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Intubação de Sequência Rápida

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 26/04/2018

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O manejo das vias aéreas é uma das mais importantes habilidades que o emergencista deve adquirir. A intubação de sequência rápida (ISR) é a pedra angular do manejo moderno das vias aéreas na emergência e é definido como a administração quase simultânea de um agente sedativo potente (indução) e de um bloqueador neuromuscular, geralmente succinilcolina ou rocurônio, para criar condições ideais para intubação traqueal.

Essa abordagem minimiza o risco de aspiração de conteúdo gástrico e as complicações do manejo de vias aéreas. Uma revisão sistemática de 2007 não provou que a ISR resulta em uma menor incidência de aspiração do que outras técnicas, mas os autores observaram que praticamente nenhum estudo foi desenhado para avaliar esse desfecho.

A ISR é, no entanto, a técnica mais utilizada para a intubação de emergência de pacientes sem fatores de risco para uma via aérea difícil, com dados de registro mostrando que essa técnica é utilizada em 85% de todas as intubações em departamentos de emergência nos EUA. O conceito central da ISR é levar o paciente desde o ponto inicial até um estado de inconsciência com paralisia neuromuscular completa e, em seguida, conseguir intubação sem ventilação assistida interposta.

Acredita-se que o risco de aspiração de conteúdo gástrico é significativamente maior em pacientes que não estavam em jejum antes da indução. A aplicação de ventilação com pressão positiva pode fazer com que o ar passe no estômago, resultando em distensão gástrica e provavelmente aumentando o risco de regurgitação e aspiração.

O objetivo da ISR é evitar a ventilação com pressão positiva até que o tubo orotraqueal (TOT) seja colocado corretamente na traqueia, com o cuff inflado. Isso requer uma fase de pré-oxigenação, durante a qual os gases alveolares mistos (principalmente nitrogênio) dentro da capacidade residual funcional dos pulmões são substituídos por oxigênio, permitindo vários minutos de apneia.

O uso de ISR também facilita a intubação endotraqueal bem-sucedida, causando o relaxamento completo da musculatura do paciente, permitindo um melhor acesso à via aérea. Finalmente, a ISR permite o controle farmacêutico das respostas fisiológicas à laringoscopia e à intubação, mitigando potenciais efeitos adversos. Esses efeitos incluem elevação adicional da pressão intracraniana (PIC) em resposta ao procedimento e à descarga simpática resultante da laringoscopia. A ISR consiste de uma sequência de etapas e cada passo deve ser planejado.

Uma regra mnemônica que ajuda a lembrar os principais passos da ISR é composta de:

               Preparação

               Pré-oxigenação

               Pré-tratamento

               Paralisia com indução

               Posicionamento

               Posicionamento do tubo

               Pós-intubação (manejo no pós-intubação)

 

Preparação

 

Nessa fase inicial, o paciente é avaliado em relação a suas vias aéreas quanto à possibilidade de dificuldade na intubação, a menos que isso já tenha sido feito e a intubação seja planejada, incluindo a determinação de doses e a sequência de medicações, tamanho do tubo e tipo, lâmina e tamanho do laringoscópio.

As medicações são elaboradas e rotuladas. Todo o equipamento necessário é organizado. Todos os pacientes necessitam de monitorização cardíaca e de oximetria de pulso contínua. Pelo menos um e, preferencialmente, dois acessos intravenosos de boa qualidade devem ser estabelecidos nessa fase. Um plano de resgate para falha de intubação deve ser desenvolvido nesse momento e divulgado aos membros apropriados da equipe de ressuscitação.

A presença de marcadores de vias aéreas potencialmente difíceis não é uma contraindicação à ISR, mas outras alternativas para assegurar as vias aéreas devem ser consideradas. Hipoxemia e hipotensão devem ser reconhecidas e, se possível, corrigidas antes da realização do procedimento; a acidose metabólica também pode complicar o procedimento. As soluções salinas cristaloides podem ser utilizadas para corrigir a hipotensão.

