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neurotoxoplasmose

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 28/03/2016

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A toxoplasmose é uma doença causada por um parasita com distribuição mundial, o seu agente é o Toxoplasma gondii, que é um protozoário intracelular obrigatório em pacientes imunocompetentes e que pode causar síndrome mono-like, ou causar infecção assintomática, e infecção latente pode persistir por toda a vida. Pode ainda causar a chamada síndrome da neurotoxoplasmose congênita, quando ocorre transmissão vertical.

Em imunodeprimidos, particularmente no paciente com SIDA, pode cursar com reativação da doença, o que ocorre usualmente quando a contagem de linfócitos CD4 se torna menor que 100 cels/mm3, nesse caso a chance de adquirir a doença se torna de 30% se o paciente tem sorologia positiva e não faz uso de profilaxia, com reativação afetando principalmente o sistema nervoso central. Todos pacientes HIV positivos devem realizar rastreamento com sorologia para toxoplasmose, e para os casos indicados a profilaxia deve ser iniciada.

A soroprevalência da toxoplasmose é variável, mas se aproxima a 11% nos Estados Unidos e é semelhante em pacientes HIV positivos e negativos, por outro lado, em alguns locais da Europa e da America latina a soroprevalência ultrapassa 80%, essa soroprevalência aumenta com a idade sendo bem mais frequente em pessoas com mais de 50 anos.

Em imunodeprimidos e em pacientes com SIDA, a toxoplasmose pode ocorrer em outros sítios, que não o sistema nervoso central, mas essa é uma ocorrência incomum, representando cerca de 10% dos casos, sendo esses acometimentos principalmente em pulmão, ocular ou de forma disseminada, de qualquer forma a relevância clínica desses acometimentos é significativamente menor do que o acometimento do sistema nervoso central. Nos pulmões podem ocorrer pneumonites e a toxoplasmose ocular pode cursar com coriorretinite.

A forma de acometimento, como neurotoxoplasmose, cursa com um quadro de encefalite por toxoplasma. O parasita causa lesões granulomatosas no parênquima cerebral, que determinam as manifestações neurológicas focais, sinais e sintomas de hipertensão intracraniana, sinais de irritação meníngea, convulsões, alterações do nível de consciência e coma, essas manifestações fazem parte da síndrome usualmente associada com a neurotoxoplasmose.

A neurotoxoplasmose é a principal causa de lesão com efeito de massa no SNC em pacientes com SIDA, representando cerca de 50-70% desses casos. Acontece em 3 a 10% dos pacientes com SIDA nos Estados Unidos e em 25-50% na Europa e na África. Nos últimos anos, a frequência de neurotoxoplasmose tem diminuído pelo uso dos esquemas HAART e a profilaxia contra Pneumocistis jiroveci com trimetoprim-sulfametoxazol.

O quadro clínico costuma ser subagudo, com duração de duas a três semanas. Os sinais e sintomas mais frequentes são: alterações sensoriais que ocorre em 50-90% dos casos, hemiparesia e outros sinais focais ocorrem em cerca de 60% dos pacientes, cefaleia ocorre entre 50-55% dos casos e confusão mental em pouco mais de 50% dos casos, já convulsões são descritas (30%), acidentes cerebrovasculares (30%) e sinais de irritação meníngea (menos de 10%). Febre é uma queixa comum em uma série ocorrendo em 47% dos pacientes; confusão e coma podem estar presentes.

A manifestação no serviço de emergência mais comum é de déficit motor focal, geralmente hemiparesia ou hemihipoestesia associado à confusão mental, que se instala no decorrer de dias, ou ainda de forma súbita, com cefaleia, febre e ataxia.

Ao exame neurológico, o paciente se encontra muitas vezes sonolento, com déficit motor focal, como hemiparesia, com sinais de liberação piramidal, ataxia e lentificação psicomotora com manifestações principalmente em relação ao nível de consciência que podem ser flutuantes.

 

Exames complementares

Os exames de imagem são fundamentais para o diagnóstico. A tomografia de crânio e a ressonância magnética mostram lesões nodulares que podem ser únicas ou múltiplas, ovaladas, predominantemente profundas, localizadas na maioria das vezes na região dos gânglios da base, ou na região cortiço-subcortical na substância branca profunda ou na transição entre substância branca e cinzenta. Muitas vezes as lesões são cercadas por um halo de edema acentuado, que podem ser evidenciados no contraste com captação formando imagens com reforço anelar (1-2 cm de tamanho) muitas vezes com sinais de sangramento intralesional, associadas a edema perilesional  significativo reforçando o efeito de massa da lesão. Esse aspecto, apesar de muito sugestivo de neurotoxoplamose, não é uma alteração exclusiva da neurotoxoplasmose, podendo ocorrer também nos linfomas e outras doenças granulomatosas cerebrais. Um estudo mostrou que 70% dos pacientes apresentam lesões múltiplas em tomografia e 30% dos pacientes apresentam lesão única.

Pacientes com lesão única à tomografia devem ser submetidos necessariamente à ressonância magnética.

