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Infecções do sistema nervoso central

Autores:

Gustavo Costa Fernandes

Médico residente do Serviço de Neurologia do HCPA.

Lenise Valler

Médica internista do Hospital Nossa Senhora da Conceição. Médica residente do Serviço de Neurologia do HCPA.

Última revisão: 06/06/2014

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Versão original publicada na obra Fochesatto Filho L, Barros E. Medicina Interna na Prática Clínica. Porto Alegre: Artmed; 2013.

 

Caso Clínico

Um paciente do sexo masculino, 32 anos, branco, casado, que exerce a profissão de ajudante de obras, relata cefaleia holocraniana com início há cinco dias. A dor instalou-se de forma insidiosa, e concomitantemente a febre (até 39oC) e náuseas ocasionais, durante o dia todo. Relata ainda piora da dor com a manobra de Valsalva e alívio parcial com o uso de analgésicos simples. Afirma não apresentar outros sintomas associados. Alguns dias antes, apresentou quadro de dor de garganta e tosse, que melhorou espontaneamente. Também diz não apresentar doenças precedentes, uso de medicações ou história clínica e familiar relevante.

Ao realizar exame físico verifica-se que o paciente está febril (38,1oC), prostrado, lúcido e orientado, com frequência cardíaca de 100 bpm, e demais sinais vitais normais e estáveis. No exame clínico geral, não há particularidades, exceto por discreta hiperemia de orofaringe sem exsudatos. O exame neurológico não evidencia sinais focais, porém é constatada discreta rigidez de nuca. Não é observado edema de papila no exame de fundo de olho.

A partir do hemograma, verifica-se discreta leucocitose (14.230 leucócitos com diferencial normal). Não há alterações na função renal e hepática. O exame de urina também não evidencia alterações, e, no raio X de tórax,  não são observados consolidações ou infiltrados. Realiza-se coleta de hemocultura.

 

Definições

Existem basicamente três regiões que podem abrigar patógenos e desenvolver síndromes infecciosas no sistema nervoso central (SNC) (Fig. 96.1).

 

         Meninges e espaços subaracnoides: meningites

         Parênquima encefálico: encefalites

         Parênquima medular: mielites

 

Além dessas síndromes, há também o acometimento conjunto do espaço subaracnoide com o parênquima encefálico, denominado meningoencefalite.

As manifestações clínicas das infecções do SNC resultam do efeito direto do patógeno e da reação inflamatória do hospedeiro. Assim, as definições de doenças infecciosas do SNC englobam o conceito de inflamação juntamente à ideia de dano tecidual como um todo.

O SNC pode ser afetado por diferentes patógenos: vírus, bactérias, fungos e parasitas. Cada um desses agentes pode manifestar-se clinicamente de diversas formas, com predileção por determinados tipos de acometimento. As bactérias geralmente apresentam como manifestação meningites e abscessos. Os vírus costumam manifestar-se por encefalites e meningites. Já os fungos acometem mais frequentemente pacientes imunocomprometidos, na forma de meningite ou abscesso. As infestações parasitárias apresentam, como exemplo mais conhecido no Brasil, as lesões parenquimatosas da cisticercose.

 

 

Figura 96.1

Meninges, espaço subaracnoide e parênquima encefálico: regiões do SNC passíveis de desenvolver síndromes infecciosas.

 

Os quadros de infecção viral, em especial, podem desenvolver diversas formas clínicas, dependendo do agente etiológico envolvido (Tab. 96.1).

 

Diagnóstico

A abordagem diagnóstica inicia com a suspeita clínica, baseada no quadro do paciente. Os achados de quadro infeccioso, como febre e leucocitose, concomitantes a sintomas e sinais neurológicos, levantam a possibilidade de infecção do SNC. As manifestações clínicas são variadas, de acordo com o local afetado e o agente etiológico envolvido. Febre, cefaleia, irritação meníngea, síndrome de hipertensão intracraniana e achados focais são as principais manifestações possíveis.

Os exames complementares são de extrema importância nesses casos. Algumas considerações gerais sobre os exames do líquido cerebrospinal e de imagem são apresentadas a seguir.

 

Líquido cerebrospinal

A realização do exame do líquido cerebrospinal é muito importante no diagnóstico da maioria dos casos de síndromes infecciosas do SNC, em especial a meningite.

Diversos exames complementares estão atualmente disponíveis para auxiliar o diagnóstico etiológico das infecções.

 

Principais parâmetros do líquido cerebrospinal pesquisados nas infecções do SNC:

         Composição celular: normal até 5 leucócitos e 5 eritrócitos.

         Proteínas: normal até 60 mg/dL (depende do laboratório).

         Glicose: o valor normal é de cerca de dois terços do da glicemia.

 

O método mais comum e seguro para a obtenção do líquido cerebrospinal é a punção lombar, que pode ser realizada no leito sob anestesia local. Introduz-se a agulha para a coleta do material, com o paciente em decúbito lateral, entre os processos espinhosos de L3-L4 ou L4-L5 (sempre abaixo de L1-L2, onde termina a medula espinal), e o líquido cerebrospinal é coletado. A pressão de abertura é mensurada acoplando-se um raquimanômetro à agulha de punção. Em adultos, a pressão normal varia de 80 a 200 mmH2O. Sugere-se a coleta de, pelo menos, três frascos de líquido cerebrospinal. Dessa forma, pode-se utilizá-los da seguinte maneira:

         Frasco 1: 1 mL para citológico diferencial.

         Frasco 2: 1 mL para bioquímica (glicose e proteínas).

         Frasco 3: 2 mL para pesquisa de bactérias. Sugere-se coletar, no mínimo, 10 mL para inclusão de reação em cadeia da polimerase PCRs e pesquisa de fungos e tuberculose.

         Frasco 4 (opcional): pode incluir pesquisa de células malignas para diagnóstico diferencial de carcinomatose ou linfomatose meníngea.

 

São contraindicações para a realização de punção lombar:

         Anticoagulação ou INR > 1,4

         Contagem de plaquetas inferior a 50.000

         Lesões no local da punção

# Evitar a realização do exame em pacientes com lesões no SNC com efeito de massa, devido ao risco de herniação (em especial das tonsilas cerebelares) pela formação de pressão negativa no sistema do líquido cerebrospinal.

 

Realizar exames de imagem antes da punção lombar, a fim de descartar lesões com efeito de massa, nas seguintes circunstâncias:

         Pacientes comatosos

         Pacientes imunodeprimidos

         Existência de sinais focais ou papiledema

# Considerar a realização de exame de imagem também em idosos.

 

 

 

 

 

Cada síndrome do líquido cerebrospinal sugere uma etiologia diferente para a doença. No entanto, a sobreposição de achados e as exceções na prática clínica dificultam a restrição diagnóstica. Os principais achados patológicos são apresentados na Tabela 96.2 e nos tópicos a seguir.

 

Exames de imagem

Os exames radiológicos apresentam papel fundamental na avaliação dos pacientes com suspeita de infecção do SNC. Suas principais funções são as seguintes:

         Sugerir um agente etiológico de acordo com os achados radiológicos e em combinação com o quadro clínico e laboratorial.

         Avaliar a existência de lesões com efeito de massa para realização de punção lombar em caso de urgência.

         Determinar e localizar lesões em que podem ser realizada biópsia.

 

Considera-se dois principais métodos de imagem do SNC: tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética nuclear (RM). Cada método apresenta vantagens e desvantagens, devendo-se aplicar o exame de forma individualizada.

A TC de crânio é um exame de rápida aquisição de imagem e fácil acesso aos pacientes durante a sua realização, permitindo agilidade no tratamento de indivíduos instáveis. Evidencia sensibilidade satisfatória em casos de doenças emergenciais, como hemorragias e hidrocefalia aguda. Para a investigação de lesões parenquimatosas, é preferível o uso de meio de contraste, pois algumas dessas lesões podem passar despercebidas sem o realce patológico dessa substância. No caso de infecções do SNC, é importante o uso de contraste para definição de abscessos e impregnação meníngea.

