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Síndrome do Paciente Eutireoideo Doente

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 16/08/2018

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O eixo tireoidiano é profundamente afetado durante doenças críticas, sendo a magnitude dessas alterações dependentes do tempo e da gravidade delas. Agudamente, ocorre queda rápida dos níveis de T3 proporcional à gravidade da doença nas primeiras 24 horas devido ao metabolismo alterado e à degradação aumentada do hormônio tireoidiano pelas citocinas inflamatórias e composta por alterações periféricas dos receptores de T3.

Declinam as concentrações de proteínas carreadoras de hormônios e inibidores da conversão hormonal; como resultado final, ocorre alteração na conversão de T4 em T3, ocasionando a síndrome da doença não tireoidiana. Ao contrário do T4, que é produzido unicamente na tireoide, cerca de 80% do T3 circulante é produzido por deiodinação periférica do T4 em T3. Vários mecanismos foram propostos para causar essa alteração:

               Altas concentrações de cortisol sérico secundárias a estresse fisiológico ou uso de glicocorticoide exógeno.

               Inibidores circulantes da deiodinase.

               Tratamento com medicações que inibem a monoiododianse.

               Presença de citocinas como o fator de necrose tumoral.

 

A alteração da concentração de T3 é a característica definidora da síndrome do paciente eutireoideo doente. Essa síndrome é descrita em diversas condições como doenças psiquiátricas, IC, IRC, vítimas de trauma, pós-operatório e pacientes críticos em geral. Na prática, o que ocorre é o achado de alterações laboratoriais sem doença intrínseca da tireoide, que tende a melhorar com a resolução da doença de base.

Anteriormente, era conhecida como síndrome do doente eutireoidiano, nomenclatura não muito adequada, já que pode haver deficiência, mesmo que relativa, de hormônio. Sua incidência é alta, sendo mais frequente que a doença intrínseca da tireoide em pacientes internados. Dados obtidos na literatura indicam alterações laboratoriais em 10 a 80% dos pacientes internados (pacientes idosos, cardiopatas, doentes críticos).

Ao aplicar-se o soro de pacientes com síndrome da doença não tireoidiana em preparações de fígado de rato, ocorre a supressão da conversão periférica de T4 em T3, implicando as citocinas inflamatórias em sua fisiopatologia. A captura diminuída de T4 e T3 provavelmente está implicada na fisiopatologia da síndrome.

O T3 reverso está aumentado nesses pacientes. O T3 reverso é produto da monoiododinação do T4. O T3 reverso é particularmente aumentado em pacientes com hipoxemia ou isquemia tecidual. Em 15 a 20% dos pacientes internados, e até mesmo em 50% dos pacientes internados em UTI, ocorre diminuição dos níveis de T4. As concentrações são primariamente diminuídas devido à redução de tireoglobulina carreadora de hormônios tireoidianos ou outras proteínas carreadoras de hormônios tireoidianos. O T4 livre também é diminuído nesses pacientes, mas o motivo pelo qual essa alteração ocorre ainda é desconhecido.

Os pacientes podem, ainda, apresentar um hipotireoidismo central transitório. Alguns estudos sugerem que essa alteração pode ocorrer; é a verificação de que um aumento nas concentrações de TSH, muitas vezes, precede a normalização dos níveis de T4. Outra alteração sugestiva da presença de hipotireoidismo é a resposta noturna de aumento da TSH parcialmente bloqueada, mas a resposta ao TRH mantida.

Medicações também podem ter efeito significativo na função tireoidiana em pacientes com doença crítica. Medicações como a dopamina, dobutamina, glicocorticoides, furosemida, anti-inflamatórios não esteroidais, heparina, anticonvulsivantes, metformina e medicações que alterem a concentração da globulina transportadora de hormônios tireoidianos podem causar diferentes alterações das concentrações de hormônios tireoidianos.

Algumas doenças podem causar alterações inespecíficas na função tireoidiana; entre essas doenças, podem ser citadas síndrome de Cushing, hepatites agudas, hepatomas, porfiria intermitente aguda, acromegalia, síndrome nefrótica. Doenças psiquiátricas como depressão, psicose, esquizofrenia cursam com elevações transitórias de T4 com ou sem baixas concentrações de TSH.

A fisiopatologia proposta para essas alterações encontra-se esquematizada na Figura 1. Acredita-se que haja uma sequência de eventos, sendo a mais grave a inibição central de TSH:

                         

 

 

        

 

 

Figura 1 - Fisiopatologia proposta para síndrome da doença não tiroidiana.

 

As alterações nos exames laboratoriais dependem da gravidade da síndrome, podendo variar desde diminuição de T3 (leve), diminuição de T4 (moderada) até diminuição de TSH (grave). O diagnóstico diferencial principal é o hipotireoidismo central. O prognóstico é dependente da doença de base, mas as concentrações diminuídas de T3 foram demonstradas como associadas com aumento da permanência no hospital ou em UTI e mortalidade em 30 dias. Em um estudo em pacientes gravemente doentes, valores de T4 <3mcg/dL foram associados a uma mortalidade >85%.

Pouco se sabe quanto à necessidade de tratamento, sendo recomendadas apenas observação e nova dosagem hormonal após a melhora do quadro de base. Os estudos não mostraram benefício com a reposição de hormônio tireoidiano nesses pacientes. A reposição de hormônios tireoidianos foi avaliada em situações específicas como em cirurgias de revascularização miocárdica, mas não existe benefício comprovado.

A n-acetilcisteína tem um benefício teórico de ter ação antioxidante que previne reduções na glutathiona, que é um cofator da D1 deiododinase. Em um estudo, a nacetilcisteína atenuou a queda dos níveis de T3 e os aumentos no T3 reverso, mas ainda é incerto se essas alterações levam a benefício clínico.

 

Referências

 

1-            Chopra IJ. Clinical review 86: Euthyroid sick syndrome: is it a misnomer? J Clin Endocrinol Metab 1997; 82:329.

2-            Utiger RD. Altered thyroid function in nonthyroidal illness and surgery. To treat or not to treat? N Engl J Med 1995; 333:1562.

3-            Stockigt JR. Guidelines for diagnosis and monitoring of thyroid disease: nonthyroidal illness. Clin Chem 1996; 42:188.

4-            Attia J, Margetts P, Guyatt G. Diagnosis of thyroid disease in hospitalized patients: a systematic review. Arch Intern Med 1999; 159:658.

5-            Rothberger GD, Gadhvi S, Michelakis N, et al. Usefulness of Serum Triiodothyronine (T3) to Predict Outcomes in Patients Hospitalized With Acute Heart Failure. Am J Cardiol 2017; 119:599.

6-            Kaptein EM, Sanchez A, Beale E, Chan LS. Clinical review: Thyroid hormone therapy for postoperative nonthyroidal illnesses: a systematic review and synthesis. J Clin Endocrinol Metab 2010; 95:4526.

Vidart J, Wajner SM, Leite RS, et al. N-acetylcysteine administration prevents nonthyroidal illness syndrome in patients with acute myocardial infarction: a randomized clinical trial. J Clin Endocrinol Metab 2014; 99:4537.

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