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Hipertireoidismo

Autor:

Adriana Striebel

Médica internista e endocrinologista.

Última revisão: 29/01/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Uma paciente do sexo feminino, 42 anos, branca e tabagista, procura o serviço de emergência por sentir palpitações. Também apresenta astenia, emagrecimento, tremores nas mãos, sudorese excessiva e aumento do número de evacuações há cerca de cinco meses. A paciente relata que sua irmã tem hipertireoidismo. Ao realizar exame físico, constata-se exoftalmia, pele quente e úmida, bócio tireoidiano levemente lobulado e com sopro audível, frequência cardíaca de 108 bpm, pressão arterial de 150/80 mmHg, lesão de pele tipo placa de coloração violácea e aspecto semelhante ao de casca de laranja na região pré-tibial. Em vista do quadro clínico, solicitam-se dosagens séricas de hormônio tireoestimulante (TSH), tiroxina livre (T4L) e tri-iodotironina (T3).

 

Definição

O hipertireoidismo é o funcionamento excessivo da tireoide, resultando na produção excessiva de hormônio tireoidiano, seja por estímulo tireotrófico ou por função autônoma do tecido tireoidiano. O excesso circulante de hormônio tireoidiano causa a síndrome clínica denominada tireotoxicose.

 

A tireotoxicose é a síndrome clínica ocasionada devido ao excesso de hormônio tireoidiano circulante, que pode decorrer tanto do funcionamento excessivo da tireoide (hipertireoidismo) quanto da liberação de hormônios tireoidianos por destruição da glândula (tireoidites).

 

As principais etiologias de tireotoxicose são estados de hipertireoidismo, como os seguintes:

•Doença de Graves

•Bócio multinodular tóxico

•Adenoma tóxico

 

Epidemiologia

A incidência de hipertireoidismo é mais frequente em mulheres (cinco para cada homem) e em tabagistas. A prevalência geral, que é de aproximadamente 1%, aumenta para 4 a 5% em mulheres idosas. O hipertireoidismo subclínico ocorre em 0,3 a 1% da população e em 2% dos idosos.

Entre as diversas causas de hipertireoidismo, a doença de Graves representa a etiologia mais comum, correspondendo a 60 a 80% dos casos de tireotoxicose. Sua prevalência é incerta, mas estima-se que afete 0,4 a 1% da população. Essa doença é de 5 a 10 vezes mais frequente em pacientes do sexo feminino, sendo seu pico de incidência entre os 20 e os 40 anos.

A prevalência do bócio nodular tóxico é, em geral, maior em áreas com carência de iodo na alimentação, podendo corresponder a mais de 30% dos casos de hipertireoidismo, ao contrário das regiões suficientes em iodo, nas quais a doença de Graves é bem mais prevalente. Além disso, a prevalência de bócio nodular tóxico aumenta com a idade.

 

Etiologia

As duas causas mais comuns de hipertireoidismo, em ordem decrescente, são a doença de Graves e o bócio nodular tóxico. Nas duas situações, há produção autônoma de hormônios tireoidianos – tri-iodotironina(T3) e tiroxina (T4) –, ou seja, independente do estímulo do hormônio estimulador da tireoide (TSH).

As principais causas de tireotoxicose estão citadas no Quadro 22.1.

Na doença de Graves, imunoglobulinas estimuladoras da tireoide produzidas pelos linfócitos B ligam-se e ativam o receptor de TSH, promovendo secreção de hormônio tireoidiano e crescimento da glândula tireoide. Na Figura 22.1, tem-se um esquema da patogênese do hipertireoidismo na doença de Graves.

 

O fenômeno de Jod-Basedow é o hipertireoidismo induzido por iodo. Ele remete especificamente à doença de Graves induzida pelo iodo, mas é utilizado com frequência para fazer referência a qualquer tipo de hipertireoidismo induzido por essa substância. Esse fenômeno ocorre a partir de dois padrões de disfunção tireoidiana subjacentes: pacientes com bócio nodular com áreas de autonomia e indivíduos com anticorpos antirreceptor do TSH do tipo estimulatório.

