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Retenção Urinária Aguda

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 06/11/2017

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A retenção urinária aguda é uma emergência urológica dolorosa caracterizada por uma incapacidade repentina de eliminar urina, com distensão abdominal ou dor, caracterizando o motivo mais comum de procura no departamento de emergência entre as queixas urológicas. Em sua maioria, os pacientes com retenção urinária são homens com mais de 60 anos de idade com hiperplasia prostática benigna, sendo a condição rara em mulheres, ocorrendo 1 caso em mulheres para cada 13 casos em homens.

A incidência e o risco aumentam com a idade. Há uma recidiva de 20% em 6 meses após um episódio de retenção urinária. Poucos dados estão disponíveis para mulheres. Em homens com retenção urinária espontânea, a taxa de mortalidade em 1 ano aumenta de 4,1% naqueles com idade entre 45 e 54 anos para 32,8% naqueles com idade de 85 anos ou mais. Cerca de 10% dos homens com mais de 70 anos e 30% dos homens com mais de 80 anos de idade irão apresentar um quadro agudo de retenção urinária.

 

Fisiopatologia

 

O processo de micção envolve a complexa integração e coordenação de funções neurológicas corticais, simpáticas, parassimpáticas, somáticas e musculares (detrusor e esfíncter liso). O impulso sensorial da distensão da bexiga é transmitido aos centros corticais; essas áreas do cérebro coordenam a micção voluntária.

O armazenamento contínuo de urina na bexiga requer tanto o relaxamento do músculo detrusor (através da estimulação ß-adrenérgica e inibição parassimpática) quanto a contração da bexiga e do esfíncter interno (através da estimulação a-adrenérgica). A contração do músculo detrusor da bexiga (por receptores muscarínicos colinérgicos) e o relaxamento do esfíncter interno da bexiga e do esfíncter uretral (através da inibição a-adrenérgica) contribuem para a micção suave.

Qualquer causa que interfira no controle neurológico do processo de micção pode resultar em disfunção miccional. A obstrução do fluxo de saída da bexiga é a maior etiologia da retenção urinária; ela pode ocorrer de forma fixa, como pelo estreitamento da uretra, ou dinâmica, pela perda do tônus muscular. Nesses casos, o fluxo de urina diminui em força e tamanho, apesar da contração forte e prolongada do músculo detrusor.

Os pacientes podem, ainda, apresentar alterações neurológicas, com envolvimento da inervação sensorial ou motora do músculo detrusor, com dissinergia local e incompleto relaxamento da musculatura. A maior causa, entretanto, é a obstrução devido à hiperplasia benigna da próstata ou, eventualmente, condições malignas.

Múltiplas medicações como opioides ou anticolinérgicos podem reduzir a contratilidade da musculatura detrusora e causar retenção urinária aguda. Em pacientes já com obstrução urinária parcial, o desenvolvimento de infecções urinárias como prostatites pode desencadear quadro agudo de retenção urinária.

 

Características Clínicas

 

As causas da retenção urinária são categorizadas em vários grupos: obstrutivas, neurogênicas, traumáticas, infecciosas, operatórias, psicogênicas e farmacológicas. Uma história detalhada da doença e o exame físico, especialmente o neurológico, apoiado por estudos de imagem e urodinâmicos, revelam a causa na maioria dos pacientes.

A apresentação mais comum é em homem idoso com incapacidade de urinar durante várias horas e distensão ou dor abdominal inferior, secundária à hiperplasia benigna da próstata. Os sintomas mais comuns são dor abdominal, desconforto suprapúbico e distensão abdominal. Pode ocorrer com a obstrução urinária edema periférico. Quando a retenção urinária é crônica, esses sinais ou sintomas costumam ser não dolorosos.

Deve-se procurar uma história de prostatismo, câncer de bexiga, cálculos urinários, câncer ou ferimento na uretra, cirurgia de próstata ou terapia de radiação pélvica. Os pacientes podem apresentar história de urgência urinária, frequência ou hesitação ao iniciarem a micção. Outros sintomas de prostatismo são a diminuição da força do jato urinário, a noctúria e a perda urinária involuntária, que ocorre tipicamente devido a fenômenos de transbordamento.

