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Bartonelose

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 23/06/2021

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Espéciesde Bartonella causam infecções que incluem doença da arranhadura dogato, retinite, febre das trincheiras, bacteremia recorrente, endocardite,angiomatose bacilar (AB) e peliose bacilar hepática. Essas duas últimascondições ocorrem apenas em indivíduos imunocomprometidos. A AB é causada por Bartonellaquintana ou Bartonella henselae.

 

Epidemiologia e Microbiologia

 

Vinte equatro espécies e três subespécies de Bartonella foram isoladas e sãooficialmente reconhecidas, e oito foram isoladas de humanos. Em pacientes cominfecção pelo HIV, apenas infecções por B. henselae e B. quintanaforam identificadas. A B. quintana é um bacilo Gram-negativo pequeno,com crescimento fastidioso, com transmissão ocorrendo sobretudo por meio depiolhos e pulgas, ocorrendo mais frequentemente nos Estados Unidos. Os indivíduoscom maior risco de infecção são principalmente aqueles com imunossupressão, emparticular HIV, e moradores de rua e abrigos. A infecção pela B. henselae,por sua vez, tem transmissão principalmente associada a pulgas de gatos.

Paraevitarem a exposição a B. quintana, os pacientes infectados pelo HIVdevem evitar e tratar prontamente piolhos, se infectados. A pulga do gato é ovetor da B. henselae em gatos. Os gatos são o vetor mais comum (por meiode arranhaduras), sendo os principais responsáveis pela transmissão da B.henselae para humanos, provavelmente quando suas garras estão contaminadascom fezes de pulgas infectadas. O controle da infestação por pulgas e a evitaçãode arranhões são estratégias essenciais para prevenir as infecções por B.henselae em pacientes infectados pelo HIV.

A AB ocorremais frequentemente no final da infecção por HIV, em pacientes com contagens delinfócitos T CD4 < 50 células/mm3. Em pacientes infectados comHIV, a bartonelose é frequentemente uma doença crônica, com duração de meses aanos, com lesões angiomatosas e bacteremia recorrente.

 

Manifestações Clínicas

 

A AB écaracterizada por lesões que podem ocorrer em todos órgãos e sistemas, mas que aparecemprincipalmente na forma de lesões cutâneas. Elas têm proliferação vascularpapulomatosa e angiomatosa ou paponodular de poucos milímetros a poucoscentímetros de diâmetro. Podem ser isoladas, múltiplas ou disseminadas. Aslesões podem ser clinicamente indistinguíveis do sarcoma de Kaposi, do granulomapiogênico e de outras doenças da pele. A AB também pode causar nódulossubcutâneos. Embora órgãos isolados possam ser a principal manifestação dadoença, a AB geralmente se manifesta como uma infecção disseminada hematogênicaque cursa com sintomas de febre, sudorese noturna e perda de peso.

Pode aindaocorrer osteomielite pela B. quintana. A B. henselae pode causarpeliose hepática bacilar, que é uma dilatação segmentar ou focal de vasoshepáticos, geralmente preenchidos por sangue, e que pode evoluir com disfunçãohepática. Pode ser causada por diferentes agentes, como o Mycobacterium tuberculosis,mas também tem sido associada a Bartonella, especialmente em pacientescom infecção pelo HIV.

A infecçãopela Bartonella é uma das principais causas de febre de origemindeterminada em pacientes com aids em estágio avançado e deve ser consideradano diagnóstico diferencial de pacientes com febre e contagens de linfócitos CD4< 100 células/mm3. A Bartonella é uma causa relativamentecomum de endocardite com cultura negativa em humanos imunocompetentes eimunocomprometidos, sendo mais comumente causada pela B. quintana e commenos frequência pela B. henselae.

A chamada ?febredas trincheiras? inclui uma variedade de manifestações clínicas, variando desdeuma doença semelhante à influenza leve a uma doença moderadamente grave,crônica e debilitante A maioria das pessoas que desenvolvem esses sintomasprovavelmente tem bacteremia pela B. quintana.

Os sinais esintomas da doença aguda geralmente incluem mal-estar, febre, cefaleia,tontura, dores ósseas, esplenomegalia, náusea, vômito e, em alguns casos,erupção cutânea macular no tronco.

 

Diagnóstico

 

Odiagnóstico pode ser confirmado por exame histopatológico do tecido biopsiado.As lesões da AB são caracterizadas por proliferação vascular e por coloração deprata modificada (como a coloração de Warthin-Starry), que geralmente demonstranumerosos bacilos. A coloração de Gram do tecido e a coloração ácido-resistentesão negativas. Um teste sorológico bem caracterizado foi desenvolvido nosCentros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), mas a sensibilidade ou a especificidadeem pacientes infectados pelo HIV não é bem determinada.

