas baixa sensibilidade, elevação do volume diastólico final do ventrículo esquerdo (Fig. 5.4). Com aumento da pressão diastólica final e da pressão capilar pulmonar, é possível verificar edema intersticial e perivascular, inicialmente nas bases, onde a pressão hidrostática é maior. À medida que a pressão capilar aumenta, os vasos basais são comprimidos, ocorre equalização do fluxo e posterior redistribuição para os ápices. O edema intersticial pode ser interlobular (linhas B de Kerley), perivascular ou subpleural. Em pacientes crônicos, pressões mais altas podem ser acomodadas com menos sinais clínicos e radiológicos de congestão, devido ao aumento compensatório da drenagem linfática.

 

Figura 5.4

Tamanho do coração globalmente aumentado. Índice cardiotorácico aumentado. 

Ecocardiograma. A ecocardiografia é um exame muito utilizado na avaliação de IC. Tem papel fundamental na busca etiológica da IC por quantificar valvopatias, massa ventricular, tamanho das câmaras cardíacas e avaliar a gravidade da disfunção sistólica e/ou diastólica e perfil hemodinâmico.

 

Eletrocardiograma. Raramente é normal na IC, podendo apresentar desvio do eixo, sobrecarga das câmaras, principalmente do ventrículo e do átrio esquerdo, entre outros achados. Pode ser útil na avaliação etiológica e na definição de tratamentos a serem administrados.

Evolução e Prognóstico

A IC é uma doença progressiva, e o paciente pode estar em diferentes estágios no momento da avaliação (Tab. 5.1). A mortalidade global em cinco anos, nessa doença, é de cerca de 50%. Em um ano, nos casos avançados, pode chegar a 75%. Mais de 90% das mortes ocorrem devido a causas cardíacas (progressão da doença ou morte súbita).

Estão associados a aumento de mortalidade na insuficiência cardíaca os seguintes fatores: sexo masculino, cardiopatia isquêmica como causa, presença de B3, aumento de pressão venosa jugular, diminuição de pulso e de pressão arterial sistólica, classe funcional (NYHA3) pior e baixa capacidade funcional (VO2 máx.). Outros preditores de mortalidade incluem comorbidades (diabetes, insuficiência renal crônica), respiração de Cheyne-Stokes, apneia do sono, caquexia cardíaca e depressão. Arritmias ventriculares, bloqueio de ramo esquerdo e fibrilação atrial também são preditores de mortalidade e morte súbita.

 

 

 

Tratamento

O tratamento da IC tem dois objetivos principais: a melhora sintomática e a redução da progressão da doença e da mortalidade. Medidas não farmacológicas, como controle da ingesta hidrossalina, são adjuvantes no manejo da insuficiência cardíaca crônica.

As diversas classes de medicações utilizadas têm objetivos diferentes e atuações complementares, e o estágio da doença e a classe funcional auxiliam na escolha terapêutica (Fig. 5.5). Os IECAs são indicados para todas as classes funcionais e para pacientes com disfunção ventricular assintomática. Foram os primeiros fármacos a mostrar redução da mortalidade por desacelerar o processo de remodelamento cardíaco. Os bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) são uma alternativa aos IECAs. Os betabloqueadores são prescritos para pacientes sintomáticos. Eles reduzem a morbimortalidade, mas não devem ser usados por pacientes com grave descompensação e que não faziam uso prévio. A espironolactona deve ser utilizada em pacientes com classe funcional III e IV e que não tenham contraindicações a esse medicamento. Diuréticos e digoxina são fármacos que reduzem sintomas e hospitalizações e devem ser prescritos para pacientes sintomáticos. Pacientes em classe IV da NYHA necessitam de internação hospitalar para iniciar procedimento terapêutico intravenoso. Casos refratários ao tratamento medicamentoso são avaliados para o uso de dispositivos e para a indicação de transplante cardíaco. O implante combinado de CDI (cardiodesfibrilador implantável) e ressincronizador diminui as chances de mortalidade em pacientes com miocardiopatia dilatada de causa isquêmica ou não isquêmica com disfunção ventricular grave. 

 

 

Figura 5.5

Esquema para uso de medicamentos de acordo com a classe funcional do paciente na insuficiência cardíaca crônica.

 

Caso Clínico Comentado

No caso clínico deste capítulo, o paciente apresenta IC de provável etiologia isquêmica e/ou cardiopatia hipertensiva em fase dilatada (pós-remodelamento mal-adaptativo). Ecocardiograma e eletrocardiograma (ECG) são exames complementares que podem auxiliar nesse diagnóstico. Raio X de tórax e exames laboratoriais de função renal e dosagem de eletrólitos são úteis sobretudo na prescrição de medicamento no manejo agudo da descompensação.

No exame físico, o paciente apresenta sinais de IC crônica (cardiomegalia) gravemente descompensada, com evidência de congestão pulmonar e baixo débito (disfunção de ventrículo esquerdo), congestão sistêmica e ativação adrenérgica.

Um esquema terapêutico inicial para esse paciente consiste no uso de diurético intravenoso e vasodilatadores, objetivando balanço hídrico negativo, euvolemia e melhora do débito cardíaco. Após compensação inicial adequada, a próxima etapa é a introdução gradual de fármacos que possibilitem a melhora da sobrevida, como IECAs (caso já não tenham sido usados inicialmente), betabloqueadores e espironolactona.

 

Referências

1.DATASUS: Departamento de Informática do SUS [Internet]. Brasília: MS;c2008 [capturado em 10 set. 2012]. Disponível em: http://www2. datasus.gov.br/.

 

2.Libby P, Bonow RO, Mann DL, Zipes DP, editors. Braunwald’s heart disease: a textbook of cardiovascular medicine. 8th ed. Philadelphia: Elsevier; 2008.

 

3.Heart Failure Society of America [Internet]. NYHA classification: the stages of heart failure. Saint Paul: HFSA, 2011 [capturado em 28 set. 2012]. Disponível em: http://www.abouthf.org/questions_stages.htm.

 

Leituras Recomendadas

Bocchi EA, Vilas-Boas F, Perrone S, Caamaño AG, Clausell N, Moreira MCV, et al. I Diretriz Latino Americana para avaliação para avaliação e conduta na insuficiência cardíaca descompensada. Arq Bras Cardiol. 2005;85 Supl. 3:1-48.

Hunt SA, Baker DW, Chin MH, Cinquegrani MP, Feldman AM, Francis GS, et al. ACC/AHA guidelines for the evaluation and management of chronic heart failure in the adult: executive summary. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Committee to revise the 1995 Guidelines for the Evaluation and Management of Heart Failure). J Am Coll Cardiol.2001;38(7):2101-13.

Nohria A, Stevenson LW. Medical management of advanced heart failure. JAMA. 2002;287(5):628-40.

Sociedade Brasileira de Cardiologia. Revisão das II Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia para o diagnóstico e tratamento de insuficiência cardíaca. Arq Bras Cardiol. 2002;79 Supl.4:1-30.

. 2002;79 Supl.4:1-30.

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