A hematúria macroscópica pode indicar infecção, cálculos da bexiga ou neoplasia do trato urinário. Um paciente com estenose uretral pode ter uma história de inserção do cateter de Foley, cistoscopia, trauma ou terapia de radiação ou infecção anterior. Deve-se procurar, na história, se ocorreu introdução recente de novos medicamentos, incluindo medicações para resfriado comum que têm ação simpaticomimética, como descongestionantes nasais, anticolinérgicos (incluindo broncodilatadores), agentes simpaticomiméticos e agentes psicogênicos e outros potenciais.

Sintomas como febre, taquicardia, taquipneia e hipotensão sugerem infecção ou sepse. A hipertensão e a taquicardia podem ser transitórias, sendo resolvidas após a descompressão da bexiga; não necessariamente indicam complicação infecciosa. No exame abdominal, é feita a palpitação ou percussão da área epigástrica até o abdome inferior para identificar uma massa dolorosa (distensão). O Quadro 1 apresenta as principais causas de obstrução urinária aguda.

 

Quadro 1

 

PRINCIPAIS CAUSAS DE OBSTRUÇÃO URINÁRIA AGUDA

Causas locais

                    Estenose uretral

                    Cálculos da bexiga

                    Neoplasia de bexiga

                    Corpo estranho, uretral ou em bexiga

                    Hipertrofia benigna da próstata

                    Fimose

                    Estenose meatal

                    Estrangulamento uretral

Causas neurogênicas

                    Esclerose múltipla

                    Mal de Parkinson

                    Síndrome de Shy-Drager

                    Doença vascular cerebral

                    Síndrome de Cauda Equina

                    Lesões metastásicas da medula espinal

                    Hérnia de disco intervertebral

                    Neuropatia (diabetes melito, entre outras causas)

                    Lesão nervosa por cirurgia pélvica

                    Retenção pós-operatória

Causas traumáticas

                    Lesão uretral ou vesical

                    Lesão medular

Causas extraurinárias

                    Abscessos perirretais ou pélvicos

                    Massas retal ou retroperitoneais

                    Tumor ovariano ou uterino

                    Impactação fecal

                    Aneurisma da aorta abdominal

                    Causas psicogênicas

Causas infecciosas

                    Cistite

                    Herpes simples (genital)

                    Herpes-zóster envolvendo região pélvica

                    Abcesso local

                    Causas cirúrgicas

                    Sangramento pós-operatório (coágulos)

                    Anestesia peridural

Agentes farmacológicos

                    a-adrenérgicos

                    Anfetaminas

                    Andrógenos

                    Anestésicos

                    Anticolinérgicos

                    Anti-histamínicos

                    Agentes antiparkinsonianos

                    Agentes antipsicóticos

                    Antiespasmódicos

                    Benzodiazepínicos

                    Agentes ß-adrenérgicos

                    BCCs

                    Carbamazepina

                    Descongestionantes nasais

                    Estrógenos

                    Hidralazina

                    Relaxantes musculares

                    Opioides

                    Progesterona

                    Inibidores seletivos da recaptação da serotonina

                    Antidepressivos tetracíclicos

                    Antidepressivos tricíclicos

BCC: bloqueadores dos canais de cálcio.

 

Os órgãos genitais externos devem ser avaliados para identificar alterações como fimose, parafimose, estenose meatal ou evidência de trauma uretral ou peniano. O exame retal digital pode avaliar a área anorretal e a próstata, avaliar o tônus anal, a sensação perineal, o aumento da próstata, a impactação das fezes e qualquer possibilidade de malignidade.

Uma próstata nodular ou pétrea pode sugerir câncer de próstata. As mulheres com retenção urinária devem ser submetidas a um exame pélvico para detectar possíveis lesões inflamatórias ou massas pélvicas ou anexiais. O exame neurológico pode avaliar possíveis causas neurogênicas. Após a passagem de sonda vesical e melhora do quadro de retenção urinária, o exame físico do abdome inferior deve ser repetido para excluir outras condições.

