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Síndrome Carcinoide

Autor:

Adriana Striebel

Médica internista e endocrinologista.

Última revisão: 20/08/2014

Comentários de assinantes: 2

Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Paciente do sexo feminino, 58 anos, procura o posto de saúde por não conseguir, nos últimos seis meses, realizar suas caminhadas diárias devido a cansaço e dispneia. Além disso, relata ter apresentado vários episódios de rubor facial, com duração de cerca de 1minuto, associados a taquicardia, durante a atividade física. A paciente também relata alteração do hábito intestinal, com episódios quase diários de diarreia líquida em quantidade moderada. Ao realizar exame físico, apresenta telangiectasias na face, turgência jugular, pressão arterial de 90/60 mmHg, ausculta cardíaca com sopro holossistólico no foco tricúspide, hepatomegalia dolorosa e edema 2+/4+ nos membros inferiores.

 

Definição

Síndrome carcinoide é o termo usado para definir um grupo de sinais e sintomas sistêmicos, resultantes da liberação de mediadores neuroendócrinos elaborados por alguns tumores carcinoides.

Os tumores carcinoides são tumores neuroendócrinos originados de células enterocromafins, que estão distribuídas no corpo inteiro e sintetizam, estocam e liberam uma variedade de polipeptídeos, aminas e prostaglandinas. Alguns desses produtos são responsáveis pela Síndrome carcinoide.

 

Epidemiologia

Hoje em dia, 70% dos tumores carcinoides originam-se em um destes três sítios: brônquio, jejuno/íleo ou colo/reto. Ocorrem primeiramente no pulmão, em 15% dos casos, no intestino delgado, em 22%, no apêndice, em 35%, no reto, em 10%, e no estômago, em 3%.

A Síndrome carcinoide afeta cerca de 10% dos pacientes com esses tumores, sua incidência é de 0,5 a 2 casos por 1.000.000 de pessoas/ano, e a idade média de apresentação da síndrome é de 57 anos. Em 91% dos casos, a Síndrome carcinoide ocorre após já existir metástase à distância para o fígado. Tumores carcinoides do intestino médio correspondem a 60 a 87% dos casos de Síndrome carcinoide, tumores do intestino anterior, 2 a 33%, do intestino posterior, 1 a 8%, e localização primária desconhecida, 2 a 15%.

 

Etiologia/Patogênese

Os tumores carcinoides são frequentemente classificados de acordo com a área de origem anatômica e embriológica – intestino anterior, médio e posterior. Na Tabela 35.1, tem-se as principais características de cada grupo.

A Síndrome carcinoide manifesta-se quando mediadores produzidos pelo tumor e normalmente metabolizados pelo fígado escapam para a circulação sistêmica. Entre esses mediadores, o principal é a serotonina.

Os pacientes podem desenvolver tanto uma Síndrome carcinoide típica quanto uma forma atípica. Acredita-se que a forma atípica ocorra devido à deficiência da enzima ácido amino-aromático-decarboxilase.

Na Figura 35.1, há um esquema de síntese, secreção e metabolismo da serotonina em pacientes com Síndrome carcinoide típica e atípica.

 

 

 

Figura 35.1

Esquema de síntese, secreção e metabolismo da serotonina em pacientes com Síndrome carcinoide típica e atípica.

 

Os principais efeitos biológicos da serotonina e suas respectivas manifestações clínicas estão citados na Tabela 35.2.

Peptídeos da família das taquicininas, sabidamente vasodilatadoras, também são estocados nos tumores carcinoides. Esses peptídeos são neuropeptídeo K, neurocininas A e B e substância P. A maioria das evidências aponta para as taquicininas como mediadoras do rubor carcinoide. Outros possíveis mediadores do rubor são as prostaglandinas, a histamina, a calicreína e, como fatores precipitantes, as catecolaminas (exercício e estímulo emocional) e a alimentação.

Os antidepressivos inibidores da monoaminoxidase (MAO) têm a propriedade de bloquear irreversivelmente a enzima MAO, responsável pela desaminação de neurotransmissores, como serotonina, norepinefrina e dopamina. Em vista disso, podem provocar um quadro clínico de crise serotonérgica, especialmente quando ingeridos com alimentos contendo a substância simpaticomimética tiramina (vinhos e queijos envelhecidos, chucrute, molho e condimentos de soja, chope, carnes/aves/peixes inapropriadamente estocados, casca de banana). Essa crise caracteriza-se por manifestações clínicas semelhantes às da Síndrome carcinoide.

 

Sinais e Sintomas

Os tumores carcinoides tipicamente apresentam crescimento lento, e a maioria dos pacientes com Síndrome carcinoide sobrevive anos após o diagnóstico. A morbidade da doença resulta amplamente da função endócrina do tumor.

As principais manifestações clínicas da Síndrome carcinoide ao diagnóstico estão citadas no Quadro 35.1.

A principal manifestação da Síndrome carcinoide clássica é o rubor, que predominantemente envolve face, pescoço e tórax superior. Ele constitui-se em eritema de cor vermelha escura a violácea, tem início súbito e apresenta-se geralmente associado a taquicardia, hipotensão e aumento da temperatura da pele. As crises são paroxísticas e geralmente não provocadas, apesar de alguns fatores poderem precipitar as crises, como ingestão de álcool e alimentos, estresse ou exercício. Geralmente, elas duram de 30 segundos a 3 minutos.

Um outro achado característico da síndrome é a diarreia secretória, que pode ser profusa, ocasionalmente associada a distúrbios eletrolíticos. Além disso, ela pode estar associada a dor abdominal, náusea e vômito.

