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Acidente Isquêmico Transitório

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 21/01/2020

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O ataque isquêmicotransitório (AIT), apesar de por definição ser associado com reversão completado déficit, tem relação com risco significativo de acidente vascular cerebral (AVC)recorrente. Aproximadamente, 300 mil pacientes são tratados anualmente nosdepartamentos de emergência dos EUA devido a AIT.

O termoAIT foi utilizado pela primeira vez em 1975, com a definição histórica desintomas neurológicos focais com uma causa vascular, com duração de menos de 24horas. Atualmente, o AIT é definido como ?um episódio transitório de disfunçãoneurológica causada por isquemia focal em cérebro ou medula espinal ou isquemiaou retiniana sem infarto agudo?.

Nasúltimas duas décadas, importantes pesquisas sobre o AIT foram publicadas. Amaioria dos estudos sobre AIT ainda utiliza a definição histórica, e muitoscombinam pacientes com AIT e AVC isquêmico menor (geralmente, definido como AVCque deixa um paciente sem déficit significativo e incapacitante), pois aabordagem clínica para diagnóstico e tratamento em ambos os grupos é similar, eo risco de AVC recorrente é também parecido.

O AIT éconsiderado uma emergência neurológica, pois a incidência de acidente vascularcerebral isquêmico (AVCI) agudo dentro de 48 horas após um AIT chega a 4,8%, erápidas intervenções podem evitar até 80% desses eventos. Existe uma grandediscussão na literatura se pacientes com AIT têm necessidade de internaçãohospitalar ou se o manejo pode ser ambulatorial; de qualquer forma, medidasprecoces devem ser instituídas nesses pacientes.

 

Diagnóstico Clínico

 

Os pacientescom AIT, em geral, apresentam o início abrupto de sintomas neurológicos focaiscom duração menor que 1 hora. Em um estudo com 1.328 pacientes com AIT, aduração média foi de 14 minutos para eventos carotídeos e 8 minutos paraeventos vertebrobasilares. Em outro estudo de 382 pacientes, 60% dos sintomasdos pacientes desapareceram em 1 hora.

Odiagnóstico de eventos transitórios no ataque isquêmico é, em geral, feito combase na história do paciente. O resultado do exame neurológico costuma ser normal,e não existem biomarcadores úteis. Se os achados neurológicos persistirem,trata-se como AVC. Outras condições, como enxaqueca, convulsões e condiçõesvestibulares periféricas, podem mimetizar o AIT.

Odiagnóstico errôneo no departamento de emergência ocorre em até 60% dos casos.Os fatores associados ao diagnóstico incorreto são de início gradual, ataquesinexplicáveis anteriores de sintomas neurológicos e sintomas ?não específicos?.Em um estudo com 429 pacientes com AIT, posteriormente avaliados porneurologista, 41% receberam diagnóstico discordante, associado à presença decefaleia, movimento involuntário e tontura.

Aconcordância entre diferentes médicos sobre o diagnóstico de AIT é precária mesmoentre neurologistas treinados em avaliação de pacientes com suspeita de AVC. Sintomasmuito frequentes são episódios de vertigem não rotatória, que chega a ocorrerem até 50% dos casos em pacientes com eventos em circulação cerebral posterior.

Em umestudo com mais de 1.800 pacientes com AIT provável ou definitivo, cerca de 10%apresentam sintomas atípicos isolados como diplopia, disartria, tontura,sintomas sensoriais em um único membro ou em uma hemiface; 18% dos pacientesapresentavam uma fonte embólica importante e 5,6%, estenose arterial de grauelevado.

Sintomasinespecíficos de hipoperfusão cerebral global como síncope, perda deconsciência, fraqueza generalizada, tontura vaga ou estado mental alteradoraramente são decorrentes de AIT. Os sintomas que se localizam na circulaçãoposterior (por exemplo, tontura), em geral, não se lateralizam para um lado docorpo.

 

Estratificação de Risco

 

O primeiropasso na estratificação de risco é a avaliação inicial, que, inclusive, ajuda atomar decisões como a necessidade ou não de internação hospitalar. A história, oexame físico e os exames básicos como glicemia e eletrocardiograma (ECG) podemidentificar pacientes de alto risco.

Aferramenta de estratificação de risco formal mais comumente usada, a escalaABCD2, foi incorporada às diretrizes da American Heart Association (AHA) parahospitalização de pacientes com AIT. A escala inclui os seguintes itens:

·              Idade >60 anos: 1 ponto.

·              Pressão arterial (PA) >140/90mmHg: 1 ponto.

·              Fraqueza unilateral: 2 pontos.

·              Alteração de fala sem fraqueza: 1 ponto.

