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Carcinoma do Trato Biliar

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 06/09/2021

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Os carcinomas do trato biliar são responsáveis por cercade 2% das cirurgias por doença do trato biliar. São divididos em carcinoma davesícula biliar, nos ductos extra-hepáticos e na ampola de Vater. A incidênciado carcinoma das vias biliares tem diminuído nos Estados Unidos, mas pode estaraumentando novamente em alguns países ocidentais devido a mudanças no estilo devida.

O colangiocarcinoma, histologicamente, é, em 90% doscasos, adenocarcinoma, com carcinoma de células epidermoides representando amaioria dos casos remanescentes. Os colangiocarcinomas podem ser classificadosnos tipos esclerosantes, nodulares e papilares. O tipo papilar é o mais raro,mas o tipo nodular costuma ser mais invasivo, com taxa de cura baixa devido aogrande número de pacientes com doença avançada no diagnóstico. A forma esclerosantecursa com fibrose extensa, o que dificulta o diagnóstico histológico.

 

Epidemiologia

 

O colangiocarcinoma se origina das células epiteliais dosductos intra e extra-hepáticos e representa aproximadamente 3% das neoplasiasmalignas do trato gastrintestinal. Apesar de relativamente raro, é muito letal,sendo responsável por 10 a 25% de todas as doenças malignas hepatobiliares e por3% de todas as mortes por câncer nos Estados Unidos. É mais prevalente em pacientescom idades entre 50 e 70 anos, com ligeira predominância no sexo masculino, emais comum na Ásia. Já o câncer primário de vesícula biliar predomina no sexofeminino. Cerca de 50% dos tumores surgem na confluência dos ductos hepáticos(peri-hilar, ou os chamados tumores de Klatskin), e 40% surgem na regiãoextra-hepática distal do ducto biliar. O restante dos colangiocarcinomasapresenta acometimento intra-hepático (cuja incidência aumentou drasticamente dadécada de 1970 ao início de 2000) e geralmente é referido como câncer hepáticoprimário. A frequência de carcinoma em pessoas com cisto de colédoco foi relatadacomo superior a 14% em 20 anos, e a excisão cirúrgica é recomendada.

A colelitíase (frequentemente com cálculos grandes esintomáticos) geralmente está presente. Outros fatores de risco são infecçãocrônica da vesícula biliar por Salmonella typhi, pólipos da vesículabiliar com mais de 1 cm de diâmetro (particularmente com focos hipoecoicos naultrassonografia), calcificação da mucosa da vesícula biliar (vesícula biliarde porcelana), anormalidades pancreático-biliares da junção ductal e exposiçãoà aflatoxina.

A maioria dos casos de colangiocarcinoma é esporádica. Hátambém aumento na incidência de colangiocarcinoma em pacientes com adenoma doducto biliar, papilomatose biliar, doença de Caroli, uma anastomosebiliar-entérica, retocolite ulcerativa, especialmente aquelas com colangiteesclerosante primária (principalmente se retocolite ulcerativa associada),cirrose biliar primária, diabetes melito, hipertireoidismo e pancreatitecrônica. Consumo importante de álcool, tabagismo e exposição passada a agentede contraste também são fatores de risco. Algumas doenças genéticas, como asíndrome de Lynch e a síndrome de BAP1, são associadas a risco aumentado decolangiocarcinoma. Também existe associação com mutações K-ras e TP53.Obesidade e diabetes melito são fatores de risco para o colangiocarcinomaintra-hepático. O uso de aspirina está associado a risco reduzido de todos ostipos de colangiocarcinoma, e, em pacientes com diabetes, o uso da metforminaestá associado a risco reduzido de colangiocarcinoma intra-hepático. No sudesteda Ásia, litíase crônica, febre tifoide e infecção dos dutos biliares por helmintos(Clonorchis sinensis, Opisthorchis viverrini) são associadas a riscoaumentado de colangiocarcinoma.

Infecção pelo vírus da hepatite C (e possivelmente pelovírus da hepatite B), cirrose, infecção por HIV, esteatose hepática nãoalcoólica, diabetes melito, obesidade e tabagismo são fatores de risco para colangiocarcinomaintra-hepático. Estudos também mostram associação de risco com infecção pelo H.pylori e colangiocarcinoma.

