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Afogamento

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 27/04/2017

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Afogamento

 

O Afogamento é a submersão em um meio líquido, resultando em dificuldade respiratória ou asfixia. Como acontece com outras causas de morte acidental, a lesão por Afogamento envolve, tipicamente, pessoas saudáveis e jovens, podendo ocorrer, entretanto, em indivíduos de qualquer idade ou condições.

Em todo o mundo, o Afogamento é responsável por mais de 500 mil mortes por ano, representando 0,7% do total de óbitos, embora esse número seja uma subestimação, já que muitos casos não são classificados dessa forma. Pode-se dizer que o Afogamento é a principal causa de morte por ferimentos entre crianças com menos de 15 anos de idade. Nos EUA, ocorrem, anualmente, mais de 500 mil casos de Afogamento, perfazendo um total de 1.100 mortes, o que o torna a segunda causa de morte não intencional de indivíduos desde o nascimento até a idade de 19 anos.

Observa-se, entretanto, que a taxa de morte por Afogamento diminuiu nos últimos 40 anos. Em 1970, houve cerca de 8 mil mortes por Afogamento nos EUA. A educação com conscientização pública tem sido o principal fator que contribui para a diminuição dos casos. A grande maioria das vítimas sobrevive a eventos de submersão, com efeitos que vão desde lesões mínimas ou transitórias até insultos neurológicos profundos.

Picos de incidência de Afogamento ocorrem em três faixas etárias: o primeiro, e maior, é em crianças com menos de 5 anos; o segundo, naquelas com idades entre 15 a 24 anos; o terceiro, em idosos. Os afogamentos de crianças pequenas costumam ocorrer devido a quedas em piscinas ou em outros locais de água aberta, bem como em banheiras e baldes em casa. Os médicos também precisam avaliar o Afogamento intencional (abuso infantil) ou o transtorno faccioso de procura de atenção médica (anteriormente denominado de síndrome de Münchhausen).

Os idosos também têm um risco aumentado de Afogamento em banheiras, muitas vezes relacionado com comorbidades, condições médicas ou medicamentos. Outro grupo de risco para Afogamento são os pacientes epiléticos, representando um risco 15 a 20 vezes maior de morte por esse tipo de incidência. Mesmo em áreas costeiras, a maioria dos afogamentos ocorre em águas quentes e em água doce (especialmente, piscinas).

 

Fisiopatologia

 

Quando uma pessoa que está se afogando não pode mais manter as vias aéreas livres de líquido, a água que entra na boca é voluntariamente cuspida ou engolida. A resposta imediata é tentar segurar a respiração, porém, após 1 minuto, a água é aspirada para as vias aéreas e a tosse ocorre como uma resposta reflexa. Em raras situações, pode ocorrer laringoespasmo, mas o principal dano é mediado por asfixia com hipóxia do sistema nervoso central.

A grande maioria dos pacientes que chegam ao hospital com sinais cardiovasculares estáveis e função neurológica alerta desperta e sobrevive com incapacidade mínima, enquanto aqueles que chegam com função cardiovascular e coma instáveis evoluem mal por causa do insulto hipóxico-isquêmico. Os preditores não são precisos para 15 a 20% das vítimas de Afogamento cuja condição, na chegada ao pronto-socorro, está entre esses dois extremos. Os órgãos finais podem ser afetados por hipoxemia e acidose metabólica. A aspiração de substâncias como material estranho contaminado, bactérias, vômitos ou irritações por substâncias químicas pode afetar a recuperação pulmonar. A água nos alvéolos provoca a inativação do surfactante e sua lavagem do alvéolo.

A aspiração de água salgada e água doce causa graus similares de lesão, embora com diferenças osmóticas. Em ambos os tipos de Afogamento (em água salgada e em água doce), o efeito osmótico na membrana alvéolo-capilar rompe, de forma parcial, a sua integridade, aumenta a sua permeabilidade e, por conseguinte, a sua função. As alterações na membrana alveolar-capilar se traduzem em edema pulmonar, que diminui sobretudo a troca de oxigênio.

As anormalidades eletrolíticas raramente são significativas, sendo, em geral, transitórias, exceto se houver hipóxia significativa, depressão do sistema nervoso central, lesão renal por hemoglobinúria ou mioglobinúria. Os valores hematimétricos costumam ser normais, a menos que haja hemólise maciça. A coagulação intravascular disseminada pode ser um fator de complicação no resultado de Afogamento, mas, normalmente, ocorre após insulto hipóxico grave.

 

Tratamento

 

O manejo pré-hospitalar com rápida ressuscitação de uma vítima de Afogamento (restauração rápida da ventilação e oxigenação) otimiza o resultado e deve ser iniciado em todos pacientes com insuficiência respiratória grave ou apneia, com história de menos de 60 minutos de submersão e sem sinais evidentes de morte como rigidez cadavérica. Após a remoção segura da vítima da água, a ressuscitação cardiopulmonar (RCP) deve ser iniciada o mais rápido possível. O trauma como causa de Afogamento é incomum, e a maioria dos pacientes têm história de trauma ou sinais de lesão no exame inicial.

