Autor:
Lucas Santos Zambon
Doutorado pela Disciplina de Emergências Clínicas Faculdade de Medicina da USP; Médico e Especialista em Clínica Médica pelo HC-FMUSP; Diretor Científico do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente (IBSP); Membro da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH); Assessor da Diretoria Médica do Hospital Samaritano de São Paulo.
Última revisão: 29/01/2016
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Especialidades / Áreas de atuação: Medicina de Emergência / Reumatologia
Paciente do sexo feminino, 23 anos de idade, sem antecedentes de doenças crônicas ou uso de medicação, procura o pronto-socorro com história de lesões na boca, na área vulvar e nos membros superiores e inferiores, a maior parte dolorosa. Contava que não era a primeira vez que apareciam as lesões na boca e na região de vulva, mas pela primeira vez apareceram as outras lesões de pele. Esta já era a 4ª ocorrência em 1 ano. Em outras oportunidades, recebeu diagnóstico de estomatite aftosa e prescrição de pomadas cujos nomes não se recorda, porém teve vergonha de contar sobre as lesões genitais nas outras procuras a serviços de emergência. Ao exame físico, estava consciente e orientada, eupneica, afebril, com exames torácico e abdominal normais e sinais vitais dentro da normalidade. Apresentava lesões ulceradas em toda cavidade oral (Figura 1) e na região vulvar com até 1 cm de diâmetro. Apresentava também lesões violáceas elevadas e dolorosas em alguns locais em membros superiores e inferiores (Figura 2).
Figura 1. Aspecto das lesões orais.
Figura 2. Aspecto das lesões em membros.
Esta paciente foi diagnosticada como doença de Behçet. Trata-se de uma rara condição clínica caracterizada pela aftas orais recorrentes associadas a outras manifestações sistêmicas como aftas genitais, lesões oculares, lesões de pele, artrite, acometimento de trato digestivo, neurológico e vascular. Essas manifestações são atribuídas a vasculite causada pela doença de Behçet. Uma característica específica dessa vasculite é poder acometer vasos de quaisquer calibres, em territórios venosos ou arteriais.
Normalmente, a doença acomete jovens entre 20 e 40 anos de idade e não há predomínio entre os sexos. Entretanto, a severidade da doença tende a ser maior em homens.
A manifestação clínica mais característica é a presença de úlceras mucocutâneas dolorosas e recorrentes. Um resumo de todas as manifestações está descrito a seguir.
Acometem cerca de 100% dos pacientes e normalmente tem o mesmo aspecto das aftas que surgem na estomatite aftosa, sendo dolorosas, porém mais extensas ou múltiplas no Behçet. Variam de poucos milímetros até 2 cm. Suas bordas são bem definidas, com base necrótica e são circundadas por eritema.
Acometem 75% dos pacientes e têm as mesmas características das úlceras orais.
Também acometem 75% dos pacientes e podem se manifestar como: lesões acneiformes, erupções pápulo-vesiculopustulares, pseudofoliculite, nódulos, eritema nodoso, tromboflebite superficial, pioderma gangrenoso, eritema multiforme e púrpuras palpáveis.
Acomete de 25 a 75% dos casos e pode levar a cegueira, sendo a uveíte a principal manifestação.
Acomete menos de 1/5 dos casos, ocorrendo mais em homens. Lesões parenquimatosas focais e trombose vascular são as manifestações mais comuns. Outras manifestações incluem convulsões, encefalite, meningite asséptica e vasculite arterial.
Acometimento venoso é mais comum, podendo ocorrer oclusão de veia cava, síndrome de Budd-Chiari e trombose de SNC ou TVP. Quanto à doença arterial, vasculite de pequenas artérias é mais comum, mas a doença pode acometer vasos de todo tamanho, sendo uma manifestação mais comum em homens. Acometimento de grandes vasos pode acontecer em até 1/3 dos casos, levando a estenose, aneurismas e trombose, sendo as artérias mais acometidas as carótidas, pulmonares, aorta, ilíacas, femorais e poplíteas. A rara síndrome de Hughes-Stovin caracteriza-se por trombose e aneurisma da artéria pulmonar em associação com tromboflebite periférica.
Acomete 50% dos pacientes, geralmente se manifesta por uma artrite de grandes e médias articulações de forma assimétrica e sendo não deformante.
Manifestação rara que pode cursar com proteinúria, hematúria e insuficiência renal leve.
São manifestações raras, mas pode ocorrer pericardite, miocardite, arterite coronariana e distúrbios de condução.
Manifestação também rara, mas cursa com ulcerações em mucosas do trato digestivo, principalmente em íleo terminal, ceco e cólon ascendente, podendo complicar com perfuração.
Além das lesões vasculares, ocorre diminuição dos volumes pulmonares e podem surgir opacidades e infiltrados em exame de imagem.
Os critérios diagnósticos para doença de Behçet são descritos na Tabela 1.
Tabela 1. Critérios diagnósticos para doença de Behçet
Critério |
Características |
Úlceras orais recorrentes |
Úlceras aftosas observadas por médico ou pelo paciente, com pelo menos 3 episódios em um período de 12 meses. |
Associado a pelo menos 2 dos seguintes: | |
Úlceras genitais recorrentes |
Úlceras aftosas observadas por médico ou pelo paciente. |
Lesões oculares |
Uveíte anterior ou posterior ou vasculite retiniana documentada por oftalmologista. |
Lesões de pele |
Lesões do tipo eritema nodoso observadas por um médico ou pelo paciente; lesões papulopustulares ou pseudofoliculite com nódulos acneiformes observados por um médico. |
Teste de patergia |
Patergia se refere a uma resposta a uma lesão na pele em forma de pápula eritematosa ou pústula. Deve aparecer em 24 a 48 horas após uma picada na pele por uma agulha de 20 gauge. |
1. Yurdakul S, Hamuryudan V, Yazici H. Behçet syndrome. Curr Opin Rheumatol 2004; 16:38.
2. Yazici H, Fresko I, Yurdakul S. Behçet's syndrome: disease manifestations, management, and advances in treatment. Nat Clin Pract Rheumatol 2007; 3:148.
3. Calamia KT, Wilson FC, Icen M, Crowson CS, Gabriel SE, Kremers HM. Epidemiology and clinical characteristics of Behçet’s disease in the US: a population-based study. Arthritis Rheum 2009; 61:600.
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5. O’Duffy JD. Behcet’s syndrome. In: Primer on the rheumatic diseases, 10th, Arthritis Foundation, Atlanta 1993. Vol 29, p.206.
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