 

Diagnóstico e Exames Complementares

 

Todos os pacientes devem realizar exame de urinálise e urocultura, que pode mostrar achados sugestivos de infecção ou hematúria na litíase urinária. A hematúria secundária ao trauma físico da inserção do cateter que desaparece ao longo do tempo é comum. A realização de ultrassonografia (USG) à beira do leito pode confirmar o diagnóstico. Quando, na USG, se verifica a presença de >300mL de líquido na bexiga em paciente incapaz de urinar, o diagnóstico de retenção urinária pode ser confirmado.

Em pacientes com saída de mais de 400mL em 10 a 15 minutos após a inserção do cateter vesical, é prudente manter o mesmo por, pelo menos, 24 horas; caso a saída de volume seja <200mL, é recomendada a retirada imediata, repetindo a sondagem conforme a necessidade, enquanto que volumes entre 200 a 400mL dependem de decisões individuais.

A necessidade de outros testes diagnósticos depende da apresentação clínica, dos fatores precipitantes e das comorbidades associadas do paciente. Um hemograma completo deve ser verificado para pacientes com suspeita de infecção grave, hematúria maciça com hipovolemia possível ou doenças hematológicas. A obstrução prolongada pode resultar em insuficiência renal e em desequilíbrio eletrolítico; assim, deve-se obter função renal e eletrólitos séricos do paciente.

O padrão abdominal na USG ou na tomografia computadorizada realizada para avaliar o paciente pode identificar massas pélvicas ou abdominais, cálculos de bexiga ou hidronefrose, mas não são rotineiramente necessários se os sintomas se resolverem após a colocação do cateter. A imagem de coluna vertebral será necessária se o exame identificar déficits neurológicos.

 

Tratamento

 

A medida mais importante no manejo do paciente no departamento de emergência é a descompressão da bexiga, que deve ser realizada por cateterismo uretral ou suprapúbico. O cateterismo difícil em homens pode resultar em estenose uretral e lesão de próstata, de modo que o procedimento deve ser realizado com cuidado. Se o paciente foi submetido recentemente à cirurgia urológica, o procedimento deve ser realizado por um urologista.

A maioria dos cateteres vesicais é feita de látex, mas os cateteres de silicone estão disponíveis para indivíduos com alergia ao látex. A injeção retrógrada de 10 a 15mL de lubrificante anestésico solúvel em água como a lidocaína a 2%, 5 a 10 minutos antes do procedimento, é recomendada. No procedimento, deve-se retirar o prepúcio ao inserir o cateter, lembrando-se de reduzir o prepúcio quando o cateter estiver no lugar.

O cateter deve ser considerado adequadamente locado quando a urina sair livremente. Não se deve inflar o balão de retenção até que a urina comece a fluir através do cateter até o saco coletor. Comumente, usa-se para o procedimento uma sonda de Foley de número 14 a 18. Se o cateterismo produz sangramento significativo, deve-se esvaziar o balão e remover o cateter. Em pacientes com retenção urinária aguda, a cateterização vesical deve ser apenas de alívio, mantendo a sonda vesical somente em casos em que se mantém o quadro obstrutivo; essa abordagem diminui o risco de infecções urinárias.

O cateterismo suprapúbico pode ser realizado em pacientes após falha de tentativas de cateterismo uretral, e desde que não haja trauma pélvico óbvio ou anatomia anormal na parte inferior do abdome. Essa pode ser a única opção para descomprimir uma bexiga extremamente dolorosa e distendida quando o cateterismo uretral não é possível.

O cateterismo suprapúbico guiado por USG tem uma baixa taxa de complicações, mas, idealmente, deve ser realizado por urologista; em casos em que não tenha disponibilidade de um especialista ou exame de imagem, pode ser tentada uma aspiração com agulha em região suprapúbica. O procedimento via USG é realizado após anestesia e assepsia da região suprapúbica; após visualizar a bexiga distendida com o ultrassom, utiliza-se uma agulha de calibre 22 para punção liquórica acoplada a uma seringa de 10mL, 3 a 4cm acima da sínfise púbica na linha média.

A visualização da agulha na bexiga pelo USG e o retorno da urina indicam a colocação correta. Após localizar a bexiga, e utilizando a mesma profundidade e a posição, se direciona a colocação do obturador. Depois desse procedimento, é realizada uma pequena incisão da pele na linha média no ponto de remoção anterior da agulha, com a colocação do cateter de cistostomia.