 

Achados Clínicos

 

A evolução do carcinoma de trato biliar é insidiosa, e odiagnóstico muitas vezes é feito inesperadamente na cirurgia, com os sintomassó aparecendo quando o tumor obstrui a drenagem do trato biliar. Ocolangiocarcinoma pode se propagar por extensão direta ao fígado ou noperitônio e pode ser visto logo na apresentação inicial.

Icterícia progressiva é a mais comum, sendo geralmente o primeirosinal de obstrução do sistema biliar extra-hepático, ocorrendo posteriormentecolúria e acolia fecal. A icterícia ocorre em 90% dos pacientes comacometimento extra-hepático. Outros sintomas comuns são dor abdominal, queocorre em 30 a 50% dos casos, que costuma se localizar no abdome superiordireito, com irradiação paras as costas. No carcinoma de vesícula biliar, a dorabdominal costuma ocorrer no início do curso da doença, em contraste do queocorre no colangiocarcinoma. Perda de peso ocorre em aproximadamente 30% dospacientes. Anorexia também é comum e pode ser associada com febre, que, por suavez, é descrita em 20% dos pacientes. O colangiocarcinoma envolvendo apenas osductos intra-hepáticos (20% dos casos) apresenta menos frequentementeicterícia, mas os pacientes apresentam com maior frequência dor abdominal. Ospacientes podem apresentar calafrios devido à colangite, mas felizmente esta é umaforma rara de apresentação. Raramente, hematêmese ou melena resulta da erosãodo tumor em um vaso sanguíneo (hemobilia). Formação de fístula entre o sistemabiliar e órgãos adjacentes também pode ocorrer. O curso geralmente é de rápidadeterioração, com morte ocorrendo dentro de alguns meses. O exame físico revelaicterícia profunda. Prurido e escoriações cutâneas são comuns. Vesícula biliarpalpável com icterícia obstrutiva geralmente significa doença maligna (sinal deCourvoisier). No entanto, essa generalização clínica provou ser precisa em apenascerca de 50% do tempo. Hepatomegalia devida à hipertrofia do corpo obstruindo olobo hepático ocorre em 25 a 40% dos pacientes e está associada à hipersensibilidadehepática. A ascite pode ocorrer com implantes peritoneais.

Os pacientes podem ainda apresentar manifestaçõescutâneas paraneoplásicas, como a síndrome de Sweet, que é uma máculaeritematosa com pústulas centrais, porfiria cutânea tarda e acantose nigricante.

 

Exames Complementares

 

Com a obstrução biliar, o exame laboratorial revela hiperbilirrubinemiapredominantemente direta, com valores totais de bilirrubina sérica variando de5 a 30 mg/dL. Há quase invariavelmente elevação concomitante da fosfatasealcalina, em geral mais de 2 a 10 vezes o limite superior da normalidade, eoutros marcadores de colestase estão elevados, como a gamaglutamiltransferase ea 5-alfa-nucleotidase. Devido à colestase, os pacientes geralmente apresentam aumentodo colesterol sérico. As aminotransferases, como a AST, são normais ouminimamente elevadas. O nível sérico de CA 19-9 é elevado em até 85% dospacientes e pode ajudar a distinguir o colangiocarcinoma de estenose biliarbenigna (na ausência de colangite), mas não é sensível nem específico. Ocolangiocarcinoma pode apresentar hipercalcemia associada a malignidade comhipofosfatemia e baixos níveis de paratormônio e vitamina D.

A ultrassonografia pode demonstrar obstrução biliar,podendo confirmar dilatação de ductos biliares (ductos biliares com mais de 6mm), descartando a presença de calculose. A tomografia computadorizada (TC) comcontraste em fase tripla, helicoidal, pode mostrar uma massa na vesícula biliarno carcinoma da vesícula biliar e massa intra-hepática ou dilatação biliar no carcinomadas vias biliares. A TC também pode mostrar envolvimento de linfonodosregionais e atrofia de um lobo hepático com hipertrofia compensatória do lobonão afetado.