A realização de RM de crânio é mais restrita, em especial em casos de urgência. A demora para aquisição de imagem e a necessidade de equipamentos especiais para monitoração dos pacientes na sala de exame são contratempos importantes para o manejo em casos de instabilidade. Também restringem a utilização desse procedimento a menor disponibilidade e seu custo mais elevado. No entanto, é o exame de escolha para definições diagnósticas encefálicas de forma geral, devido à sua maior sensibilidade e resolução de imagem.

 

Meningites Infecciosas Agudas

Definição

As meningites infecciosas agudas são caracterizadas por acometimento inflamatório meníngeo de etiologia infecciosa e que se manifesta inicialmente após horas ou alguns dias. A maioria dessas meningites é causada por vírus ou bactérias.

Os quadros de meningites infecciosas que duram quatro semanas ou mais são comumente classificados como meningites crônicas. Os principais agentes etiológicos, nesses casos, são os fungos e o Mycobacterium tuberculosis.

 

 

 

Epidemiologia e etiologia

A maioria das meningites infecciosas agudas é causada por agentes virais, dos quais o enterovírus corresponde a até 90% dos casos. Outros vírus são herpes vírus simples (principalmente o tipo 2), da caxumba e HIV (em especial, na soroconversão).

Deve-se considerar de forma significativa a ocorrência de meningite bacteriana, apesar de ser mais rara, pois ela apresenta maiores taxas de morbidade e mortalidade. Em adultos, o principal germe responsável é o pneumococo (cerca de 50% dos casos [Fig. 96.2]), seguido de meningococo (15%) e listéria (7%). A incidência de Haemophilus influenza e como causa de meningite apresentou redução drástica após a utilização da vacina conjugada, em 1999. As condições clínicas associadas e a idade influenciam na etiologia da doença (Quadros 96.1 e 96.2).

 

 

Figura 96.2

Tomografia computadorizada de crânio sem contraste mostrando hiperdensidade no espaço subaracnoide em paciente com meningite pneumocócica.

 

 

 

 

 

Patogênese

Geralmente, a meningite bacteriana é precedida de colonização da mucosa orofaríngea, havendo invasão local e subsequente bacteriemia. Na sequência, a invasão meníngea causa a resposta inflamatória dentro do espaço subaracnoide, seguida de resposta clínica.

A invasão viral geralmente ocorre por meio do trato respiratório ou do gastrintestinal. Apesar de existirem meios de proteção, como IgA, mucosa ciliar na via aérea e secreção ácida no estômago, algumas partículas virais eventualmente invadem o organismo do indivíduo. O meio de entrada dos vírus no SNC varia, sendo propagados, na maioria dos casos, por via hematogênica, com invasão pelos capilares e ruptura da barreira hematencefálica ou pelo plexo coroide e também por meio de nervos periféricos ou do bulbo olfatório.

 

Sinais e sintomas

São sinais e sintomas de pacientes com meningites infecciosas agudas:

         Febre

         Cefaleia

         Alteração do sensório

         Rigidez de nuca

         Náuseas e vômitos

 

 Quadro clínico

A meningite bacteriana apresenta-se de forma aguda, em horas ou poucos dias, havendo febre, cefaleia e alteração do sensório. A ocorrência de sinais meníngeos é frequente.

Pode ocorrer de nem todas as manifestações da tríade clássica da meningite bacteriana (febre, rigidez de nuca e alteração do sensório) apresentarem-se. A cefaleia é a principal queixa, intensa e holocraniana. Os pacientes podem manifestar náuseas e vômitos concomitantemente ao quadro. Febre é um achado quase universal, principalmente em pacientes jovens e imunocompetentes. Entre os sinais verificados no exame físico, a rigidez de nuca é o mais comum. A alteração do estado mental manifesta-se como confusão ou letargia, mas pode haver quadro comatoso. O estado de irresponsividade, evoluindo para óbito, é a progressão natural da meningite bacteriana aguda não tratada.

A rigidez de nuca é relatada como uma dificuldade para mover o pescoço (“pescoço duro”). Avalia-se essa condição com o paciente em decúbito dorsal, flexionando sua cabeça a fim de tentar encostar o queixo no peito e sentindo a resistência involuntária. Devem ser diferenciadas resistência passiva de ativa e limitações da flexão da cabeça em pacientes idosos por doenças osteomusculares.

O sinal de Kernig (Fig. 96.3) é a resistência para estender a perna com o paciente na posição supina e com a coxa flexionada. Outro sinal de irritação meníngea é o sinal de Brudzinski (Fig. 96.4), no qual o doente flexiona as coxas e as pernas pela tentativa do examinador de fletir a cabeça na posição supina.

Deve-se ressaltar que a manifestação de meningismo não ocorre exclusivamente em casos de doença infecciosa. Qualquer doença com acometimento meníngeo pode desenvolver-se com forma clínica semelhante, como meningite carcinomatosa e autoimune e hemorragia subaracnoide.

A hipertensão intracraniana pode manifestar-se concomitantemente ao processo meníngeo, ocasionando papiledema bilateral e paresia do sexto nervo craniano (um falso sinal localizatório). Outros nervos cranianos podem ser afetados no início da doença, devido à irritação direta no espaço do líquido cerebros pinal (LCS) ou ao processo vasculítico. Sinais focais e crises convulsivas acometem até 30% dos indivíduos. A perda auditiva é uma das complicações tardias da doença bacteriana.

As meningites virais também se desenvolvem com quadro clínico agudo, mas com manifestações clínicas menos intensas do que na bacteriana. Os pacientes com meningite viral apresentam melhor estado geral e um curso da doença mais benigno.

 

 

Figura 96.3

Sinal de Kernig. Paciente em posição supina, com quadril fletido a 90o. O joelho não pode ser totalmente estendido.

 

 

Figura 96.4

Sinal de Brudzinski.

 

 Diagnóstico

Realiza-se o diagnóstico por meio de quadro clínico sugestivo e achados do líquido cerebrospinal (Tab. 96.2).

Em casos de meningite bacteriana, os exames que definem o diagnóstico em relação ao líquido cerebrospinal são o bacterioscópico (positivo em cerca de metade dos casos) e o bacteriológico (culturas positivas em aproximadamente dois terços dos casos). Uma relação de glicose LCS sérica menor do que 0,3 sugere o diagnóstico. Hemoculturas também auxiliam na determinação do agente etiológico.

Em casos de meningite viral, o diagnóstico etiológico é confirmado atualmente com o uso da reação em cadeia da polimerase (PCR) para detecção do vírus.

 

 

Figura 96.5

Algoritmo para manejo de pacientes com suspeita de meningite bacteriana.

* Dexametasona: deve-se administrar 15 a 20 minutos antes da primeira dose do antibiótico ou concomitante (dose: 0,15 mg/kg, IV, a cada 6 horas, por 4 dias). Evidenciou benefício na morbidade da meningite por pneumococo.

** Recomenda-se exame de imagem previamente à punção lombar para pacientes comatosos, imunodeprimidos, com sinais focais ou papiledema. Alguns ainda aconselham exame de imagem para idosos.

 

 

 

A TC ou a RM podem evidenciar impregnação meníngea pelo contraste, sugerindo o diagnóstico, mas não são essenciais. Esses exames devem ser realizados antes da punção lombar nas condições citadas anteriormente.

 

 Tratamento

Considera-se a meningite bacteriana uma emergência médica, devendo ser instituído, tratamento o mais breve possível (Fig. 95.5 e Tabs. 96.3 e 96.4).