 

A gonadotrofina coriônica humana, uma glicoproteína com alta homologia com o TSH, pode causar hipertireoidismo gestacional transitório. Esse tipo de hipertireoidismo pode também ocorrer na presença de coriocarcinoma, gestação molar ou tumor de células germinativas.

 

Sinais e Sintomas

A sintomatologia depende da gravidade da tireotoxicose, da duração da doença, da suscetibilidade individual ao excesso de hormônio tireoidiano e da idade do paciente.

Os principais sintomas, sinais e achados de exames complementares, que não os de função tireoidiana, estão citados no Quadro 22.2.

 

hipertireoidismo apatético: quadro mascarado de tireotoxicose que ocorre em idosos. Caracteriza-se por astenia, emagrecimento, depressão e ausência de sinais simpaticomiméticos, como taquicardia e tremores.

 

Fonte: Adaptado de Goldman e Ausiello.¹

 

Crise tireotóxica: síndrome resultante de tireotoxicose grave e sustentada, que pode ser precipitada por doença aguda, cirurgia ou tratamento com iodo radioativo. Caracteriza-se por febre, taquiarritmias atriais, insuficiência cardíaca, náusea e vômito, diarreia e convulsões. Podem haver alterações do estado mental, como agitação, delirium, psicose e coma.

 

Os achados clínicos, como os que estão a seguir, também podem fornecem uma indicação da causa da tireotoxicose:

 

Doença de Graves: oftalmopatia e dermopatia são patognomônicos. No Quadro 22.3, constam os achados específicos dessa doença.

 

Bócio nodular tóxico: um ou mais nódulos discretos podem ser palpados.

 

Tireoidite subaguda: tireoide modestamente aumentada, muito sensível e firme. Uma gravidez recente sugere a possibilidade de tireoidite indolor. (Ver Capítulo Tireoidites.)

 

Adenomas hipofisários secretores de TSH: sinais e sintomas decorrentes da presença de uma massa selar expansiva, síndromes associadas a cossecreção de outros hormônios de hipófise anterior (hormônio de cresci mento, prolactina ou hormônio adrenocorticotrófico) ou hipopituitarismo.

 

Figura 22.1

Esquema da patogênese do hipertireoidismo na doença de Graves.

 

 

 

Diagnóstico

Quando há sintomas clássicos de tireotoxicose, incluindo perda de peso mesmo com muito apetite, intolerância ao calor, palpitações, tremores e hiperdefecação, o diagnóstico clínico é mais fácil. No entanto, ele pode ser dificultado por apresentação de sintomas comuns inespecíficos.

No adenoma hipofisário secretor de TSH, também são evidenciados níveis elevados de subunidade alfa do TSH (Tab. 22.1), bem como tumor hipofisário na tomografia computadorizada ou na ressonância magnética.

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Fonte: Adaptada de Paauw.²

 

Na Figura 22.2, tem-se um fluxograma para avaliação diagnóstica de pacientes com hipertireodismo.

Confirmado o diagnóstico de tireotoxicose, é importante definir sua causa de base para determinar o tratamento mais adequado.

A presença de anticorpo antirreceptor do TSH (TRAb) é específica para doença de Graves, indicando doença ativa.

A ultrassonografia de tireoide pode confirmar a presença de um nódulo solitário ou múltiplos nódulos tireoidianos. Radiografia e tomografia de tórax podem evidenciar um bócio subesternal.

Na cintilografia de tireoide, a captação de radiotraçador pode ajudar a definir o diagnóstico (Tab. 22.2).

 

Figura 22.2

Fluxograma para avaliação diagnóstica de pacientes com hipertireoidismo.

diminuído; aumentado; normal.

Fonte: Adaptada de Goldman e Ausiello.¹

 

Tratamento

Para a escolha do tratamento, deve-se considerar a etiologia de base da tireotoxicose.

