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Mielofitise

Autor:

Rodrigo Antonio Brandão Neto

Médico Assistente da Disciplina de Emergências Clínicas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Última revisão: 09/06/2017

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Síndrome Mieloftísica

 

A medula óssea pode ser acometida por processos fibróticos, como a mielofibrose primária, também denominada de metaplasia mieloide agnogênica. A infiltração da medula óssea pode causar um quadro semelhante, o qual pode ser chamado de mielofibrose secundária, doença infiltrativa da medula óssea, síndrome mieloftísica (SMF) ou mieloftise.

A SMF pode ocorrer secundária a diversos processos patológicos, incluindo a anemia de Fanconi, mas se refere sobretudo à anemia resultante do processo de infiltração medular por células anormais ou componentes de tecido. Doenças infiltrativas que podem causar SMF incluem a invasão medular por leucemia aguda, células plasmáticas de mieloma e células de linfoma, leucemia crônica e neoplasias mieloproliferativas.

No entanto, o termo SMF é mais bem reservado para a substituição da medula por tumores não hematológicos e tecido não hematopoiético. O envolvimento mínimo a moderado da medula óssea normalmente não causa sintomas ou alterações hematológicas. Todavia, essa associação é clinicamente significativa, já que, em pacientes com diagnóstico estabelecido de câncer, indica disseminação metastática do tumor e, em geral, um estágio avançado da doença.

Embora a extensa infiltração possa levar à anemia ou mesmo à pancitopenia, a anemia pode ser, com frequência, acompanhada por uma elevada contagem de leucócitos e/ou células mieloides imaturas no sangue. As plaquetas podem ser aumentadas, diminuídas ou normais, com fragmentos megacariocíticos vistos ocasionalmente no esfregaço periférico.

Os pacientes apresentam, de forma associada, eritrócitos em forma de lágrima (dacriócitos), eritrócitos nucleados prematuramente liberados e células mieloides imaturas. Esses achados são referidos como reações leucoeritroblásticas, que, em geral, rejeitam a substituição da medula por tumor ou hematopoiese extramedular.

 

Etiologia e patogênese

 

A metástase tumoral resulta das interações complexas entre as células tumorais e o microambiente circundante. A invasão medular por um processo primário de metástase ocorre como resultado da perda de E-caderina ? molécula de adesão celular dependente de cálcio que, possivelmente, desempenha um papel na adesão intercelular e na inibição da invasão por células neoplásicas.

A perda da E-caderina pode ser causada por muitos mecanismos, incluindo mutações e silenciamento de genes. A desregulação do cálcio através da molécula de interação estromal também parece desempenhar um papel na invasão medular por tumores invasivos e seu comportamento metastático.

Muitos membros da família das metaloproteinases da matriz também podem participar do processo de invasão de células tumorais. As células do estroma, tais como os macrófagos associados a tumores, e os fatores de crescimento secretados por eles, tais como o fator de crescimento de fibroblastos, são também conhecidas por ocasionarem a propagação de tumores.

Nos distúrbios mielobróticos de origem primária e secundária, a fibrose/osteosclerose restringe o espaço disponível da medula e perturba a arquitetura da medula. A ruptura pode causar citopenias com produção de eritrócitos deformados, especialmente poiquilócitos e células em forma de lágrima, e liberação prematura de eritroblastos, mielócitos e plaquetas gigantes.

Anormalidades similares podem ocorrer após a substituição da medula por cristais de oxalato de cálcio. A anemia observada no câncer metastático resulta, com mais frequência, da liberação de citocinas, levando à anemia de doença crônica ou por deficiência de ferro como consequência de sangramento gastrintestinal ou uterino, ou outras deficiências nutricionais.

No entanto, costuma ser relatada a substituição da medula, acarretando a SMF como a única causa de anemia. A medula óssea é suscetível à implantação de células malignas transmitidas pelo sangue. Quase todas as neoplasias malignas podem desenvolver metástases para a medula, mas as mais comuns são as neoplasias do pulmão, da mama e da próstata. Os focos metastáticos na medula podem ser encontrados em 20 a 30% dos pacientes com carcinoma de pequenas células do pulmão no momento do diagnóstico e em mais de 50% dos pacientes em autópsia.

As anormalidades características observadas em pacientes com SMF podem resultar, em parte, de uma tentativa de formação de sangue extramedular compensatório que costuma representar hematopoiese extramedular predominantemente do baço.

Um quadro semelhante pode ser observado quando a medula é substituída por numerosos granulomas como, por exemplo, na sarcoidose, na tuberculose disseminada, nas infecções fúngicas ou por macrófagos contendo lípides, como nas doenças de Gaucher e Niemann-Pick e na síndrome de ativação macrofágica que ocorre em doenças reumatológicas ou na hemofagocitose que ocorre após infecções virais ou outros fatores precipitantes.

A necrose da medula óssea pode ser uma causa subjacente da SMF. Nesse caso, podem ser observados, na medula óssea, detritos celulares e células necróticas ocasionais em um fundo amorfo eosinofílico. A necrose da medula é, em geral, considerada incomum, representando menos de 1% das biópsias da medula.

Casos da doença associados a doenças autoimunes como a síndrome Crest ? calcinose, fenômeno de Raynaud, envolvimento esofágico, esclerodactilia, telangiectasia ? e cirrose biliar primária têm sido descritos. Tumores metastáticos, leucemia linfoblástica aguda (crianças) e septicemia costumam ser a causa subjacente de necrose de medula óssea em pacientes criticamente doentes.

A terapia com arsênico em pacientes com leucemia promielocítica aguda também pode cursar com necrose de medula óssea. Os focos necróticos variam de pequenos a muito extensos (<5 a 90% do volume da biópsia). A necrose extensa resulta na incapacidade de realizar a citometria/análise molecular de forma satisfatória. A biópsia repetida em um mesmo sítio pode ser necessária.