 

A duração do tratamento depende do germe envolvido

         S. pneumoniae, H. influenzae e Streptococcus do grupo B: 10 a 14 dias.

         N. meningitides: 7 dias.

         L. monocytogenes e Enterobacteriaceae: 4 semanas.

 

Obs.: A repetição do exame do líquido cerebrospinal não é recomendada rotineiramente. Deve ser realizada se houver suspeita de falha terapêutica.

 

O tratamento da meningite viral é de suporte, com analgesia e antitérmicos. Quando a apresentação do líquido cerebrospinal inicial é de predomínio neutrofílico, pode-se repetir o exame em 24 a 48 horas para documentação da “virada de celularidade”, com a passagem para predomínio linfomonocítico. Os pacientes com condições de realizar acompanhamento domiciliar do ponto de vista social e que apresentam resposta satisfatória ao uso de medicamentos por via oral podem ser liberados para casa.

 

Prevenção e quimioprofilaxia

A vacina conjugada contra Haemophilus influenzae foi introduzida em 1999 como rotina no calendário vacinal da criança, com grande impacto na incidência de doenças invasivas desse germe. Também constam no calendário infantil as vacinas contra meningococo sorotipo C e pneumococo 10 conjugada. As vacinas contra outras causas menos comuns de acometimento meníngeo, como caxumba (parotidite e orquite associadas) e poliomielite (principalmente doença do neurônio motor), já estão bem estabelecidas no calendário.

Para idosos (indivíduos com mais de 60 anos), é recomendada a vacina pneumocócica 23-valente (polissacarídica), em especial para os que vivem em ambientes fechados (p. ex., asilos, casas de repouso) e com comorbidades clínicas. Deve-se realizar apenas uma dose de reforço cinco anos após a dose inicial.

A profilaxia da doença meningocócica, após identificação de um caso, envolve o isolamento do paciente por 24 horas depois de iniciar a administração de antibiótico e a execução de quimioprofilaxia nos indivíduos próximos e nas pessoas que entraram em contato com secreção respiratória do paciente. Deve-se realizar essa profilaxia o mais breve possível, e regimes antimicrobianos incluem ceftriaxona, rifampicina ou ciprofloxacino.

Existem indicações específicas para quimioprofilaxia em casos de contatos de pacientes com meningite por H. influenzae tipo B, que devem ser consultadas a cada caso. Como regra, contatos domiciliares, na presença de crianças com menos de 4 anos de idade, devem receber quimioprofilaxia, sendo a droga de escolha a rifampicina.

 

Encefalites e Mielites

Definição, etiologia e epidemiologia

As encefalites englobam os quadros de acometimento do parênquima cerebral, focal ou difuso, sem a formação de lesões expansivas. Os agentes mais comuns nessa forma de doença são os vírus (Tab. 96.1). No entanto, praticamente todos os agentes infecciosos podem desenvolver, em algum grau, acometimento focal ou difuso do parênquima, apresentando manifestações clínicas idênticas às de encefalites virais.

As mielites são doenças do parênquima medular que apresentam manifestações de um ou mais tratos ascendentes ou descendentes. Essas condições podem ou não ocorrer concomitantemente a quadro de encefalite (encefalomielite).

Os quadros de encefalites e mielites podem ser divididos em infecciosos (doença viral ativa) e pós-infecciosos (dias a semanas após a infecção inicial).

Muitas vezes, o processo infeccioso e inflamatório afeta o espaço do líquido cerebrospinal, ocasionando a síndrome clínica de meningoencefalite.

Nos casos de encefalite, o agente mais observado, incluindo imunocompetentes, é o vírus herpes simples tipo 1. O HIV é outro vírus frequente que pode causar quadro de encefalite por si só.

Como a maioria das doenças infecciosas do SNC, também as encefalites são mais comuns em pacientes imunodeprimidos, em especial a encefalite por citome-galovírus e a encefalite toxoplásmica.

 

Patogênese

Como em casos de meningites agudas, o acometimento viral do SNC ocorre por diversas portas de entrada, como trato respiratório e gastrintestinal, genital e nervos periféricos. A resposta inflamatória do hospedeiro desencadeia a síndrome clínica. Acredita-se que ocorra uma resposta inflamatória por autoimunidade nas encefalites pós-infecciosas.

 

Sinais e sintomas

Os sinais e os sintomas de pacientes com encefalites e mielites são os seguintes:

         Hipertensão intracraniana

         Alterações de comportamento

         Depressão do sensório

         Cefaleia

 

Quadro clínico

Geralmente de instalação aguda ou subaguda, as encefalites podem cursar com manifestações difusas das funções corticais, como alterações de comportamento, depressão do sensório e quadro confusional. Febre e cefaleia também ocorrem junto com a infecção. Quando o processo afeta as meninges, além do parênquima, sinais meníngeos podem ser observados. Os achados focais são mais comuns nas encefalites do que nas meningites. A hipertensão intracraniana e as síndromes de herniação evidenciam o processo inflamatório e o edema que alguns pacientes apresentam.

O quadro clínico de mielite infecciosa ou pós-infecciosa em geral se desenvolve com a mielite transversa, em que as manifestações ocorrem devido à interrupção dos tratos ascendentes e dos descendentes da medula, com nível sensitivo e paresia/plegia abaixo do nível acometido, junto com a ocorrência de alterações esfincterianas. Hoje raramente, a poliomielite cursa com alterações do corno anterior da medula, paresia focal e atrofia muscular.

As encefalites e as mielites pós-infecciosas tendem a se manifestar em dias ou poucas semanas após um quadro de infecção viral ou vacinação (p. ex., sarampo).

 

Diagnóstico

Além do quadro clínico, o exame de imagem é essencial nesses casos. O método de escolha é a RM de crânio e/ou medula, que evidencia hipersinal no parênquima cerebral e medular nas sequências T2 e FLAIR, com ou sem realce discreto ou giriforme por gadolínio e restrição na difusão. O padrão mais específico é o da encefalite herpética, que afeta o sistema límbico, com hipersinal nos polos temporais de forma assimétrica, giro do cíngulo e ínsula (Fig. 96.6).

Deve-se executar coleta de líquido cerebrospinal para o diagnóstico etiológico, por meio de PCR viral. Os parâmetros de líquido cerebrospinal comumente observados em casos de meningo encefalites estão na Tabela 96.2. Ressalta-se que, nos casos de acometimento exclusivo do parênquima cerebral, o líquido cerebrospinal pode estar normal, não devendo ser descartado o diagnóstico com base apenas nesse exame.

 

 

Figura 96.6

Encefalite herpética evidenciando hiperintensidade na ressonância magnética nuclear, em T2, no lobo temporal direito.

 

Tratamento

O manejo principal, em grande parte dos casos, baseia-se na terapia de suporte, atentando-se para a via aérea nos casos de depressão do sensório, alterações autonômicas e infecções secundárias. No entanto, em algumas etiologias, o tratamento específico pode ser essencial e salvar a vida do paciente, como na encefalite herpética.

 

Tratamento específico de encefalites virais:

         Herpes simples: aciclovir IV, 10 mg/kg, a cada 8 horas, por 14 a 21 dias.

         Varicela-zóster: aciclovir IV, 10 a 12 mg/kg, a cada 8 horas, por 14 dias.

         Citomegalovírus: ganciclovir IV, 5 mg/kg, a cada 12 horas, por 14 a 21 dias.

         HIV: antirretrovirais (consultar infectologista).

 

Tuberculose do Sistema Nervoso Central

Definição e epidemiologia

A tuberculose do SNC é uma doença causada pelo Mycobacterium tuberculosis. No SNC, pode apresentar a forma de meningite ou abscessos tuberculosos (tuberculoma, [Fig. 96.7]). Também o acometimento da coluna vertebral (mal de Pott) pode causar dano neurológico por meio de compressão medular.