·              Duração sintomas: <10 minutos: 0 pontos; 10?59minutos: 1 ponto; 60 minutos ou mais: 2 pontos.

·              História de diabetes melito: 1 ponto.

 

De acordocom as diretrizes da AHA de 2009, um escore de 3 pontos ou mais indicainternação hospitalar. Pacientes com escore de 0 a 2 pontos, mas com outrasevidências de isquemia focal, também são candidatos à internação, mas aqueles comescore de 0 a 2 pontos sem outras evidências de isquemia focal não necessitamde internação hospitalar e podem ser manejados ambulatorialmente.

O AmericanCollege of Emergency Physicians, por sua vez, não recomenda a utilização doescore ABCD2 para identificar pacientes com indicação de internação hospitalar,pois alguns estudos sugerem que ele apresenta falhas graves quando usado empacientes individuais.

Um estudo devalidação prospectivo em departamentos de emergência canadenses com 2.056pacientes com suspeita de AIT relatou que a acurácia do escore ABCD2 foi ruim(área sob curva 0,56 com intervalo de confiança de 95% de 0,47 a 0,65); oescore ABCD2 não identifica com precisão os pacientes com estenose de grandesvasos e fibrilação atrial, nos quais intervenções agudas específicas evitam AVCs.

Examescomplementares podem auxiliar também nessa decisão, com a tomografiacomputadorizada (TC) cerebral sem contraste, incluindo imagem ponderada emdifusão, e vários estudos vasculares, principalmente ultrassonografia carotídeae angiotomografia, podem melhorar a estratificação de risco nesses pacientes.Imagens ponderadas por difusão e imagem cerebrovascular predizem risco a curtoprazo para AVC.

Nos casosem que for decidido pela não internação, deve-se, em 24 a 48 horas, iniciar arealização de exames complementares para tentar identificar o mecanismo daisquemia e, se possível, iniciar medidas preventivas. Deve-se, ainda, orientara todos pacientes que tiverem piora dos sintomas para procurarem o departamentode emergências.

 

Exames Diagnósticos

 

Todos ospacientes que tiveram um episódio de AIT, mesmo que limitado e com duraçãomenor de 1 minuto, têm indicação de realização de exames de imagem. Aressonância nuclear magnética (RNM) é o exame ideal, em particular a RNM comimagens ponderadas por difusão que apresentam uma sensibilidade maior que a TCem detectar pequenos AVCs ou AIT.

A TC é umaalternativa aceitável devido à rapidez com que é realizada, mas o exameapresenta desempenho inferior. Outras condições que podem mimetizar um AIT comoum hematoma subdural ou massa cerebral são encontradas em, aproximadamente, 1%dos pacientes. A RNM com imagem ponderada em difusão apresenta evidências deinfarto cerebral em um terço dos pacientes com AIT, o que estabelece aetiologia isquêmica dos sintomas.

A RNM comimagem ponderada em difusão ainda consegue diferenciar lesões agudas de quadrosisquêmicos antigos. Apesar de ter alta sensibilidade, a RNM com difusão podenão detectar pequenas isquemias, principalmente em região de tronco cerebral, e,às vezes, a redução de fluxo sanguíneo é suficiente para causar sintomas, masnão para causar alterações na RNM.

A próximadecisão importante a ser tomada nesses casos é determinar se existe uma lesãoobstrutiva em território arterial extenso o bastante que mereça uma avaliaçãosobre a necessidade de intervenção. Estudos demonstram, por exemplo, que aidentificação precoce de pacientes com estenose carotídea sintomática maior que50% confere alto risco de AVC, risco que é bastante reduzido porrevascularização precoce.

Em umestudo com 312 pacientes, a doença de grandes vasos causou 10,6% dos AITs, masfoi responsável por 40% dos eventos neurológicos recorrentes dentro de 2 dias.A ultrassonografia (USG) carotídea é aceitável para detectar estenose carotídeainterna. Entretanto, a USG não detecta estenoses das artérias vertebrais eintracranianas, que também carregam um alto risco de AVC.

Asdiretrizes de 2009 da AHA recomendam a realização de exames não invasivos paraestudar a circulação cerebral, que pode ser com USG Doppler de carótidas ou comangiotomografia ou angiorressonância magnética de vasos cerebrais. A avaliaçãocardiológica também faz parte da avaliação desses pacientes, sendo realizadalogo após o início dos sintomas em ECG de 12 derivações. Em pacientes comsuspeita de evento cardioembólico, uma monitorização à procura de fibrilaçãoatrial é indicada.