Empacientes imunocompetentes, os anticorpos anti-Bartonella podem não serdetectados por seis semanas após a infecção aguda; em contraste, na época dainfecção por Bartonella, ela é suspeitada em pacientes com infecção porHIV, o que ocorre geralmente em estágio avançado, quando os pacientes estãoinfectados há meses ou mesmo > 1 ano. Observa-se que até 25% dos pacientescom cultura de Bartonella positiva nunca desenvolvem anticorpos nocenário de infecção avançada por HIV. Naqueles que desenvolvem anticorpos anti-Bartonella,o monitoramento dos níveis de anticorpos pode se correlacionar com a resoluçãoe a recrudescência da infecção por Bartonella.

Osorganismos podem ser difíceis de serem isolados do tecido em apenas algunslaboratórios por causa da natureza fastidiosa da Bartonella. Métodos dereação em cadeia da polimerase foram desenvolvidos para identificação e tipagemde Bartonella, mas não estão amplamente disponíveis. Em pacientes comendocardite, a Bartonella pode ser um agente causal, e títulos superioresa 1/800 são diagnósticos de endocardite por Bartonella.

 

Prevenção

 

Pacientesinfectados com HIV, especificamente aqueles que estão gravementeimunocomprometidos (contagens de CD4 < 100 células/mm3),apresentam alto risco de doença grave quando infectados pela B. quintanae pela B. henselae.

Os maioresfatores de risco para aquisição de B. henselae são o contato com gatosinfestados por pulgas e arranhaduras por gato. Indivíduos imunocomprometidos devemevitar gatos domésticos ou garantir que eles tenham boa procedência.

Ospacientes devem evitar o contato com fezes de pulgas, e qualquer feridaassociada a gatos deve ser lavada imediatamente com água e sabão. O cuidado dosgatos deve incluir um programa abrangente e contínuo de controle de pulgas soba supervisão de um veterinário.

Oprincipal fator de risco para infecção pela B. quintana é a infestaçãopor piolhos corporais. Pacientes moradores de rua ou abrigos devem serinformados de que a infestação de piolhos pode estar associada a doença grave ereceber orientação de medidas adequadas para erradicar os piolhos corporais, sepresentes. A quimioprofilaxia primária para doença associada a Bartonellanão é recomendada.

 

Tratamento

 

Os dadosde eficácia de tratamento da bartonelose são escassos. Um estudo em moradoresde rua mostrou que o tratamento com gentamicina IV por 14 dias e doxiciclinaoral por 28 dias foi eficaz. A maioria dos autores recomenda usar doxiciclina200 mg VO 1 vez ao dia por 4 semanas associada a gentamicina 3 mg/kg IV por 2semanas.

Todos ospacientes infectados pelo HIV com infecção por Bartonella devem recebertratamento com antibióticos. Nenhum ensaio clínico randomizado e controlado avaliouo tratamento antimicrobiano da bartonelose em pacientes infectados pelo HIV.Eritromicina e doxiciclina são consideradas tratamento de primeira linha parabartonelose com AB, peliose hepática, bacteremia e osteomielite com base emséries de casos. O tratamento é prolongado, devendo ser realizado por = 3 meses.A doxiciclina, com ou sem rifamicina, é o tratamento de escolha para infecçãopor bartonelose envolvendo o sistema nervoso central (SNC). Para infecçõesgraves, terapia combinada usando eritromicina ou doxiciclina com rifamicina érecomendada. A endocardite deve receber terapia inicialmente intravenosa. Otratamento da endocardite em pacientes com HIV deve incluir doxiciclina comadição de gentamicina por duas semanas. A rifamicina pode ser substituída porgentamicina no contexto de insuficiência renal.

Otratamento com claritromicina ou azitromicina foi associado a resposta clínica,e qualquer uma destas pode ser uma terapia alternativa para infecções por Bartonella(exceto para endocardite ou infecções do SNC). A azitromicina é recomendadapara pacientes que são menos propensos a cumprir a posologia com mais doses nosesquemas com doxiciclina ou eritromicina. Penicilinas e cefalosporinas deprimeira geração não têm atividade in vivo e não devem ser usadas para otratamento da bartonelose (BII). Quinolonas e sulfametoxazol-trimetoprim (TMP-SMX)têm atividade in vitro variável e resposta clínica inconsistente e nãosão recomendados.

PacientesHIV-positivos sem uso prévio de antirretrovirais com bartonelose no SNC oulesões oftálmicas provavelmente devem ser tratados com doxiciclina e rifamicinapor 2 a 4 semanas antes de se instituir a terapia antirretroviral.

Ospacientes devem realizar sorologia com anticorpos IgG anti-Bartonellaverificados no momento do diagnóstico e, se positivos, devem ser seguidos com titulaçãosequencial a cada 6 a 8 semanas até que seja documentada redução de quatrovezes nos títulos.