 

 

Figura 96.7

Ressonância magnética nuclear de crânio com contraste em paciente com abscesso tuberculoso (tuberculoma) no cerebelo.

 

Essa doença afeta principalmente pacientes com algum grau de imunodepressão e é mais comum em países em desenvolvimento, onde a tuberculose pulmonar também é mais frequente. Tanto a meningite tuberculosa quanto a fúngica (em especial a criptocócica) apresentam maior incidência em pacientes com Aids. No entanto, é importante frisar que pessoas sem defeitos no sistema imune ainda podem ser afetadas por essas doenças.

 

Patogênese

A infecção do SNC ocorre por disseminação hematogênica após infecção primária pulmonar, com comprometimento do parênquima encefálico. Essas lesões podem formar abscessos ou romper para o espaço subaracnoide, causando meningite.

Inicialmente, as complicações neurológicas da meningite tuberculosa são causadas pela reação de hipersensibilidade que ocorre no espaço subaracnoide quando proteínas são liberadas pela ruptura do granuloma. O exsudato fica localizado nas cisternas basais e ao redor de nervos cranianos e vasos sanguíneos. O líquido cerebrospinal pode ficar bloqueado e gerar um quadro de hidrocefalia. As manifestações clínicas dos abscessos tuberculosos são secundárias ao efeito expansivo da lesão e do edema circunjacente.

 

Quadro clínico

A doença no SNC pode não ocorrer concomitantemente a doença ativa em outros sistemas, sendo a suspeita clínica essencial para o diagnóstico.

O quadro de tuberculoma é semelhante às apresentações de outras lesões abscedidas, com sinais e sintomas focais, crises convulsivas e alterações do sensório, podendo apresentar início agudo. A febre é um achado pouco comum.

A meningite tuberculosa geralmente se desenvolve de forma insidiosa, apresentando-se como um quadro crônico (> 4 semanas) de cefaleia e sinais meníngeos e de hipertensão intracraniana.

A apresentação clínica em pacientes infectados pelo HIV é similar à de pacientes imunocompetentes. Entretanto, naqueles, é mais provável a apresentação com líquido cerebrospinal acelular e lesões tumorais (Fig. 96.7).

 

Classicamente, o quadro clínico da meningite tuberculosa não tratada é dividido em três fases

Fase 1: apresentam-se sintomas e sinais inespecíficos de quadro infeccioso, durando cerca de uma a duas semanas.

Fase 2: surgem sintomas e sinais de irritação meníngea, alteração de nervos cranianos (geralmente o terceiro e o sexto), podendo haver extrapiramidalismo ou alterações de fala.

Fase 3: sinais focais são mais comuns, bem como as crises convulsivas. Há quadro de meningismo mais acentuado e alteração significativa do sensório, evoluindo para estupor e coma.

 

Diagnóstico

O tuberculoma, como a maioria das lesões infecciosas parenquimatosas, não apresenta característica patognomônica nos exames de imagem. Dessa forma, o diagnóstico, nesses casos, costuma ser presuntivo, após resposta terapêutica com tuberculostáticos. A realização de biópsia cerebral proporciona o diagnóstico definitivo, mas seu rendimento é baixo. Achados sugestivos de tuberculose em outros órgãos (cavernas no raio X de tórax, microabscessos esplênicos, purified protein derivative (derivado proteico purificado [PPD]) forte reator, etc.) são pesquisados como apoio diagnóstico, mas não confirmam nem excluem o quadro.

Confirma-se o diagnóstico da meningite tuberculosa por meio de isolamento do germe no líquido cerebrospinal por pesquisa de BAAR, cultura de micobactéria ou PCR. Achados liquóricos sugestivos constam na Tabela 96.2.

 

Tratamento

A doença no SNC pode não ocorrer concomitantemente a doença ativa em outros sistemas, sendo a suspeita clínica essencial para o diagnóstico.

O tratamento com tuberculostáticos (Tab. 96.5) é mais prolongado na doença do SNC. Isoniazida, rifampicina, etambutol e pirazinamida são utilizados durante dois meses. Após, isoniazida e rifampicina completam um total de 9 a 12 meses. Recomenda-se o uso de dexametasona intravenosa para pacientes com alteração de consciência, papiledema, sinal neurológico focal, princípio de herniação cerebral, bloqueio espinal ou hidrocefalia.

 

 

Abscesso Cerebral Bacteriano

Definição e patogenêse

O abscesso cerebral bacteriano é definido como uma área de exsudato purulento, delimitada por uma cápsula secundária a uma infecção bacteriana do parênquima cerebral. Essa doença é relativamente rara. Os principais germes isolados nos casos de abscessos são os estreptococos, mas diversos outros agentes já foram observados. A etiologia depende, em grande parte, do modo de inoculação do germe, sendo a rota de contiguidade por infecções de ouvido ou seios paranasais, a disseminação hematogênica e a inoculação direta por trauma ou a neurocirurgia as mais comuns.

Em adultos, otite média e sinusite são os principais fatores de risco para a formação de abscessos. Em crianças, otite média e doença cardíaca congênita cianótica são as principais condições associadas. Até 30% dos abscessos cerebrais são criptogênicos. Existem basicamente quatro estágios no desenvolvimento de um abscesso, descritos na Tabela 96.6.

 

Abscessos cerebrais podem ocorrer como consequência ou complicação de:

         Otites, mastoidites, sinusites, infecções dentárias

         Trauma craniano aberto

         Procedimentos neurocirúrgicos

         Rota hematogênica (p. ex., infecções pulmonares, infecções de pele, osteomielite, coleções purulentas intra-abdominais e pélvicas, endocardite infecciosa)

         Doenças cardíacas congênitas

 

 

Quadro clínico

Geralmente, os abscessos cerebrais bacterianos apresentam um quadro clínico inespecífico, em especial no início da doença, com cefaleia, mal-estar e depressão do sensório. A ocorrência de febre é menos comum (cerca de metade dos casos). Os abscessos podem manifestar-se com sinais focais secundários ao local afetado, como paresias, afasia e déficits sensitivos. Crises convulsivas também podem ocorrer. O edema ao redor da lesão contribui para o quadro.

Deve-se pesquisar outras infecções como origem da doença (sinusites, otites, infecções dentárias). A história de trauma encefálico aberto e neurocirurgia também predispõem a esse tipo de infecção.

Diferentemente dos abscessos cerebrais, que acometem diretamente o parênquima, os abscessos da região espinal localizam-se geralmente no espaço epidural. As manifestações incluem dor na região da coluna e sintomas e sinais de compressão medular.

 

Diagnóstico

Por apresentar quadro clínico inespecífico, o diagnóstico baseia-se nos achados de imagem e de laboratório.

Deve-se procurar isolar o germe por meio de obtenção de material dos locais sugestivos de infecção primária (otite, sinusite, etc.) e hemocultura. Como regra, não se deve realizar punção lombar nesses casos. Dificilmente o germe é isolado no líquido cerebrospinal, que apresenta alterações discretas e inespecíficas (pleocitose e aumento de proteínas). O benefício no diagnóstico é pequeno, e o risco de herniação (se houver lesões com efeito de massa) é considerável.

A realização de exame de imagem é fundamental para o diagnóstico. Achados característicos são apresentados nas Tabelas 96.7 e 96.8 e na Fig. 96.8.

Em abscessos em que se pode executar biópsia (ver Tratamento), o isolamento do germe confirma o diagnóstico.

 

 

Figura 96.8

Abscesso bacteriano com realce anelar e edema adjacente em tomografia computadorizada com contraste.

 

 

 

 Tratamento

Idealmente, deve-se executar como abordagem inicial a biópsia estereotáxica para cultura do germe. Após a biópsia, administram-se antimicrobianos imediatamente, de forma empírica, conforme a condição clínica associada (Tab. 96.9).