Oecocardiograma (ECO) foi realizado em 59% dos pacientes em um estudo queavaliou indivíduos com AIT ou AVC menor, e achados ecocardiográficosclinicamente relevantes foram encontrados em menos de 5% dos pacientes. O ECO éindicado em pacientes em que os exames de imagem não conseguiram identificar aetiologia do quadro de AIT e o ecocardiograma transesofágico (ECO TE) é amodalidade de escolha.

Exameslaboratoriais nesses pacientes devem incluir:

·              Hemograma completo

·              Tempo de protrombina

·              Eletrólitos séricos e creatinina

·              Glicemia em colesterol total e frações

·              VHS (suspeita de arterite)

 

Tratamento

 

Avaliaçãode emergência e implementação de tratamentos reduzem significativamente o riscode AVC agudo nesses pacientes. O uso de anticoagulação para AIT cardioembólicoe revascularização para doença carotídea representam apenas uma proporção dessaredução. O tratamento antiplaquetário, a administração de estatina, a reduçãoda PA, a cessação do tabagismo e outras medidas também são importantes.Idealmente, o tratamento deve ser dirigido à etiologia específica do evento.

Existe umavasta literatura sobre o tratamento antiplaquetário no AIT e uma segurança aindicar ácido acetilsalicílico em todos pacientes com AIT. O ácidoacetilsalicílico reduz o risco de AVC em pacientes com AIT ou AVCI menor, comdiminuição particularmente significativa nas primeiras 2 semanas de tratamento.Assim, é recomendado:

·              Para pacientes com AIT presumivelmente nãocardioembólico, recomenda-se o uso de antiagregantes plaquetários em vez deanticoagulação oral com ácido acetilsalicílico (50-325mg/dia) em monoterapia oucombinação de ácido acetilsalicílico, 25mg/dipiridamol de liberação prolongada,200mg, 2x/dia.

·              Clopidogrel (75mg) em monoterapia é uma opçãorazoável em vez de ácido acetilsalicílico ou ácidoacetilsalicílico/dipiridamol.

·              Deve-se individualizar o agenteantiplaquetário de acordo com os perfis de fator de risco do paciente, custo,tolerância, eficácia e outras características clínicas.

·              A combinação de ácidoacetilsalicílico/clopidogrel pode ser considerada dentro de 24h de um AIT econtinuada por 90 dias.

 

Empacientes que apresentaram AIT na vigência do uso de ácido acetilsalicílico,não existem evidências de que o aumento da dose de ácido acetilsalicílico forneçabenefícios adicionais. Embora agentes antiplaquetários adicionais sejamfrequentemente considerados, nenhum agente isolado ou combinação foramadequadamente estudados em pacientes que receberam ácido acetilsalicílico.

A maioriados pacientes com AIT com fibrilação atrial deve receber anticoagulaçãocompleta. A escolha do agente, varfarina versusum dos novos agentes orais, deve ser feita em consulta com o médico queacompanhará o paciente a longo prazo ou padronizado em cada instituição. Outrasfontes cardioembólicas incluem cardiomiopatia, trombo ventricular esquerdo,doença valvular sem fibrilação atrial e aterosclerose do arco aórtico.

Os pacientescom estenose carotídea devem receber ácido acetilsalicílico e fazer umaconsulta neurológica urgente. Dependendo da idade, do sexo, do grau de estenosee dos sintomas dos pacientes, muitos se beneficiarão da revascularizaçãocarotídea. A endarterectomia é, em geral, indicada em pacientes que tiveram AITcom estenose de 50 a 99% com expectativa de vida maior que 5 anos. Aendarterectomia é mais efetiva em pacientes masculinos mais velhos com estenosemaior que 70% e quando realizada dentro de 2 semanas do AIT.

Pacientescom outras doenças de grandes vasos, como estenose da artéria vertebral ou intracranianaou dissecções arteriais, devem receber ácido acetilsalicílico, fazer uma consultaneurológica e ser internados. Em pacientes com doença de pequenos vasos, otratamento, normalmente, é medicamentoso, com uso de ácido acetilsalicílico,estatinas, controle de fatores de risco como PA e interrupção do hábito dotabagismo.

 

Bibliografia

 

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2-Easton JD, Saver JL, Albers GW, etal. Definition and evaluation of transient ischemic attack: a scientificstatement for healthcare professionals from the AHA/American Stroke AssociationStroke Council; Council on Cardiovascular Surgery and Anesthesia; Council onCardiovascular Radiology and Intervention; Council on Cardiovascular Nursing;and the Interdisciplinary Council on Peripheral Vascular Disease. The AmericanAcademy of Neurology affirms the value of this statement as an educational toolfor neurologists. Stroke 2009; 40:2276.

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