 

Pré-Oxigenação

 

A pré-oxigenação é muito importante e aumenta a segurança da realização da entubação orotraqueal. A administração de 100% de oxigênio em alto fluxo durante 3 minutos é uma estratégia frequentemente utilizada. Um adulto saudável estabelece um reservatório de oxigênio adequado para permitir 6 a 8 minutos de apneia segura antes da dessaturação de oxigênio a menos de 90%, o que é a base para realização da ISR.

A pré-oxigenação adicional não melhora a pressão arterial (PA) de oxigênio. O tempo de dessaturação para menos de 90% em crianças, adultos obesos, grávidas tardias e pacientes com doença grave ou lesão é consideravelmente menor, em média 4 minutos. O tempo de dessaturação também será reduzido se o paciente não inspirar 100% de oxigênio. No entanto, geralmente pode-se obter uma pré-oxigenação adequada, mesmo em pacientes no departamento de emergência, para permitir minutos de apneia antes que a dessaturação de oxigênio seja inferior a 90%.

Se o tempo for insuficiente para uma fase de pré-oxigenação completa de 3 minutos, oito respirações de capacidade vital com oxigênio de alto fluxo podem atingir saturações de oxigênio e tempos de apneia que combinam ou excedem aqueles obtidos com a pré-oxigenação tradicional. O tempo de dessaturação em pacientes obesos pode ser prolongado pela pré-oxigenação e pelo uso contínuo de oxigênio suplementar (via cânula nasal ou máscara com fluxo de 5?15L/min) após paralisia motora e durante a laringoscopia até que o TOT seja colocado com sucesso.

Em pacientes obesos, se prolonga o tempo de dessaturação de 3,5 para 5,3 minutos. Essa chamada oxigenação apneica tira proveito de um princípio fisiológico chamado fluxo de massa ventilável. Mesmo que os pacientes estejam paralisados durante a ISR, a circulação é inalterada.

A difusão constante de oxigênio alveolar na circulação pulmonar cria um gradiente descendente natural que promove o movimento passivo de oxigênio da via aérea superior do paciente para as porções trocadoras de gás dos pulmões. A monitorização da saturação de oxigênio permite uma detecção precoce da dessaturação durante a laringoscopia, mas a pré-oxigenação continua a ser um passo essencial na ISR.

 

Pré-Tratamento

 

Durante essa fase, os medicamentos são administrados 3 minutos antes da administração de succinilcolina e um agente de indução para mitigar os efeitos fisiológicos adversos da laringoscopia e intubação na condição de apresentação do paciente. As abordagens de pré-tratamento evoluíram ao longo do tempo. O foco, nessa fase, é a otimização da fisiologia do paciente antes de qualquer tentativa de intubação.

As práticas mais antigas, como o uso rotineiro de atropina para intubação de crianças pequenas, foram abandonadas. A intubação é intensamente estimulante e resulta em uma descarga simpática ou resposta simpática reflexa à laringoscopia.

Em pacientes que sofrem de uma emergência hipertensiva, o uso de fentanila (3mg/kg, IV) administrada 3 minutos antes da ISR pode otimizar a hemodinâmica do paciente, atenuando os picos de PA e das forças de cisalhamento, ambas as quais são consideradas indesejáveis em pacientes com elevações de PIC, doença aórtica, síndromes coronarianas agudas e emergências neurovasculares.

Pacientes com doença reativa das vias aéreas podem apresentar piora da mecânica pulmonar após a intubação como resultado do broncoespasmo. Existe controvérsia em relação se à lidocaína (1,5mg/kg, IV), que confere qualquer benefício adicional, além do albuterol, e deve ser considerada opcional na melhor das hipóteses.

Pacientes asmáticos que estão sendo intubados no departamento de emergência provavelmente receberam albuterol antes da intubação, e é improvável nesses pacientes que a lidocaína tenha algum efeito protetor adicional e não seja recomendada. A lidocaína está desaparecendo do manejo das vias aéreas na emergência e pode desaparecer completamente no futuro próximo.