Em casos de abscessos com efeito de massa significativo ou falha clínica, deve-se tentar ressecção cirúrgica.

 

Neurossífilis

Definição e epidemiologia

A sífilis é uma infecção multissistêmica causada pela bactéria Treponema pallidum. É transmitida por via sexual por meio do contato com lesões primárias, por via transplacentária ou por transfusão sanguínea.

A neurossífilis é definida como qualquer evidência direta ou indireta da existência do T. pallidum no líquido cerebrospinal ou no parênquima cerebral. Com a epidemia de Aids, a incidência das manifestações neurológicas da sífilis está aumentando.

 

Quadro clínico

Diversas formas de acometimento do SNC são possíveis em casos de neurossífilis, como descrito a seguir.

 

* Acrescentar vancomicina se houver suspeita de S. aureus resistente à meticilina (MRSA).

**Usar ceftazidima ou cefepima se houver suspeita de Pseudomo nas aeruginosa.

***Incluir sulfonamida (sulfametoxazol-trimetoprim) se houver suspeita de Nocardia spp.

 

         Neurossífilis assintomática: verificam-se líquido cerebrospinal alterado, que inclui leve aumento de linfócitos, aumento de proteínas e um teste de VDRL positivo em um paciente sem sintomas ou sinais neurológicos.

         Meningite sifilítica: a maioria dos casos ocorre nos primeiros dois anos após a infecção primária. O início é subagudo e predominam sintomas de hipertensão intracraniana e meningite basal. Manifestações clínicas incluem delirium, febre, cefaleia, náuseas e vômitos, rigidez de nuca, neuropatias cranianas (mais frequentemente de sétimo e oitavo nervos), déficits neurológicos focais, anormalidades de pupila e hidrocefalia.

         Doença cerebrovascular: a neurossífilis é uma importante causa de acidente vascular cerebral em jovens, geralmente de 4 a 10 anos após a infecção primária. A sífilis meningo vascular é a manifestação mais comum da neurossífilis sintomática. Os sinais focais de instalação súbita refletem o infarto cerebral causado pela doença.

         Demência sifilítica: quadro demencial que apresenta pico de incidência de 10 a 20 anos após a infecção primária. O início geralmente é subagudo, havendo curso progressivo. A doença pode afetar múltiplas funções cognitivas, ocorrendo alteração de personalidade, afeto, inteligência, linguagem e memória.

         Neurossífilis tabética: esse quadro é raro atualmente. Pode causar doença na medula e nas raízes nervosas. A manifestação inicial dos sintomas pode ser aguda, quando há lesão vascular, subaguda, na compressão medular por granulomas, e crônica, na paquimningite hipertrófica ou tabes dorsalis (lesão do cordão posterior da medula). A manifestação típica da tabes dorsalis sifilítica inclui ataxia de marcha sensitiva, diminuição de palestesia e tato fino.

         Mielite sifilítica: é uma mielopatia inflamatória rara que apresenta início gradual, 20 a 25 anos após a sífilis primária.

         Ouvidos e olhos: otite sifilítica (com surdez assimétrica, acúfenos) e acometimento ocular (principalmente na forma de uveítes) são variantes da forma neurológica da sífilis.

 

Diagnóstico

Não há método de isolamento do T. pallidum, sendo os testes sorológicos a base do diagnóstico. No entanto, na lesão primária (cancro duro), pode-se realizar o diagnóstico com a pesquisa direta do treponema em campo escuro.

Os testes sorológicos podem ser agrupados nas duas seguintes categorias:

         Testes com anticorpos não treponêmicos: esses testes identificam anticorpos ligados aos lipídeos encontrados nas membranas da bactéria, usando antígenos cardiolipínicos. Esses exames são o teste de reagina plasmática rápida (RPR) e venereal disease research laboratory (VDRL). Apresentam sensibilidade de 70% em casos de sífilis primária, 99% nos de secundária e mais de 90% nos de formas terciárias. Muitas causas de resultados falso-positivos são relatadas, em geral em títulos baixos (colagenoses, gravidez).

         Testes com anticorpos treponêmicos: esses testes identificam anticorpos específicos contra T. pallidum. Incluem teste de absorção do anticorpo treponêmico fluorescente (FTA-Abs) e teste de micro-hemoaglutinação (MHA-TP).

Éimportante realizar um teste treponêmico no sangue, como o FTA-Abs, de um paciente com neurossífilis presumida, uma vez que o VDRL (comumente utilizado em triagem de sífilis) pode tornar-se não reativo em fases tardias da sífilis, com apenas 70% dos pacientes com neurossífilis apresentando positividade nesse teste.

Havendo suspeita de neurossífilis, é necessária a execução de punção lombar para confirmação do diagnóstico. São sugeridos fluxogramas de investigação nas Figuras 96.9 e 96.10.

 

Tratamento

Utilizam-se altas doses de penicilina G cristalina IV (4 milhões UI, a cada 4 horas, por 10 a 14 dias).

Deve-se monitorar a resposta ao tratamento por testes séricos não treponêmicos seriados até o título ser negativo ou fixo em baixos níveis e pelo exame do líquido cerebrospinal, a cada seis meses, até os leucócitos se normalizarem.

 

 

Figura 96.9

Algoritmo de investigação de neurossífilis em paciente sem infecção pelo HIV.

NS, neurossífi lis; PL, punção lombar; LCS, líquido cerebrospinal.

Fonte: Adaptada de Marra.1

 

 

 

Figura 96.10

Algoritmo de investigação de paciente infectado por HIV na suspeita de neurossífilis.

NS, neurossífi lis; PL, punção lombar; LCS, líquido cerebrospinal.

Fonte: Adaptada de Marra.1

 

Fungos e Sistema Nervoso Central

Epidemiologia e patogênese

As infecções fúngicas no SNC apresentam altas taxas de morbimortalidade. O aumento da incidência nas últimas três décadas ocorreu principalmente em função da maior quantidade de pacientes que realizam transplantes de órgãos, quimioterapia potente e de pacientes graves internados em unidades de terapia intensiva.

A exposição aos fungos ocorre por inalação, ingestão ou contato com a pele. A infecção começa no tecido subcutâneo ou nos órgãos invadidos, e secundariamente há disseminação hemática até o SNC. Morfologia e tamanho do fungo, dose inoculada, virulência, composição de antígeno e imunidade do hospedeiro determinam a patologia e a gravidade da doença.

As manifestações como meningites e meningoencefalites são causadas principalmente pelos fungos filamentosos por meio de penetração na microcirculação e invasão do espaço subaracnoide. Já as lesões focais e os abscessos resultam de invasão arterial com arterite e subsequente embolização ou oclusão, enquanto extensão direta de seios paranasais, órbitas ou ouvido médio desencadeia abscesso ou granuloma nos lobos frontais e nos temporais.

 

Aspectos clínicos e diagnósticos

O aspecto mais importante é a história clínica, principalmente o tempo de doença e o contexto em que os sintomas se desenvolveram. Deve-se também coletar a história médica pregressa e a história cirúrgica, a área geográfica e o relato de viagens, bem como profissão/atividade de exposição do paciente, história de hospitalização prolongada, transplante de órgãos, uso de antibióticos de amplo espectro e imunossupressores.

As infecções fúngicas geralmente cursam com quadro crônico e indolente, em especial os quadros meníngeos. No entanto, lesões vasculares secundárias a vasculites fúngicas e lesões expansivas podem apresentar-se de forma aguda.

Com exceção de fungos endêmicos e inoculação por trauma, a infecção fúngica ocorre, na maioria dos casos, em pacientes imunocomprometidos. As principais situações de imunossupressão são as seguintes:

         Neutropenia: essa condição está tipicamente associada a Aspergillus spp. e a outros fungos filamentosos. A duração e a intensidade da neutropenia estão diretamente relacionadas ao risco. Candida spp. também estão associadas à neutropenia grave.