Pacientestratados com doxiciclina oral devem ser alertados sobre a possibilidade deesofagite ulcerativa, que ocorre mais frequentemente quando uma dose éadministrada apenas com uma pequena quantidade de líquido ou à noite, um poucoantes de deitar. A fotossensibilidade também pode ocorrer durante o tratamentocom doxiciclina. Efeitos adversos associados aos macrolídeos incluem náuseas,vômitos, dor abdominal e elevações dos níveis de transaminases hepáticas. Efeitoscolaterais podem ocorrer durante o tratamento com rifamicina, incluindo reaçõesde hipersensibilidade (trombocitopenia, nefrite intersticial e anemiahemolítica) e hepatite. A rifampicina induz fortemente o sistema enzimático docitocromo P450, que é uma consideração importante quando outros medicamentos,incluindo muitos medicamentos ARV, são utilizados simultaneamente.

A síndromeinflamatória de reconstituição imune (IRIS) não foi descrita em associação com bartonelosee tratamento com terapia antirretroviral em pacientes infectados pelo HIV. Entreos pacientes que não respondem ao tratamento inicial, um ou mais dos regimesalternativos de segunda linha deve ser considerado, com duração de tratamento =3 meses. O tratamento deve continuar até que seja documentada redução de quatrovezes nos títulos de anticorpos.

Se ocorrerrecidiva após um curso mínimo de três meses de tratamento primário, recomenda-sesupressão de infecção a longo prazo com doxiciclina ou um macrolídeo, desde quea contagem de CD4 permaneça < 200 células/mm3. A supressão delongo prazo pode ser descontinuada após o paciente ter recebido pelo menos 3 a4 meses de terapia e quando a contagem de linfócitos CD4 ficar > 200 células/mm3por = 6 meses.

A infecçãopela Bartonella bacilliformis em pacientes imunocompetentes durante a gestaçãofoi associada com aumento de complicações e risco de morte. Não há dadosdisponíveis sobre o efeito das infecções pela B. henselae ou B. quintanaem gestantes com infecção concomitante pelo HIV.

Aabordagem para o diagnóstico de infecções por Bartonella em gestantes éa mesma que em não gestantes. O tratamento com eritromicina deve ser usado emvez de com tetraciclinas durante a gestação devido ao aumento do risco dehepatotoxicidade e ao acúmulo de tetraciclina nos dentes e nos ossos fetais.Cefalosporinas de terceira geração, como ceftazidima ou ceftriaxona, podem tereficácia contra Bartonella em gestantes infectadas pelo HIV, mas devemser consideradas terapia de segunda linha após um macrolídeo. Cefalosporinas deprimeira e segunda gerações não são recomendadas devido à sua falta de eficáciacontra Bartonella. Assim, sumariamente:

 

Paraangiomatose bacilar, peliose, hepatite, bacteremia e osteomielite:

 

- doxiciclina100 mg VO ou IV 12/12h ou

- eritromicina500 mg VO ou IV 6/6h

 

Parainfecções envolvendo o SNC:

- doxiciclina100 mg VO ou IV 12/12h /- rifampicina 300 mg VO ou IV 12/12h

 

Paraendocardite confirmada de Bartonella:

 

- doxiciclina100 mg IV 12/12h gentamicina 1 mg/kg IV 8/8h x 2 semanas, então continuar comdoxiciclina 100 mg IV ou VO 12/12h ou

- para pacientescom insuficiência renal: doxiciclina 100 mg IV 12/12h rifampicina 300 mg IVou PO q12h x 2 semanas, depois continuar com doxiciclina 100 mg IV ou VO 12/12h

 

Paraoutras infecções graves:

 

- doxiciclina100 mg VO ou IV 12/12h rifampicina 300 mg VO ou IV 12/12h ou

- eritromicina500 mg VO ou IV 6/6h rifampicina 300 mg VO ou IV 12/12h

 

 Terapia alternativa para infecções por Bartonella(não para endocardite ou infecções do SNC):

 

- azitromicina500 mg VO diariamente ou

- claritromicina500 mg VO 12/12h

 

Duração daterapia:

- pelo menos3 meses

 

Indicaçãopara terapia supressiva de longo prazo:

 

se ocorrerrecidiva após um curso de = 3 meses de tratamento primário:

- um macrolídeoou doxiciclina, desde que a contagem de CD4 permaneça < 200 células/mm3

 

Indicaçõespara descontinuar a terapia supressiva de longo prazo:

 

- recebeu pelomenos 3 a 4 meses de tratamento;

- contagemde CD4 > 200 células/mm3 por pelo menos 6 meses;

- alguns autoressó recomendam interromper a terapia se os títulos de Bartonella tambémdiminuírem quatro vezes.

 

Bibliografia

 

1-Guidelines for the Prevention andTreatment of Opportunistic Infections in Adults and Adolescents with HIV. Recommendationsfrom the Centers for Disease Control and Prevention,the National Institutes ofHealth, and the HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society ofAmerica. 2021.

2- Foucault C, Brouqui P, Raoult D.Bartonella quintana characteristics and clinical management. Emerg Infect Dis2006; 12:217.

3- Angelakis E, Raoult D. Pathogenicityand treatment of Bartonella infections. Int J Antimicrob Agents 2014; 44:16.

 

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