A ressonância magnética (RM) com colangiopancreatografia erealce por gadolínio permite a visualização de todo o trato biliar e detecção deinvasão vascular e elimina a necessidade de angiografia e, em alguns casos,colangiografia direta, sendo o procedimento de imagem de escolha para lesõeshilares malignas. As características do colangiocarcinoma intra-hepático na RMparecem diferir daquelas de carcinoma hepatocelular. Em casos indeterminados, atomografia por emissão de pósitrons (PET-CT) pode detectar colangiocarcinomastão pequenos quanto 1 cm, acometimento de linfonodos e metástases a distância,mas ocorrem resultados falso-positivos.

Os estudos de diagnóstico mais úteis antes da cirurgiasão a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada ou a colangiopancreatografiatrans-hepática percutânea com biópsia e espécimes citológicos, emboraresultados de biópsia e citologia falso-negativos sejam comuns. Acolangiopancreatografia pode ainda permitir obtenção de tecido para análise citológicae histopatológica. Em pacientes com imagens altamente sugestivas, pode-seprosseguir com o estadiamento da doença. Em outros pacientes, deve-se tentarobter o diagnóstico histológico.

A ultrassonografia endoscópica com aspiração por agulhafina de tumores, a colangioscopia oral e a ultrassonografia intraductal podemconfirmar um diagnóstico de colangiocarcinoma em um paciente com estenose doducto biliar. Outra forma indeterminada de avaliação, a aspiração por agulhafina, pode resultar na semeadura do tumor e muitas vezes deve ser evitada se otumor for potencialmente ressecável.

Quando uma lesão intra-hepática é suspeitada e o exame deimagem inicial não for diagnóstico, a outra modalidade de imagem, como a RM, deveser obtida. A ressecção ou biópsia da lesão pode ser necessária se odiagnóstico permanecer incerto.

 

Estadiamento

 

A versão mais recente do Manual de Estadiamento do CâncerCombinado do American Joint Committee on Cancer (AJCC)/Union for InternationalCancer Control (UICC) fornece sistemas de estadiamento separados para câncerdos ductos biliares peri-hilar, distal e intra-hepático, que diferem em suasdefinições de estágio do tumor (T) e em seus agrupamentos de estágio deprognóstico.

A classificação TNM para o carcinoma distal das viasbiliares inclui os seguintes estágios:

- Tis: carcinoma local;

- T1a: o tumor invade a lâmina própria;

- T1b: o tumor invade a camada muscular;

- T2: o tumor invade o tecido perimuscular conjuntivo semextensão além da camada serosa (peritônio visceral) (T2a) ou invasão hepática(T2b);

- T3: o tumor perfura a serosa ou invade diretamente ofígado ou órgãos ou estrutura adjacente, atingindo veia hepática ou portal;

- T4: o tumor invade a veia porta principal ou artériahepática ou invade dois ou mais órgãos ou estruturas extra-hepáticos;

- N1: metástase para 1 a 3 linfonodos regionais;

- N2: metástase para 4 ou mais linfonodos regionais; e

- M1: metástase a distância.

 

 

O colangiocarcinoma peri-hilar apresenta o seguinteestadiamento:

- Tis: carcinoma in situ/displasia de alto grau;

- T1: o tumor é confinado ao ducto biliar, com extensãopara cadeia muscular ou tecido fibroso.

- T2: o tumor invade além da parede do ducto biliar parao tecido adiposo circundante (2a) ou para o tecido hepático adjacente (2b);

- T3: o tumor invade ramos unilaterais da veia porta ouartéria hepática;

- T4: o tumor invade a veia porta principal ou seus ramosbilateralmente, artéria hepática comum, veia portal contralateral e veia ouartéria hepática;

- N1: metástase para 1 a 3 linfonodos regionais;

- N2: metástase para 4 ou mais linfonodos regionais;

- M1: metástase a distância.