         Pacientes que realizaram transplante e usuários de imunossupressores (p. ex., corticoide): nesses casos, há alto risco de infecção por Candida spp., Aspergillus spp. e Cryptococcus. As infecções fúngicas ocorrem tardiamente (média de 1,6 ano após o transplante).

         HIV/Aids: o criptococo é o fungo mais frequentemente observado nesses pacientes, geralmente sob a forma de meningite crônica.

Para estabelecer o diagnóstico definitivo, é necessário realizar identificação histopatológica ou crescimento do fungo em meio de cultura. No entanto, nem sempre é possível executar a biópsia, ou ela pode apresentar resultado inconclusivo. A realização de culturas é demorada e em geral evidencia baixo rendimento. Nos casos meníngeos, as características do líquido cerebrospinal sugerem o diagnóstico.

 

Considerações Sobre Doenças Específicas

Candidíase

Existem mais de 200 espécies de cândida, sendo a espécie albicans responsável por 90% de todas as infecções significativas.

Doença neurológica tende a ocorrer em doentes imunodeprimidos, relacionada à candidíase sistêmica.

As formas mais comuns são meningites e microabscessos (< 3 mm). As ocorrências de infartos cerebrais por invasão vascular e hemorragia subaracnoide por ruptura de aneurismas micóticos são mais raras.

Realiza-se o diagnóstico por meio de demonstração de doença invasiva e achados no líquido cerebrospinal compatíveis (no caso de meningite). Devem-se pesquisar lesões de pele, retinopatias e abscessos em outros órgãos. Biópsia deve ser executada em lesões suspeitas.

O tratamento é feito com anfotericina B associada à flucitocina durante várias semanas (até que haja melhora clínica, radiológica e do líquido cerebrospinal). A administração de fluconazol é uma opção para pacientes intolerantes ao uso de anfotericina.

 

Criptococose

Há duas espécies que causam doença e quatro sorotipos (além das formas híbridas):

–Cryptococcus neoformans (sorotipos A, D e AD): correspondem a 98% das infecções e afetam indivíduos imunossuprimidos.

–Cryptococcus gattii (sorotipos B e C): são mais observados em pacientes imunocompetentes.

         A maioria dos casos manifesta-se como meningite em pacientes imunossuprimidos. A cefaleia é o sintoma mais comum e progride por dias a semanas. A ocorrência de confusão, alterações de comportamento e personalidade é frequente, sendo a de febre relativamente incomum.

         O caso típico é de meningite crônica com sinais de hipertensão intracraniana (pressões de abertura na punção lombar extremamente elevada em muitos casos) em um paciente com Aids.

         As lesões parenquimatosas (criptococomas) são uma forma menos comum de apresentação.

         Deve-se considerar que esse fungo pode afetar indivíduos imunocompetentes com relativa frequência.

         O líquido cerebrospinal evidencia pleocitose mononuclear (20 a 200 céls./mm3 em paciente sem Aids e 0 a 50 céls./mm3 em pacientes com Aids), maior quantidade de proteínas e glicose baixa ou normal. A pressão de abertura muitas vezes atinge valores superiores a 500 mmH2O.

 

         Diagnóstico

–Coloração com tinta da índia no líquido cerebros- pinal: o organismo é observado em mais de 50% dos pacientes sem Aids e em 90% dos pacientes com Aids.

–Aglutinação de antígenos no látex presentes no sangue ou no líquido cerebrospinal apresentam acentuada sensibilidade e especificidade.

–Deve-se executar biópsia cerebral nas lesões parenquimatosas em caso de dúvida diagnóstica.

 

         Tratamento

–O tratamento para pacientes com Aids é realizado da seguinte forma:

         Indução: anfotericina B (0,7 mg/kg, IV, a cada 24 horas) associada à flucitosina (25 mg/kg, VO, a cada 6 horas) por duas semanas seguidas.

         Consolidação: fluconazol (400 mg, VO, a cada 24 horas) por oito semanas.

         Manutenção: fluconazol (200 mg, VO, a cada 24 horas). Pode-se considerar a cessação do tratamento em pacientes com resposta satisfatória aos antirretrovirais e CD4 superior a 100 a 200 céls./mm3 por mais de seis meses.

 

–Para os pacientes que realizaram transplante, estabelece-se o seguinte tratamento:

         Indução: anfotericina B lipossomal (3 a 4 mg/ kg/dia, IV) associada à flucitocina (25 mg/kg, a cada 6 horas) durante duas semanas.

         Consolidação: fluconazol (400 a 800 mg/dia, VO) por oito semanas

         Manutenção: fluconazol (200 mg/dia, VO) por 6 a 12 meses.

 

–Os pacientes sem Aids e que não realizaram transplante devem executar o tratamento apresentado a seguir:

         Indução: anfotericina B (0,5 a 0,8 mg/kg/dia, IV) associada à flucitocina (25 mg/kg, VO, a cada 6 horas) até que o paciente esteja afebril e apresente culturas negativas (cerca de 2 a 4 semanas).

         Consolidação: fluconazol (400 a 800 mg/dia, VO) por oito semanas.

         Manutenção: fluconazol (200 mg/dia, VO) por 6 a 12 meses.

 

Mucormicose

A mucormicose é uma infecção fúngica que afeta pacientes imunossuprimidos e diabéticos na forma pulmonar ou rino-orbito-cerebral. Os gêneros mais comumente responsáveis pela doença são Rhizopus, Mucor e Rhizomucor.

         Essa doença acomete o SNC na forma invasiva por meio dos seios da face, com infarto e necrose tecidual. Apresenta alta mortalidade, com cerca de 50% dos pacientes evoluindo para óbito.

         O tratamento envolve ressecção cirúrgica da lesão e uso de drogas antifúngicas, sendo a anfotericina B a droga de escolha.

 

Aspergilose

         A aspergilose é uma infecção fúngica que afeta mais frequentemente pacientes com neoplasias hematológicas e que realizaram transplante de células hematopoéiticas e de órgãos sólidos. A espécie mais comumente envolvida, e também a mais virulenta, é a fumigatus.

         A doença do SNC pode ocorrer se houver doença disseminada ou por meio de extensão direta pelos seios paranasais. Manifesta-se de várias formas patológicas: meningite, aneurisma micótico, infartos corticais e subcorticais com ou sem transformação hemorrágica, cerebrite e abscesso.

         A droga de escolha para o tratamento é o voriconazol, sendo a anfotericina B uma outra alternativa.

 

Hiv e Sistema Nervoso Central

O acometimento do sistema nervoso em pacientes infectados pelo HIV é extremamente variado e comum. Tanto o próprio HIV quanto as infecções oportunistas podem causar doenças neurológicas centrais ou periféricas. Um dos principais fatores determinantes para que ocorra as infecções e as síndromes associadas ao HIV é o número de células CD4 (Quadro 96.3). A seguir, constam algumas das doenças que se manifestam mais frequentemente nesses pacientes, agrupadas por locais de acometimento.

 

Encéfalo

Demência associada ao HIV

Essa doença é causada pelo próprio HIV; manifesta-se com quadro demencial subcortical, alterações motoras finas e alterações neuropsiquiátricas. Pode haver ataxia de marcha. Pode afetar pacientes que apresentam valores altos de CD4, porém é mais frequente em pacientes com valores inferiores a 100 céls./mm3. O manejo baseia-se no controle do HIV com terapia antirretroviral, o que tende a aumentar a sobrevida e a melhorar alguns dos sintomas.

 

 

 

Figura 96.11

Toxoplasmose sob a forma de abscesso no snúcleos  da base à direita em ressonância magnética nuclear com contraste (notar o efeito de massa com desvio da linha média).