A lesão da coluna cervical é rara (0,5%) em Afogamento, a menos que haja uma história de mergulho, queda de grande altura ou acidente motorizado. Devem-se usar as precauções de proteção da espinha cervical se necessário, bem como administrar oxigênio com alto fluxo por máscara facial, se o paciente estiver respirando, ou ventilação com máscara de pressão positiva se não estiver respirando. Para pacientes que não recuperam o esforço respiratório espontâneo, são necessárias a intubação endotraqueal e a ventilação com pressão positiva.

Todos os indivíduos com amnésia de Afogamento em relação ao evento, perda ou depressão da consciência, ou um período observado de apneia, bem como aqueles que necessitam de um período de ventilação artificial, devem ser transportados para um departamento de emergência para avaliação, mesmo que estejam assintomáticos na cena. Eles devem ser aquecidos e monitorados, devendo ser estabelecido o acesso endovenoso.

Após a chegada do paciente ao departamento de emergência, as vias aéreas devem ser avaliadas novamente; o oxigênio suplementar é oferecido a todos pacientes com hipóxia; deve-se verificar a temperatura central e auxiliar a ventilação conforme necessário. Em caso de o paciente ser hipotérmico, são recomendados o uso de fluidos IV isotônicos aquecidos e a aplicação de medidas para aquecimento (por exemplo, cobertores, aquecedores aéreos, dispositivos de aquecimento). Lesões traumáticas associadas devem ser abordadas. Como a lesão cervical é rara sem história de mergulho ou trauma associado, a imobilização cervical e a tomografia computadorizada (TC) do encéfalo não costumam necessárias.

O indivíduo que se apresenta ao serviço de emergência com uma pontuação na Escala de Coma de Glasgow (ECG) >13 e uma saturação de oxigênio de =95% apresenta baixo risco de complicações e deve ser observado por 4 a 6 horas. Se o exame pulmonar não revela estertores, roncos, sibilos ou retrações, e a saturação arterial de oxigênio no ar ambiente permanece =95%, o paciente pode receber alta com segurança.

Estudos laboratoriais e radiografias são desnecessários, não sendo preditivos de alta. O paciente deve ser avisado para retornar se houver febre, alterações no estado mental ou sintomas pulmonares. Se, após 4 a 6 horas, ele desenvolve uma necessidade de oxigênio, os achados no exame pulmonar são anormais (estertores, roncos, sibilos, retrações, entre outros) ou a condição do paciente se deteriora, serão necessárias a reavaliação e a admissão ou a transferência para uma unidade de terapia intensiva.

Já os indivíduos que se apresentam ao serviço de emergência com uma pontuação na ECG <13 devem ser mantidos em oxigênio suplementar e suporte ventilatório conforme necessário. Se o oxigênio em alto fluxo (fração de oxigênio inspirado de 40 a 60%) não puder manter uma pressão parcial adequada de oxigênio arterial (>60mmHg em adultos, >80mmHg em crianças), pode ser necessária a ventilação invasiva. A radiografia de tórax e os estudos laboratoriais devem ser feitos para avaliar a aspiração pulmonar e outras complicações.

Embora a aspiração seja comum, não se demonstrou que os antibióticos profiláticos melhorem o resultado e possam estar associados a infecções resistentes, sendo indicado o uso de antibióticos apenas nos casos de febre e leucocitose que persistem por mais de 48?72 horas. Devem ser realizadas monitorização cardíaca contínua, oximetria de pulso, monitorização da temperatura e reavaliações frequentes para todos os doentes. Se o paciente é normotérmico à chegada ao serviço de emergência e em parada cardiorrespiratória ou assistolia, recomenda-se interromper os esforços de ressuscitação, já que a recuperação sem complicações neurológicas profundas é rara.

O tratamento hospitalar de vítimas de Afogamento é amplamente favorável. Todas as vítimas de Afogamento que necessitaram de ressuscitação no departamento de emergência devem ser internadas em uma unidade de terapia intensiva para monitoramento neurológico cardiopulmonar contínuo e frequente. A maioria das vítimas de lesões de imersão significativas beneficiam-se de ventilação mecânica.

Níveis superiores de pressão positiva expiratória final podem ser usados para recrutar unidades pulmonares cheias de líquido e auxiliar a oxigenação. A maior parte dos pacientes demonstra melhora rápida na oxigenação nas primeiras 24 horas. Indivíduos com padrão de aspiração significativo ou colapso cardiovascular estão predispostos a desenvolver síndrome do desconforto respiratório agudo.

A infecção pulmonar tardia, sobretudo entre os pacientes que necessitam de ventilação mecânica, é um risco, e organismos incomuns, incluindo espécies de aeromonas, devem ser considerados se o tratamento é iniciado; a broncoscopia pode ser necessária para o diagnóstico etiológico específico. Deve-se ter cuidado para evitar a hiperdistensão pulmonar e o barotrauma associado à ventilação.