 

Paralisia com Indução

 

Nessa fase, um potente agente sedativo é administrado por bólus intravenoso rápido (IV) em uma dose capaz de produzir sedação rapidamente. Isso é imediatamente seguido por administração rápida de uma dose de intubação de um bloqueador neuromuscular, seja succinilcolina a uma dose de 1,5mg/kg, IV, ou rocurônio, 1mg/kg.

É habitual esperar 45 segundos quando a succinilcolina é administrada e 60 segundos quando o rocurônio é administrado para permitir uma paralisia suficiente. Não se adequa às doses da medicação sedativa e, para paralisia, conforme o efeito, as doses são, na verdade, pré-calculadas.

Os resultados de duas grandes metanálises revelaram que as condições de intubação obtidas por cada medicação são equivalentes, desde que o rocurônio seja administrado com dose entre 1,0 e 1,2mg/kg, IV. As medicações sedativas comumente utilizadas são etomidato, quetamina, midazolam e propofol. As doses das medicações são especificadas no Quadro 1 .

 

Quadro 1

 

MEDICAÇÕES SEDATIVAS PARA intubação de sequência rápida

Medicação

Classe

Benefícios

Contraindicações

Comentários

Dose

Etomidato

Derivado imidazólico

Excelente sedação, quase sem hipotensão

Supressão de função adrenal

Uso cauteloso de sepse; considerar utilizar uma dose de glicocorticoides.

0,3mg/kg

Quetamina

Derivado da fenilciclidina

Broncodilatação; Estimula secreção de catecolaminas

Pacientes com HIC ou hipertenso

Bem indicado em pacientes com broncoespasmo, sépticos ou com comprometimento hemodinâmico

1?2mg/kg

Midazolam

Benzodiazepínico

Propriedades amnésicas importantes

Depressão miocárdica significativa podendo levar a hipotensão

Frequentemente usado em doses mais baixas que o indicado

0,2?0,3mg/kg

Propofol

Alquilfenol

Broncodilatação

Sem contraindicações absolutas, mas pode causar hipotensão em doses maiores

 

1,5?3mg/kg, EV

HIC: hipertensão intracraniana.

 

Posicionamento

 

Os pacientes devem ser posicionados para a intuição enquanto a sedação é obtida. Normalmente, o posicionamento envolve a extensão da cabeça, muitas vezes com flexão do pescoço no corpo. Embora a extensão simples possa ser adequada, uma posição de conseguir a completa extensão da coluna cervical e elevação da cabeça é ideal se o decúbito lateral é usado.

A manobra de Sellick, que é a aplicação de firme pressão sobre a cartilagem cricoide com o objetivo de obstruir o esôfago cervical e reduzir o risco de aspiração, foi recomendada há muito tempo para minimizar o risco de regurgitação passiva e, portanto, de aspiração, mas já não é mais recomendada. A manobra de Sellick é incorretamente aplicada com bastante frequência, tornando a laringoscopia ou intubação mais difícil em alguns pacientes, e a aspiração ocorre frequentemente apesar do uso da manobra de Sellick.

Em muitos pacientes, o esôfago cervical está posicionado lateral ao anel cricoide em uma relação que é exagerada pela pressão posterior, raramente resultando em obstrução esofágica. Consequentemente, não se recomenda o uso rotineiro da manobra de Sellick, que deve ser considerada opcional e aplicada seletivamente se a visão laríngea for ruim ou a passagem do tubo for difícil. Após a administração de um agente de indução e bloqueador neuromuscular, embora o paciente se torne inconsciente e apneico, o uso de AMBU ou de dispositivos bag-mask não é recomendável a menos que a saturação de oxigênio caia para menos de 90%.

 

Colocação do Tubo

 

Aproximadamente, 45 a 60 segundos após a administração de bloqueadores neuromusculares (45 segundos para succinilcolina e 60 segundos com o rocurônio), o paciente está relaxado o suficiente para permitir a laringoscopia; caso isso não ocorra, deve-se esperar por mais 15 a 30 segundos. Deve ser avaliado se paciente relaxado para entubação verificando o tônus do masseter, ou seja, movendo a mandíbula para testar a mobilidade e a ausência de tônus muscular.