 

Toxoplasmose cerebral

A toxoplasmose cerebral é a mais comum das infecções oportunistas no Brasil. Causada pela reativação de infecção latente pelo Toxoplasma gondii, afeta pacientes com níveis baixos de CD4 (< 100 céls./mm3). Nos pacientes com Aids, tende a manifestar-se na forma de abscessos cerebrais, comprometendo a região dos núcleos da base (Fig. 96.11).

Apresentações clínicas dessa condição são cefaleia, alteração do sensório, sinais e sintomas de hipertensão intracraniana e achados focais. O diagnóstico em geral é presuntivo, realizado por meio da resposta terapêutica em pacientes com Aids, abscessos em núcleos da base com imagem típica (realce anelar e múltiplas lesões) e sorologia com IgG positivo para toxoplasma. Após 14 dias de tratamento, espera-se resposta clínica e radiológica ao menos parcial.

Executa-se o tratamento com sulfadiazina associada à pirimetamina (com reposição de ácido folínico) por, no mínimo, seis semanas, após resolução dos sinais e dos sintomas, seguidas de terapia supressiva até que se atinja um valor de CD4 maior do que 200 células por três meses. A profilaxia primária com sulfametoxazol associado a trimetoprima é indicada para pacientes com Aids e sorologia IgG positiva para toxoplasma e nível de CD4 menor do que 100 células.

Os diagnósticos diferenciais incluem linfoma primário do SNC, tuberculoma e abscessos fúngicos. A forma encefalítica é mais observada em pacientes que realizaram transplante, por vezes com acometimento de outros órgãos, como coração e pulmão (raramente).

 

Leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP)

A LEMP é uma doença que afeta a substância branca encefálica em diversos locais e de forma progressiva. É causada pelo vírus JC, que pode ser identificado por meio de PCR no líquido cerebrospinal. As manifestações clínicas são diversas, devido ao acometimento de diferentes áreas e tratos, observando-se sinais em diferentes regiões anatômicas. Além do exame do líquido cerebrospinal, a imagem obtida por RM sugere o diagnóstico por meio de lesões com hipersinal em FLAIR e T2, na substância branca, bilateral e assimétrica, sem realce pelo contraste. Mais comum em pacientes com CD4 baixo, a medida terapêutica restringe-se ao tratamento da doença de base com antirretrovirais.

 

Outras infecções oportunistas no encéfalo

A formação de abscessos incomuns em pacientes imunocompetentes é muitas vezes observada nos pacientes com Aids. As lesões parenquimatosas têm como diagnóstico diferencial toxoplasmose, tuberculomas, criptococomas, chagomas, aspergilose, linfoma e histoplasmose, entre outras mais raras. São doenças difíceis de serem diagnosticadas por meio de líquido cerebrospinal e imagem, sendo necessário buscar outros locais de acometimento no corpo ou recorrer à biópsia cerebral.

 

Meninges

Meningite asséptica pelo HIV

Esse tipo de meningite é uma doença comum como primeira manifestação da infecção pelo HIV, verificada muitas vezes em casos de síndrome de soroconversão. Pode afetar pacientes em qualquer estágio da doença. Deve-se atentar para o fato de que o HIV é encontrado comumente no líquido cerebrospinal de pacientes infectados e assintomáticos, bem como pleocitose linfocítica e aumento de proteínas. Recomenda-se testar sorologia para HIV em pacientes com meningite viral sem etiologia definida e repetir o exame em até três meses se o resultado for negativo (pela possibilidade de o vírus estar em janela imunológica).

 

Meningites fúngicas e tuberculosa

Essas doenças afetam principalmente pacientes com nível de CD4 baixo. A meningite fúngica mais comum é a criptocócica, diagnosticada por meio de pesquisa direta de fungos no líquido cerebrospinal e de existência do antígeno no líquido cerebrospinal e no sangue. As me- ningites fúngicas e tuberculosa em geral se manifestam de forma crônica.

 

Tipicamente, a meningite tuberculosa é apresentada como doença que acomete a base do crânio, com impregnação de meninges nesse local. Alterações de nervos cranianos são comuns.

 

Medula espinal

Mielopatia vacuolar

A mielopatia vacuolar é uma doença medular que cursa com paraparesia espástica lentamente progressiva, havendo acometimento sensitivo (geralmente sem nível evidente no tronco) e esfincteriano. Os exames de imagem podem apresentar resultados normais ou atrofia medular. Não há tratamento específico.

 

Infecções oportunistas

A medula espinal pode ainda ser afetada por abscessos tuberculosos e fúngicos ou mielites virais (p. ex., herpes simples, varicela-zóster, citomegalovírus).

 

Infecções Parasitárias do Sistema Nervoso Central

As infestações parasitárias do SNC incluem diversos tipos de agentes etiológicos. Protozoários e helmintos, bem como outros agentes infecciosos, acometem o SNC de forma direta ou por meio de reações sistêmicas secundárias à infecção.

Por serem doenças muitas vezes endêmicas, saber sobre a história de exposição é de extrema importância. Também sintomas gastrintestinais auxiliam a investigação. A seguir, são apresentadas as principais doenças parasitárias nas quais ocorre acometimento do SNC no Brasil.

 

Malária

A malária é causada pelo protozoário Plasmodium, com quatro espécies patogênicas, sendo o P. falciparum o causador da forma cerebral. Transmitida pelo mosquito Anopheles e endêmica da região Norte do Brasil, a apresentação clínica geral é manifestada por ataques paroxísticos de febre alta, calafrio, sudorese e cefaleia. Estabelece-se o diagnóstico por meio da visualização direta por microscopia no teste da gota espessa (método oficial no Brasil).

A forma cerebral é manifestada por quadro de encefalopatia difusa, havendo comprometimento do nível de consciência, piramidalismo bilateral e crises convulsivas. Considera-se essa doença uma emergência neurológica, sendo indicado tratamento empírico precoce com artesunato e clindamicina. Em geral, há recuperação completa do quadro quando o tratamento é instituído precocemente.

A síndrome neurológica pós-malária é uma doença pós-infecciosa que afeta pacientes após um quadro clínico de malária, manifestando-se por quadros neuropsiquiátricos, convulsões, ataxia cerebelar ou tremores finos. Geralmente, seu surgimento ocorre até dois meses após a infecção inicial, e essa condição é autolimitada.

 

Doença de Chagas

Mais conhecida pelas manifestações de cardiomegalia, megacolo e megaesôfago, a doença de Chagas é causada pelo Trypanosoma cruzi. Até pouco tempo atrás, a principal forma de transmissão era vetorial, por meio do inseto conhecido como barbeiro. Hoje em dia, a transmissão vertical e oral são as mais significativas.

O acometimento do SNC ocorre em pacientes com algum grau de imunossupressão. A forma aguda pode manifestar-se como meningoencefalite. Já a reativação em pacientes com Aids tende a apresentar-se na forma de abscessos chagásicos (chagomas). Indica-se o tratamento em casos de doença neurológica, utilizando-se benzonidazol durante dois meses.

 

Amebíase

A amebíase é uma doença desencadeada pelo protozoário Entamoeba histolytica. Causa um quadro de alterações gastrintestinais que pode ser leve ou apresentar disenteria fulminante. O acometimento neurológico é uma das possíveis complicações da doença, havendo formação de abscessos cerebrais (amebomas). Deve-se suspeitar da ocorrência de amebíase se houver um quadro clínico de febre, alterações gastrintestinais, abscessos hepáticos e lesão focal no SNC. A mortalidade nesses casos complicados é alta. O tratamento inclui o uso de metronidazol e iodoquinol, com ressecção cirúrgica da lesão.