Para pacientes sobreviventes de parada cardíaca, a resposta hemodinâmica à adrenalina administrada de modo exógeno é, com frequência, de curta duração, e a maioria exige uma infusão contínua de dopamina ou epinefrina no departamento de emergência ou na unidade de terapia intensiva. A recuperação hemodinâmica, quando ocorre, pode ser esperada dentro de 48 horas. Os pacientes que não demonstram recuperação hemodinâmica após 48 horas podem melhorar lentamente na primeira semana, mas são mais propensos a ter danos neurológicos a longo prazo.

Os resultados da “ressuscitação cerebral” após Afogamento significativo de água quente têm sido decepcionantes. O grau de edema cerebral é largamente determinado pela duração do insulto anóxico ou isquêmico no momento da submersão. Os esforços para controlar o edema cerebral, incluindo o uso de manitol, diuréticos de alça, soro fisiológico hipertônico, restrição de fluidos e hiperventilação mecânica, não têm demonstrado benefícios. A hipotermia controlada e a monitoração da pressão intracraniana não melhoram o resultado ? embora tenha sido relatada, tanto em crianças quanto em adultos, recuperação neurológica completa, ou quase completa, após a assistolia em episódios de submersão em água gelada.

 

Prognóstico e seguimento

 

As vítimas de Afogamento que são assintomáticas ou ligeiramente sintomáticas podem ser observadas durante 4 a 6 horas. Se os achados do exame pulmonar e a saturação de oxigênio no ar ambiente permanecerem normais, os pacientes podem receber alta. Se houver deterioração, será dentro de um período de observação de 4 a 6 horas. Não existem dados disponíveis sobre os resultados a longo prazo, mas é improvável que haja quaisquer efeitos adversos mensuráveis. Os pacientes, e/ou os pais, devem ser aconselhados a procurar cuidados médicos para quaisquer queixas respiratórias ou febre.

Como a duração da submersão é, em geral, desconhecida ou apenas estimada, a extensão da ressuscitação necessária costuma ser a medida mais objetiva do grau de insulto anóxico ou isquêmico apresentado pelo paciente. Para aqueles que necessitam de internação hospitalar, se a vítima de imersão não necessitar de RCP no local ou no departamento de emergência, espera-se a recuperação completa dentro de 48 horas. Uma pequena fração de pacientes com aspiração significativa pode desenvolver síndrome de angústia respiratória aguda grave, mesmo com risco de vida.

As vítimas que necessitaram de RCP no local têm um prognóstico reservado. Entre as vítimas pediátricas ressuscitadas em cena, cerca de 20% morrem no hospital e 5% ficam com sequelas de encefalopatia anóxica grave. Aquelas que demonstram melhora neurológica e cardiovascular contínua após a internação, em geral, têm uma boa recuperação. Exames neurológicos e cardiovasculares são normais dentro de 24 horas do evento de Afogamento.

As vítimas que morrem mais tarde no hospital demonstram, comumente, deterioração do estado cardiovascular e neurológico. As submetidas à RCP no departamento de emergência apresentam mau prognóstico. A RCP prolongada (>30min) em vítimas de Afogamento indica insulto anóxico ou isquêmico significativo ao coração, ao cérebro e a outros órgãos vitais. A recuperação neurológica completa é rara, havendo apenas alguns relatos anedóticos de recuperação neurológica após a RCP no departamento de emergência de vítimas de Afogamento pediátrico. A assistolia, observada na cena ou no departamento de emergência, é um sinal quase universal de mau prognóstico na lesão de Afogamento adulto e pediátrico.

 

Prevenção

 

Os episódios de submersão em crianças com menos de 1 ano de idade são melhor prevenidos pela vigilância dos pais durante o banho. Deve-se considerar o abuso ou a negligência de crianças, sobretudo os afogamentos na banheira de crianças pequenas e aquelas com apresentações atípicas. Os afogamentos em banheiras são raros fora da faixa etária infantil, exceto em casos de abusos ou convulsões. Entre as crianças em idade pré-escolar, a supervisão de um adulto, bem como a instalação de cercas de proteção em piscinas poderiam prevenir de 50 a 90% dos casos de Afogamento.

Os afogamentos de adolescentes e adultos jovens podem ser reduzidos evitando-se o uso de álcool e drogas ilícitas ? o que se constata em 40% das incidências com adultos e em 75% dos casos relacionados com barcos. O uso de dispositivos pessoais de flutuação diminui as mortes por Afogamento relacionadas com embarcações. Há a necessidade de se desenvolver esforços no sentido de diminuir o comportamento de risco nos adolescentes, inclusive os de alto risco, e de adultos, nesses casos.

No caso de idosos, os locais de Afogamento são muito semelhantes aos de crianças e bebês. O uso de proteção adequada em piscinas e a instalação de corrimão de banheira são medidas preventivas para a população idosa e pacientes com condições pré-mórbidas.

 

Referências

 

1-Szpilman D et al. Drowning. New Eng J Med 2012; 366: 2102-2110.

2-Cico SJ, Quan L. Drowning in Tintinalli Emergency Medicine 2016 8th Edition: 1395-1398.

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