Coloca-se o tubo endotraqueal (TET) durante a visualização glótica com o laringoscópio. Confirmar a colocação do TET é essencial, e isso pode ser feito com a verificação da ETCO2. Se a primeira tentativa não for bem-sucedida, mas a saturação de oxigênio permanecer alta, não é necessário ventilar o paciente com um saco entre as tentativas de intubação. Se a saturação de oxigênio se aproximar de 90%, o paciente pode ser ventilado brevemente com dispositivo bag-mask ou AMBU e uma máscara entre as tentativas de restabelecer o reservatório de oxigênio.

 

Manejo Pós-Intubação

 

Após a confirmação da colocação do tubo por ETCO2, deve-se realizar uma radiografia de tórax para confirmar que a intubação ocorreu e para avaliar os pulmões. Se disponível, deve-se colocar o paciente em capnografia contínua. Em geral, são evitados bloqueadores neuromusculares de ação prolongada (por exemplo, pancurônio, vecurônio). O foco é o manejo ótimo utilizando analgésicos opioides e agentes sedativos para facilitar a ventilação mecânica.

Uma dose adequada de benzodiazepínicos (por exemplo, midazolam, 0,1?0,2mg/kg, IV) e analgésico opioide (por exemplo, fentanila, 3?5µg/kg, IV, ou morfina, 0,2?0,3mg/kg, IV) é utilizada para melhorar conforto do paciente e diminuição da resposta simpática ao TET. A infusão de propofol (5?50µg/kg/min, IV) com analgesia suplementar é um método eficaz para o tratamento de pacientes intubados que não apresentam hipotensão e é especialmente útil para o manejo de emergências neurológicas porque a duração de ação é muito curta (<5 minutos), permitindo exames neurológicos frequentes.

Um bloqueador neuromuscular é adicionado apenas com o uso apropriado da ISR utilizando etomidato e succinilcolina. Em relação ao tempo, o procedimento de ISR poderia ser sumarizado da seguinte maneira:

TEMPO

               Zero menos 10 minutos: preparação

               Zero menos 5 minutos: pré-oxigenação, 100% por 3 minutos

               Zero menos 3 minutos: pré-tratamento

               Zero: paralisia com indução, por exemplo, com etomidato, 0,3mg/Kg, e succinilcolina, 1,5mg/kg

               Zero mais 30 segundos: posicionamento com manobra de Sellick opcional

               Zero mais 45 segundos: colocação do tubo com laringoscopia e entubação e confirmação com ETCO2

               Zero mais 2 minutos: manejo pós-entubação e sedação com analgesia, conforme indicado; iniciar ventilação mecânica, sedação e analgesia e bloqueador neuromuscular apenas se necessário.

 

 

Referências

 

1-Brown CA, Walls RM. Airway in Rosen’s Emergency Medicine 2018.

2-Sagarin MJ, Barton ED, Chng YM, et al. Airway management by US and Canadian emergency medicine residents: a multicenter analysis of more than 6,000 endotracheal intubation attempts. Ann Emerg Med 2005; 46:328.

3-Brown CA 3rd, Bair AE, Pallin DJ, et al. Techniques, success, and adverse events of emergency department adult intubations. Ann Emerg Med 2015; 65:363.

4-Sakles JC, Douglas MJK, Hypes CD, et al. Management of Patients with Predicted Difficult Airways in an Academic Emergency Department. J Emerg Med 2017; 53:163.

5- Walls RM. Rapid Sequence Intubation. American College of Emergency Physicians Scientific Assembly, San Francisco, CA 1987.

6- The mnemonics for difficult airway identification cited in this review are reproduced with permission from The Difficult Airway Course™: Emergency.

7- Brown III CA, Walls RM. Rapid sequence intubation. In: The Walls Manual of Emergency Airway Management, 5, Brown III CA, Sakles JC, Mick NW (Eds), Wolters Kluwer, Philadelphia 2018. p.235.

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