 

Neurocisticercose

A neurocisticercose é uma das principais parasitoses. Essa doença é causada pela ingestão dos ovos da Taenia solium, que tem o porco como participante do ciclo de vida do parasita. Já quando ocorre a ingestão da larva do parasita, a doença desencadeada é a teníase (solitária), havendo infestação do parasita no intestino do hospedeiro. Os critérios que auxiliam o diagnóstico de pacientes com neurocisticercose podem ser observados no Quadro 96.4. Existem as seis seguintes formas de cisticercose:

 

Parenquimatosa

Essa forma é a mais comum, apresentando um único cisto ou múltiplos. A principal manifestação clínica é a crise epilética. O cisto pode ser observado em quatro estágios: vesicular (cisto viável, com TC evidenciando escólex excêntrico, sem realce pelo contraste), coloide (morte do cisto por tratamento ou resposta imune do hospedeiro, edema adjacente com realce pelo contraste na TC), nodular (fase de degeneração, menor realce pelo contraste) e calcificado (cisto degenerado, sem reação inflamatória, lesão nodular hiperdensa na TC [Fig. 96.12]).

 

 

 

 

Intraventrícular e subcaracnoide

     Esses tipos de cisticercose afetam até 50% dos pacientes, sendo o quarto ventrículo o local mais acometido. As duas formas geralmente apresentam quadro de hidrocefalia, com sinais de hipertensão intracraniana. Pode, ainda, ocorrer quadro de inflamação meníngea, c omumente

com eosinófilos no líquido cerebrospinal.

 

Medular

Em casos de forma medular, geralmente há cistos localizados no espaço subaracnoide, apresentando sintomas e sinais de compressão medular e dor radicular. Existe também a possibilidade de acometimento do parênquima medular, por meio de disseminação hematogênica, que tende a estar localizada na medula torácica.

 

 

 

Figura 96.12

Tomografia computadorizada de crânio, sem contraste, evidenciando neurocisticercose calcificada (setas).

 

Ocular

A forma ocular ocorre raramente. Pode afetar a retina (neural) ou a musculatura extraocular e a câmara anterior (extraneural). Diplopia e dor ocular são sintomas frequentes.

 

Extraneural

A cisticercose neural afeta o subcutâneo ou a musculatura estriada, em geral de forma assintomática. Apresenta-se como calcificações em forma de charuto em radiografias simples.

Estabelece-se o diagnóstico de neurocisticercose por meio de quadro clínico associado ao resultado obtido em exame de imagem. A radiografia simples de coxa ou crânio pode auxiliar, evidenciando calcificações. Utiliza-se a TC de crânio na forma parenquimatosa da doença, mas a RM é mais sensível para as formas intraventriculares e subaracnoides. Existem exames sorológicos no líquido cerebrospinal e no sangue. Raramente é necessária a biópsia das lesões.

 

Tratamento (Quadro 96.5)

O tratamento de escolha para pacientes que apresentam a forma parenquimatosa com cisto viável é o uso de albendazol, pela boa eficácia, menor custo e menor inte ração medicamentosa. Utiliza-se corticoide previamente ao início da terapia a fim de evitar a reação inflamatória com a morte do cisto e suas manifestações clínicas. A administração de praziquantel é uma alternativa.

 

 

Tomografia computadorizada de crânio, sem contraste, evidenciando neurocisticercose calcificada (setas).

DAE,  fármaco antiepilética; DPV, derivação ventriculoperitoneal.

O uso de drogas anticonvulsivantes (de preferência em monoterapia) é indicado na fase inflamatória da doença, com retirada gradual após resolução clínica e radiológica. As crises epiléticas durante a fase calcificada da doença são interpretadas como crises não provocadas, devendo ser tratadas durante, pelo menos, dois anos.

As formas intraventriculares podem ser tratadas com ressecção cirúrgica por endoscopia. As formas subaracnoides são ressecadas quando acessíveis. A hidrocefalia, nesses casos, pode necessitar de derivação ventriculoperitoneal.

 

Caso Clínico Comentado

O paciente em questão apresenta quadro febril subagudo, com cefaleia, prostração e rigidez de nuca, precedido de provável infecção viral de vias aéreas superiores. Os exames complementares realizados até o momento evidenciam leucocitose discreta.

A partir dos achados citados, deve-se considerar acometimento meníngeo como provável local da doença vigente. Inicialmente se deve levar em conta duas possibilidades: meningite infecciosa e hemorragia subaracnoide. A existência de febre e a instalação insidiosa de cefaleia torna a hipótese de meningite a mais provável. Entre as doenças infecciosas meníngeas, a etiologia bacteriana é a mais temida inicialmente, devido ao fato de ser uma emergência neurológica. No entanto, o quadro subagudo e o bom estado geral do paciente, bem como sinais meníngeos e laboratoriais discretos, indicam que um quadro viral é o mais provável nesse momento.

Dessa forma, a punção lombar é o exame de escolha para o diagnóstico. Nesse caso, não há contraindicação formal para o procedimento e nem necessidade de realização de exame de imagem. Ressalta-se que, caso se cogitasse a ocorrência de meningite bacteriana por qualquer motivo, a administração de antibioticoterapia seria o primeiro passo, concomitantemente à execução de punção lombar. Também é importante frisar que, havendo suspeita de encefalite (alteração do sensório e/ou sinais focais), a ressonância magnética de crânio provavelmente traria benefício diagnóstico.

A punção lombar apresenta pressão de abertura de 250 mmH2O (levemente aumentada), sendo coletado líquido cerebrospinal límpido. O exame evidencia 117 leucócitos, com predomínio de linfomonócitos, glicorraquia de 54 mg/dL (relação LCR: sangue 0,6) e proteínas de 68 mg/dL (normal até 60). A partir do exame bacterioscópico e da pesquisa direta de fungos, não são observados germes. A pesquisa de vírus por meio de PCR também não identifica o agente etiológico. Os exames complementares subsequentes no líquido cere1brospinal apresentam resultados negativos, bem como a hemocultura.

O quadro clínico e laboratorial sugere meningite de etiologia viral sem agente isolado. Outras causas de meningite linfocítica subaguda devem ser consideradas conforme o contexto (p. ex., carcinomatose meníngea em idoso tabagista e doenças do colágeno em mulher com artrite e fotossensibilidade).

Em geral, pacientes como o desse caso podem ser manejados em nível ambulatorial, desde que possam receber medicação por via oral, estejam acompanhados e possam procurar auxílio de forma rápida. O manejo inclui remédios sintomáticos para febre e cefaleia e orientações gerais. Sugere-se, em especial para indivíduos com fatores de risco para DST, a coleta de sorologia para HIV, sob consentimento do paciente, por essa infecção ser uma das causas de meningite linfocítica. Caso o resultado seja negativo, deve-se realizar novamente a sorologia em três meses, devido à possibilidade de o vírus estar na janela imunológica, ou a pesquisa direta do vírus por carga viral.

 

Referência

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Leituras Recomendadas

Bradley WG, Daroff RB, Fenichel GM, Jankovic J, editors. Neurology in clinical practice. 5th ed. Philadelphia: Elsevier; 2008.

Brasil. Ministério da Saúde. Portal da saúde: vacinação [Internet]. Brasília: MS; c2012 [capturado em 15 set. 2012]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_ area=1448.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Doenças infece parasitárias: guia de bolso. 8. ed. rev. Brasília: MS; 2010.

Campbell WW. DeJong’s the neurologic examination. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005.

Chahine LM, Khoriaty RN, Tomford WJ, Hussain MS. The changing face of neurosyphilis. Int J Stroke. 2011;6(2):136-43.

Chin RL, editor. Emergency management of infectious diseases. New York: Cambridge; 2008.

Davies NW, Sharief MK, Howard RS. Infection-associated encephalopathies: their investigation, diagnosis, and treatment. J Neurol. 2006;253(7):833-45.

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