A ressonância magnética é mais sensível do que a tomografia, mas só deve ser feita se o exame tomográfico for inconclusivo, um estudo demonstrou que o exame pode achar até 40% de lesões não encontradas no estudo tomográfico que influenciaria o manejo do paciente.

Em paciente com achado de lesão única na ressonância magnética, a biópsia cerebral estereotáxica provavelmente será necessária. Devemos lembrar que o diagnóstico diferencial de lesões ocupadoras de espaço em pacientes com sorologia positiva para HIV é extenso e deve incluir:

 

-Linfoma primário do SNC: cerca de 20-30% dos casos, inclusive eventualmente com lesões múltipla;

-Leucoencefalopatia multifocal progressiva: 10 a 20% dos casos, ainda assim apresentação atípica da doença;

Outros diagnósticos: sarcoma de Kaposi, tuberculose, infecções por fungos como a criptococose, abcessos bacterianos, micobacteriose e herpes vírus.

 

Diagnóstico e Diagnóstico diferencial

Os principais diagnósticos diferenciais de acometimento do sistema nervoso central em pacientes com SIDA são sumarizados na tabela abaixo:

 

Tabela: principais causas de acometimento de SNC em SIDA

 

 

A realização de tomografia de emissão de póstitrons (PET) ou tomografia com emissão de tálio (SPECT) podem ajudar no diagnóstico diferencial, uma vez que o linfoma apresenta maior captação de tálio no SPEC e maior metabolismo de glicose no PET com flúor-deoxiglicose.

O líquor não é coletado de rotina nesses pacientes, sendo normal em 20-30%, podendo apresentar uma proteína menor de 150mg/dl e não é mandatória a sua coleta quando formulada essa hipótese diagnóstica pelos achados descritos anteriormente. Pleocitose linfocítica e monocítica (geralmente com menos 200 células/mm3 e percentual baixo de neutrófilos), hiperproteinorraquia (com elevação dos teores de gamaglobulinas) discreta pode ocorrer, eventualmente taquizoítas podem ser observados no líquor, o que é virtualmente diagnóstico. O PCR para toxoplasma gondii no líquor é um exame extremamente específico para o diagnóstico, ultrapassando 95% de especificidade, mas com sensibilidade de apenas 50-80%, assim um exame positivo pode confirmar o diagnóstico, mas um exame negativo não consegue excluir o diagnóstico.

Outro dado importante é a presença de sorologia positiva para toxoplasmose para IgG, a sorologia negativa torna o diagnóstico improvável. Dados de estudos diagnósticos mostram que a sorologia para toxoplasma gondii é positiva em 84% dos pacientes, e negativa em 5-15% dos casos.

O diagnóstico definitivo é feito por biópsia cerebral, entretanto, na maioria das vezes, não é necessária. O diagnóstico presuntivo de neurotoxoplasmose pode ser realizado se paciente com SIDA e menos de 100 linfócitos CD4/mm3 desde que os três critérios abaixo estejam presentes.

 

Se o paciente tem contagem de linfócitos CD4 <100 cels/mm3 e:

- sorologia positiva para toxoplasma gondii (Acs IgG);

-Sem realizar profilaxia para neurotoxoplasmose;

-Presença de imagem típica com realce anelar do contraste.

 

Quando estes três critérios estão presentes, a chance de o diagnóstico ser neurotoxoplasmose é de 90% e, assim, sugere-se que seja iniciado tratamento empírico para neurotoxoplasmose, a resposta positiva ao tratamento confirma o diagnóstico, em outros casos a biópsia pode ser necessária.

 

 

Figura – neurotoxoplasmose – Múltiplas imagens com captação de contraste em T1.

 

Tratamento

O tratamento deve ser iniciado empiricamente em todos os casos, exceto em pacientes com lesões grandes que precisam descompressão externa e biópsia, pacientes com lesões sugestivas de linfoma na tomografia (T1 SPENT ou com emissão de pósitrons FDG-PET), e em pacientes com lesão única e sorologia negativa para toxoplasma gondii.

 

A primeira opção de tratamento é a seguinte:

Sulfadiazina (100mg/kg de peso/dia: 4 a 6g) dividido em quatro doses, associado à pirimetamina (dose de ataque de 100 a 200mg no primeiro dia; manutenção de 50 a 75mg/dia) e ácido folínico (10 a 15mg/dia). A duração do tratamento é de 3 a 6 semanas, posteriormente profilaxia é indicada em doses menores das mesmas indicações.

Em pacientes alérgicos a sulfas (ou intolerantes) é possível substituí-la por clindamicina (2,4 a 4,8g/dia dividido em quatro doses), mantendo a pirimetamina e o ácido folínico.

 

Regimes alternativos:

Trimetroprim-sulfametoxazol (5 mg/kg trimetroprim e 25 mg/kg sulfametoxazol given duas vezes ao dia;

Pirimetamina com azitromicina (900 a 1200 uma vez ao dia);

Primetamina eatovaquona (1500 mg duas vezes ao dia);

Sulfadiazina (1000 a 1500 mg 4 vezes ao dia) e atovaquona (1500 mg 2 vezes ao dia);

Atovaquone (1500 mg duas vezes ao dia).