As principais modalidades terapêuticas são as seguintes:

 

Betabloqueadores: ajudam a aliviar as manifestações simpaticomiméticas (p. ex., palpitações, tremores, ansiedade) da tireotoxicose, independente da etiologia de base.

 

Drogas antitireoidianas: o mecanismo de ação das tionamidas (metimazol e propiltiouracil) está esquematizado na Figura 22.3.

O propiltiouracil e o metimazol inibem a função da tireoperoxidase, reduzindo a oxidação e a organificação do iodo. Em vista disso, ambos são utilizados para o tratamento de tireotoxicose causada por produção glandular excessiva de hormônio tireoidiano em casos em que há possibilidade de remissão do hipertireoidismo ou quando a tireotoxicose deve ser atenuada antes do tratamento com radioiodo ou cirurgia.

 

Iodo radioativo: causa destruição progressiva das células tireoidianas e pode ser usado como tratamento inicial ou em recaídas após terapia com drogas antitireoidianas.

 

Outras drogas: solução de Lugol (potássio iodado), contrastes radiológicos iodados e glicocorticoides são administrados em combinação com tionamidas para tratar pacientes com tireotoxicose grave.

 

Tratamento cirúrgico: indicado em casos de bócios muito volumosos, presença de sintomas compressivos locais, nódulos com suspeita de malignidade, preferência do paciente, contraindicação a outras terapias.

Os principais efeitos adversos dos tratamentos para tireotoxicose estão listados na Tabela 22.3.

O tratamento da oftalmopatia inclui lágrimas artificiais, óculos escuros, cabeceira da cama elevada e tam pões oculares para dormir, glicocorticoides, irradiação da órbita, cirurgia.

O tratamento da dermopatia da doença de Graves inclui curativos com glicocorticoides tópicos.

 

 

 

Figura 22.3

Mecanismo de ação das tionamidas.

 

Caso Clínico Comentado

O caso relatado neste capítulo é caracterizado por achados clássicos de hipertireoidismo e especificamente de doença de Graves. O sopro tireoidiano, a exoftalmia e a lesão pré-tibial (mixedema pré-tibial) são achados típicos dessa doença autoimune. O tabagismo e a história familiar são considerados fatores de risco para doença de Graves.

Níveis suprimidos de TSH e elevados de T4 livre e T3 confirmaram o diagnóstico de hipertireoidismo, e presença de anticorpos antirreceptor do TSH (TRAb) e captação difusamente aumentada e homogênea de radiotraçador na cintilografia de tireoide corroboraram para o diagnóstico clínico de doença de Graves.

Com relação ao tratamento da doença de Graves, de 10 a 20% dos pacientes apresentam remissão espontânea, e cerca de 50% tornam-se hipotireóideos após 20 a 30 anos sem qualquer tratamento (por destruição da tireoide pelo processo autoimune).

 

Referências

1.Goldman L, Ausiello D, editors. Cecil medicine. 23rd. ed. Philadelphia: Saunders; 2008.

2.Paauw D, editor. Basic boards 2: enhancement to MKSAP. Philadelphia: ACP; 2009.

 

Leituras Recomendadas

Bandeira F, Graf H, Griz L, Faria M, Lazaretti-Castro M, editores. Endocrinologia e diabetes. 2. ed. Rio de Janeiro: Medbook; 2009.

Gregory A. Clinical practice. Graves’ disease. N Engl J Med.2008;358(24):2594-605.

Kasper D, Fauci A, Longo DL, Braunwald E, Hauser SL, Jameson JL, editor. Harrison´s principles of internal medicine. 16th ed. New York:McGraw-Hill; 2005.

Kronenberg HM, Melmed S, Polonsky KS, Larsen PR, editors. Williams tratado de endocrinologia. 11. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010.

Pearce EN. Diagnosis and management of thyrotoxicosis. BMJ.2006;332(7554):1369-73.

Vilar L, editor. Endocrinologia clínica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006.

Warrell DA, Cox TM, Firth JD, Benz EJ Jr, editors. Oxford textbook of medicine. 4th ed. Oxford: Oxford University; 2005.

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