Estudos in vitro de progenitores hematopoiéticos em pacientes com SMF revelam apenas uma diminuição moderada de sua proporção e capacidade proliferativa da medula óssea, ou seja, a alteração da produção não poderia, isoladamente, explicar a anemia que ocorre nesses pacientes. Relatos semelhantes de quantificação de eritropoiese por estudos de cinética de ferro revelam apenas um defeito moderado medular.

 

Características clínicas

 

Os sintomas e sinais associados a distúrbios da medula infiltrada normalmente estão relacionados à doença subjacente. Outros sintomas como a fadiga podem ocorrer devido à anemia. Alguns pacientes são assintomáticos, e a descoberta acidental de citopenias e morfologia sanguínea leuco-erroblástica leva ao diagnóstico de um transtorno subjacente.

 

Achados laboratoriais

 

A anemia, em geral, é leve a moderada, mas pode, também, ser grave. A contagem de leucócitos e plaquetas pode variar, porém a principal característica é o aspecto morfológico dos eritrócitos no sangue. Essas células podem apresentar anisocitose e poiquilocitose; entretanto, a presença de formas de lágrima e de células vermelhas nucleadas é particularmente sugestiva de medula óssea infiltrada.

A combinação de eritrócitos nucleados e precursores mieloides imaturos constitui o quadro leucoeritroblástico que é característico da medula óssea e da hematopoiese extramedular. A presença de células cancerosas no sangue é ocasional e sempre indica a invasão da medula.

A biópsia da medula é o procedimento mais confiável usado para diagnosticar a doença medular, e deve ser realizada em todos os pacientes com suspeita de carcinoma metastático ou características hematológicas de SMF. A aspiração de medula óssea não é confiável para detecção de células tumorais, sendo pouco produtiva na mielofibrose primária ou secundária.

A incapacidade de aspirar a medula (aspiração seca) leva a um alto grau de suspeita de infiltração da medula e mielofibrose primária ou secundária. Uma vez que o rendimento da biópsia de medula no diagnóstico depende da quantidade de tecido examinado, podem ser necessárias biópsias de medula bilateral ilíaca posterior.

O Quadro 1 apresenta as causas da SMF.

 

Quadro 1

CAUSAS DA SÍNDROME MIELOFTÍSICA

               Mielofibrose primária

               Fibrose associada a outras neoplasias mieloproliferativas

               Leucemia de células pilosas

               Tumores metastáticos (por exemplo, carcinoma da mama)

               Sarcoidose

               Mielofibrose secundária com hipertensão pulmonar

               Oxalose

               Carcinomas (mama, pulmão, próstata, rim, tireoide e neuroblastoma)

               Infecções fúngicas

               Tuberculose miliar

               Doença de Gaucher e doença de Niemann-Pick

               Síndrome de ativação de macrófagos

               Necrose da medula óssea

               Anemia falciforme

               Metástase de tumor sólido

               Septicemia

               Leucemia linfoblástica aguda

               Terapêutica com arsênico

               Falha no desenvolvimento dos osteoclastos

               Osteopetrose

 

 

Outros exames

 

A cintilografia de captação de tecnécio-99m (99mTc) sestamibi identifica de forma confiável a medula infiltrada por células de Gaucher. A ressonância nuclear magnética (RNM) também é útil para avaliar a severidade da substituição da medula, e vem sendo cada vez mais utilizada.

Uma cintilografia óssea isotópica ou um estudo de RNM mostrando o acúmulo focal de traçadores radioativos podem ser úteis para encontrar um local adequado para a biópsia, mas um estudo negativo da área não exclui a possibilidade de envolvimento da medula. Na RNM, a necrose medular tem, caracteristicamente, um padrão geográfico extenso, de uso, de anormalidade de sinal, consistindo em uma área central de intensidade de sinal variável cercada por uma borda periférica distinta.

 

Diagnóstico diferencial

 

As causas de um esfregaço sanguíneo leucoeritroblástico são conhecidas. Ocorrem em um paciente com câncer metastático ou neoplasias malignas hematológicas evidentes. Na ausência de uma causa provável de avaliação clínica, a abordagem inicial para o diagnóstico é a biópsia da medula. Embora não seja uma técnica muito sensível, com a ajuda de imunocitoquímica e de citometria para antígenos específicos do tumor, a sua sensibilidade diagnóstica e a sua especificidade aumentam.

A RNM ou a cintilografia podem ajudar a encontrar o local da biópsia. Distúrbios hematológicos causando fibrose da medula, sobretudo mielofibrose primária, podem imitar a SMF, porém as distinções costumam ser evidentes. Por exemplo, o paciente com mielofibrose primária invariavelmente tem aumento esplênico; já aquele com câncer metastático quase sempre não o possui.

Se a SMF é o resultado de uma doença de armazenamento ou outra causa, os testes químicos apropriados, bem como a biópsia da medula, são úteis no diagnóstico. Os eritrócitos e a leucocitose podem ser observadas em condições agudas, incluindo sepse, hipoxia grave aguda, parada cardíaca e condições crônicas como talassemia, insuficiência cardíaca congestiva e anemia hemolítica grave.

 

Tratamento e prognóstico

 

O objetivo do tratamento é administrar a doença subjacente. Os pacientes com medula óssea causada por câncer devem ser tratados conforme a sua doença de base. Se o tratamento for bem-sucedido, não só as células malignas, mas também a fibrose reativa envolvendo focos metastáticos poderão desaparecer completamente, embora existam casos em que não ocorre melhora completa apesar da remissão da neoplasia. Na maioria dos pacientes com câncer metastático para a medula, a sobrevivência de curto prazo é a regra.

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