 

Lembrando que todos os regimes com pirimetamina necessitam de uso de ácido folínico.

Os estudos com TMP-SMX mostram eficácia similar ao dos regimes de primeira linha, ainda assim não pode ser considerado regime de primeira linha, pois as evidências de sucesso são menores que o do regime com sulfadiazina.

Em relação ao uso de glicocorticoesteroides, seu uso atualmente é considerado controverso, podendo mascarar sintomas de outras doenças com efeito de massa, como linfoma, mas deve ser considerado se houver edema significativo e lesões com efeito de massa importante. A literatura considera indicações do uso de glicocorticoides as seguintes situações:

 

-Evidência radiológica de desvio de linha média;

-Sinais de hipertensão intracraniana;

-Deterioração clínica nas primeiras 48 horas de tratamento.

 

Neste caso, a dose usual de corticoesteroides é de 4 mg de dexametasona a cada seis horas, com a dose sendo eventualmente diminuída, conforme resposta clínica no curso de vários dias. Um problema do uso de glicocorticides é a avaliação da melhora clínica, que pode ser secundária ao uso de esteroides e não a antibióticoterapia, mesmo melhora radiológica pode ser difícil de avaliar, pois essas medicações também afetam o quadro de edema, assim deve-se a princípio evitar seu uso.

O uso de anticonvulsivantes é indicado em pacientes que na apresentação apresentaram convulsões ou tenham antecedente de epilepsia, não existe evidência de que o uso profilático de anticonvulsivante seja benéfico, deve-se tomar cuidado com possíveis interações com outras medicações.

Avaliação de resposta ao tratamento: a melhora clínica precede a radiológica, assim avaliação neurológica diária é importante no manejo desses pacientes. Assim, reavaliação com imagem usualmente só é realizada após 2 a 3 semanas de tratamento, exceto se paciente sem melhora ou deterioração do quadro clínico, devemos lembrar que mais de 85% dos pacientes respondem ao tratamento após 14 dias.

Ausência de melhora após 10-14 dias de tratamento necessariamente deve levantar a hipótese de diagnóstico alternativo.

Muitos dos pacientes em tratamento de neurotoxoplasmose, não estão realizando terapia antirretroviral no momento do tratamento, não existem estudos que determinem qual o melhor momento de iniciar a terapia antirretroviral nesses pacientes, mas a terapia precoce provavelmente é benéfica.

 

Profilaxia

Os pacientes soropositivos para toxoplasma gondii devem receber profilaxia, que é indicada em pacientes com CD4 <100 cels/mm3 com sorologia IgG positiva para toxoplasmose, em pacientes com síndrome de reconstituição imune podem descontinuar a profilaxia quando contagem de  CD4  >200 cels/mm3 por mais de três meses. Deve-se lembrar de que muitos dos pacientes com diagnóstico de neurotoxoplasmose só apresentam as manifestações da doença, quando se inicia a terapia antirretroviral, por isso deve-se atentar para essa possível complicação em pacientes que vão iniciar a terapia antirretroviral.

Profilaxia secundária: após seis semanas de tratamento para neurotoxoplasmose, podem-se utilizar doses menores das medicações, no que é considerada profilaxia secundária sua indicação é obrigatória, já que a taxa de recorrência sem a mesma chega a 60%, e com uso de profilaxia secundária é de 20%.

O principal esquema profilático usado é sulfadiazina 2-4g/dia associada à pirimetamina 25mg/dia e ácido folínico 10-15mg/dia. Outros esquemas alternativos são: clindamicina (1,2 a 2,4g/dia), pirimetami­na (25-50mg/dia) e ácido folínico (10-15mg/dia), ou a dapsona (100mg/dia) com pirimetamina (25-50mg/dia) e ácido folinico (10-15mg/dia) e Atovaquona 750 mg 2 a 4 vezes ao dia com ou sem pirimetamina e ácido folínico (o uso sem pirimetamina da Atovaquona é associado a recidiva em 25% dos pacientes).

Critério para descontinuação da profilaxia: Contagem de CD4 > 200 cels/mm3 por três meses consecutivos.

 

Referências

Porter SB, Sande MA. Toxoplasmosis of the central nervous system in acquired imunodefficiency syndrome. N Eng J Med 1992; 327: 1643.

 

Panel on Opportunistic Infections in HIV-Infected Adults and Adolescents. Guidelines for the prevention and treatment of opportunistic infections in HIV-infected adults and adolescents: Recommendations from the Centers for Disease Control and Prevention, the National Institutes of Health, and the HIV Medicine Association of the Infectious Diseases Society of America. http://aidsinfo.nih.gov/contentfiles/lvguidelines/adult_oi.pdf (Accessed on April 20, 2015).

 

Aberg JA, Gallant JE, Ghanem KG, et al. Primary care guidelines for the management of persons infected with HIV: 2013 update by the HIV medicine association of the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis 2014; 58:e1.

 

Jones JL, Roberts JM. Toxoplasmosis hospitalizations in the United States, 2008, and trends, 1993-2008. Clin Infect Dis 2012; 54:e58.

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