Os indivíduos com obstrução urinária de longa duração apresentam risco de apresentar poliúria pós-obstrutiva e insuficiência renal. Os pacientes devem ser monitorizados por, pelo menos, 4 horas para saída urinária horária significativa (>200mL/h).

Os pacientes sem comorbidades significativas e sem evidências de complicações, como sangramento, infecção ou insuficiência da função renal, podem receber alta. Aqueles que têm etiologia de retenção urinária aguda com expectativa de resolução como infecção podem, depois de 24 horas ou mais, conforme as circunstâncias, fazer um trial de diurese espontânea.

Os indivíduos com condições como sequela de trauma medular ou quadros recorrentes de retenção urinária têm benefício com sondagem vesical de demora, com reavaliação ambulatorial, e podem receber alta com sonda de Foley. Pode-se realizar uso de bloqueador de receptores a-adrenérgicos como a alfuzosina, 10mg/dia, ou tansulosina, 0,4mg, e acompanhamento com urologista em 3 a 7 dias. Os bloqueadores a-adrenérgicos aumentam o sucesso da micção espontânea após a remoção do cateter. Deve-se avisar os pacientes, especialmente os idosos, sobre a possibilidade de hipotensão postural.

Pacientes com elevações significativas de ureia ou creatinina devem ser internados. Não é sugerido o uso rotineiro de antibióticos para a prevenção da bacteriúria ou para o tratamento de bacteriúria assintomática. Os antibióticos são reservados para infecção sintomática do trato urinário. Pacientes com urosepse também devem, invariavelmente, ser internados.

A maioria dos pacientes com retenção urinária aguda pode receber alta com uma sonda vesical e aguardar uma nova intervenção cirúrgica com urologista. Eles devem ser orientados em relação aos cuidados com a sonda e a troca do saco coletor e quanto aos sintomas de alarme que devem fazer retornar ao departamento de emergência. Esses incluem febre, retorno dos sintomas, vômitos repetidos, dor abdominal, bloqueio do cateter ou dor peniana. A dor peniana sugere a migração do balão para a uretra proximal.

A sensação de urgência ou o espasmo da bexiga podem ser tratados com oxibutinina, 2,5mg, via oral, 2 ou 3x/dia. Não há tratamento satisfatório para perdas urinárias em torno do cateter. A colocação de um cateter maior, em geral, não é eficaz. Um período mais longo com sonda de Foley é encorajado em pacientes com volumes de retenção >1,3L para melhorar as chances de micção bem-sucedida. A pesquisa de antígeno específico da próstata no soro e o uso prolongado de um inibidor de 5a-redutase podem ser avaliados no seguimento com urologista.

A retenção urinária em mulheres é incomum. As causas obstrutivas, nesse caso, costumam estar relacionadas a problemas ginecológicos, mas podem ocorrer por causas neurogênicas, como nos homens. O manejo da retenção urinária em mulheres envolve cateterização e abordagem da causa. Os bloqueadores a-adrenérgicos não são úteis em mulheres com retenção urinária. Se não há uma causa aparente, a paciente deve ser encaminhada para um urologista ou ginecologista.

A hematúria macroscópica pode levar à retenção de coágulos, resultando em dor e hipertensão e taquicardia por distensão aguda da bexiga. O tratamento da hematúria significativa é a colocação de um cateter de tripla via calibre 20-24 e irrigação com solução salina até esvaziar para evacuar coágulos. Pacientes com retenção de coágulos podem necessitar de internação, porque a retenção de coágulos pode se repetir e exigir remoção de coágulo por citoscopia. Os casos de hematúria significativa por coagulopatia (ou seja, varfarina) devem ter parâmetros de coagulação corrigidos conforme apropriado e serem admitidos se necessário.

 

Referências

 

1-Yes D, Lee C. Acute urinary retention in Tintinalli Emergency Medicine 2016.

2-Marshall JR, Haber J, Josephson EB. An evidence-based approach to emergency department management of acute urinary retention. Emerg Med Pract 2014; 16:1.

3-Choong S, Emberton M. Acute urinary retention. BJU Int 2000; 85:186.

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