 

Para o colangiocarcinoma intra-hepático, o estadiamento éo seguinte:

- T1a: tumor solitário menor ou igual a 5 cm sem invasãovascular;

- T1b: tumor solitário com mais de 5 cm sem invasão vascular;

- T2: tumor solitário com invasão vascular intra-hepáticaou tumores múltiplos de 5 cm ou menores com ou sem invasão vascular;

- T3: tumor que perfura o peritônio visceral;

- T4: tumor invade órgão adjacente (exceto vesículabiliar);

- N1: metástase de linfonodo regional; e

- M1: metástase a distância.

 

Outros sistemas de estadiamento consideram a idade dopaciente, escalas de performance, como Karnofsky Performance Score (KPS)e Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), extensão e forma do tumor, invasãoperineural, revestimento vascular, atrofia do lobo hepático, doença hepáticasubjacente e metástase peritoneal.

 

Tratamento

 

Em pacientes jovens e com boas condições físicas,cirurgia curativa para o carcinoma de vesícula biliar pode ser tentada se otumor estiver bem localizado. A taxa de sobrevida de cinco anos para carcinomada vesícula biliar invadindo a lâmina própria ou camada muscular (estágio 1,T1a ou 1b, N0, M0) é tão alta quanto 85% com colecistectomia laparoscópica, mascai para 60%, mesmo com uma abertura mais extensa de ressecção, se houverinvasão perimuscular (T2). O papel da cirurgia radical para tumores T3 e T4 édiscutível. Se o tumor é irressecável, pode ser realizado bypassbiliar-entérico (por exemplo, hepaticojejunostomia em Y de Roux).

O colangiocarcinoma dos ductos biliares é curável porcirurgia em menos de 10% dos casos. Se as margens de ressecção forem negativas,no prazo de cinco anos as taxas de sobrevida podem ser tão altas quanto 47%para colangiocarcinomas intra-hepáticos, 41% para colangiocarcinoma hilar e 37%para colangiocarcinomas distais, mas a mortalidade perioperatória pode ser tãoalta quanto 10%. Fatores indicadores de sobrevida mais curta para ocolangiocarcinoma intra-hepático incluem grande tamanho do tumor, metástases delinfonodos e invasão vascular. Quimioterapia adjuvante com capecitabina demonstroumelhora da sobrevida global superior em comparação com a terapia adjuvante.

Tratamento paliativo pode ser realizado pela colocação deum stent de metal autoexpansível por meio de uma via trans-hepáticaendoscópica ou percutânea. Para tumores peri-hilares, a inserção de um stentunilateral em vez de stents bilaterais pode ser suficiente. Os stentsde plástico são menos caros inicialmente, mas não a longo prazo, porque elessão mais propensos a obstruir em comparação aos de metal; eles podem serconsiderados em pacientes com expectativa de sobrevida de apenas alguns meses.

A colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPRE) comablação por radiofrequência dirigida é outra opção terapêutica. A radioterapiapode aliviar a dor e contribuir para descompressão biliar. A resposta àquimioterapia é pequena com gencitabina isoladamente, mas a combinação de cisplatinae gencitabina ou capecitabina e gencitabina prolonga a sobrevida em pacientescom doença localmente avançada ou colangiocarcinoma metastático. Poucospacientes sobrevivem por mais de 24 meses. Embora o colangiocarcinoma sejageralmente considerado contraindicação ao transplante hepático por causa darápida recorrência do tumor, foi relatada sobrevida de cinco anos de 75% empacientes com estágio I e II peri-hilar e colangiocarcinoma em quimiorradiaçãoe laparotomia exploradora seguida de transplante hepático.

Para pacientes cuja doença progride apesar de tratamento,deve-se considerar consulta com especialistas em cuidados paliativos. Pacientescom obstrução biliar e colangite podem necessitar de internação de emergência.

 

Bibliografia

 

1-McQuaid MR. Liver,Bialiary Tract and Pancreas Disorder. Current Diagnosis and Treatment 2021.

2-Baiu I et al. JAMApatient page. Gallbladder cancer. JAMA. 2018

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3- Valle JW, Borbath I, Khan SA, et al.Biliary cancer: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment andfollow-up. Ann Oncol 2016; 27:v28.

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