Anormalidades nas valvas cardíacas afetam cerca de 50% dos pacientes com Síndrome carcinoide. Elas ocorrem como resultado de fibrose endocárdica, com formação de depósitos de tecido fibroso, em placas, localizados nas valvas. As lesões manifestam-se primeiramente do lado direito do coração, embora possam haver alterações do lado esquerdo. As valvopatias mais comuns são a insuficiência tricúspide e a estenose pulmonar. Outros achados da Síndrome carcinoide causados por fibrose são fibrose retroperitoneal, causando obstrução uretral, doença de Peyronie no pênis, fibrose intra-abdominal e oclusão de artérias e veias mesentéricas.

Pelagra pode ocorrer devido à deficiência de ácido nicotínico e tem como manifestações pele áspera e escamosa, glossite, estomatite angular e confusão mental.

 

 

 

Crise carcinoide: episódios de rubor grave e sustentado com comprometimento hemodinâmico e broncospasmo. Pode ocorrer espontaneamente ou ser precipitada por estresse, anestesia, quimioterapia, cirurgia ou infusão de catecolaminas.

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Diagnóstico

O diagnóstico de Síndrome carcinoide tem como base achados clínicos típicos e é confirmado pela dosagem de ácido 5-hidroxindolacético (5-HIAA), um produto final do metabolismo da serotonina, em urina coletada em 24 horas. Uma excreção urinária de 5-HIAA elevada confirma o diagnóstico de Síndrome carcinoide. No entanto, é importante ressaltar que esse teste laboratorial não é útil para diagnosticar Síndrome carcinoide atípica.

A determinação da concentração da serotonina plasmática pode ser útil quando a 5-HIAA urinária apresenta resultados duvidosos.

A avaliação da extensão e a localização tanto do tumor primário quanto das metástases são realizadas por meio de ultrassonografia de abdome, tomografia computadorizada de tórax, abdome e pelve e radiografia de tórax. Outros métodos que podem ser utilizados são a cintilografia com análogo da somatostatina marcado com índio e a metaiodobenzilguanidina radiomarcada (MIBG). Pode-se utilizar angiografia para saber a possibilidade de embolização hepática.

Histologicamente, tumores carcinoides produtores de serotonina apresentam como capacidade histoquímica a redução de sais de prata (chamados argentafins). Recentemente, também têm sido utilizados marcadores imunológicos para serotonina.

 

Tratamento

O tratamento da Síndrome carcinoide tem como objetivo aliviar os sintomas mediados humoralmente e reduzir a massa tumoral.

O Quadro 35.2 apresenta as principais medidas terapêuticas para a Síndrome carcinoide.

 

As principais terapias diretamente relacionadas com o tratamento da Síndrome carcinoide são as seguintes: 

Análogos da somatostatina. O uso de análogos da somatostatina pode prevenir e melhorar o rubor e outras manifestações endócrinas, bem como reduzir a excreção urinária de 5-HIAA e de taquicininas no sangue.

 

Antagonistas periféricos do receptor da serotonina. Os antagonistas dos receptores tipo 1 e 2 (metisergida, ciproeptadina e ketanserina) têm sido utilizados no controle da diarreia, e antagonistas dos receptores tipo 3, como ondansetron, podem controlar diarreia e vômito e ocasionalmente melhorar o rubor.

 

Bloqueadores dos receptores H1 e H2 da histamina. A terapia com esses bloqueadores pode auxiliar no controle do rubor em pacientes em que a histamina é a mediadora dos sintomas, como nos casos de pacientes com tumores carcinoides gástricos.

 

 

Cirurgia. A redução efetiva na massa do tumor pode diminuir morbidade e melhorar a qualidade de vida mesmo em casos de doença metastática. Em pacientes selecionados, esse objetivo pode ser obtido por meio de cirurgia de citorredução, incluindo hemi-hepatectomiapara metástases unilobares, excisão de metástases hepáticas grandes e superficiais e remoção do tumor primário conjuntamente a metástases em linfonodos regionais.

 

Embolização percutânea do suprimento arterial hepático. Uma vez que o suprimento sanguíneo das metástases hepáticas é principalmente arterial, a embolização arterial hepática desvasculariza o tumor, enquanto a vascularização para o fígado normal é mantida pela veia porta.

 

Quimioterapia. Os tumores carcinoides raramente respondem à quimioterapia, embora evidência recente sugira que interferon-alfa possa apresentar benefício, inclusive combinado com embolização arterial hepática.

No que diz respeito ao tratamento da crise carcinoide, além dos análogos da somatostatina, que podem prevenir e tratar a crise, os pacientes geralmente necessitam de monitoração e reposição apropriada de fluidos e eletrólitos.

 

Caso Clínico Comentado

O caso apresentado neste capítulo retrata uma paciente com manifestações características de Síndrome carcinoide, como rubor e diarreia. Além disso, apresenta achados clínicos compatíveis com insuficiência tricúspide e insuficiência cardíaca direita, que ocorrem devido à fibrose endocárdica associada à síndrome.

O diagnóstico de Síndrome carcinoide é confirmado com a dosagem de 5-HIAA aumentada na urina de 24 horas. Um ecocardiograma possibilita a confirmação de achados semiológicos cardíacos. Solicita-se, então, uma tomografia computadorizada de abdome, que evidencia tumor no intestino delgado e metástases hepáticas. Realiza-se biópsia das lesões, e células argentafins são diagnosticadas por meio da avaliação histológica desse material, corroborando com o diagnóstico de tumor carcinoide.

 

Leituras Recomendadas

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Comentários

Por: Laís Daniella em 27/01/2016 às 00:26:04

"Muito Bom !"

Por: Raphael Moura Pereira de Brito em 13/08/2014 às 22:41:08

"Ótimo resumo. Detalha um diagnóstico diferencial importante."

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